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ANO IX • Nº <strong>98</strong> • MARÇO DE <strong>2018</strong> • R$ 10<br />
E C O N O M I A | P O L Í T I C A | E S P O R T E S | H U M O R | C U LT U R A<br />
DOIS ÍDOLOS MINEIROS<br />
PUBLICAM AS MELHORES<br />
BIOGRAFIAS DE 2017<br />
Eduardo Araújo e Wanderléa falam de suas carreiras<br />
vitoriosas, da luta invencível até o sucesso e da revolução<br />
dos costumes provocadas pela Jovem Guarda<br />
O CÂNCER NÃO ESCOLHE CLASSE SOCIAL, MAS AS CHANCES DE CURA SÃO MAIORES PARA OS RICOS<br />
NOMES & NOTAS · PÁGINA 9
MEMÓRIA<br />
NOMES & NOTAS<br />
REPORTAGEM DE CAPA<br />
NOSSO EDITOR AJOELHAVA<br />
E REZAVA PARA ENTRAR NO<br />
SEU PRIMEIRO EMPREGO<br />
Página 4<br />
ENTREVISTA - ENRIQUE ROJAS<br />
A NAMORADA DO CRONISTA<br />
JOÃO PAULO COLTRANE É<br />
PAI DE DOIS GAROTOS<br />
Página 8<br />
CARREIRAS<br />
AS VIDAS DE EDUARDO<br />
ARAÚJO E WANDERLÉA SÃO<br />
OS GRANDES LIVROS DO ANO<br />
Página 16<br />
MEU DINHEIRO<br />
FELICIDADE É PARA<br />
QUEM TEM BOA SAÚDE<br />
E PÉSSIMA MEMÓRIA<br />
Página 20<br />
E TEM MAIS ...<br />
DEZ MANEIRAS DE<br />
ENFURECER SEU CHEFE E<br />
POR O EMPREGO EM RISCO<br />
Página 26<br />
APRENDA COM OS<br />
MILIONÁRIOS COMO<br />
ESCOLHER SEUS AMIGOS<br />
Página 34<br />
30 Carta do Canadá<br />
PELA ESTRADA AFORA<br />
32 Política<br />
PATRUS ANANIAS PODE SER O COELHO DA CARTOLA DO PT<br />
36 Hora Extra<br />
25 REGRAS A OBSERVAR AO SAIR PARA JANTAR COM ELA<br />
40 Notícias do Sertão<br />
UM NEGÓCIO CAVALAR<br />
42 Espaço Mário Ribeiro<br />
O PASSADO ESTÁ ALI MESMO<br />
44 Era só o que faltava<br />
DA COLHER DE PEDREIRO À AGULHA DE TRICÔ<br />
46 Palavra do leitor<br />
SAUDADES DO MEU TEMPO DE PORCO CHAUVINISTA<br />
E C O N O M I A |P O L Í T I C A |E S P O R T E S |H U M O R |C U L T U R A<br />
ANO IX - Nº 97<br />
FEVEREIRO DE <strong>2018</strong><br />
8árcio Rubens Prado (IN MEMORIAM)<br />
31 2534-0600<br />
MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR<br />
durvalcg@yahoo.com.br<br />
DIRETOR RESPONSÁVEL E EDITOR GERAL:<br />
Durval Guimarães<br />
EDITOR DE TEXTO: Carlos Alenquer<br />
PROGRAMAÇÃO VISUAL: Antônio Campos<br />
IMAGENS:<br />
Creative Commons OCO; imagem da<br />
capa:Dirima/Istockphotos<br />
COLABORADORES:<br />
Arthur Vianna; Clara Soares; Ivani Cunha;<br />
João Paulo Coltrane; José Antônio Severo;<br />
Mário Ribeiro; Sandra Fiorani; Tiãozito.<br />
REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE: Rua Canopus, 11 • Sala 5 • São Bento • CEP 30360-112 • Belo Horizonte • MG
MEMÓRIA<br />
MEUS PRIMEIROS 50 ANOS DE JORNALISMO<br />
NO MEIO DO CAMINHO<br />
HAVIA UM ALTAR<br />
DURVAL GUIMARÃES<br />
Há 50 anos, subi os 21 degraus que levavam<br />
à redação do extinto jornal O Diário,<br />
de Belo Horizonte, e entrei no jornalismo.<br />
Eram 14 horas de uma segunda-feira, dia<br />
bom para se iniciar qualquer coisa, como<br />
parar de fumar, de beber ou começar a<br />
ganhar o pão de cada dia.<br />
Ao final da citada escadaria de madeira<br />
– devastada pelo atrito de tanto sobe-edesce<br />
– surgia uma reparadora antessala,<br />
onde os visitantes, como eu, imaginavam<br />
que se refariam do íngreme esforço. Engano.<br />
Não havia cadeiras, poltronas ou<br />
sofás no local, mas apenas um imponente<br />
altar de igreja, dessas do interior, que tomava<br />
quase todo o ambiente.<br />
Isso mesmo: um imenso altar, com<br />
muito santos, com suas roupas de beduínos,<br />
pendurados nas quinas da rebuscadíssima<br />
obra de marcenaria. Meia dúzia<br />
de velas acesas completavam a iluminação<br />
do local, atendida de forma insuficiente<br />
por uma modesta janela basculante.<br />
No centro de tudo, bem no alto, a dilacerada<br />
imagem do Crucificado.<br />
Que perplexidade. Eu subi a escadas para<br />
entrar na redação e mergulhei numa igreja.<br />
A sede do jornal O Diário ocupava um<br />
imenso e mal cuidado galpão na avenida<br />
Francisco Sales, bem na boca do viaduto<br />
que liga o bairro da Floresta ao hospital<br />
Santa Casa. Não havia nenhuma identificação,<br />
exceto o número 411 pregado na<br />
parede caiada de branco. Chegava-se à redação,<br />
no andar superior daquele estranho<br />
sobrado, contornando o citado altar.<br />
Os jornalistas trabalham num salão gigantesco,<br />
ocupado por poucas mesas. Ao<br />
fundo, havia descuidados arquivos de aço,<br />
com algumas gavetas abertas, derramando<br />
papéis velhos. A sensação era de abandono<br />
e da mais completa decadência. O imenso<br />
salão deveria ter mais de 20 metros de extensão,<br />
por outro tanto de largura. Recebia<br />
a claridade por muitas janelas de ferro, daquelas<br />
que se abrem pela metade, e vistas<br />
em grande quantidade nas residências humildes<br />
da periferia da cidade.<br />
4<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
ANTES DE DAR INÍCIO AOS SEUS<br />
TRABALHOS, OS JORNALISTAS<br />
ERAM CONVIDADOS A MOMENTOS<br />
DE REFLEXÃO E FÉ<br />
Destacava-se meio de tudo – ou do<br />
nada – uma imensa bancada de madeira,<br />
um pouco à direita de quem entra. As cadeiras<br />
estavam dispostas de um único<br />
lado, como se fosse aquela conhecida<br />
mesa utilizada pelos apóstolos no famoso<br />
quadro da Santa Ceia. Elas eram ocupadas,<br />
após as 18 horas, por circunspectos<br />
senhores, alguns com gravata folgadas no<br />
pescoço. Eles vinham de muitas repartições<br />
no centro da cidade para realizar o<br />
rotineiro fechamento da edição que seria<br />
publicada no dia seguinte.<br />
Quase ao mesmo tempo, também chegavam<br />
detetives com noticiários policiais<br />
e muitos outros funcionários públicos com<br />
as notícias que traziam já prontas do outro<br />
local de trabalho.<br />
Na recuada tarde de 16 de outubro de<br />
1967, era assim a redação do O Diário, conhecido<br />
como Diário Católico. Não havia<br />
um único profissional formado em jornalismo,<br />
embora o curso da UFMG já tivesse<br />
diplomado pelo menos cinco turmas. O esforço<br />
acadêmico era dispensável, pois não<br />
se exigia diploma nenhum, ou qualquer<br />
qualificação educacional para exercer a atividade.<br />
Também a faculdade de jornalismo<br />
não era reconhecida como instituição acadêmica<br />
pelo Ministério da Educação.<br />
Naquele tempo, se comentava nas esquinas<br />
da cidade, que “Se você nada sabe<br />
fazer, nem mesmo escrever, tente uma colocação<br />
no jornal”. A despeito das ironias<br />
e insultos, conseguir uma vaga em jornal<br />
era como ter acesso a uma gazua, dessas<br />
com formato para se arrombar as portas<br />
do paraíso. Pouco tempo depois de fichado,<br />
o novo jornalista se qualificava para<br />
ser admitido em assessorias de imprensa<br />
de alguma autarquia ou empresa estatal.<br />
Sua atividade naquelas repartições,<br />
mantidas com o dinheiro público, consistia<br />
apenas em levar para redação o noticiário<br />
oficial que recebia já pronto para ser impresso.<br />
Sim, uma espécie de garoto de recados<br />
que nem sempre precisava comparecer<br />
à repartição. Por sua vez, os diretores<br />
dos jornais concordavam com essa escandalosa<br />
mídia espontânea porque o jornalista<br />
era um aliado na liberação de anúncios<br />
oficiais para suas páginas. Uma mão<br />
lavava a outra. Exceto o Estado de Minas,<br />
que provocava inveja com seus anúncios<br />
classificados de imóveis, as demais publicações<br />
viviam do favor governamental.<br />
Claro que as melhores vagas nas repartições<br />
eram reservadas para os jornalistas<br />
que trabalhavam nos outros dois<br />
grandes jornais da cidade. O Estado de<br />
Minas e o Diário de Minas. O salário em<br />
O Diário era irrisório, o mais baixo na tabela<br />
do sindicato. Aos que reclamavam, o<br />
chefe da seção de Pessoal, repetia uma<br />
célebre resposta: “Aqui nesta casa, você<br />
fará sua própria renda”.<br />
In other words, como cantava o inesquecível<br />
Frank Sinatra, o jornalista recebia<br />
uma carteira de funcionário da empresa.<br />
Daí pra frente, cabia a ele arrombar as<br />
portas das repartições. De uma maneira<br />
geral isso ocorria em todos os jornais da<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 5
capital mineira. Os jornalistas insaciáveis<br />
acumulavam muitos empregos. O mais<br />
ambicioso de todos, um famoso cronista<br />
social – segundo comentários da época –<br />
chegou a receber salários de 14 locais diferentes.<br />
Todos ao mesmo tempo.<br />
AJOELHADOS AO PÉ DO ALTAR,<br />
REPÓRTERES E REDATORES FAZIAM<br />
PROMESSAS CONTRA OS<br />
REPETIDOS ATRASOS DE SALÁRIOS<br />
Como naquela tarde eu chegara cedo<br />
para esperar por um chefe que só apareceu<br />
por volta das 19 horas, acompanhei<br />
do meu canto todo o andar da carruagem.<br />
Ninguém entrou na redação sem se ajoelhar<br />
aos pés da Santa Cruz. Alguns se<br />
demoravam em orações, outros se mostravam<br />
contrariados com os sagrados gestos<br />
que faziam, que pareciam obrigatórios<br />
naquela ambiente de permanente insatisfação<br />
com baixos salários e invariavelmente<br />
atrasados.<br />
O altar era também o cenário de missas<br />
dominicais, frequentados pelos vizinhos.<br />
Mas nem todos. Dois quarteirões acima,<br />
na mesma avenida Francisco Salles, esquina<br />
com a então avenida Tocantins, hoje<br />
Assis Chateaubriand, ficava a famosa Casa<br />
da Zezé, casarão enfeitado pelas mais desejadas<br />
prostitutas da cidade. Nenhuma<br />
delas jamais mostrou disposição de assistir<br />
as missas depois de sábados movimentadíssimos.<br />
Compreensível.<br />
O jornal pertencia à Cúria Metropolitana,<br />
e fora fundado pelo então bispo dom<br />
Antônio dos Santos Cabral, um cearense<br />
empreendedor e com fama de arbitrário.<br />
O primeiro número do jornal O Diário apareceu<br />
nas bancas em fevereiro de 1936.<br />
Segundo os historiadores, a publicação<br />
foi idealizada para se constituir como um<br />
jornal nos moldes dos periódicos modernos<br />
da época.<br />
A publicação teria alcançado seus objetivos<br />
e, ao mesmo tempo, desempenhou<br />
um papel importante como instrumento<br />
