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Revista Curinga Edição 19

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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<strong>Revista</strong> Laboratório | Jornalismo | UFOP Nov. de 2016 | Ano VII |<br />

<strong>19</strong>


Expediente<br />

<strong>Curinga</strong> é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II.<br />

<strong>Revista</strong> produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop.<br />

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).<br />

Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social<br />

(DECSO).<br />

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).<br />

Professores Responsáveis<br />

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem)<br />

André Luís Carvalho (Fotografia)<br />

Talita Aquino (Planejamento Visual)<br />

Editora-Geral<br />

Carol Vieira<br />

Editora de Texto<br />

Hariane Alves<br />

Editora de Arte<br />

Débora Mendes<br />

Editora de Fotografia<br />

Tainara Torres<br />

Editoras de Multimídia<br />

Giselle Carvalho e Sabrina Passos<br />

Revisores<br />

Janaina Almeida e Sandro Aurélio<br />

O rio que morreu<br />

página 30<br />

Foto: Agliene Melquíades<br />

Ser e não estar<br />

página <strong>19</strong><br />

Foto: Felipe Nogueira<br />

Redatores<br />

Alex Galeno, Alícia Milhorance,<br />

Daniela Felix, Fernando Cássio,<br />

Flávio Ribeiro, Francielle Ramos,<br />

Lillian Indrusiak, Príscila Ferreira,<br />

Priscilla Santos, Thamiris Prado<br />

Diagramadores<br />

Camila Guardiola, Caroline Borges,<br />

Fabiano Alves, Ingryd Rodrigues,<br />

Lara Massa, Mariana Ferraz,<br />

Nathália Fiuza, Paloma Demartini,<br />

Pedro Menegheti<br />

Fotografos<br />

Agliene Melquíades, Caio Gomes,<br />

Felipe Nogueira, Gabriella Visciglia,<br />

Janaína Oliveira, Larissa Lana, Pedro<br />

Guimarães, Rodrigo Sena, Samara<br />

Araújo<br />

Capa e capas internas<br />

Débora Mendes (artes) e Tainara Torres (fotos)<br />

Agradecimentos especiais aos moradores dos locais<br />

citados na edição, à Diretoria do ICSA, ao DECSO, ao<br />

setor de transporte da UFOP, ao MAB, ao movimento de<br />

ocupação estudantil do ICSA e ao Robson Vilalba.<br />

Endereço:<br />

Rua do Catete, 166 - Centro<br />

35420-000, Mariana - MG<br />

Novembro/2016


Frágil equilíbrio<br />

página 22<br />

Foto: Rodrigo Sena<br />

Limiar da mineração<br />

página 33<br />

Foto: Janaína Oliveira<br />

A falta que faz<br />

página 15<br />

Foto: Tainara Torres


Fotos: TainaraTorres<br />

Arte: Débora Mendes<br />

Editorial<br />

1 ano. Nesse pedaço de vida se faz<br />

aniversário, passa-se de ano na escola,<br />

visita-se os avós, chupa-se jabuticaba ou manga.<br />

Dá tempo de ir à Igreja, plantar, ir no bar<br />

da esquina, contar alguns casos. Ainda dá<br />

tempo de vender coxinha, festejar na Folia de<br />

Reis, banhar na cachoeira e fazer um bordado.<br />

Até agora, se for bem agilizado, consegue-se<br />

correr pelas ruas, subir em árvores, pescar,<br />

pular no rio, comer uma pimentinha de leve<br />

e depois deitar para descansar em uma sombra.<br />

Não pode faltar a reunião na praça, o futebol<br />

do semana, o campeonato de truco, o<br />

café do vizinho e o lendário retrato de família.<br />

Aqui em Mariana, Minas Gerais, 1 ano<br />

foi o suficiente para acumular destroços, memórias<br />

e indignação. Foi o período necessário<br />

para o fortalecimento dos movimentos populares<br />

da região e para as pessoas entenderem<br />

o poder que o povo tem nas mãos. Além de<br />

perceberem demissões, construções de diques<br />

e aquisições de novos terrenos. Foram tempos<br />

de conhecer quem é a Samarco e como é a cidade<br />

sem mineração. 365 dias na Bacia do Rio<br />

Doce destacaram a morosidade da burocracia<br />

e da justiça encadeando multas e prisões.<br />

Foi indispensável pensar nos cuidados com o<br />

meio ambiente e sentir saudade na falta dele.<br />

Saudade instaurada desde o dia 05 de novembro<br />

de 2015, quando a barragem de Fundão<br />

se rompeu.<br />

Depois dos rejeitos vimos a poeira. Que<br />

incomoda, adoece, cega. O cisco no olho dói.<br />

Mesmo depois de tirado, permanece arranhando.<br />

As marcas ficam. As respostas não<br />

chegam. Famílias resistem. Brigam para entrar<br />

nas suas próprias terras que outros entram<br />

sem autorização. Choram pelas mortes tantas<br />

que persistem. Buscam sobreviver, de alguma<br />

forma, com os cortes dos cartões de crédito e<br />

sem previsão para indenizações. Sonham com<br />

um futuro previsto para... 20<strong>19</strong>. Aquele pensado,<br />

moldado e limitado por quem tudo destruiu?<br />

É o que parece.<br />

A espera cansa e angustia. Devagar, timidamente,<br />

mostra a vontade de buscar um pouco<br />

d’água para limpar o lamaceiro. E a torcida<br />

para renascer se faz presente. Após um ano,<br />

a <strong>19</strong>ª edição da <strong>Curinga</strong> traz os desfechos do<br />

desastre que atingiu os subdistritos de Bento<br />

Rodrigues, Paracatu e toda uma bacia hidrográfica.<br />

Especialistas, poder público, empresa,<br />

trabalhadores, vítimas. É preciso ocupar a<br />

memória da tragédia. Em razão dela, lembrar<br />

para não esquecer.<br />

Carol Vieira


eu<br />

no<br />

mundo


Identidade<br />

Habitar<br />

Texto: Francielle Ramos<br />

Foto: Janaína Oliveira<br />

Arte: Paloma Demartini<br />

O dia inacabado<br />

O tempo é contável de diversas formas: em anos, semanas, meses,<br />

dias, horas, minutos, segundos. O tempo pode ser a oportunidade,<br />

a ocasião. O que foi aquele 05 de novembro de 2015?<br />

Aquele mesmo em que vidas se perderam, vidas desapareceram,<br />

vidas foram transformadas. O que é o tempo de agora em diante?<br />

Tempo em que vidas questionam, vidas nascem, vidas renascem.


Um ano. Período curto para quem teve que correr para se<br />

salvar. Período longo para quem está há um ano fora de casa.<br />

Tempo curto para quem foi embora sem se despedir. Tempo longo<br />

para quem ficou esperando por notícias dos entes queridos.<br />

O tempo em que vivemos é curto demais para conseguirmos as<br />

respostas. Um ano de mudanças e adaptações.<br />

05 de Novembro de 2015. Rompe a barragem de Fundão.<br />

<strong>19</strong> mortes (17 adultos e duas crianças). 1.265 pessoas desabrigadas,<br />

228 municípios atingidos na Bacia do Rio Doce, 3,5 milhões<br />

de pessoas afetadas. A lama arrasta uma gestante de três<br />

meses por quatro quilômetros, forçando um aborto. O tempo<br />

para e persiste na mente de muitas pessoas. O dia em que muitas<br />

vidas mudaram. O dia em que a lama tomou conta de lares,<br />

do rio, das matas, do mar, dos animais, da memória.<br />

22 de Novembro de 2015. O rejeito chega ao mar. Polui o<br />

Rio Doce, um dos mais importantes da Região Sudeste, atinge<br />

diversas cidades e transforma a rotina de moradores, pessoas<br />

que dependem daquilo para viver… Não foi só o Rio Doce, a<br />

lama também danificou o Rio Gualaxo do Norte e o Rio do Carmo.<br />

Fontes de vida e sustento de milhares de pessoas.<br />

23 de Fevereiro de 2016. Polícia Civil conclui o primeiro<br />

inquérito sobre o rompimento da Barragem da Samarco e<br />

pede prisão de sete pessoas. Primeira investigação daquilo que<br />

deixou marcas catastróficas, causando inúmeros danos. As acusações<br />

são pelos crimes de poluição de água potável, homicídio<br />

qualificado pelo dolo eventual (quando não há intenção, mas se<br />

assume o risco) e inundação.<br />

09 de Março de 2016. O 18º corpo é encontrado na área da<br />

Barragem de Fundão. Tempo longo de procuras, de espera, de<br />

reconhecimento, de dúvidas. Mais uma vida que se foi, que vai<br />

deixar recordações. Continuam as buscas, ainda há uma vida<br />

perdida que não foi encontrada<br />

07 de Maio de 2016. Futuro novo lar escolhido. Famílias<br />

decidem onde vai ser reconstruído Bento Rodrigues. Lavoura é o<br />

nome. Ainda é apenas um nome, uma terra. Solo que vai ser erguido<br />

casas, novas memórias, novas experiências. Novas vidas?<br />

É o curso que, geralmente, a vida faz. Continuar os ciclos, gerar<br />

novas lembranças. Esquecer as antigas? Jamais.<br />

11 de Julho de 2016. Pela primeira vez, moradores de Bento<br />

Rodrigues homenageiam o padroeiro São Bento fora da Igreja<br />

centenária, que ficou soterrada no subdistrito. A missa foi celebrada<br />

na Capela de Santa Cruz, no Barro Preto, em Mariana.<br />

28 de Julho de 2016. Suely Sobreira, 48 anos, é sepultada<br />

no cemitério da Igreja Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues.<br />

Momento de prestar a última homenagem, da despedida,<br />

do descanso. Para cada pessoa tem um significado diferente<br />

e único e, parte da escolha pessoal como e onde será o fim desse<br />

ciclo. Suely vivia em Ouro Preto, mas Bento tinha um valor especial.<br />

É lá que a família também está enterrada.<br />

03 de Setembro de 2016. Os moradores de Paracatu também<br />

decidiram onde será erguida a nova casa. Lucila, por 67<br />

votos, ganha como novo terreno para se construir o futuro e<br />

reconstruir a comunidade. Novos dias, novas histórias. Recomeço,<br />

lembrança e esperança. O novo será vivido, com marcas do<br />

antigo, com marcas daquilo que levou até o novo.<br />

24 de Setembro de 2016. Um momento de memórias e<br />

fé, moradores celebram festa de Nossa Senhora das Mercês. O<br />

que antes era um momento de alegrias e devoção, agora é de<br />

lembranças. Os moradores fizeram uma procissão pelas ruas<br />

cobertas de lama, acompanhados de uma banda. A imagem de<br />

Nossa Senhora das Mercês, retirada do local após o rompimento<br />

da barragem, foi trazida da arquidiocese para a missa.<br />

31 de Outubro de 2016. O Movimento dos Atingidos por<br />

Barragens (MAB) inicia uma marcha, em Regência, distrito de<br />

Linhares (ES). A iniciativa enfatiza a importância da união dos<br />

atingidos em busca por seus direitos e passa por locais enxarcados<br />

pelo rejeito, até chegar à Mariana. É o caminho inverso da<br />

lama. Ela fez o percurso da destruição, o MAB faz o caminho de<br />

procuras, de entregas, da união.<br />

02 de Novembro de 2016. Moradores de Bento Rodrigues<br />

voltam ao subdistrito para rezar pelos entes queridos que já partiram.<br />

A missa foi celebrada no cemitério da Igreja de Nossa Senhora<br />

das Mercês. A vida de muitas pessoas está ligada a história<br />

de suas famílias, aos momentos já vividos e compartilhados.<br />

É o dia de recordar quem fez parte de cada história. Pessoas que<br />

contribuíram de uma forma específica com cada um daqueles<br />

que estão lá e deixaram suas marcas.<br />

05 de Novembro de 2016. Um ano do dia em que vidas e<br />

locais foram invadidos e transformados. O coletivo “Um Minuto<br />

de Sirene” realiza um evento para rememorar o rompimento.<br />

Tempo de recordações, tempo de questionamentos, tempo de<br />

mudanças. Cada dia é um novo passo, uma nova forma para<br />

se recomeçar. O tempo daqui pra frente está em aberto. Novos<br />

segundos, minutos, dias, meses, anos.<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 7


Habitar<br />

Reação à lama<br />

O rompimento da barragem de Fundão despertou<br />

resistências. Apesar dos rejeitos, a luta surge, a casa<br />

permanece e a vida continua.


Texto: Fernando Cássio<br />

Fotos: Caio Gomes e Gabriella Visciglia<br />

Arte: Camila Guardiola<br />

Constrói-se uma ideia de<br />

que o povo de Mariana é que depende<br />

da empresa , quando na verdade é<br />

ao contrário, é a empresa quem depende<br />

das pessoas daqui e da<br />

região. Há uma inversão de valores<br />

Joceli Andriolli<br />

“O lugar da minha vida é aqui, se eu for pra cidade não<br />

aguento ficar lá não. Eu tenho as minhas criações e cuido delas<br />

aqui. O meu prazer é esse, é a roça. O lugar da minha vida<br />

é aqui!”, afirma João Celestino Arcângelo Filho, 56 anos,<br />

morador de Paracatu, subdistrito de Mariana. João sabe dos<br />

riscos que a sua decisão de permanecer implica e reconhece<br />

que a sua realidade mudou, mas prefere continuar onde está.<br />

“Não vai voltar a ser como era antes. A gente não vai ter<br />

mais sossego, por causa dessas outras [barragens] que estão<br />

lá ainda. Se essa rompeu as outras também podem.” O lavrador<br />

nasceu, cresceu e ainda mora na área rural de Paracatu.<br />

Sem fazer parte de movimentos de mobilização, ele mostra<br />

resistência optando por continuar em seu lar. João recebeu<br />

uma notificação da Defesa Civil por estar em um local de<br />

risco, mas nem mesmo isso fez com que ele rompa o laço<br />

com o palco de suas histórias.<br />

Resistir é lutar por aquilo que se acredita. É aguentar,<br />

persistir e não padecer. Resistir é o que muitas pessoas fazem<br />

quando compreendem que seus direitos foram desrespeitados.<br />

Assim como João, o também morador do subdistrito há<br />

26 anos, Marino D’ Ângelo, 47 anos, viu a lama chegar até a<br />

sua porta. Diferente de João, ele deixou o lar por motivos de<br />

segurança. Marino é Presidente da Associação dos Produtores<br />

de Leite de Águas Claras e região, além de ser membro da<br />

Comissão dos Atingidos de Paracatu. Por não se ver como vítima,<br />

já que os rejeitos não haviam destruído sua residência,<br />

ele não correu atrás dos seus direitos após os primeiros meses<br />

do rompimento. Quando se identificou como atingido,<br />

abraçou a causa. “Meu universo havia sido transformado.”<br />

Agora, sua batalha vai além, ela é em prol de vários outros<br />

afetados pelo desastre. É sobretudo, resistir e seguir “apoiando,<br />

ajudando e buscando resgatar o direito dos atingidos”.<br />

O produtor de leite afirma que suas atividades foram prejudicadas.<br />

O que antes era rentável, após a tragédia passou a<br />

trazer prejuízos. A insegurança sobre o que pode acontecer é<br />

algo que também tem prejudicado sua saúde. “Eu tinha uma<br />

vida simples e feliz, agora tomo dois antidepressivos por dia.<br />

Cheguei a pensar que se a minha casa tivesse sido destruída<br />

que eu não teria sofrido tanto”, conta emocionado. Marino<br />

encontrou no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)<br />

uma forma de entender e lutar pelos seus direitos. Hoje,<br />

é militante do movimento.<br />

Diversos motivos fazem com que uma pessoa decida<br />

participar de um movimento popular, como por exemplo, a<br />

identificação com a causa ou a luta por direitos. Joceli Andriolli,<br />

37 anos, é integrante do MAB desde que era criança,<br />

mas foi na juventude que ele assumiu a militância. “Já milito<br />

há 20 anos. Dedico 100% do meu tempo ao movimento.” Sua<br />

família foi atingida pela Usina Hidrelétrica de Itá, localizada<br />

no rio Uruguai, em Santa Catarina. O MAB é uma organização<br />

que luta pelos direitos de pessoas que foram afetadas<br />

por barragens, fundado em <strong>19</strong>91, chegando à região dos<br />

Inconfidentes em <strong>19</strong>95.<br />

Membro da coordenação nacional do MAB, Joceli enxerga<br />

a relação de dependência de Mariana com a mineração.<br />

“Existe uma questão histórica na cidade, que é a cultura do<br />

colonialismo. Especialmente o colonialismo mental, que cria<br />

uma consciência coletiva de que as mineradoras são um mal<br />

necessário. Constrói-se uma ideia de que o povo de Mariana<br />

é que depende da empresa [Samarco], quando na verdade é<br />

ao contrário, é a empresa quem depende das pessoas daqui e<br />

da região. Há uma inversão de valores”. Resistir aos abusos<br />

e a negligência da mineradora Samarco se torna ainda mais<br />

fundamental para o militante. “A Samarco chegou a chantagear<br />

as pessoas, dizendo que só daria os cartões de auxílio<br />

[cartões fornecidos aos atingidos] se elas saíssem do movimento<br />

dos atingidos por barragens, e várias saíram pra poder<br />

ganhar o cartão”, ressalta.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

9


Uma luta de todos<br />

“Lembro de Bento Rodrigues desde o primeiro dia que pisei<br />

lá, quando eu tinha seis anos”, recorda Manoel Marcos Muniz,<br />

53 anos, ou simplesmente Seu Marquinho, como é chamado.<br />

Seu Marquinho trabalhou na Samarco por quase 30 anos.<br />

Um ano e um dia após se desligar da empresa seus planos foram<br />

interrompidos. “A ideia era curtir a minha aposentadoria<br />

lá em Bento. Lá eu vendia laranja, banana, jabuticaba, ovos,<br />

frango. Tinha criação de gado, porcos, galinhas e codornas”,<br />

conta. O aposentado estava em Mariana no dia 05 de novembro<br />

de 2015, e ao saber do rompimento, foi para o local, não<br />

conseguindo resgatar seus pertences.<br />

Das lembranças que a lama não conseguiu apagar, Marquinhos<br />

encontrou forças na escrita para resistir. E faz isso<br />

participando do jornal A Sirene, criado pelo coletivo “Um Minuto<br />

de Sirene” em parceria com a Arquidiocese de Mariana<br />

e o Ministério Público de Minas Gerais. “No jornal podemos<br />

falar e através dele nós também contamos nossas histórias<br />

e sofrimentos”, desabafa.<br />

O “Um Minuto de Sirene” surgiu uma semana após o desastre<br />

da Samarco. A posteriori, em março de 2016, veio o jornal.<br />

Ambos são compostos por voluntários e atingidos. De acordo<br />

com uma das criadoras do coletivo, a professora Ana Elisa Novais,<br />

37, a ideia surgiu como metáfora da ausência de sinalização<br />

sonora em Bento Rodrigues no dia do rompimento da barragem.<br />

Todo dia 05 de cada mês, o coletivo toca uma sirene na<br />

cidade de Mariana, promovendo ações que remetem à memória<br />

e ao desejo de respostas. Constituído por voluntários, o grupo<br />

tem encontrado dificuldades de atuação. “A única certeza que<br />

temos é que não podemos sair da praça. A gente não pode parar<br />

de soar a sirene, porque agora os próprios atingidos contam<br />

com isso”, explica Ana Elisa.<br />

João Celestino mora no mesmo lugar em<br />

Paracatu desde que se casou, há mais de<br />

25 anos: “Tenho que agradecer à Deus<br />

porque minha casa ficou.”


A <strong>Curinga</strong> conversou com Daniel da Mota Neri, professor do Instituto<br />

Federal de Minas Gerais (IFMG), em Ouro Preto, e integrante do Grupo de<br />

Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA). Formado após o rompimento<br />

da barragem de Fundão, reune professores de diferentes áreas<br />

de estudo, tanto do IFMG quanto da Universidade Federal de Ouro Preto<br />

(UFOP). O intuito é colaborar com a sociedade, debatendo efeitos sociais,<br />

econômicos, jurídicos e ambientais.<br />

Opinião<br />

Desastre em<br />

questão<br />

Texto: Lillian Indrusiak e débora mendes<br />

Foto: Pedro Guimarães<br />

Arte: Mariana Ferraz<br />

<strong>Curinga</strong>: Qual a proposta de trabalho desenvolvida pelo grupo?<br />

Daniel: O GEPSA nasceu com o objetivo de contestar uma postura de<br />

naturalização da tragédia, com a tentativa de transformar o rompimento<br />

da barragem em acidente e também tirar a culpa da ciência por trás<br />

da construção de barragens, o que chamamos de mito da “neutralidade<br />

da ciência”, algo que mostramos que deve ser combatido na sociedade.<br />

Fomos nos organizando e, em março de 2016, viramos um grupo, que<br />

procura discutir as questões sociocientíficas. Atuamos em três áreas: na<br />

licenciatura, com projetos de extensão; na arquitetura, com o reassentamento<br />

dos atingidos, especialmente em Gesteira, distrito duramente<br />

atingido; e nos direitos humanos.<br />

<strong>Curinga</strong>: Quais outros grupos de pesquisa têm estudado o<br />

rompimento da barragem?<br />

Daniel: Os grupos mais relevantes são o Grupo de Estudo e Temáticas<br />

Socioambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta-<br />

UFMG) e o Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade<br />

da Universidade Federal de Juiz de Fora (Poemas-UFJF), que já trabalhavam<br />

para as questões ligadas à economia e a atividade minerária, com<br />

professores bem atuantes. O Gepsa seguiu essa linha de pensamento.<br />

<strong>Curinga</strong>: Quais foram os maiores impactos ambientais ocasionados<br />

com o derrame da lama?<br />

Daniel: De acordo com relatórios produzidos, a degradação absoluta<br />

do Rio Doce, em toda a sua extensão, e a destruição da mata ciliar dos rios<br />

Gualaxo e Ribeirão do Carmo, que estão com níveis altíssimos de arsênio<br />

(metal pesado tóxico). Outro impacto é em relação ao uso da água em<br />

Governador Valadares, outra cidade afetada.<br />

<strong>Curinga</strong>: É possível conciliar o “bem estar” ambiental com a<br />

prática mineradora?<br />

Daniel: Não, na forma como está o Estado brasileiro, não. Pois é um<br />

Estado frágil, não há poder para fazer cumprir o Código Ambiental brasileiro<br />

existente. A Samarco teve <strong>19</strong> autuações, como denúncias de rachamentos.<br />

Sendo que nada aconteceu com a empresa. Continuará sendo<br />

uma atividade extrativista. É impossível. É tolice.<br />

<strong>Curinga</strong>: Do rompimento até agora, já houve alguma mudança<br />

significativa?<br />

Daniel: Nada, nada de positivo. Tudo de mais barato e o mínimo<br />

possível de ajuda, com enganações, experiências de assentamento com a<br />

lama, propiciando doenças de pele e respiratórias. Não houve reconstrução<br />

de nenhum dos subdistritos atingidos. Eles [empresa] protelam.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

11


Identidade<br />

Identidade Sensação<br />

Texto: Priscilla Santos<br />

Foto: Pedro Guimarães<br />

Arte: Paloma Demartini<br />

Ponte do Gama.<br />

Bento<br />

Rodrigues.<br />

Paracatu.<br />

A lama afundou<br />

histórias e<br />

tantas raras<br />

recordações,<br />

mas elas<br />

resistem.<br />

Saudade é<br />

motor para<br />

superar a<br />

tragédia.