de divulgação do movimento católico que<br />
ganhava força no período. O jornal contava<br />
com um grupo de redatores que alcançaria<br />
posições de destaque na intelectualidade<br />
mineira, como Otto Lara Rezende,<br />
Edgard de Godoi da Mata Machado e João<br />
Etienne Arreguy Filho.<br />
Não vi nada disso, pois os grandes nomes<br />
perceberam que o navio estava naufragando<br />
e havia muito tempo que pularam<br />
fora do barco. Naqueles dias em que<br />
comecei a trabalhar, os editorialistas e articulistas<br />
remanescentes ainda dilapidavam<br />
rios de tinta e bobinas de papel para<br />
lamentar ou aplaudir o fechamento de um<br />
seminário de Mariana, ocorrido em setembro<br />
do ano anterior.<br />
Irritado com o comportamento dos noviços,<br />
que se recusavam a seguir suas intocáveis<br />
ordens, o bispo Dom Oscar, chefe<br />
da diocese local, encerrou as atividades<br />
do estabelecimento de formação religiosa<br />
e mandou que cada um procurasse seu<br />
rumo. A iniciativa traumatizou certos segmentos<br />
da igreja, que se lamuriavam<br />
nesse bate-boca interminável.<br />
Nos poucos exemplares de época anteriores,<br />
que folheei no Arquivo Público,<br />
O Diário nunca alimentou paixões pela reportagem.<br />
Na verdade, se encantava com<br />
a publicação de gigantescos ensaios sobre<br />
as encíclicas do Papa João XXIII e outros<br />
temas religiosos. Em relação aos temas<br />
mundanos, destacavam-se as críticas sobre<br />
os filmes em cartaz nos cinemas da<br />
cidade. Elas eram rigorosas. O inocente<br />
filme Os Dez Mandamentos foi aprovado<br />
6<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
com restrições pela redação, devido ao<br />
fato de Cleópatra aparecer em cena com<br />
vestido que expunha seus joelhos. A advertência<br />
foi taxativa: “Recomendado exclusivamente<br />
para senhores de comportamento<br />
exemplar”.<br />
JK QUASE FOI EXCOMUNGADO<br />
POR AUTORIZAR A CONSTRUÇÃO<br />
DE UMA IGREJA COMUNISTA<br />
EM PLENA PAMPULHA<br />
O jornal se revelava antiquado, como<br />
se fosse o espelho do seu fundador, arcebispo<br />
Dom Cabral, aquele que excomungou<br />
a igrejinha da Pampulha, por considerá-la<br />
a mais deletéria obra de um<br />
comunista degenerado. O comunista era<br />
o arquiteto Oscar Niemeyer, que o então<br />
governador de Minas, Juscelino Kubitscheck,<br />
contratou para criar as mundialmente<br />
famosas obras da Pampulha.<br />
Em livro de memórias, JK deu a sua<br />
versão para os fatos. “Certa manhã o arcebispo<br />
abriu as portas do seu palácio episcopal,<br />
atravessou a praça e me procurou,<br />
no Palácio da Liberdade, com<br />
o exclusivo propósito de exigir<br />
o fechamento da igreja<br />
batista, que os evangélicos<br />
haviam erguido na praça<br />
Raul Soares. Eu<br />
rejeitei o ultimato e,<br />
imediatamente, fui acusado<br />
pelo prelado de arquitetar<br />
uma igreja comunista<br />
no Brasil”.<br />
JK salvou-se pelas mãos<br />
do bispo dom João de Resende<br />
Costa, que sucedeu<br />
a Cabral alguns meses depois<br />
e revogou seu arbitrário decreto. Muitas<br />
décadas depois entrevistei o cardeal dom<br />
Serafim para esta revista. Ele se lembrou do<br />
jornal daquele tempo em que eu subia diariamente<br />
suas escadarias. Em 1967, do Serafim<br />
era o bispo auxiliar de Belo Horizonte<br />
e se tornara famoso na cúpula da Cúria por<br />
sua habilidade em administrar os negócios<br />
da Igreja. O jornal se mostrava inviável, pois<br />
eram enormes as despesas administrativas<br />
e gastos com a compra de papel.<br />
A crise degringolou de vez quando um<br />
determinado diretor financeiro da publicação<br />
decidiu instituir a figura das assinaturas<br />
perpétuas.<br />
A lamentável iniciativa consistia no convite<br />
aos leitores para assinar o jornal por<br />
dez anos, com valor irrisório pago de uma<br />
única vez. O egrégio gestor se esqueceu<br />
da existência da inflação, monstro que devastou<br />
seus sonhos em apenas 12 meses.<br />
Dom Serafim transferiu a sede da rua<br />
Goitacazes (entre Espírito Santo e Bahia)<br />
pa ra a avenida Francisco Sales e, para que<br />
is so ocorresse, despejou uma organização<br />
de caridade da Igreja que funcionava no<br />
citado galpão. E, então, começou o rápido<br />
des monte do jornal. Poucos meses depois<br />
do meu ingresso, como simples repórter, a<br />
publicação foi vendida a três pessoas, entre<br />
elas o importante jornalista Afonso Celso<br />
Raso, que era o diretor de redação do jornal.<br />
A publicação foi rebatizada pela nova<br />
administração e começou, então,<br />
a história do Jornal de<br />
Minas, no qual trabalhei durante<br />
poucos meses, antes de ir<br />
para a revista Veja – que, como<br />
eu, também estava iniciando<br />
sua caminhada na imprensa.<br />
Esse era o jornalismo nos<br />
tempos em que mergulhei na<br />
profissão para nunca mais<br />
me afastar dela.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 7
NOMES & NOTAS<br />
A NAMORADA DO NOSSO<br />
JOÃO PAULO COLTRANE<br />
É PAI DE DUAS GAROTAS<br />
PARECE QUE ERRAMOS O<br />
TÍTULO, MAS NA VERDADE, ESTÁ<br />
ABSOLUTAMENTE CORRETO<br />
tempo de<br />
conservadorismo<br />
e “Num<br />
repressão, existia<br />
uma vontade<br />
de explorar<br />
algo<br />
diferente.<br />
Esse é o segredo<br />
por<br />
detrás do sucesso<br />
da<br />
Pl a y b oy ” .<br />
Esta foi uma<br />
das frases que<br />
o norte-americano<br />
Hugh Hefner,<br />
fundador da revista<br />
masculina, usou para definir<br />
a publicação, durante<br />
uma entrevista ao jornal<br />
britânico Telegraph. Para celebrar<br />
a diferença, a publicação decidiu começar<br />
a apostar em novos modelos, cada<br />
com a sua identidade.<br />
A versão alemã da publicação anunciou<br />
que a capa da edição de janeiro seria protagonizada<br />
por Guiliana Farfalla. É provável<br />
que o leitor nunca tenha ouvido falar nesta<br />
pessoa, mas é um dos nomes que tem<br />
circulado<br />
mais na internet<br />
nos<br />
últimos dias.<br />
Isto porque<br />
Giuliana<br />
é a<br />
primeira<br />
transexual<br />
a<br />
aparecer<br />
na<br />
capa da<br />
r e v i s t a<br />
masculina<br />
alemã.<br />
Pascal Radermacher<br />
(o no -<br />
me de Farfalla quando<br />
ainda era um rapaz) nasceu<br />
em 1996, no ducado<br />
de Brisgóvia, na Alemanha.<br />
Durante a sua participação<br />
no programa Germany’s<br />
Next Top Model,<br />
apresentado pela modelo<br />
Heidi Klum, a aspirante<br />
a manequim revelou<br />
que se submeteu<br />
a operações para mudar de sexo quando<br />
tinha 16 anos: “Quando era criança, sentia<br />
que vivia no corpo errado”, explicou na<br />
época, reforçando o fato de se ter candidatado<br />
a este programa televisivo para incentivar<br />
outros transgêneros e transexuais<br />
8<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
a assumirem a sua verdadeira identidade<br />
e a não terem medo de se expor.<br />
“Esta é uma mulher especial”, disse<br />
Florian Boitin, editor principal da versão<br />
alemã da Playboy, citado pela imprensa<br />
local. Com esta edição, o objetivo da revista<br />
é seguir a “tradição do fundador da<br />
Playboy, Hugh Hefner, que foi um defensor<br />
da liberdade de cada indivíduo, assumindo-se<br />
contra qualquer forma de ex-<br />
clusão ou intolerância”, acrescentou o responsável.<br />
Quanto ao título citando nosso colega<br />
JoãoPaulo Coltrane, o lamentável colunista<br />
de humor de <strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong>, tem sua<br />
razão de ser: Coltrane se sente feliz com<br />
sua namorada. “O passado masculino dela<br />
é de muita serventia, pois ela gosta de futebol,<br />
jogar sinuca, tomar muita cerveja e<br />
contar piadas indecentes”, explicou.<br />
O CÂNCER NÃO ESCOLHE CLASSE SOCIAL, MAS AS<br />
CHANCES DE CURA SÃO MAIORES PARA OS RICOS<br />
A taxa de sobrevivência ao câncer<br />
está aumentando no mundo, mas é<br />
maior nos países ricos. Na Dinamarca<br />
e na Suécia, 80% das crianças<br />
atingidas pelo câncer no cérebro,<br />
sobrevivem pelo menos cinco<br />
anos após o diagnóstico da doença.<br />
No Brasil, o índice cai a 40%, segundo<br />
um estudo publicado na última<br />
semana de janeiro na revista<br />
Lancet, especializada em temas<br />
científicos. Segundo a publicação,<br />
nos países menos desenvolvidos, são<br />
deficientes os diagnósticos e tratamento<br />
dos pacientes.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 9
QUANDO O MORTO É<br />
CHIQUE, A COMOÇÃO<br />
DO PÚBLICO É MAIOR<br />
No dia 7 de janeiro de 2015, há<br />
três anos, dois atiradores, Saïd e<br />
Chérif Kouachi, mataram 12 pessoas<br />
em Paris, incluindo parte da equipe<br />
do jornal Charlie Hebdo. Até aquele momento,<br />
aquele atentado foi considerado<br />
um dos piores que Paris havia presenciado<br />
e, imediatamente, uma gigantesca<br />
comoção mundial se fez. O clamor, a<br />
dor e a indignação tomaram conta das<br />
redes sociais. Orações de desespero,<br />
manifestações de solidariedade e empatia<br />
com a dor dos franceses que foi demonstrada<br />
nos milhões de perfis no<br />
mundo que passaram a estampar as cores<br />
da bandeira francesa com o lema solidário,<br />
“Je suis Charlie”.<br />
Agora, em 27 de janeiro de <strong>2018</strong>, um<br />
grupo armado metralhou um clube pobre<br />
da periferia da capital cearense, Fortaleza,<br />
e muito pouco se falou. Os mortos<br />
foram adolescentes, mulheres,<br />
alguns trabalhadores autônomos num<br />
forró. Ninguém mudou o perfil; tam-<br />
10<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
pouco empunhou algum slogan dizendo,<br />
“Je suis Cajazeira”, “Je suis Fortaleza”...<br />
Quem se importa com isso? Foram 18<br />
pobres a menos, “que se matem” é o<br />
que dizem e pensam alguns. Para a periferia,<br />
acossada pelas facções criminosas<br />
que dominam esses bairros, não há<br />
democracia, não há solidariedade. Há o<br />
medo, o desespero, a desgraça de não<br />
ter nascido em Paris. O simples espaço<br />
geográfico que habitam condiciona os<br />
olhares, os sentimentos, a desconfiança,<br />
a rejeição. Meus conterrâneos são os<br />
esquecidos moradores de uma periferia<br />
de uma capital do Nordeste. São invisíveis.<br />
A lista de mortos do jornal não trazia<br />
nomes, “duas adolescentes”, “um<br />
motorista de aplicativo”, um ambulante...<br />
não são ninguém, só têm um<br />
sexo e uma idade . (Sônia Menezes)<br />
MINHA CURTA<br />
EXPERIÊNCIA<br />
NA CADEIA<br />
FOI UM HORROR<br />
Há alguns meses, fiz reportagens<br />
em dois presídios considerados<br />
modelares, na companhia do juiz de<br />
Direito e agentes penitenciários. Apesar<br />
de toda segurança, a experiência<br />
é horrorosa quando a gente se vê encarcerado<br />
sem possibilidade de sair.<br />
O desespero explica o interesse<br />
dos criminosos da Operação Lava<br />
Jato em realizar rapidamente suas<br />
delações premiadas. A situação é tão<br />
aterrorizante que na penitenciária de<br />
segurança máxima administrada pela<br />
iniciativa privada em Ribeirão das<br />
Neves, há quatro psiquiatras que se<br />
revezam no regime de 12 horas de<br />
trabalho por 36 de descanso durante<br />
todos os dias do ano.<br />
A rotina desses profissionais consiste<br />
basicamente em ministrar tranquilizantes<br />
e acalmar os prisioneiros<br />
desesperados com o encarceramento.<br />
Muitos detentos preferem o suicídio,<br />
mas não há como realizar o propósito.<br />
(Durval Guimarães)<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 11
REUNIÃO<br />
ADMINISTRATIVA<br />
DO STF<br />
O ÚNICO TRIBUNAL POLÍTICO<br />
É O STF. OS DEMAIS<br />
SÃO OCUPADOS POR<br />
JUÍZES CONCURSADOS<br />
Atática certa é aquela que dá certo.<br />
A frase óbvia parece da lavra do<br />
Conselheiro Acácio, e mostra que<br />
ninguém consegue prever o futuro. Por<br />
exemplo: o ex-presidente Lula acreditou<br />
que poderia transformar seu julgamento<br />
num acontecimento político, se colocou<br />
como vítima de uma conspiração e esperava<br />
que essa tática pudesse reverter a<br />
sentença do juiz Moro.<br />
Esqueceu-se de que, exceto o STF-Supremo<br />
Tribunal Federal, todas as demais<br />
instâncias judiciais foram profissionalizadas<br />
e seus quadros preenchidos por concursos,<br />
por sinal muito rigorosos, demandando estudos<br />
e capacidade aos candidatos.<br />
Como o processo acabará no Supremo,<br />
é possível que sentenças possam ser revertidas,<br />
pois aquela Corte sempre votou<br />
com o politicamente correto, demonstrando<br />
sua flexibilidade a pressões externas.<br />
É o último recurso. Mas, como observa<br />
nosso correspondente em Brasília,<br />
José Antônio Severo, Lula deverá ser recolhido<br />
à prisão. “Talvez uma pena semiaberta<br />
depois de passar alguns meses<br />
na cadeia. Ou então foge para o Exterior,<br />
ganha um passaporte da ONU e ficará a<br />
vagar pelo mundo”, profetizou. (Durval<br />
Guimarães)<br />
12<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
O PRÊMIO NOBEL E O OSCAR<br />
NÃO FALAM PORTUGUÊS<br />
OBrasil ganhou cinco edições da<br />
Copa do Mundo mas, desde 1901,<br />
quando foi criado, até o dia de<br />
hoje, nunca algum dos seus cidadãos conseguiu<br />
o Prêmio Nobel. A cada 10 de dezembro,<br />
data de entrega dessa que é a<br />
mais importante premiação mundial em<br />
Ciências e Literatura, a decepção se repete.<br />
No entanto, a Argentina, que também<br />
já tem um papa, viu seus filhos serem<br />
agraciados cinco vezes.<br />
No caso do cinema, o último filme brasileiro<br />
indicado ao Oscar, Central do<br />
Brasil, completa 15 anos.O cinema brasileiro<br />
concorre ao Oscar desde 1963,<br />
quando O Pagador de Promessa disputou<br />
– mas não levou – na categoria<br />
Filme Estrangeiro. Até hoje, porém, a<br />
estatueta dourada nunca veio para cá.<br />
Por quê? Será que ganhar o Oscar<br />
mudará a forma de fazer cinema no<br />
país? As produções nacionais serão mais<br />
respeitadas<br />
Até hoje, Fernando Meirelles, o diretor<br />
de Central do Brasil, foi o brasileiro que<br />
teve mais chances de ganhar o prêmio<br />
mais famoso do cinema mundial. Indagado<br />
sobre o tema, Meirelles, respondeu<br />
com a típica soberba dos maus perdedores:“Não<br />
ganhamos porque o Oscar é um<br />
prêmio para o cinema americano. Cinema<br />
não é feito para vencer ou perder. Os americanos<br />
é que têm essa obsessão por vencedores<br />
e perdedores. Não vamos entrar<br />
nessa”, explicou.<br />
O cinema argentino,<br />
que tem seu estilo próprio<br />
e é muitas vezes superior<br />
ao brasileiro, foi<br />
agraciado com o Oscar de<br />
melhor filme estrangeiro<br />
em 2011, com o filme O<br />
Segredo dos seus Olhos.<br />
“CENTRAL DO<br />
BRASIL”, ÚLTIMO<br />
FILME BRASILEIRO<br />
CONSIDERADO<br />
PELA ACADEMIA<br />
FOI LANÇADO EM<br />
FEVEREIRO DE<br />
19<strong>98</strong><br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 13
POR QUE HÁ TÃO POUCAS<br />
PROFESSORAS DE MATEMÁTICA<br />
NAS UNIVERSIDADES MINEIRAS?<br />
A UFMG TEM 70 PROFESSORES DE MATEMÁTICA, DAS<br />
QUAIS APENAS DEZ SÃO MULHERES. EM OURO PRETO<br />
HÁ APENAS UMA. O QUE PODE SER FEITO PARA<br />
REVERTER ESSA ESTATÍSTICA VERGONHOSA?<br />
NEY DOYLE JR.<br />
Apresentamos abaixo uma conta simples,<br />
que oferecemos às nossas leitoras,<br />
agora que elas se preparam<br />
para comemorar orgulhosamente o Dia<br />
Internacional da Mulher, em oito de março.<br />
Se 85,8% dos professores de matemática<br />
na UFMG são homens, qual é a percentagem<br />
de mulheres? Não há necessidade<br />
de vasculhar um teorema de Pitágoras<br />
para se chegar á resposta correta: 14,2%<br />
são a quantidade exata.<br />
Os homens já desconfiavam. Alguns<br />
acham até graça. Mas o problema é sério<br />
e deve ser tratado como tal. O dia Internacional<br />
da Mulher será marcado com comemorações<br />
pelo mundo inteiro. Sim, elas<br />
são capazes de fazer tudo que os homens<br />
fazem, pelo menos em termos profissionais.<br />
Hoje em dia, você entra numa redação<br />
de um jornal importante e o que vê: a<br />
maioria é composta por mulheres.<br />
ALGO MUDOU. MAS NÃO TUDO. Não era assim<br />
há algumas décadas. Hoje, elas estão<br />
em todo lugar, destronando o que era considerado<br />
emprego apenas para homens.<br />
Mas será que elas<br />
estão invadindo as<br />
praias do mundo<br />
masculino? Sim, estão<br />
no mercado internacional<br />
e, às vezes,<br />
mandam mais<br />
que 10 homens juntos.<br />
Será, então, que<br />
elas estão invadindo<br />
todas essas áreas<br />
profissionais? A resposta<br />
é simplesmente<br />
“não”. Sem<br />
se gabar de machismos<br />
e revanchismos,<br />
<strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong> foi a campo para descobrir<br />
se existe ainda um mercado<br />
dominado pelos homens.<br />
E descobriu. A área de ciências exatas<br />
sempre teve um maior número de alunos<br />
masculinos. Mas como o mercado está<br />
bastante promissor nessa época de construções,<br />
as mulheres resolveram ampliar<br />
seu domínio também neste campo. Enge-<br />
14<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
nharia Civil, por exemplo, onde 95% dos<br />
alunos eram homens até a década de<br />
1990, hoje as turmas são iguais. Em algumas,<br />
os homens perdem em número para<br />
as mulheres.<br />
Mas na Engenharia, ou outros ramos<br />
das Exatas, existe uma cadeira que provoca<br />
verdadeiro pavor entre as meninas.<br />
A ciência vem estudando o caso de perto,<br />
mostrando que meninos quando nascem<br />
prestam mais atenção nos objetos a sua<br />
frente, enquanto as meninas procuram por<br />
suas mães. Está no Youtube a pesquisa<br />
para qualquer um confirmar.<br />
Fizemos todo este preâmbulo para mostrar<br />
a carência de mulheres na área de Matemática.<br />
Vamos começar com a famosa<br />
Olimpíada Nacional<br />
de Matemática para<br />
alunos de escolas<br />
públicas. Em 2012,<br />
o teste premiou 20<br />
alunos que mais entendem<br />
da matéria.<br />
Desses 20, apenas<br />
três eram mulheres.<br />
Na competição internacional,<br />
as 10<br />
medalhas de ouro<br />
foram para estudantes<br />
masculinos de<br />
mais de 30 países<br />
inscritos. Nenhuma<br />
mulher venceu até<br />
hoje.<br />
Vamos dar então mais exemplos: a<br />
UFMG-Universidade Federal de Minas Gerais<br />
tem 70 professores efetivos de Matemática.<br />
Apenas 10 são mulheres, um número<br />
já considerado alto, se comparado<br />
à Universidade Federal de Ouro Preto, com<br />
uma única represente do corpo docente.<br />
SEM OFENSAS, POR FAVOR. De maneira alguma<br />
esta reportagem quer vilipendiar<br />
quem quer que seja, muito antes pelo contrário.<br />
Mas trata-se de uma prova cabal<br />
de que a mulher, no geral, não foi feita<br />
para fazer contas. Por isto, quando ela<br />
gastar mais dinheiro do que tem, ou falar<br />
que a prestação de um carro mil é quase<br />
igual a de um Pajero 4x4, desconfie.<br />
É bom colocar na balança todos os prós<br />
e contras desta nova descoberta de <strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong>.<br />
As mulheres são inteligentes e<br />
muito mais pacientes que os homens, o<br />
que é uma virtude neste mundo capitalista.<br />
Cuidado, porém, com a balança. Ela é um<br />
meio físico para descobrir pesos e medidas<br />
exatas. Isto faz parte da Física. E na física,<br />
as mulheres também não são minoria.<br />
As mulheres, é claro, têm muitas explicações<br />
para o fiasco. A mais comum é a suposta<br />
discriminação histórica. Homens sempre<br />
lhes teriam negado acesso a essa área<br />
do pensamento. Duas entrevistadas disseram<br />
que a Matemática é um campo em<br />
constante mudança, onde novas pesquisas<br />
surgem constantemente. “Em matemática<br />
se você sair do magistério ou da pesquisa,<br />
quando você voltar, a paisagem mudou. O<br />
estudo da Matemática é por meio de assuntos<br />
hierarquizados. Cada camada baseia-se<br />
em camadas anteriores, de modo que pode<br />
ser extremamente difícil para se recuperar.”<br />
Mas há coisas das quais não podemos<br />