Histórias soterradas<br />

O rompimento da barragem de Fundão levou muito consigo.<br />

A lama soterrou sonhos e modificou de forma permanente<br />

centenas de vidas nascidas e criadas em Bento Rodrigues<br />

e Paracatu, em Mariana, MG. Mas não somente. Ao<br />

se estender ao longo do rio, outras famílias e histórias foram<br />

atingidas de formas diferentes. Ao fugirem dos rejeitos<br />

que rapidamente tomaram as localidades, deixaram para<br />

trás os resquícios da vida que tiveram até o 05 de novembro.<br />

Nada jamais seria igual.<br />

A esperança e fé na força do coletivo é o que manteve unido<br />

Ponte do Gama. José Silvério, morador do distrito há mais de<br />

50 anos, se recorda de uma enchente ocorrida no fim da década<br />

de <strong>19</strong>70 e chegou até a estrada. Quando alertado sobre o<br />

rompimento da barragem de Fundão, acreditava que não teria<br />

consequências graves para sua região. No entanto, enquanto se<br />

aglomeravam na porta da igreja para a tradicional reza, no entardecer<br />

do dia 05, avistaram a lama, implacável, vindo com<br />

toda a força. “Quando vi, tava subindo uma onda que parecia<br />

do mar. Todo mundo correu e quando olhamos para trás, a lama<br />

já tinha coberto a igreja”, recorda-se. O recomeço da comunidade<br />

veio este ano, durante a tradicional festa de 12 de outubro,<br />

comemoração pelo dia de Nossa Senhora Aparecida, que foi diferente.<br />

“Foi mais especial que das outras vezes. Se a gente não<br />

ficar unido a gente tá perdido. É assim que precisa ser e sem dúvida<br />

Ponte do Gama está mais forte hoje”, acredita o morador.<br />

O comerciante José Barbosa dos Santos viveu 45 dos seus<br />

69 anos em Bento Rodrigues. Ao fechar os olhos, lembra-se da<br />

reação que teve ao sair da mercearia que era dono e ver a onda<br />

de mais de 5 metros de lama que vinha arrasando tudo, inclusive<br />

sua casa e a de seus filhos. Em estado de choque, correu para<br />

o alto de um morro. “Se eu tivesse chegado lá e meu povo não<br />

estivesse, eu voltava e caía na lama. O que eu ia ficar fazendo<br />

sozinho no mundo?”, pergunta. Sobrevivente, a dor do trauma<br />

queima em carne-viva. Sente fraquezas, tonturas, o corpo já não<br />

responde como antes. “Lá, minha vida era muito boa. Eu sinto<br />

saudade de tudo. Tinha freguês que eu via todo dia e não vejo<br />

mais. A vida pra mim praticamente acabou. É tanto baque que<br />

a cabeça da gente não aguenta. A vida tá ruim”.<br />

A rotina de Barbosa em nada lembra o que já foi. Os dias se<br />

arrastam enquanto passa deitado acompanhado de Bentinha,<br />

cadela que nasceu em Bento Rodrigues durante o rompimento<br />

e que foi encontrada após permanecer 15 dias, sem comida nem<br />

água, em cima de um telhado de uma casa. Antes, a mercearia<br />

lhe tomava todo o tempo. Recebia os clientes com sinuca, mesa<br />

de pebolim e até uma máquina de música. Para não se esquecer,<br />

ganhou de presente uma pintura de seu comércio, fiel ao que<br />

era. “Eu sou muito sentimental, mas parece que eu fiquei ainda<br />

mais de lá pra cá. Qualquer coisa eu derreto. No início, quando<br />

era tudo lama, muitas vezes eu ia lá só pra chorar”, emocionase.<br />

Sua força vem do sonho de, um dia, reabrir o Bar do Barbosa<br />

no “Novo Bento”.<br />

Diante das recordações, a família vê o passado como um filme.<br />

Filha de José, Marinalva questiona com o pai a veracidade<br />

da história que ouvia quando ainda era criança, sobre a mata<br />

que preenchia toda a região. Segundo a lenda, quando a última<br />

das tantas palmeiras que existiam na redondeza do subdistrito<br />

caísse, o lugar não existiria mais. Elas se esgotaram dois anos<br />

antes da barragem romper. E Bento Rodrigues não existe mais.<br />

Nem tudo que a lama destrói é de imediato. No sábado, 15<br />

de outubro deste ano, a tragédia fez mais uma vítima e Barbosa<br />

perdia um amigo, Henrique Bretas. Criador de gado, sentava-se<br />

na porta de casa e conversava com quem passava. Andava a<br />

cavalo, comprava ração no Bar do Barbosa, cuidava das vacas<br />

e das plantações. Desenvolveu um problema no coração, mas<br />

controla com medicação. A tristeza o consumiu. “Ele perdeu<br />

tudo, era apaixonado com a criação de gado que tinha. Foi fi-<br />

José Barbosa contempla a saudade dos amigos, de sua mercearia, e principalmente, de seu Bento Rodrigues.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 13


cando ruim, querendo voltar pro Bento. Falei com ele pra tirar<br />

isso da cabeça, que pra Bento Rodrigues igual era antes, a gente<br />

não volta nunca. Eu também tenho vontade, mas falei pra<br />

ele firmar o taco que a gente vai pro novo Bento”, conta José.<br />

“A saudade de Bento Rodrigues matou o Henrique e vai matar<br />

mais gente”, sentencia. Andreia Sales, sobrinha de Henrique,<br />

se lembra que o tio até então nunca havia adoecido ao ponto<br />

de precisar ser internado. Dessa vez, relutava em se medicar e<br />

chegava ao ponto de fingir ter tomado os remédios, quando na<br />

realidade, os jogava fora. “Minha prima chegou para visitar e<br />

ele estava há dias sentado, sem comer e sem tomar banho. Só<br />

falava no Bento, que queria voltar, fazer uma casa de quatro<br />

cômodos e cercar sua horta. Ele se entregou a tristeza.”<br />

Andreia viveu no subdistrito até os 24 anos, quando decidiu<br />

estudar na capital mineira em <strong>19</strong>99. “Minha família ficou,<br />

eu voltava sempre que podia. Nunca perdi o laço. Saí porque<br />

lá não tinha oportunidade e sonhava em fazer gastronomia”,<br />

lembra. Naquela época, o local não provia de oportunidades<br />

de emprego e a escola só oferecia turmas até a quarta série,<br />

diferente da estrutura que o subdistrito foi adquirindo ao longo<br />

dos tempos. As lembranças são de uma infância simples<br />

colhendo jambo, pescando, nadando e fazendo piquenique à<br />

beira do rio. As brincadeiras na rua quando ainda não havia<br />

luz elétrica, corridas na praça para pegar bandeirinha. O sabor<br />

do canudinho de doce de leite que a Maria da Fazenda vendia<br />

com a filha. O coral ensaiado pela Dona Lalá. Dona Dercília e<br />

Dona Raimunda que cuidavam da coroação e, ao final, davam<br />

doces para as crianças na saída da igreja. A vida em Bento, da<br />

forma que existiu, preenche dos poros às memórias de quem se<br />

viu sem sua maior ou única referência de lar. Restou um vazio.<br />

Após o rompimento, Andreia voltou à casa da família para<br />

resgatar alguns pertences. Seu pai, inconsolável, repetia a tristeza<br />

de ter perdido o relógio que ganhou da empresa que trabalhava<br />

quando completou 25 anos de serviços prestados. José<br />

das Dores Sales, aposentado por invalidez após ser atingido por<br />

um raio, encontrou o relógio, já sem funcionar, mas com a dedicatória<br />

intacta. Sua esposa, Jandira Sales, lamentava ter perdido<br />

fotos e registros de toda uma vida. “A gente tá passando<br />

por isso e sei que vamos sair mais forte, mas é muito sofrimento”,<br />

crava Andreia, que sonha em voltar para a comunidade<br />

reconstruída e trabalhar com sua paixão: a gastronomia.<br />

A saudade de uma Paracatu que não existe mais como antes<br />

também preenche os dias de Roberto Carlos de Paula, o “sr<br />

Neném”. Lembra-se de ter sido tirado da região em que viveu<br />

pela Polícia Civil, apenas com os documentos no bolso. Após<br />

três anos “amigado”, tinha acabado de construir a casa que iria<br />

morar com a esposa. Começaram a levar algumas coisas, mas a<br />

mudança efetiva seria no sábado. A barragem rompeu quinta.<br />

A realidade em Mariana em nada se assemelha. “Paracatu<br />

tinha muita festa, a gente é muito devoto, muito religioso. Eu<br />

era caseiro, massagista e meia auxiliar do time de futebol que<br />

tinha. Em Mariana fizeram um time, mas eu não gostei não.<br />

Perdemos muita amizade, porque é difícil encontrar as pessoas<br />

agora, tá cada um para um lado”, lamenta<br />

Em meio a tantas histórias, eles resistem. Resistem pelo<br />

amor um com o outro, pela fé em um lugar melhor que um<br />

dia virá. Resistem para que sejam lembrados, para que o que<br />

passaram não seja esquecido. Sonhando com o futuro, buscam<br />

a coragem necessária no passado. É através dessas memórias<br />

que encontram a força propulsora que os levará em frente.<br />

A igreja de Nossa Senhora da Aparecida, em Ponte do Gama<br />

Bar do Barbosa: a pintura foi o que restou<br />

Andreia revive as memórias da infância em Bento Rodrigues


Identidade<br />

Texto: Hariane Alves<br />

Fotos: Agliene Melquiades<br />

Arte: Débora Mendes<br />

A falta que faz<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 15


Foto: Samara Araújo


A ausência grita em Bento Rodrigues e fora de lá. Bento mudou, mas permanece. Permanece<br />

nos passos tímidos do Juarez Mariano de Souza, 57, que se recorda, ao andar pelo local, de<br />

quando dançava forró e da horta que tanto gostava. Ele sente saudades de tudo, assim como<br />

Genival Pascoal, 37, que fotografa todos os detalhes, tentando guardar na memória e na fotografia,<br />

o “Bento que ainda resta”, e que pode acabar.<br />

Vera Lúcia Muniz, 59, anda pelos caminhos recém criados pela mineradora Samarco. Fala<br />

entre lágrimas e sorrisos, que vai fazer um último piquenique onde casara e de onde possui<br />

as mais belas recordações. Já, Dona Benedita Sena, 77, relembra das horas passadas ao sol,<br />

cuidando das suas plantas e frutas. Agora, passa os dias assistindo televisão e sonha com o<br />

“novo Bento”, enquanto Ricardo Gabriel da Silva, 22, mostra os destroços do que fora casa<br />

e tenta encontrar em piadas, a alegria para espantar a tristeza. Ele fala sobre a prima e o tio<br />

que foram engolidos pela lama, sobre a saudade que sente... Bento mudou, mas permanece.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 17