nos esquecer. A matemática não é um<br />
tema exatamente divertido. Por isso é<br />
mais difícil achar uma mulher que gosta<br />
mais de matemática do que homens. A<br />
matemática precisa de muita abstração,<br />
não lida com sua opinião e nem se importa<br />
com seus sentimentos. Nem é o<br />
mais agradável assunto para se conversar.<br />
Mulheres em geral procuram o oposto do<br />
que a matemática fornece, tendem para<br />
áreas que vão necessitar de suas opiniões,<br />
criatividade, sentimento.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 15
REPORTAGEM DE CAPA<br />
ÍDOLOS DA DÉCADA DE ’60<br />
CONTAM SUAS VIDAS EM<br />
DOIS LIVROS<br />
IMPERDÍVEIS<br />
OS MINEIROS EDUARDO ARAÚJO E WANDERLÉA PUBLICARAM<br />
AS MELHORES BIOGRAFIA DE 2017, COM PÁGINAS DE LUTA,<br />
GARRA, SOFRIMENTO MAS, SOBRETUDO, DE VITÓRIAS. SUAS<br />
TRAJETÓRIAS INFLUENCIARAM E MODERNIZARAM O<br />
COMPORTAMENTO DA JUVENTUDE BRASILEIRA<br />
DURVAL GUIMARÃES<br />
Nos tempos em que Eduardo Araújo<br />
e Wanderléa começaram a cantar<br />
no rádio, ainda nos anos 50 do século<br />
passado, os adolescentes viviam atemorizados<br />
pelo poder imperial dos pais.<br />
Eles escolhiam as profissões dos filhos,<br />
suas roupas e muitos, como os da minha<br />
região, o Vale do Jequitinhonha, exigiam<br />
que os filhos se ajoelhassem para receber<br />
suas bênçãos. Quando se tratava de filha,<br />
muitas eram simplesmente proibidas de<br />
prosseguir nos estudos após a obtenção<br />
de diploma de professora primária, no famoso<br />
Curso Normal.<br />
Estrela desta reportagem e uma das líderes<br />
da revolução cultural que descreveremos<br />
em seguida, Wanderléa foi agredida<br />
pelo pai, um eletricista que não desejava<br />
vê-la nos palcos. “Havia mais ‘não pode<br />
que ‘pode’. A regra era obedecida sem nenhum<br />
tipo de questionamento. Filho não tinha<br />
vontade nem voz própria e deveria aceitar<br />
as ordens de cabeça baixa”, relatou em<br />
seu livro de memórias Foi Assim, lançado<br />
em setembro pela Editora Record, uma das<br />
maiores e mais importantes do país.<br />
PRENDADA E DO LAR. Se ela tivesse acatado<br />
as definitivas ordens do pai, Antônio Salim,<br />
seu desejo de cantar teria ficado restrito<br />
ao chuveiro. E não seria uma das<br />
mais importantes cantoras do cenário musical<br />
brasileiro, que muito contribuiu para<br />
a construção de nova identidade para a<br />
juventude brasileira.<br />
Na verdade, com voz afinadíssima e<br />
timbre exclusivo, Wanderléia alimentava<br />
modestos sonhos, apropriados para uma<br />
16<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
garota que morava no desconhecidíssimo<br />
subúrbio de Cordovil, no Rio de Janeiro, e<br />
predestinada ao balcão das Casas Pernambucanas<br />
ou qualquer loja de varejo<br />
do bairro. Como era bonita e atraente, estava<br />
autorizada a sonhar com um altar e<br />
se tornar prendada dona de casa, quando<br />
o príncipe encantado batesse nas portas<br />
de sua casa com uma irrecusável prenda.<br />
Wanderléa queria ser cantora de orquestra<br />
de bailes ou, na maior das fantasias,<br />
repetir o sucesso de Marlene e Emilinha<br />
Borba, invejadas estrelas da Rádio<br />
Nacional. Naquele recuado tempo ainda<br />
não havia televisão. Ela nasceu em cinco<br />
de junho de 1944, em Governador Valadares,<br />
Portanto, há 73 anos. O pai trabalhava<br />
em serviços de expansão de redes<br />
elétricas para empresas estatais e prefeituras<br />
de variadas regiões. Logo após o<br />
nascimento de Wanderléa, o sétimo filho<br />
entre homens e mulheres, Salim se transferiu<br />
para Lavras, no Sul de Minas, onde<br />
permaneceu por quase uma década.<br />
ROCK AROUND THE CLOCK. De volta ao Rio,<br />
a família reocupou a casa no subúrbio de<br />
Cordovil. E os sonhos de Wanderléa to-<br />
DO ALTO A<br />
BAIXO:EDUARDO<br />
ARAÚJO,<br />
ERASMO<br />
CARLOS,<br />
WANDERLÉA,<br />
ROBERTO<br />
CARLOS,<br />
MARTINHA E<br />
WANDERLEY<br />
CARDOSO<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 17
maram outro rumo quando ela viu o filme<br />
Ao Balanço das Horas, com a banda Bill<br />
Haley e seus cometas, que fez um absurdo<br />
sucesso entre os jovens brasileiros. Ela<br />
adorou quando ouviu a música que dá<br />
nome ao filme, cantada por Haley. Era o<br />
rock’n’roll sendo mostrado ao mundo, com<br />
uma coreografia alucinante. “Na mesma<br />
época apareceu Elvis Presley, lindo, com<br />
suas canções e filmes. Era aquilo que eu<br />
queria para minha vida”, relembrou.<br />
Na mesma época, em Belo Horizonte, o<br />
garoto Eduardo Araújo, nascido na minúscula<br />
cidade de Joaíma, no Vale do Jequitinhonha,<br />
chegava a Belo Horizonte. Sua<br />
mãe, dona Maria, decidiu se mudar da cidade<br />
para a capital, numa tentativa de se<br />
recuperar no enorme abalo emocional causado<br />
pela prematura morte do marido, o<br />
importante fazendeiro Lívio Araújo.<br />
Três coisas apaixonavam o garoto,<br />
como quase todos os outros em todos os<br />
tempos: o futebol, a motocicleta e a música.<br />
Sua voz era grave e afinadíssima.<br />
Seu sonho na vida de cantor era repetir o<br />
sucesso de Luís Gonzaga, com seus forrós<br />
rurais. O futebol também ocupava grande<br />
espaço na vida, pois era um promissor<br />
goleiro do infanto-juvenil do Cruzeiro,<br />
numa geração que antecedeu ao craque<br />
Tostão. Mas em abril de 1958, o cantor<br />
Bill Haley e seus Cometas se apresenta<br />
no antigo auditório da Secretaria de Saúde<br />
em Belo Horizonte, hoje Minascentro. E<br />
mais uma cabeça tomou outro rumo em<br />
busca de novos sonhos.<br />
CAMINHOS PARALELOS. As batalhas pela afirmação<br />
foram diferentes e talvez mais fáceis<br />
para Eduardo, em função da ausência de<br />
um pai repressivo e da sua privilegiadíssima<br />
condição econômica. Mas a audácia era a<br />
mesma de Wanderléa, sempre mentindo<br />
que iria dormir na casa de parentes para<br />
se apresentar como cantora de grandes<br />
orquestras em bailes da periferia do Rio.<br />
Eduardo aproveitou uma viagem da mãe e<br />
fugiu para cantar no famosíssimo programa<br />
Hoje é Dia de Rock, de Jair de Taumaturgo,<br />
na rádio Mayrink Veiga, do Rio.<br />
O sucesso veio imediatamente, pois<br />
além de cantor, Eduardo era compositor.<br />
Suas músicas O Bom e Pode Vir Quente<br />
que Estou Fervendo se tornaram grandes<br />
sucessos. Multidões o aguardava na porta<br />
dos teatros e é possível que teria um reconhecimento<br />
ainda maior se tivesse participado<br />
do programa Jovem Guarda, de<br />
Roberto e Erasmo Carlos. Ele preferiu criar<br />
o seu próprio na TV Excelsior.<br />
Roberto Carlos alcançou maior sucesso,<br />
pois reuniu cantores e bandas de<br />
várias tendência, enquanto Eduardo se<br />
manteve fiel ao rock. O programa Jovem<br />
Guarda foi ao ar em 22 de agosto de<br />
1965 e se estendeu até 22 de junho de<br />
1968, com quase três anos de duração.<br />
Apesar de sua curtíssima duração, alcançou<br />
o status de movimento e se tornou<br />
um símbolo para a cultura de massa<br />
no Brasil. O do Eduardo teve vida ainda<br />
mais curta, pois a Record conseguiu asfixiá-lo<br />
ao contratar com exclusividade<br />
todos os artistas que subiam em ambos<br />
os palcos.<br />
DE CORDOVIL AOS JARDINS. Os dois mineiros<br />
venceram, tornaram-se ídolos da juventude<br />
e ganharam muito dinheiro. Com<br />
menos de 25 anos, Wanderléa a suburbana<br />
do bairro Cordovil, era proprietária<br />
de uma cobertura no luxuoso bairro Jardins,<br />
em São Paulo e dirigia um super automóvel<br />
Mustang, o primeiro a entrar no<br />
Brasil. Eduardo comprou fazenda e se tornou<br />
proprietário de um haras. A paixão<br />
por burros, herdada do pai, o levou a montar<br />
a “Fábrica de burros”, em Atibaia, no<br />
18<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
interior de São Paulo, propriedade rural<br />
dedicada à produção de jumentos.<br />
Ambos também sofreram muito ao<br />
longo da vida. Wanderléa perdeu a irmã<br />
Waldirene, aos 17 anos, vítima de bala perdida<br />
em Vila Isabel. Depois perdeu o noivo,<br />
Nanato Barbosa, filho do apresentador<br />
Chacrinha, que bateu a cabeça no fundo<br />
de uma piscina. Mais tarde, seu filho Leonardo<br />
morreu afogado também numa piscina.<br />
Por último, se foi o irmão que mais<br />
amava, Bill, vítima de Aids.<br />
Eduardo Araújo teve uma única e devastadora<br />
dor. Perdeu a companheira Silvinha,<br />
também cantora de sucesso, que<br />
morreu de câncer no ano 2000. Viveram<br />
juntos por 35 anos. No ano passado, também<br />
em setembro, Eduardo lançou seu livro<br />
de memórias, Pelos Caminhos do Rock.<br />
VIVER O MELHOR DA VIDA. Os livros que<br />
ambos lançaram pela mesma Editora Record,<br />
contam com emoção, a rica trajetória<br />
desses dois artistas desafiadores que fizeram<br />
a grande revolução brasileira, que foi a dos<br />
costumes. A Jovem Guarda – movimento<br />
da qual Wanderléa participou mais intensamente<br />
– deu origem a toda uma nova<br />
linguagem musical e comportamental no<br />
Brasil; ao mesmo tempo, Eduardo participava<br />
também do iê-iê-iê brasileiro com suas<br />
canções, embora nem tão presente quanto<br />
Wanderléa. De qualquer forma, a alegria e<br />
a descontração transformaram os que estiveram<br />
no movimento em um dos maiores<br />
fenômenos nacionais do século XX.<br />
Alguém disse que os americanos tiveram<br />
Elvis; os ingleses (e o mundo todo),<br />
os Beatles; o Brasil teve a Jovem Guarda.<br />
Ao som deles, pairava sobre alguns jovens,<br />
naquela época, a vontade de cantar o<br />
amor, de dançar e de aproveitar, quase<br />
que ingenuamente, o lado bom da vida.<br />
O iê-iê-iê brasileiro arrastou multidões,<br />
arrasou corações e ainda hoje deixa saudade<br />
em muita gente. Daí a grande importância<br />
dessas duas biografias.<br />
PELOS CAMINHOS DO ROCK<br />
FOI ASSIM<br />
Eduardo Araújo<br />
Wanderléa<br />
Editora Record<br />
Editora Record<br />
250 páginas – R$ 45,00 390 páginas – R$ 50,00<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 19