Identidade<br />

Ser<br />

e não<br />

Identidade<br />

estar<br />

País, região, estado.<br />

Somos do nosso<br />

“lugar”, vivendo dentro<br />

da cidade de Mariana.<br />

Porque ser<br />

marianense é ser de<br />

Cachoeira do<br />

Brumado, de Padre<br />

Viegas, de Paracatu,<br />

de Bento, do Santo<br />

Antônio, do Cabanas...<br />

Moradores sempre<br />

serão moradores.<br />

Anos de convivência<br />

compõem a biografia<br />

de cada pessoa. Mas<br />

uma tragédia pode<br />

mudar essa identidade.<br />

Texto: Francielle Ramos e Lillian Indrusiak<br />

Foto: Felipe Nogueira e Samara Araújo<br />

Arte: Ingryd Rodrigues<br />

CURINGA CURINGA | EDIÇÃO | EDIÇÃO 17 <strong>19</strong><br />

<strong>19</strong>


A experiência é intransferível. Diz respeito ao que é<br />

sentido por um indivíduo que vivenciou determinado<br />

acontecimento. O vínculo afetivo estabelecido entre os<br />

moradores e as áreas afetadas é resultado de experiências<br />

vividas entre gerações e que contribuem para a<br />

formação de uma identidade coletiva tão intensa que<br />

se mistura com a identidade individual. O sociólogo<br />

Zygmunt Bauman, em seu livro Comunidade, reforça<br />

que o convívio comunitário é estabelecido por meio de<br />

interações entre as pessoas e os espaços compartilhados,<br />

intensificando a memória coletiva.<br />

Essa memória coletiva é fundamental na construção<br />

da identidade do próprio sujeito, visto que existe<br />

um esforço para moldar o próprio “Eu”. Para o psicólogo<br />

Geraldo Ribeiro, 31, um acontecimento de grande<br />

proporção, como foi o rompimento da barragem de<br />

Fundão, gera traumas, interferindo nessa construção<br />

identitária. “A marca do trauma ecoa pelas lembranças<br />

do que foi perdido, como, plantações, moradias, familiares.<br />

Há um luto pela própria história de vida, a perda<br />

de um ambiente em conjunto com suas singulares<br />

referências”, explica Ribeiro.<br />

Não lugar<br />

Paracatu continua. Para as pessoas que viveram lá,<br />

como Silvia Inês Anacleto, 33, no novo terreno não será<br />

a mesma coisa. “Para nós, moradores, nunca será algo<br />

válido. Será erguida à base de memórias sofridas. Não<br />

terá nossa horta, os animais criados, as lembranças<br />

da infância, muito menos a casa que batalhamos para<br />

construir com o suor caído do nosso rosto.” A ideia da<br />

construção do novo terreno já impacta a comunidade.<br />

O que antes era um relacionamento comum entre vizinhança,<br />

tornou-se um conjunto de reuniões entre a<br />

mineradora Samarco, atingidos e movimentos.<br />

O marido de Silvia, Jaci Geraldo de Souza, 35, faz<br />

aniversário no dia oito de novembro, três dias após a<br />

Antônio Geraldo da Silva.<br />

data da tragédia. “O pior presente que eu poderia ter<br />

recebido”. Era zagueiro do time de futebol de Paracatu.<br />

Orgulhoso, conta as glórias do pequeno clube<br />

amador do qual fazia parte. Tudo que o casal possuía<br />

foi construído através de muito trabalho. Jaci trabalhava<br />

com a terra, enquanto Silvia era cabeleireira. Os<br />

irmãos Júlia e Yuri, são filhos do casal e já sonham<br />

com um futuro, assim como os pais. Com 10 anos, Júlia<br />

já sabe o que quer ser quando crescer, “professora<br />

em Paracatu”. Hoje, ela vai à “Escola de Paracatu”<br />

em Mariana e tem aulas em uma turma somente com<br />

crianças e uma professora do distrito.<br />

Antônio Geraldo da Silva, 28, amigo do casal, atualmente<br />

vai para Águas Claras, distrito vizinho, quando<br />

quer jogar bola. Com a destruição do “Bar do Jairo”<br />

lugar onde trabalhava, ele perdeu o emprego. O que<br />

antes era rotina, como encontros com os amigos, conversas<br />

ao fim da tarde, se perdeu. Ele continua em sua<br />

casa, sozinho. Durante a semana, cuida da propriedade,<br />

das plantas e animais. Ao pensar no novo lar, Antônio<br />

não tem dúvidas: não quer deixar sua casa. Ele<br />

nasceu em Furquim, distrito de Mariana, mas exalta<br />

onde foi criado: “Eu sou de Paracatu.”<br />

Em Mariana<br />

Após um ano da tragédia, a situação permanece<br />

praticamente estagnada. Promessas ganham destaque<br />

quando o assunto são as construções dos novos subdistritos<br />

- “Novo Bento” e “Nova Paracatu”.<br />

Atualmente em Mariana, os moradores dos subdistritos<br />

estão dispersos. O casal Jaci e Silvia estão no<br />

São Gonçalo, bairro de grande porte que destoa da realidade<br />

anterior. Já Antônio, permanece no subdistrito<br />

por não conseguir desvincular-se fisica e emocionalmente<br />

do local que tanto gosta.<br />

O pagamento do aluguel da casa onde estão morando<br />

e o auxílio financeiro mensal ficam a cargo da<br />

Samarco. Neste caso, a empresa foi obrigada pelo Ministério<br />

Público a acatar as decisões.


travessia


Fragil equilibrio<br />

Texto: Flávio Ribeiro e Thamiris Prado<br />

Foto: Larissa Lana e Rodrigo Sena<br />

Arte: Lara Massa e Nathália Fiuza


A presença ostensiva da Samarco sobre as áreas em<br />

que atua na região de Mariana pode ser explicada<br />

por meio dos dados históricos de arrecadação da<br />

empresa e de seus repasses, gerando uma<br />

controversa relação entre o público e privado.<br />

Um jogo milionário de interesses e projetos revela o<br />

lado oculto de uma tragédia anunciada.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 23


Documentos aos quais a <strong>Curinga</strong> teve acesso revelam que<br />

o Sistema de Disposição de Rejeitos (SDR) - projeto que pretendia<br />

construir uma barragem a 1,2 km no subdistrito de<br />

Mariana - estava nos planos da Samarco desde 2009. Com<br />

análises que acumulam quase 600 páginas, a mineradora tinha<br />

informações detalhadas sobre a comunidade, com o propósito<br />

de transferir os 418 habitantes daquela época para um<br />

dos 12 possíveis locais na cidade.<br />

Nomeada como Barragem de Rejeitos Mirandinha, o projeto<br />

teria capacidade para armazenar 417 milhões de metros<br />

cúbicos de rejeitos - uma espécie de sobra da extração do minério.<br />

A quantidade equivale a 167 piscinas olímpicas, e representa<br />

sete vezes mais do que comportava a barragem de<br />

Fundão. Ainda de acordo com os documentos da Samarco, a<br />

conclusão do projeto garantiria “a continuidade e expansão<br />

da empresa” por mais 30 anos.<br />

Os estudos sobre Bento Rodrigues realizados pela consultoria<br />

YKS Serviços, em junho de 2013, incluíam relatórios<br />

sobre o perfil dos moradores, como por exemplo, quem eles<br />

visitavam, como se transportavam e porque faziam isso, além<br />

de como sustentavam a casa e se dependiam de auxílios como<br />

o Bolsa Família. Reunido em cinco relatórios, o estudo apresenta<br />

o perfil do projeto SDR e a análise das famílias daquela<br />

região, as possibilidades de remanejamento e as pesquisas<br />

sobre os locais pretendidos para o futuro da comunidade. O<br />

documento ainda traz uma recomendação sobre o que deveria<br />

ser feito em caso de falha de leitura de segurança da barragem.<br />

De acordo com a avaliação, o impacto de um possível<br />

rompimento da barragem projetada seria um “acidente fatal,<br />

com destruição da comunidade”. Como medida de correção<br />

de uma possível tragédia, a análise aponta o pagamento de<br />

indenizações às famílias das vítimas.<br />

Os relatórios apontam que durante a fase inicial do projeto,<br />

por volta de 2013, a Samarco já havia contratado ao menos<br />

três empresas para iniciar estudos relacionados à Barragem<br />

Mirandinha, sendo elas a Lume Estratégia Ambiental (2009),<br />

a Geoestável - Consultoria e Projetos (2011) e a Agroflor Engenharia<br />

e Meio Ambiente (2013). Importante ressaltar que<br />

a primeira das três fases de implementação do projeto SDR<br />

previa o alteamento - processo de aumento da capacidade<br />

de armazenamento de rejeitos - das barragens de Fundão e<br />

Germano e, em seguida, a unificação dos dois reservatórios.<br />

A terceira fase seria a construção da Barragem Mirandinha,<br />

sendo justificada - no tópico “objetivo” do estudo feito pela<br />

consultoria YKS - como uma “necessidade de viabilizar novas<br />

áreas para a disposição [de rejeitos]”. Conforme laudo do<br />

Ministério Público Federal de 2016, a barragem de Fundão<br />

chegaria ao esgotamento da sua capacidade já em 2009.<br />

Segundo o parecer técnico expedido pela Superintendência<br />

Regional de Regularização Ambiental Central Metropolitana<br />

(Supram CM, MG) - proveniente de dois relatórios de<br />

vistoria realizados pela consultoria Sete Soluções e Tecnologia<br />

Ambiental, em dezembro de 2013 e junho de 2014 -, a Samarco<br />

obteve licença para altear e unificar as barragens de rejeitos<br />

de Fundão e Germano pelo prazo de seis anos.<br />

Enquanto o planejamento do SDR continuou, se tornava<br />

cada vez mais provável o “esvaziamento incentivado” da<br />

comunidade. Descrita como uma das possibilidades de realocação<br />

dos moradores, tal proposta tinha como objetivo a<br />

indenização pelas propriedades e o afastamento da vizinhança<br />

indesejada. Optando por essa alternativa, não haveria “a<br />

necessidade de construção de novas residências por parte da<br />

Samarco”, diz um trecho dos relatórios.


Et labo. Lit vitia quatur sam<br />

fuga. Ut vitiuri scius, corporecusam<br />

nonsendam, ut volo omni<br />

utem. Ut dillab intor re destibus.<br />

A construção do Dique S4 afetará o acesso aos<br />

monumentos não destruídos pela lama.<br />

Vista panorâmica de parte da região que será alagada<br />

em Bento Rodrigues.<br />

Cerco fechado<br />

A exemplo do que apontam a consultoria contratada e<br />

pedidos da Samarco encaminhados aos órgãos públicos, moradores<br />

e familiares de proprietários de terrenos da região<br />

confirmam as especulações por parte da empresa. Paulo Henrique<br />

de Andrade, 39 anos, conta que a Samarco sempre fez a<br />

sondagem de fazendas e terrenos que cercavam o subdistrito,<br />

o que evidencia a possibilidade de expansão das obras da empresa,<br />

em função da crescente extração de minério. A mineradora<br />

tentou negociar uma das fazendas em nome de José<br />

Felipe dos Santos (ex-sogro de Paulo Henrique) no distrito de<br />

Camargos, próxima à divisa com Bento Rodrigues.<br />

Simária Quintão, 42, moradora do subdistrito desde que<br />

nasceu, relata que, apesar dos rumores e das conversas amedrontadas,<br />

funcionários da mineradora garantiam que a empresa<br />

não pretendia tirá-los do local para construir outras barragens,<br />

e nem mesmo continuar expandindo as já existentes,<br />

destacando sempre que “o lugar deles [dos moradores] era<br />

ali”. Quando fala sobre as tentativas de compra dos terrenos<br />

por parte da Samarco dentro do subdistrito, Simária nega<br />

qualquer investimento da mineradora. “Não, lá eles só compraram<br />

ao redor. Somente as partes maiores. A gente questionava,<br />

perguntava se iam tirar a gente… nunca falaram que<br />

iam tirar a gente de lá.”<br />

Documentos obtidos pela reportagem da <strong>Curinga</strong> atestam<br />

que a empresa efetuou, entre outros, a compra de propriedade<br />

medindo mais de 234 hectares de terra. A certidão de compra<br />

comprova que o loteamento está “próximo ao povoado de<br />

Bento Rodrigues”, fazendo divisas com o próprio terreno de<br />

José Felipe, além do Córrego Santarém, do Rio Gualaxo e do<br />

Córrego Mirandinha - áreas essas que seriam afetadas pelo<br />

projeto SDR Mirandinha.<br />

Na descrição dos relatórios de 2013, as planilhas de informações<br />

sobre a comunidade dão conta de que, ao final de<br />

cada entrevista, os pesquisadores contratados respondiam<br />

questões de percepção e análise comportamental em relação<br />

às respostas dos moradores. Naquele período foram estimados<br />

- sem que a população pudesse saber, de acordo com<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

25


Samarco assumiu o controle do território de Bento<br />

Rodrigues desde o rompimento da barragem em 05 de<br />

novembro de 2015.<br />

pedidos feitos pela própria Samarco à consultoria -, os valores<br />

de propriedades de 118 famílias. O número das indenizações,<br />

caso a mineradora decidisse comprar todas as casas no<br />

subdistrito, alcançaria cerca de R$ <strong>19</strong>,5 milhões. Dentro desta<br />

análise, levantou-se o número de famílias proprietárias dos<br />

imóveis (quitados), a fim de diagnosticar o nível de dependência<br />

financeira e o grau de resistência dos moradores em<br />

relação à uma possível mudança do subdistrito. No processo<br />

de cruzamento dos dados a esse respeito, os relatórios constam<br />

que as pessoas que residiam entre 6 a 10 anos em Bento<br />

Rodrigues apresentaram alta resistência à possibilidade. Dentre<br />

elas, 75% revelou-se contra à mudança.<br />

As informações sobre as quais a mineradora possuía do<br />

local chegam a ultrapassar o conhecimento da Prefeitura. “É<br />

uma pena que nós não tivéssemos tido essa percepção antes.<br />

Eu não consigo nem me situar onde está essa barragem de<br />

Mirandinha”, admite o atual prefeito, Duarte Júnior (PPS).<br />

Inversão de poderes<br />

A Prefeitura de Mariana nega que a administração tivesse<br />

qualquer conhecimento oficial sobre os planos da Samarco<br />

para o subdistrito. “Nós fizemos uma reunião com a mineradora<br />

cerca de 60 dias antes do acidente [do rompimento da<br />

barragem de Fundão], mas para falar sobre os investimentos<br />

que estavam sendo feitos para a área, como o asfalto. Nunca<br />

houve por parte da empresa alguma proposta de comprar<br />

aquela região”, afirma ele.<br />

Et labo. Lit vitia quatur sam<br />

fuga. Na Ut reunião vitiuri scius, citada, corporecusam<br />

o nonsendam, prefeito Duarte ut volo Júnior omni reuniu moradores para apre-<br />

exatamente no dia 6 de outubro de<br />

2015,<br />

sentar utem. Ut os dillab planos intor para re destibus. a comunidade. A moradora Simária<br />

Quintão, que presenciou o evento, conta que a população recebeu<br />

a notícia sobre o asfaltamento da estrada que liga o<br />

subdistrito a Mariana com entusiasmo, tendo em vista que a<br />

infraestrutura era uma promessa do atual e de governos anteriores<br />

à comunidade. Para ela, tal investimento da Prefeitura<br />

junto à Samarco simbolizava um acordo entre a empresa e o<br />

poder municipal para favorecer os projetos mantidos pela mineradora<br />

na região. “Eu vi como uma moeda de troca, assim<br />

como foi a vida inteira. A Samarco prometeu essa moeda de


troca para a prefeitura: fazer o asfalto de lá e em troca teriam<br />

a licença para fazer a Mirandinha”, suspeita Simária.<br />

O asfaltamento da estrada ligando Mariana a Bento Rodrigues<br />

se tratava, na verdade, de uma das obras incluídas<br />

no projeto “Estrada Parque - Caminhos da Mineração”, que<br />

previa ainda criar uma rota turística, com o asfalto entre Bento<br />

Rodrigues, os distritos de Santa Rita Durão e Camargos.<br />

Trechos do documento obtido pela reportagem indicam que<br />

a mudança da estrutura de transporte poderia se reverter em<br />

“credibilidade, respeito e admiração” pela mineradora. “Ainda,<br />

caso a empresa queira investir em visibilidade, poderia ser<br />

estabelecido no subdistrito um Centro de Apoio ao Visitante<br />

da Samarco, de maneira que a comunidade fosse referenciada<br />

não como impactada pelo empreendimento [Mirandinha],<br />

mas como uma parceira da empresa”, completa o trecho.<br />

Documento emitido em 2014 pela Supram CM mostra que<br />

a empresa Sete Soluções e Tecnologia Ambiental, responsável<br />

pelo registro de dados sobre o subdistrito, caracterizou a<br />

comunidade como pouco significativa economicamente: “O<br />

comércio de Bento Rodrigues é pouco diversificado, registrando-se<br />

grande dependência de Mariana. Observa-se a existência<br />

de bares e restaurantes, além de mercearias com pouca<br />

relevância em termos de geração de emprego ou mesmo de<br />

recolhimento de tributos”.<br />

Desorientado com tal afirmação, Duarte Júnior desconhecia<br />

a análise apresentada no documento, além de não possuir<br />

quaisquer dados sobre a economia do subdistrito. Para a<br />

Samarco, entretanto, o território de Bento Rodrigues havia se<br />

tornado cada vez mais importante para os negócios da empresa,<br />

conforme apontam os papeis de 2013.<br />

Em caso de não remanejamento da comunidade, a mineradora<br />

possuía como indicação elaborar um plano diretor para<br />

o subdistrito, com o objetivo “da ordenação e regularização no<br />

uso das áreas, tanto pela comunidade, quanto pelas empresas<br />

mineradoras presentes na região, pela população e eventualmente<br />

por novos investidores”. Sendo assim, a empresa se<br />

tornaria responsável por planejar o “desenvolvimento de Bento<br />

Rodrigues a curto, médio e longo prazo” - atuando, então,<br />

em uma tarefa que deveria ser exclusividade da Prefeitura.<br />

Ainda hoje, após a destruição da comunidade que já<br />

estava, indiretamente, sob seu poder, o território do que res-<br />

tou do subdistrito continua às vistas da mineradora. Em setembro<br />

de 2016, dez meses após a tragédia, a Samarco foi<br />

autorizada pelo Governo do Estado a construir o dique S4 -<br />

empreendimento que alaga cerca de 56 hectares da área já<br />

afetada, impactando o entorno de patrimônios tombados,<br />

como a Igreja de São Bento. A obra, segundo a mineradora, é<br />

uma medida “emergencial” para conter os rejeitos do Dique<br />

S3, além de controlar a lama durante o período de chuvas.<br />

De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente<br />

e Desenvolvimento Sustentável (Semad), órgão ligado ao Governo<br />

de Minas Gerais, o não impedimento à obra do Dique<br />

S4 levou em consideração “as discussões sobre as medidas<br />

que poderiam ser adotadas após o rompimento da barragem<br />

do Fundão. Com vistas a minimizar os danos à saúde e ao<br />

meio ambiente.”<br />

Para o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que<br />

abriu inquérito para investigar o SDR Mirandinha, a suspeita<br />

é de que o Dique S4 seja uma obra com finalidades além<br />

Ao fundo da imagem, avista-se o que restou da igreja de<br />

São Bento, do século XIX, e que agora corre o risco de<br />

ser inundado após obras da Samarco.<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 29<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 27


das que foram anunciadas, inclusive voltadas para o retorno<br />

das operações da empresa e seus consequentes lucros. “A linha<br />

de raciocínio é de que a Samarco, com a alegação de que<br />

os diques são de segurança, na verdade projeta a construção<br />

de uma grande barragem ali no local [de Bento Rodrigues]”,<br />

afirma o promotor de justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto.<br />

O prefeito de Mariana diz concordar com a construção do<br />

Dique S4, aceitando as justificativas apresentadas pela Samarco.<br />

Segundo Duarte Júnior, a circunstância demanda que<br />

ele atue “mais como um observador do que fiscal”.<br />

Novo Bento<br />

A estranha relação entre empresa e poder executivo permanece<br />

quando o assunto é o chamado “Novo Bento” e as<br />

demais “novas” comunidades a serem destinadas aos atingidos<br />

da tragédia de 05 de novembro de 2015. O Termo de<br />

Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado pela<br />

Samarco junto aos governos Federal, de Minas Gerais e do<br />

Espírito Santo, em março de 2016, prevê o prazo de três anos<br />

para o término das obras.<br />

Com a responsabilidade, há expectativas de que a mineradora<br />

se envolva ainda mais diretamente com a Prefeitura de<br />

Mariana. Um novo cenário de infraestrutura entre o público<br />

e privado surge em meio às incertezas. “Nós, como município,<br />

acontecendo do novo Bento Rodrigues ser no terreno de<br />

Lavoura, temos como intenção asfaltar [a estrada que liga<br />

Mariana ao território]”, diz o prefeito Duarte Júnior. A promessa<br />

é a mesma realizada para a antiga localidade, há 35<br />

Km de Mariana. A mineradora alega que “todos os aparelhos<br />

públicos” serão reconstruídos na nova comunidade de Bento,<br />

assim como os itens que possam remeter ao sentimento de<br />

pertencimento e memória dos moradores. O terreno de Lavoura,<br />

comprado pela mineradora e escolhido pelos antigos<br />

moradores como local para o “Novo Bento”, possui 350 hectares<br />

e está localizado a oito quilômetros de Mariana e a nove<br />

do subdistrito de Bento Rodrigues.<br />

De acordo com o antigo coordenador de reconstrução das<br />

comunidades, Alexandre Pimenta, foram realizados estudos<br />

de expectativas dos ex-moradores em relação aos novos ambientes.<br />

Porém, os problemas não se encerram aí. As casas<br />

possuem padrão limitado de construção, sendo quatro modelos<br />

de moradias, com três plantas.<br />

O TTAC prevê programas de recuperação ambiental e socioeconômica<br />

das áreas diretamente afetadas pela tragédia.<br />

No caso do “Novo Bento”, um fator de risco nas proximidades<br />

do terreno escolhido para o recomeço preocupa as autoridades.<br />

O aterro sanitário de Mariana está a 2,5 quilômetros de<br />

Lavoura e pode prejudicar os planos da Samarco, tanto com<br />

relação aos prazos de entrega, quanto à oferta de novas ameaças<br />

à segurança e à salubridade da população. O prefeito Duarte<br />

Júnior alega que as obras não serão autorizadas caso o Município<br />

não aprove a construção da comunidade em Lavoura.<br />

A mineradora não comentou o caso.<br />

A <strong>Curinga</strong> tentou repetidos contatos com a empresa Samarco<br />

durante todo o processo de apuração da reportagem. A<br />

assessoria de imprensa da mineradora respondeu parte dos<br />

questionamentos por meio de notas padrões encaminhadas<br />

aos veículos de comunicação. Questionamentos específicos<br />

sobre as informações citadas durante o texto foram reencaminhados<br />

à Samarco, porém não se obteve respostas.<br />

Desde junho de 2016, o único indício de exist ê ncia do “Novo<br />

Bento” era uma placa. A nova comunidade ainda é uma<br />

incerteza.


o mundo<br />

em<br />

mim<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 29


Sensação<br />

Texto: Alicia Milhorance<br />

Arte: Pedro Menegheti<br />

Watu<br />

Kwen,<br />

o rio que morreu<br />

Na língua dos Krenaks, a expressão<br />

Watu Kwen quer dizer:<br />

o Rio Doce morreu. Hoje não sei<br />

se quem fala é o Rio morto ou o<br />

morto Rio. Se ele pudesse voltar no<br />

tempo, teria tomado um outro rumo.<br />

Se estivesse congelado, talvez esse<br />

limo marrom não o tomaria por inteiro,<br />

nem conseguiria arrastar suas<br />

tristezas ao longo do seu leito.