ENTREVISTA - Enrique Rojas<br />
PSIQUIATRA<br />
ESPANHOL<br />
ENRIQUE ROJAS<br />
“FELICIDADE É TER<br />
BOA SAÚDE, MÁ MEMÓRIA<br />
E ALGUMA ILUSÃO”<br />
...E COM VOCÊS, O PSIQUIATRA E<br />
ESCRITOR ENRIQUE ROJAS, O HOMEM<br />
DO MOMENTO NA ESPANHA<br />
CLARA SOARES*<br />
Ohomem de quem se fala tanto na<br />
Espanha – particularmente pelos<br />
seus livros de autoajuda – foi a Lisboa,<br />
onde o entrevistamos, munido de<br />
mais um título que promete alargar os<br />
mais de três milhões de exemplares vendidos,<br />
desde que apostou nas publicações<br />
de autoajuda. SOS Ansiedade tem todos<br />
os ingredientes para seguir o caminho dos<br />
outros títulos já editados em Portugal (Não<br />
te rendas! e Vive a tua vida). Aos 68 anos,<br />
o diretor do Instituto Espanhol de Investigação<br />
Psiquiátrica de Madrid conversou<br />
com esta repórter sobre o que faz de nós<br />
pessoas menos ansiosas, mais felizes e<br />
capazes de amar com inteligência. Entre<br />
20<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
consultas e digressões, nuestro hermano<br />
preside ainda à Fundação Rojas-Estapé,<br />
que acompanha gratuitamente jovens com<br />
perturbações de personalidade e poucos<br />
recursos econômicos.<br />
A psiquiatria está no seu sangue?<br />
- O meu pai, o meu primo, a minha<br />
irmã são psiquiatras e a minha filha é<br />
psicóloga. “Rojas” é igual a “psiquiatria”.<br />
E como é viver com isso?<br />
- Hoje podemos dizer que o psiquiatra<br />
vende paz, tranquilidade, ilusão e felicidade.<br />
Porém, contatar diariamente com<br />
situações pessoais duras, graves e complicadas<br />
produz erosão. Combatê-las<br />
passa por cultivar algo para relaxar. Eu<br />
faço pintura abstrata: quando me sinto<br />
esgotado vou para o estúdio e dedico-me<br />
a essa paixão. Além disso ouço música e<br />
pratico esportes.<br />
Doutorou-se com um trabalho sobre<br />
suicídio e perturbações de personalidade.<br />
Como as define?<br />
- São desequilíbrios psicológicos decorrentes<br />
de feridas passadas não saradas e<br />
de um baixo nível de autoestima. Na investigação<br />
que fiz, com o meu pai, numa<br />
amostra de pessoas que tentaram suicidar-se<br />
mas não o conseguiram, concluí<br />
que estas pessoas tinham também baixa<br />
confiança em si mesmas, oscilações de<br />
humor e não conseguiam desfrutar da<br />
vida, convertendo problemas em dramas.<br />
Se juntar a isso a depressão, que se faz<br />
acompanhar de sintomas como melancolia,<br />
sentimentos negativos, pessimismo e<br />
ansiedade, percebe-se como surge o desejo<br />
de se matar.<br />
A ansiedade pode agravar essa predisposição?<br />
- O problema da ansiedade é a adrenalina<br />
em excesso a circular entre os<br />
neurônios, que se manifesta no plano físico:<br />
taquicardia, suores frios, excesso de<br />
suco gástrico, sensação de falta de ar,<br />
tremores nas mãos. As crises ansiosas<br />
são um tsunami de ansiedade que dura<br />
minutos em que estão presentes vários<br />
medos: de morrer, de enlouquecer, de<br />
perder o controle. O último é o mais frequente.<br />
Como se gere a ansiedade, de modo<br />
a que não tome conta da vida?<br />
- É preciso parar e perguntar-se três<br />
coisas que constituem a base de uma<br />
personalidade equilibrada: “Quem sou”,<br />
“Para onde vou” e “Com quem”. Isso implica<br />
saber o que se quer e ter ultrapassado<br />
as feridas do passado. Ajuda ter<br />
um projeto de vida realista, dar às coisas<br />
que acontecem a importância que de<br />
fato têm, com sentido de humor e insistência.<br />
Isso é ser uma pessoa madura,<br />
que aprende com as derrotas e cresce<br />
como ser humano. A ansiedade pode ser<br />
positiva, criativa, mas também negativa,<br />
se impedir uma vida normal: a pessoa<br />
“<br />
AS COISAS CORRERÃO<br />
MELHOR SE NOS<br />
LEMBRARMOS DE QUATRO COISAS<br />
FUNDAMENTAIS, QUE SÃO O AMOR, O<br />
TRABALHO, A CULTURA E A AMIZADE.<br />
NÃO HÁ FELICIDADE SEM AMOR NEM<br />
AMOR SEM RENÚNCIA. SE AMARMOS O<br />
QUE FAZEMOS NO TRABALHO SABEMOS<br />
QUE ESTAMOS NA VIA CERTA. A<br />
CULTURA, QUE É CONHECIMENTO,<br />
LIBERTA-NOS.”<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 21
está sempre mal com o trabalho, os amigos,<br />
o cônjuge.<br />
O que fazer quando se fica enredado<br />
nas malhas desta “ami-inimiga”?<br />
- Se for endógena, ou seja, resultar de<br />
um desequilíbrio bioquímico, combatese<br />
com fármacos e psicoterapia. Caso<br />
seja exógena, com origem no exterior, a<br />
psicoterapia pode ajudar. Sabemos que a<br />
causa da ansiedade é externa quando se<br />
manifesta, entre outras coisas, na constante<br />
falta de tempo, no ritmo frenético e<br />
“IMAGINE UMA CRISE<br />
CONJUGAL. META:<br />
RESOLVER O PROBLEMA COM O<br />
PARCEIRO. OBJETIVOS: DEIXAR PARA<br />
TRÁS AS QUEIXAS DO PASSADO,<br />
APRENDER A PERDOAR, EVITAR<br />
DIS CUS SÕES DESNECESSÁRIAS,<br />
NÃO CONVERTER UM PROBLEMA<br />
NUM DRAMA, TER UMA<br />
SEXUALIDADE PARTILHADA E SEM<br />
MONOTONIA.”<br />
no vício do trabalho, do telefone celular<br />
ou da internet. A solução para colocar<br />
termo a isso está em aprender a dizer<br />
“Não”. Cortar as ambições excessivas<br />
também dá muita paz, tal como colocar<br />
ordem nos horários, na casa.<br />
Os estudos mostram que a ansiedade é<br />
muito comum na meia-idade. Isso é um<br />
sintoma de que algo correu mal na vida<br />
daquela pessoa? Ou é uma questão social?<br />
- Na Europa avançou-se mais em 15<br />
anos do que num século. A velocidade é<br />
muito grande. As coisas correrão melhor<br />
se nos lembrarmos de quatro coisas fundamentais,<br />
que são o amor, o trabalho, a<br />
cultura e a amizade. Não há felicidade<br />
sem amor nem amor sem renúncia. Se<br />
amarmos o que fazemos no trabalho sabemos<br />
que estamos na via certa. A cultura,<br />
que é conhecimento, liberta-nos. O problema<br />
começa quando deixa de haver tempo<br />
para isso, e que só há tempo para as redes<br />
sociais... De modo que não se sabe quem<br />
é Fernando Pessoa ou Saramago. Quando<br />
perdemos a curiosidade ficamos mais pobres.<br />
Saltamos de uma coisa para outra,<br />
fica tudo mais plano, ou digitalizado, por<br />
assim dizer.<br />
- Gosto muito dessa expressão. O<br />
“aplanar”. A cultura é a capacidade de ir<br />
contra a corrente e seguir a estética da<br />
inteligência. Quanto à amizade, Dom<br />
Quixote, mais importante que Cervantes,<br />
dizia que a felicidade não está no destino,<br />
mas no meio do caminho. Sancho<br />
Pança, por seu turno, tinha esta máxima:<br />
“Amigo que não dá e faca que não corta,<br />
se se perder não importa.” Os verdadeiros<br />
amigos são poucos. A falta de tempo<br />
prejudica as amizades.<br />
É possível cultivar a felicidade e prevenir<br />
a doença sozinho no frenesi em<br />
que vivemos?<br />
- Sim, mas é difícil na era do estresse,<br />
da depressão e do desamor. E da apatia,<br />
que é a indiferença perante a vida. Por<br />
isso é que os psiquiatras e psicólogos se<br />
converteram em conselheiros de cabeceira.<br />
Só quem está pouco informado é<br />
que pensa que ir ao psicólogo é para<br />
quem é doente ou louco. Se a sociedade<br />
em que estamos é de fast food, a psico-<br />
22<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
logia é uma espécie de slow food. A<br />
ideia é sermos capazes de nos encontrarmos<br />
a nós mesmos, sozinhos ou com<br />
a ajuda de alguém. Isso requer tempo.<br />
O mindfulness ou a atenção plena,<br />
podem combater a trilogia da ansiedade-depressão-desamor<br />
da sociedade<br />
atual?<br />
- Poder, pode, mas parece-me que necessitamos<br />
de uma visão mais abrangente,<br />
sobretudo no que se refere à gestão<br />
do amor. O grande erro do século XX<br />
foi acharmos que o amor era só um sentimento,<br />
que vai e vem. E que era um<br />
monólogo. Na realidade, o amor maduro<br />
é um ato de vontade e de inteligência.<br />
Cultiva a inteligência amorosa na sua<br />
vida?<br />
- (Risos) Faço por isso, sou casado há<br />
33 anos! Se eu fosse uma águia com<br />
duas cabeças direcionadas para o passado<br />
e para o futuro, a primeira diria que<br />
a felicidade é ter boa saúde e má memória;<br />
a segunda, que é ter ilusões. Ficamos<br />
velhos quando olhamos mais para<br />
trás do que para a frente e a memória<br />
toma o lugar da ilusão.<br />
Mas se olhar muito para o futuro<br />
pode perder o chão, ou desiludir-se, entretanto.<br />
Certo?<br />
- Para que isso não suceda, há que<br />
distinguir entre metas, que são gerais, e<br />
objetivos, que são mensuráveis e concretos.<br />
Um exemplo. Meta: quero emagrecer.<br />
Objetivos: perder um quilo por semana,<br />
cortar nos hidratos de carbono e<br />
nas gorduras animais, andar uma hora<br />
diariamente.<br />
Pode dar um exemplo que envolva as<br />
relações humanas?<br />
- Imagine uma crise conjugal. Meta:<br />
Resolver o problema com o parceiro. Objetivos:<br />
deixar para trás as queixas do<br />
passado, aprender a perdoar, evitar dis -<br />
cus sões desnecessárias, não converter<br />
um problema num drama, ter uma sexualidade<br />
partilhada e sem monotonia.<br />
Esta lógica aplica-se às adversidades<br />
e à forma de evoluir com elas, sem se ir<br />
abaixo?<br />
- Sim. Os perdedores que assumem a<br />
derrota e começam de novo conseguem<br />
“<br />
QUANTO À AMIZADE, DOM<br />
QUIXOTE, MAIS<br />
IMPORTANTE QUE CERVANTES,<br />
DIZIA QUE A FELICIDADE NÃO ESTÁ<br />
NO DESTINO, MAS NO MEIO DO<br />
CAMINHO. SANCHO PANÇA, POR SEU<br />
TURNO, TINHA ESTA MÁXIMA:<br />
‘AMIGO QUE NÃO DÁ E FACA QUE<br />
NÃO CORTA, SE SE PERDER<br />
NÃO IMPORTA.’”<br />
fazê-lo. Veja o caso de Steve Jobs, que se<br />
arruinou na vida por duas vezes e chegou<br />
a estar viciado em cocaína e heroína.<br />
Chama-se a isto resiliência. Tal como o<br />
caso do pescador mexicano que esteve<br />
perdido no Pacífico durante 438 dias,<br />
chegando a beber a sua urina e a comer<br />
as próprias unhas para sobreviver. Saiu<br />
da experiência cheio de amor. E Nelson<br />