Após 17 dias do rompimento da barragem de Fundão,<br />

a força destruídora dos rejeitos tomou conta de<br />

663 km ao longo de toda a bacia do Rio Doce - pelos<br />

afluentes Gualaxo do Norte e do Carmo, na região<br />

central de Minas Gerais - consolidando o que ele<br />

vinha sentindo há algum tempo. Seu curso estava<br />

amargo e seu perecimento já era certo. A partir desse<br />

momento, a tragédia de Mariana deixava de ser o responsável<br />

somente pela morte do Watu, mas também a causadora<br />

de uma catástrofe em sequência em grande parte do litoral dos<br />

estados do Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro. Destruição das<br />

matas ciliares, soterramento da serapilheira e do banco de semente,<br />

comprometimento da estrutura e função de ecossistemas, foram<br />

algumas das consequências que a devastação de 1.469 hectares.<br />

O duto aberto pela lama só acelerou o processo de degradação<br />

que já caminhava por uma amarga trajetória. Na última seca, suas<br />

forças já estavam muito reduzidas e era difícil conseguir desaguar<br />

no Oceano Atlântico. Abrangendo 83.400 km², sua bacia<br />

hidrográfica conseguia sustentar uma população de 3,5<br />

milhões de habitantes e mesmo assim seu manancial era<br />

o 10º mais poluído do país. Hoje, a composição dos sedimentos<br />

encontrados em suas águas não é diferente<br />

dos componentes que eram detectados antes da<br />

tragédia, mas as concentrações estão muito mais<br />

acentuadas. Foram identificados 36 elementos<br />

da tabela periódica, dos 118 existentes. Por<br />

isso, não é de agora que sofre com o acúmulo<br />

de metais pesados lançados pela indústria<br />

siderúrgica e pela mineração, e seus “filhos”<br />

são os mais afetados.<br />

Para os índios da etnia Krenak, o<br />

Watu (nome dado por eles ao Rio Doce)<br />

é considerado mãe e pai do povo. Seus peixes<br />

servem para a alimentação, sua água<br />

para matar a sede, para limpeza e rituais.<br />

Seu território para os animais,<br />

sobretudo daqueles que vivem<br />

nas matas em seu entorno.<br />

Eles não dependem apenas<br />

dessa área para sobrevivência,<br />

mas também para a manutenção<br />

de sua cultura. Para<br />

os índios, o Rio Doce é a<br />

sagrada fonte de vida.<br />

Uma pena que os<br />

outros filhos (boa<br />

parte dos homens brancos)<br />

não pensem assim. Prova<br />

disso é a falta de cuidado do lado<br />

de fora da reserva indígena, onde a<br />

sua saúde estava mais frágil.<br />

A história do Rio Doce e a dos Krenaks<br />

nunca foi fácil. Originários do Baixo<br />

Recôncavo Baiano, eles chegaram até o Rio Doce,<br />

no século XIX. A partir de <strong>19</strong>03, milhares de Krenaks<br />

foram sumindo à medida que fazendeiros vieram<br />

apossar-se das matas do rio para abrir seus latifúndios no<br />

espaço geográfico onde se localizam hoje os municípios de<br />

Resplendor e Conselheiro Pena, em Minas Gerais. Nessa<br />

época, o território por eles habitado foi palco da construção<br />

da ferrovia Vitória/Minas, da mineradora Vale, que atualmente<br />

é responsável pela Samarco, juntamente com a<br />

anglo-australiana BHP Billiton.<br />

Mineradoras, hidrelétricas e siderúrgicas, não é fácil<br />

aguentar. Não é nada fácil viver assim, com tanta<br />

exploração. Ele sentia que algo tinha acontecido,<br />

poderia acontecer, estava acontecendo...<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>19</strong> 31


Watu hoje<br />

No estudo feito pela Universidade Federal<br />

do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal<br />

do Rio Grande (FURG) e Universidade<br />

do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em abril<br />

de 2016, identificou-se as principais mudanças<br />

causadas no ambiente marinho e apontou os possíveis<br />

impactos ambientais, como níveis de nitrato<br />

muito acima do estabelecido pelo Conselho<br />

Nacional do Meio Ambiente (Conama). Dessa<br />

forma, três espécies de peixes (roncador,<br />

linguado e peroá) e duas espécies de camarão<br />

(rosa e sete barbas), em especial, passaram por<br />

análises. Grande percentual das amostras de<br />

espécies coletadas apresentou níveis de metais<br />

como chumbo, cádmio, manganês e arsênio<br />

acima do estabelecido pela legislação<br />

ambiental.<br />

Em 75% das amostras de camarão<br />

rosa e em 100% das amostras analisadas<br />

de peroá foram constatados<br />

níveis elevados de arsênio. Além da<br />

contaminação, os relatórios apontaram<br />

a existência de estresse fisiológico nas<br />

espécies, além de outros fatores como o<br />

risco de eventual contaminação humana<br />

pelo consumo do pescado.<br />

Ecos do Sistema<br />

Dentre as consequências do acidente<br />

que afetaram outros usos da água podem ser<br />

destacados: impactos na geração da energia<br />

hidrelétrica; na atividade industrial; na irrigação<br />

e pecuária; na balneabilidade e turismo<br />

e na pesca.<br />

De doce agora, só carrega a esperança. Como<br />

dizia Drummond, “pedras de sangue e choro<br />

macularam a vertente”, sua água corre escura,<br />

densa e triste. Sofre sim, e há tempos sentia-se<br />

fraco. Hoje há uma dualidade de sentimentos<br />

na população acerca do futuro do rio Doce,<br />

para muitos a solução está na pesquisa idônea<br />

e independente, onde o foco não seja defender<br />

interesses de corporações e grupos políticos,<br />

mas sim preocupações da população e a busca por<br />

soluções viáveis e bem fundamentadas tecnicamente para<br />

amenizar os danos ambientais e recuperar a saúde ambiental<br />

dos rios afetados.


Comum<br />

texto: priscila ferreira<br />

foto: janaína oliveira<br />

arte: fabiano alves<br />

Limiar da mineração<br />

A primeira capital de Minas Gerais nasceu<br />

quando bandeirantes paulistas acharam ouro<br />

e outros tipos de minério em seu território. Os<br />

extrativistas vieram e ficaram. Isso aparece na<br />

missão da mineradora Samarco, que surgiu em<br />

<strong>19</strong>77: “Produzir e fornecer pelotas de minério”.<br />

Os bandeirantes acreditavam neste mote. Extraíram<br />

as riquezas da colônia e exportaram para<br />

o império. Mariana traz no seu DNA a cultura da<br />

extradição: “O local se transformou em um dos<br />

principais fornecedores de minério para Portugal”,<br />

diz o website oficial da Prefeitura. A cultura<br />

da extradição é real, mas segundo o historiador<br />

Danilo Souza Ferreira, ela é também construção<br />

de uma classe que não aceitava ser reconhecida<br />

de outra forma. “A história de que Minas<br />

Gerais sobrevive só de mineração não condiz<br />

com a realidade. É uma formação de um mito<br />

criado pela nobreza daquela época”.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

33


O pacote da extração<br />

Minas Gerais, no século XVII, era conhecida<br />

como “quitandeira”, por conta da alta produção de<br />

comércios de pequeno porte. As mulheres livres lideraram<br />

essa forma de renda, mas a sociedade na<br />

época considerava a atividade efêmera. Já a extração<br />

era vista como um ofício de alto escalão. Por<br />

isso, a nobreza impulsionou essa atividade e apesar<br />

de não ser a única forma de renda, tornou-se<br />

a principal. Assim, o resultado da extração foi se<br />

reverberando ao longo dos anos.<br />

A Samarco é uma consequência de quase três<br />

séculos desse extrativismo que antecedem a empresa.<br />

Falar de Samarco hoje é, na verdade, falar<br />

de seus acionistas: BHP Billiton Brasil Ltda e Vale<br />

S.A, que possuem partes iguais na divisão do bolo,<br />

ou melhor do ouro.<br />

A australiana BHP Billiton é uma das maiores<br />

mineradoras do mundo. Em 2012, segundo a<br />

revista Exame, a empresa bateu pelo 12° ano seguido<br />

o recorde de produção de minério de ferro.<br />

“De acordo com a mineradora, sua produção aumentou<br />

<strong>19</strong>% no ano fiscal encerrado em junho,<br />

para 159,5 milhões de toneladas”. Em 2015, menos<br />

de um mês antes do rompimento da barragem de<br />

Fundão, a mineradora anunciou que “aumentou<br />

sua produção trimestral de ferro em 7%”. Nessa<br />

mesma semana, a Vale anunciou, também, um<br />

“recorde de 88,2 milhões de toneladas de minério<br />

de ferro”. A Vale é a líder mundial na produção<br />

de minério de ferro, pelotas e níquel. No penúltimo<br />

trimestre de 2016, anunciou um ganho um<br />

lucro líquido de R$ 1,842 bilhão.<br />

O historiador Danilo Souza Ferreira explica que<br />

antes de serem sócias, em Mariana, as empresas<br />

eram rivais. “A Samarco surgiu na década de <strong>19</strong>70,<br />

como estratégia do governo civil militar, e pelo aumento<br />

do investimento do capital estrangeiro no<br />

país. Naquela época, a BHP Billiton controlava toda<br />

as ações da empresa, mas por ser construída em<br />

um território brasileiro servia de propaganda nacional.”<br />

Ele afirma que foi nessa década que surgiu<br />

o bairro Inconfidentes, na cidade de Mariana, como<br />

forma de abrigar os trabalhadores pertencentes aos<br />

maiores cargos da empresa. A Vila Samarco, outro<br />

bairro, foi construído para isolar o restante dos<br />

trabalhadores com o objetivo de facilitar o deslocamento<br />

da mão de obra “já que o que importava era<br />

a produção e não a condição.” Para isso a Samarco<br />

construiu hospital, escola e restaurante.<br />

Em paralelo, a concorrente Vale tinha estratégias<br />

diferentes. A empresa propunha que os seus<br />

trabalhadores fossem morar na cidade e tivessem<br />

um contato direto com a comunidade. Todas as<br />

vezes que os trabalhadores iam aos comércios da<br />

cidade, tinham que estar com o uniforme. Na época,<br />

a Samarco percebeu que essa estratégia resultou<br />

em uma profunda identificação com a empresa e<br />

começou a agir da mesma forma com os seus funcionários.<br />

Essa estratégia, segundo o historiador,<br />

tinha dois ápices: a identificação e a produção. Os<br />

moradores, observando os funcionários das empresas,<br />

que sempre estavam com o uniforme e alimentavam<br />

o comércio, passaram a acreditar numa<br />

suposta dependência da mineradora. “Ela realizou<br />

uma espécie de ‘manipulação’, para fazer frente a<br />

uma concorrência que mais tarde iria comprá-la.”<br />

Na década de <strong>19</strong>90, a Vale comprou metade das<br />

ações da Samarco. E a ideia de que Mariana possui<br />

a mineração como única ou principal forma de<br />

renda foi se intensificando, inclusive pelos diversos<br />

projetos que a instituição começou a apoiar e investir<br />

nem toda a cidade.<br />

Mais de 80% da arrecadação de Mariana<br />

vinha da mineração. Porém, a relação<br />

de benefícios enfrentou uma<br />

mudança no dia 5 de novembro de 2015


Caminhos a serem percorridos<br />

Desde novembro de 2015, o trabalho da<br />

Samarco deixou de ser mineração e tornouse<br />

de controle, na tentativa de frear os danos<br />

causados pela tragédia. “O Dique S4 a ser implantado,<br />

com previsão de janeiro de 2017,<br />

formará um lago na parte já impactada de<br />

Bento Rodrigues. (...) é a nossa última etapa<br />

[de contenção] antes do rio Gualaxo do Norte”,<br />

diz o coordenador da obra do Dique, Eduardo<br />

Moreira. A empresa não confirma a volta<br />

das atividades e também não nos informou as<br />

datas previstas.<br />

O futuro dos trabalhadores ou ex-empregados<br />

da mineradora também é incerto.<br />

Segundo o diretor do Sindicato Metabase<br />

de Mariana, Sérgio Alvarenga, os funcionários<br />

que foram demitidos terão prioridade na<br />

contratação quando a empresa voltar às suas<br />

atividades, contudo estes deverão passar pelo<br />

processo seletivo novamente.<br />

Luciano Gonçalves Martins, 40 anos, trabalhou<br />

na Samarco durante oito anos até ser<br />

convidado a participar do Pedido de Demissão<br />

Voluntária (PDV), iniciado em 2016. “Esse pedido<br />

de demissão voluntária foi só uma maneira<br />

de fazer pressão porque eu não arrumei<br />

outro emprego. Ou você saía ou quando começasse<br />

as demissões você iria embora sem<br />

nada”, conta o técnico em mecânica industrial.<br />

O PDV surgiu como estratégia para reduzir<br />

40% do quadro de funcionários, ou seja,<br />

mais de mil empregados. De acordo com o<br />

Sindicato Metabase, a proposta partiu unicamente<br />

da mineradora, mas os representantes<br />

dos trabalhadores sugeriram algumas modificações.<br />

“A colaboração do sindicato foi apenas<br />

de dar opções dos benefícios a serem incluídos<br />

no programa e lutar para que a proposta<br />

fosse decente.” Quem aderiu teve direito a<br />

plano de saúde por seis meses, meio salário<br />

por ano trabalhado - com teto máximo de<br />

R$ 7.500,00 - e cartão refeição durante seis<br />

meses”, explica o diretor do sindicato. A Samarco<br />

ainda alega que o pedido foi “construído<br />

em conjunto com os sindicatos Metabase<br />

(MG) e Sindimetal (ES) para minimizar os<br />

impactos dos desligamentos”.<br />

Luciano explica que após o PDV enfrenta<br />

dificuldades em pagar a faculdade, escola para<br />

os filhos e outras despesas. Além disso, vê<br />

problemas em voltar a trabalhar na empresa já<br />

que acredita que a prioridade não é a garantia<br />

do emprego. Por isso, resolveu se reinventar e<br />

migrar para outras atividades.<br />

O diretor do sindicato metabase Inconfidentes<br />

acredita em alguns caminhos para o<br />

futuro. “Essa empresa tem que ser estatizada<br />

e sob o controle dos trabalhadores”, explica.<br />

Também afirma que a segurança e saúde do<br />

trabalhador deve ser controlada pela própria<br />

categoria. “Nós acreditamos que todas<br />

as empresas de mineração, que têm maiores<br />

risco em atividade econômica, deveriam eleger<br />

comissões de trabalhadores para que eles<br />

mesmos assegurassem que acidentes como<br />

o rompimento da barragem de Fundão não<br />

acontecessem novamente”.<br />

O lugar que recebeu escravos e acolheu senhores<br />

propiciou, em 2014, a receita bruta de<br />

R$7,6 bilhões à mineradora Samarco.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

35


Comum<br />

Justiça em<br />

desalinho<br />

Defensora mortal da lei e da ordem.<br />

Têmis, deusa grega, seria responsável<br />

pelo destino das ações judiciais. Hoje,<br />

observamos o ápice da litigiosidade.<br />

A tramitação de um processo pode<br />

levar algumas semanas, meses ou<br />

anos perdidos. Cada passo é ritualizado<br />

por uma sequência burocrática quase<br />

infindável. O maior desastre ambiental<br />

do Brasil já é também corroído pela<br />

morosidade da justiça.<br />

Texto: Alex Galeno<br />

Arte: Mariana Ferraz<br />

Na Constituição Federal do Brasil, vigora o dever que o<br />

Estado tem sobre o controle do meio ambiente. Segundo o<br />

225º artigo, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à<br />

sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade<br />

o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes<br />

e futuras gerações”. Caso isso fosse cumprido, ainda existiria<br />

Bento Rodrigues. As causas oficiais do rompimento da<br />

barragem de Fundão, que destruiu o subdistrito de Mariana,<br />

são incertas. Versões são rebatidas entre órgãos oficiais e a<br />

mineradora Samarco, mesmo passados 365 dias.<br />

A tragédia é classificada pelo IBAMA, em laudo técnico<br />

preliminar de novembro de 2015, como um “desastre de muito<br />

grande porte”. Tal designação refere-se aos prejuízos vultosos<br />

e de difícil superação pela comunidade. Segundo o relatório, a<br />

barragem de Fundão possuía 50 milhões de metro cúbicos de<br />

rejeitos de minério. Com o rompimento, quase 70% desse volume<br />

foi despejado no meio ambiente e percorreu aproximadamente<br />

664 quilômetros até desaguar no litoral Capixaba.<br />

A primeira multa prescrita pelo órgão se deu seis dias após o<br />

ocorrido. Hoje, já são totalizados sete autos de infração aplicados<br />

contra a mineradora Samarco. Juntos eles superam a marca de<br />

R$ 292 milhões que ainda não foram pagos aos cofres públicos.<br />

As multas continuam sendo contestadas em juízo pela mineradora.<br />

Dados do Tribunal de Contas da União (TCU), apontam<br />

que apenas 3% das multas ambientais aplicadas pelo Instituto<br />

são pagas ao Estado. Vale ressaltar que as multas aplicadas no<br />

Brasil são baixas quando comparadas a desastres internacionais.<br />

Em 2010, a British Petroleum pagou R$ 20,7 bilhões pelo<br />

vazamento de petróleo no Golfo do México.


CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

37


Processos<br />

No dia 10 de dezembro de 2015, foi instaurado, na justiça<br />

de Mariana, a Ação Civil Pública n. 0400.15.004335-6 para otimizar<br />

os processos movidos pelos atingidos contra a mineradora.<br />

Essa modalidade de processo permite que um coletivo de<br />

pessoas possa requerer na justiça uma indenização por um ato<br />

cometido contra todos os envolvidos. Sua principal vantagem<br />

é a de não cobrar o pagamento de honorários advocatícios e<br />

custos judiciais. De acordo com o Ministério Público Estadual,<br />

sem a ação conjunta, haveria a abertura de quase três mil processos.<br />

O promotor Guilherme Meneghin aponta que a ação<br />

civil em andamento envolve moradores dos distritos e subdistritos<br />

de Bento Rodrigues, Paracatu, Pedras, Ponte do Gama,<br />

Campinas e Camargos. Nas outras cidades impactadas, ocorre<br />

a abertura de processos individuais. Em Juiz de Fora, foram<br />

abertos mais de 30 mil processos e na cidade capixaba de<br />

Colatina, cerca de 15 mil.<br />

Após um ano da tragédia, o processo continua em fase<br />

inicial. Até este momento foram tomadas medidas emergenciais<br />

que pretendem amenizar o impacto sofrido por essas<br />

famílias que foram antigidas pelo rompimento. A ação civil<br />

transcorre com uma sequência de ritos diferentes. Antes do<br />

julgamento final do processo ocorrem várias rodadas de conciliação<br />

entre as partes envolvidas. Ainda não houve nenhuma<br />

decisão judicial e sim a consagração de acordos que assegurem<br />

os direitos dos atingidos, além do bloqueio de quase<br />

R$ 300 milhões da mineradora Samarco.<br />

Por determinação do desembargador Afrânio Vilela,<br />

do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em<br />

26 de janeiro de 2016, todos os processos relativos à tragédia<br />

de Bento Rodrigues foram deslocados da Justiça<br />

Estadual (primeira instância), em Mariana, para a Justiça<br />

Federal (segunda instância), em Belo Horizonte.<br />

A decisão partiu da análise de recurso da Samarco, que requereu<br />

a união dos processos das duas instâncias. Com este movimento,<br />

a mineradora solicitava que os processos fossem julgados em<br />

um mesmo âmbito judiciário, otimizando o desenvolvimento<br />

do processo. O promotor do caso em Mariana vê com estranheza<br />

essa situação de julgamento apenas na Justiça Federal.<br />

“Não pode um advogado trabalhando lá em Brasília querer decidir<br />

sobre o seu direito aqui em Mariana. Isso sem nunca ter<br />

pisado aqui e conversado com os antingidos.”<br />

O processo ficou parado por quase seis meses até o Supremo<br />

Tribunal Federal (STF) decidir a quem caberia. Apenas em 23<br />

de agosto de 2016, o STF decidiu fragmentar a ação: os crimes<br />

ambientais ficam na Justiça Federal, em Belo Horizonte e os de<br />

ressarcimento dos atingidos na Justiça Estadual, em Mariana.<br />

A desembargadora Diva Malerbi pautou seu relatório perante o<br />

inciso I do artigo 109 da Constituição Federal. “A competência é<br />

da Justiça Federal, uma vez que o acidente envolveu atividade de<br />

mineração, afetou um rio federal, e provocou danos em territórios<br />

de dois estados pertencente à União.” Na decisão ficou esclarecido<br />

que a “Justiça Estadual ficará apenas pelo julgamento<br />

de ações pontuais como forma de facilitar o acesso à justiça das<br />

pessoas atingidas pelo desastre ambiental”.<br />

Os Tribunais<br />

Superiores estão<br />

sobrecarregados<br />

com processos de<br />

recurso, o que<br />

representa 89% de<br />

suas demandas.<br />

Na justiça<br />

brasileira existe<br />

um total de 74<br />

milhões de ações em<br />

tramitação até o<br />

final de 2015.<br />

A ação civil pública<br />

em Mariana é composta<br />

por 21 volumes. Em<br />

média são 250 páginas<br />

em cada, ou seja,<br />

aproximadamente 5.250<br />

folhas.<br />

Em Minas Gerais estão<br />

guardados em diversos<br />

galpões espalhados pelo<br />

estado, aproximadamente<br />

40 milhões de processos.<br />

É algo equivalente a 300<br />

quilômetros de pilhas de<br />

até um metro de papel.<br />

A Justiça Estadual<br />

é o segmento<br />

responsável por<br />

69,3% da demanda<br />

e 79,8% do acervo<br />

processual do Poder<br />

Judiciário.