Mandela, 28 anos de encarceramento e<br />
sujeito a tortura. Aí escreveu uma grande<br />
obra sobre a liberdade.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 23
Impressiona e inspira, sem dúvida.<br />
Porém, a comparação pode ter o efeito<br />
contrário e puxar o outro para baixo…<br />
Algo do tipo “Se eles são tão bons, serei<br />
eu tão mau?”<br />
- A mensagem a reter é só esta:<br />
não dar o flanco e começar de novo.<br />
O autor espanhol Unamuno, em Diário<br />
Íntimo, diz: “Não te dês por vencido,<br />
nem a um vencido; não te mostres<br />
como um escravo, nem mesmo a um<br />
escravo”. Fui buscar a mensagem da<br />
campanha de Tony Blair,<br />
“Não te rendas”, que por sua vez já<br />
tinha ido buscar a ideia em Churchill.<br />
Se não se consegue fazer isto<br />
sozinho, há que procurar alguém para<br />
que nos ajude a seguir em frente.<br />
É possível desenvolver a resiliência<br />
com livros de autoajuda?<br />
- Em certos casos, a psicoterapia e a<br />
farmacologia são incontornáveis. Eu sigo<br />
um modelo de psicoterapia cognitivo e<br />
comportamental, que se assenta na ideia<br />
de que podemos mudar o nosso comportamento<br />
se modificarmos as nossas crenças.<br />
Nesse ponto da adversidade e da resiliência,<br />
creio que os leitores podem se<br />
beneficiar de orientações específicas que<br />
os possam encaminhar em fases importantes<br />
da vida.<br />
O que responde a quem lhe pergunta:<br />
“Porque me sinto tão mal se tudo me<br />
corre tão bem?”<br />
- O material não é tudo. Para estar<br />
24<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
em tenho de estar bem comigo, saber o<br />
que quero e o que pretendo mudar na<br />
minha vida.<br />
Seu livro afirma que a saúde é o silêncio<br />
do corpo e que cada corpo é um semáforo.<br />
O que quer dizer com isso?<br />
- A cara espelha aquilo que somos. A<br />
face e as mãos anunciam a vida como<br />
projeto. Voltando ao tema da ansiedade,<br />
ela manifesta-se por duas vias. O caminho<br />
do corpo expressa-se através de sintomas<br />
como a queda de cabelo (alopecia),<br />
problemas gástricos, musculares,<br />
respiratórios. O caminho da mente traduz-se<br />
em fobia ou em obsessões. Se<br />
uma pessoa tem crises de pânico num<br />
avião, apetece-lhe gritar e ficar descontrolada;<br />
ao longo da semana, é natural que<br />
desenvolva medo de voltar a voar. O pânico<br />
converte-se numa fobia, um medo intenso<br />
que a leva a evitar ou a adiar a viagem.<br />
Já as obsessões levam a pessoa a<br />
querer mudar o corpo de forma compulsiva,<br />
com tratamentos, cirurgias, em várias<br />
partes do corpo: hoje a cara, amanhã<br />
o peito, a perna...<br />
A obsessão com a imagem revela um<br />
pro blema sério na mente, nos afetos, até?<br />
- Cuidar muito o que está fora e descuidar<br />
muito o que está dentro é um indicador<br />
de que algo não está bem e isso<br />
leva a outras doenças como a vigorexia,<br />
a bulimia, a anorexia.<br />
A questão psicossomática não é mais<br />
do que o corpo a revelar o que a mente<br />
não consegue processar?<br />
- Um conflito psicológico crônico manifesta-se<br />
no plano físico. Se não se resolve<br />
pode aparecer sob a forma de dispepsia,<br />
depois gastrite e, mais tarde,<br />
culminar numa úlcera.<br />
Porque se diz que os problemas psicossomáticos<br />
são mais comuns em personalidades<br />
fortes?<br />
- Quem se considera forte não gosta<br />
de mostrar o que sente. Guarda para si,<br />
esconde, mantém silêncio.<br />
O que significa, para você, uma personalidade<br />
saudável e madura?<br />
- Na última revisão do DSM (Manual<br />
de Diagnóstico de Transtornos Mentais),<br />
as perturbações de personalidade aparecem<br />
classificadas como uma modalidade<br />
e já não uma doença. Os americanos,<br />
que mandam no mundo e lideraram<br />
esta revisão [Associação Americana de<br />
Psiquiatria], entendem que é quase impossível<br />
diagnosticar alguém como imaturo<br />
porque, na população, a imaturidade<br />
está em todas as partes e<br />
nenhuma. De resto, a nova edição espanhola<br />
do livro de autoajuda de Wayne<br />
Dyer (As Suas Zonas Errôneas, na tradução<br />
em Portugal) cujo prefácio, escrito<br />
por mim, começa justamente assim: “O<br />
que é uma personalidade imatura?”<br />
* Clara Soares é jornalista e psicóloga<br />
“<br />
SÓ QUEM ESTÁ POUCO<br />
INFORMADO É QUE PENSA<br />
QUE IR AO PSICÓLOGO É PARA QUEM É<br />
DOENTE OU LOUCO. SE A SOCIEDADE<br />
EM QUE ESTAMOS É DE FAST FOOD,<br />
A PSICOLOGIA É UMA ESPÉCIE<br />
DE SLOW FOOD. A IDEIA É SERMOS<br />
CAPAZES DE NOS ENCONTRARMOS<br />
A NÓS MESMOS, SOZINHOS OU<br />
COM A AJUDA DE ALGUÉM.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 25
CARREIRAS<br />
10 ATITUDES INFALÍVEIS PARA<br />
ENFURECER<br />
SEU CHEFE<br />
26<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
JOÃO PAULO COLTRANE<br />
Quer matar seu chefe de raiva, aumentar<br />
suas chances de promoção,<br />
de um aumento ou de ser despedido?<br />
Aqui estão as atitudes garantidas<br />
para endoidar o seu gerente. As sugestões<br />
são do Coltrane, nosso lamentável cronista<br />
da página de humor, que hoje substitui a<br />
especialista em recursos humanos, a estonteante<br />
Sandra Fiorani, que saiu de férias<br />
por um mês. Seja o que Deus quiser.<br />
1 Cumprimente o chefe pelo sucesso<br />
que faz entre as mulheres<br />
Mas faça isso em público, no meio da<br />
reunião que define o orçamento da<br />
empresa para o semestre. Seja efusivo<br />
e elogioso: “Babei de inveja, seu Manfredo.<br />
Eu nunca tinha visto aquela louraça<br />
que entrou com o senhor na sala<br />
3 do cinema do Pátio Savassi, ontem<br />
à noite. Ela é parenta da sua mulher?”.<br />
2 Cace e casse o cartão corporativo<br />
do seu chefe<br />
Afirmando que seu propósito é o de<br />
preservar a empresa e seu patrimônio,<br />
sugira, na primeira reunião do ano<br />
(fiscal) da empresa, que a diretoria extinga<br />
o cartão corporativo no nível de<br />
gerência, por se tratar de uma instituição<br />
nociva e perigosa, que leva o portador<br />
do cartão a cair em lascivas tentações<br />
e a cometer vergonhosos<br />
desvios de conduta. Não foi o que<br />
aconteceu com o vetusto ex-ministro<br />
do Turismo, aquele do motel?<br />
3 Suma na hora do café<br />
No horário da tarde, alegue que aproveitará<br />
a saída do café para ir ao<br />
banco. Em vez disso, enfurne-se no<br />
aprazível boteco que fica no térreo do<br />
prédio e encare uns chopinhos com<br />
torresmos e mandioca frita. Volte só<br />
uma hora e tanto depois, chupando<br />
balas de hortelã (todo cuidado com o<br />
bafo). E informe ao furioso chefe que a<br />
porta giratória do banco emperrou e<br />
você ficou preso lá. Por sinal, junto a<br />
uma dona de razoáveis apetrechos.<br />
6 Provoque discussão política com o<br />
chefe<br />
E o contrarie em todos os sentidos.<br />
Faça-o se sentir o mais ignorante dos<br />
eleitores nacionais, fazendo-lhe perversas<br />
perguntas ou ponderações.<br />
Tipo: “Em qual deputado federal o senhor<br />
votou nas últimas eleições?”. “O<br />
senhor sabia que o Brasil é um dos<br />
poucos países que tem vereadores?”.<br />
Como, claro, ele não sabe, aplique a<br />
bordoada final, informando que nos<br />
países onde existem as inúteis figuras,<br />
o exercício do mandato é gratuito. Resumindo,<br />
no próximo aniversário, dê a<br />
ele um exemplar da Constituição de<br />
presente.<br />
7 Sufoque-o de inveja, contando-lhe<br />
os vai-e-vens da secretária<br />
Sua empresa, como qualquer outra no<br />
mundo, tem ao menos uma secretária<br />
estonteante e boazuda. Obviamente,<br />
na empresa onde você trabalha, seu<br />
chefe vive mascando aquela loura, 22<br />
anos, olhos azuis, 86 de busto, 38 de<br />
cintura, que mantém o escritório em<br />
contínua ebulição. Mais de 20 anos<br />
mais velho, casado com uma dona<br />
digna da seleção brasileira, que marca<br />
em cima, fungando no cangote, não<br />
tem pra ele. E sim pro filho do dono,<br />
rapagão de 25 anos, praticante de caratê<br />
e corredor de maratona. Invente<br />
histórias picantes do garotão com a<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 27
secretária, contando-lhe pormenores<br />
do suposto amasso que você viu, na<br />
hora do café, atrás da geladeira da<br />
cantina.<br />
8 Insufle os colegas de trabalho contra<br />
o chefe<br />
Em toda oportunidade, ridicularize seu<br />
comandante, comentando com os colegas<br />
suas intimidades e fraquezas.<br />
Por exemplo: ele só usa ceroulas, estilo<br />
belle époque; usa suspensórios<br />
porque não há cinto que aguente sua<br />
rotundidade abdominal; os seus joanetes<br />
são tão medonhos que dão até<br />
a previsão do tempo; e que, na verdade,<br />
seu time de coração é o América<br />
do Rio, hoje na quinta divisão do<br />
futebol carioca.<br />
9 Seja curioso e impertinente<br />
Sempre que puder, leia, sobre os ombros<br />
do chefe, o que ele está digitando<br />
no computador. E, quando necessário,<br />
corrija-o, sem pestanejar, fazendo-o se<br />
sentir semianalfabeto. Ensine a ele,<br />
por exemplo, que o adjetivo tradicional<br />
relativo ao bode é com xis, e não<br />
com esse, pois “expiatório” vem do latim<br />
“expiare”, que significa reparar, remir,<br />
purificar-se (de culpa ou falta);<br />
padecer, etc. Se ele fraquejar em demasia,<br />
dê-lhe uma gramática de presente.<br />
Dicionário também serve.<br />
10. Esconda as coisas indispensáveis<br />
Atormente-o ao cubo, dando sumiço nos<br />
materiais indispensáveis no seu dia-adia.<br />
Assim, leve o grampeador para a<br />
copa e esqueça-o lá. Pegue a caixinha de<br />
clipes e a esconda na parte mais funda<br />
da gaveta da mesa do boy (antigamente<br />
a gente chamava de contínuo). Discretamente,<br />
desligue o celular<br />
dele. Ou ponha a campainha<br />
no nível zero de volume e vibração.<br />
Quando servirem<br />
o café e você for tomá-lo<br />
antes dele, queixe-se de<br />
que a rubiácea está gelada<br />
e assista a incineração<br />
dos beiços do seu<br />
ingênuo chefe.<br />