Acordo<br />

Por meio de uma Ação Civil Pública, a União pretende firmar<br />

um acordo que custeará a recuperação da Bacia do Rio<br />

Doce. A ação foi celebrada entre a Samarco e os estados de<br />

Minas Gerais e Espírito Santo, sem a participação efetiva dos<br />

atingidos. O documento com 260 cláusulas foi costurado tentando<br />

atender aos interesses da mineradora. O acordo previa<br />

a destinação de R$ 20,6 bilhões de reais para a recuperação de<br />

toda a bacia hidrográfica. Esse valor seria pago em parcelas<br />

gradativas a partir de outubro de 2016.<br />

Em julho o STJ cancelou o acordo atendendo ao recurso do<br />

MPF. Segundo a ONU “o acordo ignorava os direitos humanos<br />

das vítimas, e sua suspensão é uma oportunidade perfeita para<br />

realizar uma completa revisão baseada em direitos humanos<br />

das devidas reparações e compensações para as vítimas, com<br />

transparência e participação pública”. A Samarco entrou com<br />

recurso solicitando a manutenção do documento e sua posterior<br />

homologação judicial.<br />

Denúncia<br />

A tragédia, considerada como o maior desastre ambiental<br />

brasileiro com rejeitos de mineração, levou o país a ser denunciado<br />

à Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 27<br />

de maio de 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos<br />

(CIDH) em conjunto com 15 coletivos da sociedade civil<br />

apresentou relatório à OEA que aponta a falta de participação<br />

das cercas de 3,5 milhões de pessoas atingidas.<br />

No documento, são citados outros 13 casos de acidentes<br />

envolvendo atividades minerais que causaram danos socioambientais<br />

ao país. Na maioria deles ainda corre processo sobre a<br />

responsabilidade dos acidentes. As entidades criticam, no caso<br />

de Bento Rodrigues, a formulação de um acordo de reparação<br />

de danos que foi construído sem a efetiva participação dos reais<br />

impactados pela tragédia.<br />

Corte de Haia<br />

Desde de 2009 o ativista político e Nobel da paz, Adolfo Pérez<br />

Esquivel defende a ideia de que os crimes ambientais sejam<br />

tipificados como crimes contra a humanidade. Essa definição<br />

tornará casos que resultaram na destruição grave do meio ambiente<br />

ao julgamento pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).<br />

Conhecida como Corte de Haia (Holanda), a organização atua<br />

de maneira independente e possui funcionamento colaborativo<br />

com a Organização das Nações Unidas (ONU) que é responsável<br />

por designar os 18 magistrados que compõem a Corte.<br />

Em junho de 2016 foi aprovado pelo conselho da Corte que<br />

o julgamento de crimes ambientais passaria a fazer parte da<br />

jurisprudência do TPI. A legislação internacional passou por<br />

modificações para que situações como a do desastre provocado<br />

pelo rompimento da barragem de Fundão possa ter julgamento<br />

na jurisdição internacional, provendo a independência do<br />

veredicto em relação ao seu país de origem. Hoje, apenas casos<br />

que não estejam em tramitação no seu país de origem podem<br />

ser levados ao tribunal internacional.<br />

Despesas do Tribunal<br />

de Justiça de Minas<br />

Gerais em 2015<br />

Recursos Humanos:<br />

R$4.396.909.894<br />

(95% do total)<br />

Outras<br />

R$231.870.485 (5%<br />

do total)<br />

Total de gastos:<br />

R$4.628.780.379<br />

Tempo de sentença na<br />

Justiça Comum – 1º grau:<br />

3 anos e 10 meses<br />

Justiça Comum - 2º grau:<br />

aproximadamente 9 meses<br />

Números de<br />

Magistrados no<br />

Tribunal de Minas<br />

Gerais - Efetivos:<br />

1015 / Vagos: 630<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong><br />

39


Comum<br />

Espreme qu<br />

Texto: Daniela Felix<br />

Foto: Gabriella Visciglia<br />

Arte: Lara Massa<br />

Primeira<br />

Semana<br />

Seis<br />

meses


e sai lama<br />

A mídia fez e continua fazendo perguntas relacionadas ao desastre ambiental provocado pela mineradora Samarco. E o modo como ela<br />

conta as histórias por trás das respostas importa. Pensando nisso, a <strong>Curinga</strong> realizou uma coleta de notícias relacionadas ao rompimento<br />

da barragem de Fundão, com o propósito de analisar os eventos e termos que mais receberam destaque. Foram escolhidos os jornais “Folha<br />

de S. Paulo” pelo número e variedade de leitores, “Estado de Minas” por estar inserido no estado de Minas Gerais, e “Brasil de Fato” por<br />

ser um veículo intitulado independente. A pesquisa foi feita com o auxílio do software Lippmannian Device, que possibilitou a coleta de<br />

notícias a partir de palavras-chaves como “Bento Rodrigues”, “Mariana”, “lama”, “Samarco” e “barragem”, publicadas durante a primeira<br />

semana, após seis meses e quase um ano depois do desastre. Foram analisadas cerca de 40 notícias por veículo e período de publicação,<br />

contabilizando mais de 300 textos.<br />

Um<br />

ano<br />

PRIMEIRA SEMANA<br />

(05/11/2015 ã 12/11/2015)<br />

Brasil de Fato. Discussão da culpa das<br />

empresas Samarco, Vale e BHP, histórico<br />

e consequências das atividades ligadas<br />

à mineração, relação entre o desastre<br />

de Mariana e outras barragens que já se<br />

romperam no Brasil. Estado de Minas.<br />

Uso massivo de imagens para mostrar<br />

a destruição, socorro e atendimento<br />

às vítimas, mortes e buscas por<br />

desaparecidos, percurso da lama. Folha<br />

de S. Paulo. Busca pelos desaparecidos,<br />

resgate dos corpos, avanço da lama.<br />

SEIS MESES<br />

(01/05/2016 ã 31/05/2016)<br />

Brasil de Fato. Ineficiência do governo<br />

e órgãos de justiça em aplicar multas e<br />

punições aos responsáveis pelo desastre,<br />

memória e luta pela preservação do que<br />

restou. Estado de Minas. Construção<br />

do Novo Bento, polêmicas entre acordos<br />

e uniões, prejuízos causados pela lama,<br />

esquecimento das comunidades atingidas,<br />

possível reabertura da Samarco. Folha<br />

de S. Paulo. Apontamento dos erros<br />

cometidos pela mineradora, Acordão<br />

Samarco, depoimentos que remetem ao<br />

dia do desastre.<br />

UM ANO<br />

(01/10/2016 ä 25/10/2016)<br />

Brasil de Fato. Abrange majoritariamente<br />

o andamento de processos, multas e<br />

indenizações. Estado de Minas.<br />

Indenizações contra a Samarco e denúncia<br />

de integrantes da empresa por homicídio<br />

qualificado, construção do Dique S4,<br />

recordações do momento da tragédia.<br />

Folha de S. Paulo. Denúncia da cúpula<br />

da Samarco por homicídio qualificado,<br />

possível retorno do funcionamento da<br />

empresa.<br />

LEGENDA:<br />

Brasil de Fato Estado de Minas Folha de S. Paulo<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>19</strong> 41


Opinião<br />

A cobertura midiática do maior desastre ambiental do Brasil<br />

O primeiro contato dos atingidos com a mídia ocorreu logo após<br />

o rompimento da barragem de Fundão, no dia 05 de novembro de<br />

2015. Eles avistaram helicópteros de emissoras de televisão sobrevoando<br />

Bento Rodrigues enquanto ainda aguardavam resgate. Na mesma<br />

noite, Mariana foi invadida por inúmeros profissionais dos mais<br />

variados veículos. Drones, câmeras de última geração, bloquinhos,<br />

canetas, gravadores. Para cima e para baixo. Em todos os cantos. Por<br />

uma, duas, três semanas. Depois, foram embora. As visitas começaram<br />

a ser bem menos frequentes. Deixaram a impressão de que haviam<br />

se esquecido do caminho, ou acabado o combustível. Mas neste<br />

último mês resolveram voltar. Drones, câmeras de última geração,<br />

bloquinhos, canetas, gravadores. Tudo outra vez.<br />

Passados 12 meses, a forma como a mídia retrata o maior desastre<br />

ambiental do Brasil ainda é discutida. A jornalista Márcia Amaral<br />

conta que existe um padrão entre as coberturas de catástrofes ambientais.<br />

Ela defende que os acontecimentos envolvidos em desastres<br />

exigem coberturas complexas, onde os veículos midiáticos deveriam<br />

exercer um trabalho crucial de investigação. Entretanto, não é o que<br />

acontece em grande parte das produções jornalísticas. Especialista<br />

em estudos das relações entre jornalismo e catástrofes, Márcia conta<br />

que, dificilmente, em uma primeira fase, o jornalismo dará conta de<br />

algo mais do que as consequências do desastre. “Pressionado pela<br />

necessidade de audiência e pela concorrência, raramente os veículos<br />

tradicionais conseguem ultrapassar o tom do espetáculo. Temos uma<br />

cobertura centrada no dia do desastre, com muitas dificuldades de<br />

configurar o antes (suas causas), o entorno (complexidade) e suas<br />

consequências”, afirma a jornalista.<br />

O infográfico apresentado no início desta reportagem comprova<br />

a teoria da jornalista, ao mostrar que os jornais “Folha de S. Paulo” e<br />

“Estado de Minas” priorizaram, em um primeiro momento, notícias<br />

relacionadas a busca pelos desaparecidos, desesperos, luto, dor e sofrimento.<br />

Para Márcia, o jornalismo deveria tomar para si um papel<br />

na comunicação de risco e na prevenção e alerta sobre desastres, o<br />

que não tem sido prática em nosso país. Outro desafio da mídia seria<br />

relacionar os desastres ambientais com as forças econômicas e sociais<br />

que os cercam e os interesses envolvidos no caso. “O que faz um desastre<br />

chamado ambiental em países como o Brasil é muito mais do<br />

que a força da natureza, é, sobretudo, a vulnerabilidade social”.<br />

A estudante de jornalismo Marina Fortes pesquisa sobre a cobertura<br />

da mídia tradicional sobre o rompimento da barragem de Fundão,<br />

mas enfatiza o papel dos veículos independentes: “Acredito que<br />

são formas de enxergarmos além do que a mídia tradicional nos mostra”.<br />

A existência dessa “alternativa” é ilustrada no infográfico, pois<br />

nota-se como a cobertura do “Brasil de Fato”, feita por uma equipe<br />

de jornalistas, articulistas e movimentos populares, se diferencia<br />

dos demais veículos midiáticos. As reportagens se deslocam do nicho<br />

“espetáculo”, para se aprofundar em outras problemáticas, como o<br />

histórico da mineração no Brasil. Marina também defende a importância<br />

das redes sociais nos dias de hoje: “No Facebook do jornal Zero<br />

Hora, por exemplo, os leitores reclamaram e pediram por uma reportagem<br />

mais aprofundada. Era uma cobertura com poucas fontes,<br />

sem estabelecer quem foi culpado, falando mais das consequências<br />

do desastre. Essa cobrança desencadeou a série de reportagens especiais<br />

entitulada “Rota da Lama”. O que mostra que com a tecnologia<br />

o público pode influenciar e modificar a agenda midiática”. Segundo<br />

a estudante, ambas as alternativas surgem como uma possibilidade<br />

de não deixar a tragédia cair no esquecimento.<br />

O jornalista Reges Schwaab insiste que o trabalho de “nomear,<br />

juntar as peças, estender a cobertura a danos que seguem afetando<br />

muitas pessoas e lugares assim será por muito tempo. Essa cobertura<br />

não tem hora pra fechar, nem pode parar.” Evitar que as localidades<br />

afetadas pela lama desapareçam é, inclusive, é uma pauta amplamente<br />

discutida e definida como uma das principais funções dos veículos<br />

de comunicação. Entretanto, nota-se que a mídia, depois de<br />

um certo tempo, tende a perder o interesse por determinado assunto.<br />

Ao mesmo tempo, deixa de explorar alguns acontecimentos em detrimento<br />

de outros, como mostra o infográfico. Termos como “Rio<br />

Doce”, “Valadares”, “Vale” e “BHP” possuem uma oscilação de frequência<br />

muito maior que “Mariana”, “Bento Rodrigues” e “Samarco”,<br />

pioneiros na coleta dos dados. A lama é também da cobertura.


IMPRESSÃO: MJR EDITORA GRÁFICA<br />

Rua Carlos Pinheiro Chagas, 138 - Ressaca<br />

CEP: 32.113-460 - Contagem - MG<br />

tel: (31) 3357-5777

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