28<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
?????????????<br />
CARTA DO CANADÁ<br />
PELA ESTRADA AFORA<br />
ARTHUR VIANNA<br />
Toda cidade tem lá suas particularidades.<br />
A vida agitada e o deslocamento<br />
rápido nas grandes metrópoles<br />
acabam por esconder pequenas<br />
pérolas da vida urbana. Nascido e criado<br />
em Belo Horizonte, conheci a cidade<br />
ainda menina-moça. E hoje, pela internet,<br />
sigo um grupo que publica fotos antigas<br />
da capital mineira. Nas mais antigas,<br />
vejo meus pais, também nascidos<br />
em Belo Horizonte. Em outras, me vejo<br />
brincando e jogando futebol nas ruas, ou<br />
pulando de um bonde em movimento.<br />
Não é só saudosismo, é gostar e curtir<br />
a vida urbana. Municipalista de carteirinha,<br />
sempre defendi que o poder maior<br />
deveria estar nas cidades. Até porque<br />
ninguém mora em Estado ou País. Moramos<br />
nas cidades e o resto são abstrações<br />
e convenções.<br />
Por sorte do destino, participei de momentos<br />
importantes em outras cidades<br />
do mundo. Assim como eu estava em<br />
Berlim quando o muro começou a cair<br />
(novembro de 1<strong>98</strong>9), aconteceu de estar<br />
em Lisboa na Revolução dos Cravos<br />
(abril de 1974).<br />
Outro dia, li uma matéria publicada<br />
pelo site Bhaz sobre as 10 maiores ruas e<br />
avenidas de Belo Horizonte e suas extensões.<br />
A maior delas é a Rua Padre Argemiro<br />
Moreira, que, como você, eu também<br />
não conhecia. Ela possui 10,68 km<br />
de extensão e passa por treze bairros da<br />
região Nordeste. E a nossa maior avenida<br />
é a Otacílio Negrão de Lima, que contorna<br />
a Lagoa da Pampulha e tem mais<br />
de 18 km. Mas ela fica longe da Avenida<br />
Sapopemba, em São Paulo, que mede<br />
cerca de 45 km. Ou da Avenida Brasil, no<br />
Rio, com seus 58 km.<br />
E aí, finalmente, chegamos a Toronto.<br />
Pra começar, Toronto tem o maior sistema<br />
de pedestre subterrâneo do<br />
mundo. Uma verdadeira cidade. Com 37<br />
km de comprimento, a cidade subterrânea<br />
tem 1.200 lojas e restaurantes,<br />
mais de 50 edifícios conectados, 7 hotéis,<br />
20 estacionamentos, 5 estações de<br />
metrô e um terminal ferroviário. São<br />
tantos os caminhos, que é fácil se perder.<br />
Depois de alguns anos em Toronto,<br />
é que fui descobrir como saber a direção<br />
desejada. O lugar se chama Path<br />
(caminho em inglês). É só olhar para as<br />
indicações: se o P (de Path) é vermelho<br />
indica o sul; se o A é alaranjado, é<br />
oeste; o T azul indica o norte; e o H<br />
amarelo aponta para o leste. O sistema<br />
foi iniciado em 1900 e aumenta a cada<br />
ano. Cerca de 200 mil pessoas passam<br />
diariamente pelos caminhos subterrâneos<br />
de Toronto.<br />
Montreal, a segunda maior cidade do<br />
Canadá, também tem a sua cidade subterrânea.<br />
Ou, como é chamada, La Ville<br />
Souterraine. Um pouco menor do que o<br />
complexo de Toronto, são mais de 30 km<br />
de túneis espalhados por mais de 12<br />
km 2 . No inverno, mais de 500 mil pessoas<br />
circulam diariamente pelo local.<br />
Mas, a informação mais curiosa que<br />
30<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
TORONTO E O SEU<br />
LABIRINTO<br />
SUBTERRÂNEO<br />
gostaria de dividir com os leitores da<br />
<strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong> é que Toronto tem a mais<br />
extensa rua do mundo, a Yonge Street. É<br />
uma via tão importante para Toronto que<br />
divide a cidade em leste e oeste. Toda<br />
rua e avenida que a cruza tem de incluir<br />
em seu nome a direção, leste ou oeste.<br />
Ela começa no centro sul de Toronto, no<br />
lago Ontário, e chega até o lago Simcoe.<br />
Até 1999, o Guinness Livro dos Recordes<br />
registrava que a Yonge Street era a maior<br />
rua do mundo, com incríveis 1.896 km.<br />
Mas, para tanto, teríamos de aceitar<br />
como Yonge um longo trecho da Autoestrada<br />
11. Hoje, o Guinness não faz qualquer<br />
referência à Yonge Street. Mas também<br />
não aponta qual seria a maior rua<br />
do mundo.<br />
arthurviannanet@gmail.com<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 31
POLÍTICA<br />
PATRUS ANANIAS<br />
PODE SER O COELHO<br />
DA CARTOLA DO PT<br />
UM MINEIRO PODERÁ COMANDAR NOVAMENTE O PALÁCIO DO<br />
PLANALTO, COM A INDICAÇÃO DE PATRUS ANANIAS COMO<br />
CANDIDATO DO PT À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA<br />
JOSÉ ANTÔNIO SEVERO(*)<br />
Minas volta ao primeiro plano no<br />
cenário da esquerda. Os velhos<br />
petistas fundadores do partido<br />
que ainda se mantém na ativa estão se<br />
articulando para chamar a si uma solução<br />
salvadora que evite o mergulho no escuro<br />
que seria uma obsessiva continuação da<br />
candidatura de Lula em qualquer situação,<br />
mesmo se ele for barrado pela legislação.<br />
A atual direção do partido, liderada pela<br />
chamada bancada da chupeta no Senado,<br />
tendo à frente a senadora Gleisi Hoffmann<br />
(PT/PR) e o senador Lindbergh Faria<br />
(PT/RJ), estão dispostos a confrontar a Lei<br />
da Ficha Limpa ou a própria legislação penal<br />
e manter a candidatura do ex-presidente<br />
até o final. É considerada pelos fundadores<br />
uma disposição desbaratada que<br />
poderá levar o partido à beira da extinção.<br />
Os velhos tutores dizem que se não<br />
puder registrar a candidatura, nem o nome<br />
nem a foto de Lula estarão na urna eletrônica.<br />
Esta é a realidade política. Então se procura<br />
outra fórmula, sem, contudo, abandonar a<br />
candidatura do ex-presidente. Esse novo<br />
dispositivo somente será acionado quando<br />
se esgotarem inteiramente as possibilidades<br />
reais de Lula concorrer e de tomar posse.<br />
Neste sentido, o PT de Minas Gerais<br />
reaviva uma das principais reservas morais<br />
do partido, pois embora estivesse no<br />
governo de Dilma Rousseff no período das<br />
causas criminais, não teve seu nome envolvido.<br />
Os velhos líderes, guardiões do<br />
partido, líderes regionais, não estão dispostos<br />
a se lançar numa aventura presidencial.<br />
A saída seria pelo formato tradicional,<br />
com uma candidatura do Sudeste.<br />
O ex-ministro e deputado federal Patrus<br />
Ananias (PT/MG), pai do programa Bolsa<br />
Família e administrador desse projeto durante<br />
os dois governos de Lula é o coelho<br />
que o Partido dos Trabalhadores vai tirar<br />
da cartola na Hora H, quando o PT tiver<br />
de se viabilizar para a eleição de <strong>2018</strong>.<br />
Patrus é a grande reserva política e moral<br />
do partido em condições de ser acatado<br />
por todas as correntes e unificar o petismo<br />
para enfrentar o pleito de <strong>2018</strong> com condições<br />
razoáveis de competitividade.<br />
32<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
DEPUTADO<br />
FEDERAL PATRUS<br />
ANANIAS(PT-MG)<br />
Desde meados de dezembro que se<br />
realizam movimentos em torno do líder<br />
mineiro. Segundo essas fontes, Patrus<br />
concordou em se apresentar candidato,<br />
mas só depois que a candidatura de Lula<br />
for definitivamente afastada. Ou seja, o<br />
próprio ex-presidente estaria trabalhando<br />
essa hipótese, que será lançada no momento<br />
oportuno: nem tão cedo que pareça<br />
uma retirada, nem tão tarde que<br />
não possa vicejar perdendo o timing.<br />
Dos grandes esteios do PT que poderiam<br />
ser chamados para esse pleito tão<br />
difícil, Patrus seria o nome mais adequado,<br />
segundo esses mentores. Outros<br />
grandes nomes, como os ex-governadores<br />
Jacques Wagner, Tarso Genro ou Olívio<br />
Dutra, não estariam dispostos a tamanho<br />
sacrifício.<br />
Candidatos de menor estatura são<br />
descartados. O PT tem de chegar à eleição<br />
com uma fórmula de muito peso,<br />
com legitimidade para empolgar e unir<br />
a esquerda, ser acolhido pelo eleitorado<br />
da classe média urbana e que seja reconhecido<br />
pelas raízes mais profundas do<br />
petismo, como a Igreja Católica e o sindicalismo<br />
industrial. Patrus terá essa<br />
força intrínseca.<br />
É bom lembrar que Patrus foi uma<br />
alternativa muito citada no PT, em 2010,<br />
quando se viu que os grandes nomes do<br />
partido comprometidos nos processos<br />
não voltariam a tempo. Então Lula concluiu<br />
por manter a candidatura tampão<br />
de Dilma Rousseff e Patrus foi escalado<br />
para uma chapa suicida, como vice-governador<br />
de Hélio Costa, quando a cúpula<br />
do partido fechava com seu adversário<br />
Antônio Anastasia na fórmula<br />
Diomasia (Dilma+Anastasia). A chapa<br />
PMDB/PT em Minas foi decisiva para o<br />
apoio do PMDB à candidatura oficial.<br />
Mantem-se a sucessão café com leite.<br />
Não há especulações sobre o vice desta<br />
chapa.<br />
(*) JOSÉ ANTÔNIO SEVERO É CORRESPON-<br />
DENTE DE <strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong> EM BRASÍLIA.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 33
MEU DINHEIRO<br />
APRENDA COM OS RICOS<br />
A ESCOLHER OS<br />
SEUS AMIGOS<br />
O QUE VOCÊ PODE APRENDER COM A FORMA COMO PESSOAS<br />
QUE SE TORNARAM RICAS ESCOLHEM AS SUAS RELAÇÕES<br />
DA REDAÇÃO<br />
Em março de 2004, o norte-americano<br />
Thomas C. Corley, consultor financeiro,<br />
orador, escritor e colaborador com<br />
vários meios de comunicação, começou a<br />
estudar os hábitos de 361 pessoas: 233<br />
ricas e 128 pobres. Dos 233 indivíduos<br />
ricos, 177 tornaram-se milionários por esforço<br />
próprio e 56 herdaram fortunas.<br />
Thomas focou-se no primeiro grupo –<br />
os indivíduos que se tinham tornado ricos<br />
pelo seu próprio trabalho, dos quais 105<br />
tinham origem na classe média e 72 na<br />
classe baixa – e concluiu que a forma<br />
como travavam amizades era diferente.<br />
Durante cinco anos, o autor analisou os<br />
hábitos dessas pessoas através de entrevistas<br />
presenciais, chamadas telefônicas e via e-<br />
mail. Para evitar que as respostas fossem influenciadas,<br />
o autor não revelava aos inquiridos<br />
que estavam a participar num estudo, o que<br />
os especialistas chamam de “estudo cego”.<br />
Cada participante respondia a 20 questões<br />
sobre as suas atividades do dia-adia.<br />
No fim, Thomas combinou as respostas<br />
e publicou as conclusões a que tinha chegado<br />
no livro Change Your Habits, Change<br />
34<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
Your Life (Mude os Seus Hábitos, Mude a<br />
Sua Vida, em tradução livre).<br />
A BOA E A MÁ ESCOLHA. Normalmente, escreve<br />
o autor, uma pessoa escolhe, inconscientemente,<br />
amigos e até parceiro para a vida baseando-se<br />
no fato de se sentir, ou não, confortável<br />
na companhia dessa pessoa. Mas<br />
Thomas C. Corley percebeu que os indivíduos<br />
que mais tarde se tornaram ricos, não<br />
seguiam esta linha de pensamento e faziam<br />
um esforço consciente para criar relações<br />
com indivíduos que tinham aquilo que eles<br />
aspiravam a ter: dinheiro e sucesso.<br />
Esta escolha consciente leva o autor a<br />
THOMAS C.<br />
CORLEY<br />
concluir que o melhor é escolher relações<br />
que nos puxem para cima em vez de nos<br />
empurrar para baixo.<br />
Uma pessoa que pode vir a ser uma<br />
mais valia na sua vida deve ter, então, um<br />
ou mais dos onze traços de personalidade<br />
que mostramos a seguir.<br />
1 Bons hábitos<br />
2 Pensamento positivo<br />
3 Ser confiável<br />
4 Atitude estimulante<br />
5 Lealdade<br />
6 Estabilidade financeira<br />
7 Ética de trabalho árduo<br />
8 Responsabilidade<br />
9 Disciplina<br />
10 Entusiasmo<br />
11 Gratidão.<br />
PENSAMENTO POSITIVO. As amizades com<br />
pessoas bem sucedidas estimulam uma<br />
mentalidade mais positiva e uma melhor<br />
atitude.Mas, além de se aproximar de indivíduos<br />
com este tipo de ideias, Thomas<br />
defende que se deve também eliminar as<br />
pessoas tóxicas. Algumas delas são tão<br />
negativas que acabam por nos contagiar,<br />
por isso evitar quem tem maus hábitos,<br />
pensamentos negativos e mentalidade de<br />
vítima é um bom caminho.<br />
Thomas acredita que “quando tomar<br />
consciência dos traços desses dois grupos<br />
diferentes, isso vai abrir os seus olhos; vai<br />
começar a ver as vantagens e desvantagens<br />
de cada indivíduo com quem contatar, o<br />
que vai ajudá-lo a decidir quais os relacionamentos<br />
a desenvolver e quais evitar”; e<br />
acrescenta ainda que “relações enriquecedoras<br />
contagiam você com bons hábitos,<br />
mentalidade positiva e entusiasmo. Essas<br />
pessoas vão abrir portas para você, que<br />
vai acabar percebendo que as circunstâncias<br />
da sua vida melhoram assim que começar<br />
a passar mais tempo com essas pessoas”.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 35
HORA EXTRA<br />
GUIA PARA OS SOLTEIROS<br />
25 REGRAS PARA VOCÊ OBSERVAR<br />
QUANDO SAIR PARA<br />
JANTAR COM ELA<br />
NADA NOS CUSTA ATENDER ÀS DEMANDAS DOS NOSSOS<br />
LEITORES, FORMADA BASICAMENTE PELO INTELIGENTE,<br />
CRIATIVO E HEROICO PÚBLICO MASCULINO<br />
36<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
mandamentos – mostra o caminho das<br />
pedras que, uma vez cumprido, levará o<br />
after dinner a um lugar nem tão distante<br />
e merecidamente aconchegante. Ou à delegacia<br />
mais próxima do restaurante, dependendo<br />
do seu comportamento.<br />
1 Um cavalheiro nunca é involuntariamente<br />
rude.<br />
2 Um cavalheiro sempre se veste adequadamente.<br />
3 Um cavalheiro nunca toma mais que um<br />
uísque ou um coquetel, antes do jantar.<br />
4 Um cavalheiro não gasta mais que um<br />
minuto para fazer o pedido da sua refeição.<br />
5 Um Cavalheiro nunca fala de futebol<br />
com mulheres presentes.<br />
6 Um cavalheiro nunca frequenta um<br />
restaurante tão barulhento que não consiga<br />
ouvir o que sua namorada lhe diz.<br />
JOÃO PAULO COLTRANE<br />
Homens de verdade são pessoas<br />
ocupadas e trabalhadores. Gente<br />
preocupada em criar riquezas que<br />
irão sustentar suas famílias e contribuir<br />
para o progresso da Nação. De repente,<br />
os solteiros convidam uma garota para<br />
sair e descobrem que pouco sabem de<br />
etiqueta e da arte de conquistá-la. Eles<br />
nos escrevem desesperados, solicitando<br />
orientação.<br />
É um texto cheio de “cavalheiros” e<br />
“nuncas” (pelo menos até a instrução número<br />
10), o que nos permite dizer que o<br />
resumo aqui apresentado – em forma de<br />
7 Um cavalheiro nunca bebe diretamente<br />
da boca da garrafa num restaurante.<br />
Isso é coisa para se fazer na praia,<br />
no carnaval, em bares mal frequentados<br />
ou escondido no banheiro.<br />
8 Um cavalheiro sempre se levanta da<br />
sua cadeira quando uma mulher se<br />
aproxima da sua mesa. (Ou então corra,<br />
depende de quem está vindo, certo?)<br />
9 Um cavalheiro nunca mantém o celular<br />
sobre a mesa. Sua atenção agora e<br />
sempre será para ela.<br />
10 Um cavalheiro nunca discute o preço<br />
yy<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 37
da refeição ou do vinho (se ela exigir um<br />
Château Lafite Rothschild, caia fora da<br />
estalagem e peça asilo na embaixada<br />
mais próxima. A da Tanzânia é logo ali).<br />
11 (A partir daqui, “um cavalheiro” e<br />
“nunca” ficam subtendidos, ou substituídos<br />
por outras apalavras.)<br />
Sempre faça o pedido depois dela.<br />
12 Ordenar a salada<br />
como prato principal é<br />
coisa típica de munheca<br />
de samambaia. É lastimável<br />
e deselegante.<br />
história ridícula de dizer que o aroma lembra<br />
as brisas noturnas do Vale do Eufrates<br />
17 Reclame discretamente ao garçom<br />
de erro na conta ou qualquer outro. Ninguém<br />
mais no restaurante precisa saber<br />
disso.<br />
18 Cantar karaokê num restaurante japonês?<br />
Dançar num restaurante grego<br />
13 Não assuste a lebre:<br />
um homem elegante pode<br />
até convidar sua mãe para<br />
jantar pelo menos quatro<br />
vezes ao ano. Mas nunca<br />
na primeira vez em que<br />
vai sair com a namorada.<br />
14 Permita que seu pai o<br />
convide para jantar quatro<br />
vezes ao ano. Até na primeira<br />
vez que você sair<br />
com ela (desde que ele<br />
pague o jantar).<br />
15 Fica terminantemente<br />
proibido cheiras a rolha<br />
de uma garrafa de vinho.<br />
No máximo, olhe para ela<br />
a fim de verificar se a safra<br />
é a mesma estampada<br />
no rótulo. E não se mostra<br />
um entendido no assunto.<br />
16 Dizer mais que três palavras<br />
a respeito da qualidade<br />
do vinho servido é ridículo.<br />
Pare com essa<br />
38<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
como eles? Vá desafinar e quebrar pratos<br />
no boteco do seu Alcindo.<br />
19 Pendurar o guardanapo no pescoço?<br />
Onde você aprendeu isso?<br />
20 Estalar os dedos ou assobiar para chamar<br />
o garçom? Que coisa desagradável!<br />
21 É permitido flertar discretamente<br />
com a garçonete ou qualquer outra atendente.<br />
Mas nunca convidá-la para sair.<br />
22 Não há sinais infalíveis de que ela<br />
queira levá-lo para a cama. Alguns sinais<br />
positivos: a) ela ri de suas piadas; b) ela,<br />
gentilmente, pouco lhe contradiz; apenas<br />
para mostrar que se importa o suficiente<br />
com sua fala e é inteligente o suficiente<br />
para discordar; c) toca, casualmente,sua<br />
mão, de vez em quando;<br />
d) se lhe entregar a calcinha<br />
sob a mesa no restaurante,<br />
convoque um coral<br />
para cantar “Aleluia” de<br />
Handel. E seja o que Deus<br />
quiser.<br />
Um sinal hiper-negativo:<br />
ela parece distraída, não<br />
sorri, contradiz você a<br />
toda hora.<br />
23 Na cama – caso você<br />
alcance essa glória – é<br />
proibido usar a palavra intercurso,<br />
a menos que<br />
você esteja pedindo instruções<br />
para chegar à cidade<br />
de Sete Lagoas.<br />
24 Cá pra nós, falar a palavra<br />
coito soa mal e é extremamente<br />
fora de propósito.<br />
Exceto se você for<br />
um poeta de quadrianhas<br />
à procura de uma rima<br />
para biscoito.<br />
25 Ouvir gargalhadas é<br />
bom, principalmente<br />
quando você está contando<br />
uma piada. Mas é<br />
péssimo ouvi-las quando<br />
você está se despindo.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 39
NOTÍCIAS DO SERTÃO<br />
UM BATISMO<br />
CAVALAR<br />
TIÃOZITO *<br />
Não consigo vislumbrar heresia ou<br />
sacrilégio quando o mestre Ariano<br />
Suassuna, em sua peça Auto da<br />
Compadecida, seduz um padre, todo paramentado,<br />
a benzer um moribundo cachorro<br />
e, advinda a morte em consequência<br />
de suas vacilações, encomendar<br />
o cadáver do infeliz canino, dito pelo vigário<br />
como “Uma criatura de Deus como<br />
todos os outros seres”. A sedução se fez<br />
porque, além do substancial pagamento<br />
pelo ato religioso, os donos do animal,<br />
proprietários da única padaria do vilarejo,<br />
não só faziam donativos para sua<br />
igreja, forneciam pães e biscoitos à sua<br />
residência, bem como mantinham uma<br />
vaca, ordenhada pelo sacristão, para o<br />
proveito lactante de ambos, tendo ameaçado<br />
ao representante de São Pedro, em<br />
caso de recusa, tudo suspender.<br />
Tendo em vista que Elvira Lobato, repórter<br />
especial da Folha de São Paulo,<br />
após investigar o conglomerado de empresas<br />
controladas pela IURD (a igreja<br />
de Edir Macedo), com o título “Universal<br />
chega aos 30 anos com um império empresarial”,<br />
ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo,<br />
criado desde 1955, vejamos o<br />
que representa o dinheiro para as várias<br />
igrejas e religiões.<br />
Conta-se que conversavam em uma<br />
inauguração, amistosamente, convidados<br />
por um político demagogo, um padre,<br />
um pastor e um rabino.<br />
– Como vai o seu templo, pastor Gonçalo?,<br />
perguntou o sacerdote católico e<br />
acrescentou: – Gostaria de saber como é<br />
que vosmecê acerta suas contas com<br />
nosso bom Deus.<br />
– Bem, reverendo, pela grandeza das<br />
nossas instalações dá para ver que vamos<br />
muito bem. Quanto à minha prestação de<br />
contas com o Onipotente, eu faço o seguinte:<br />
traço um círculo no chão, jogo o<br />
40<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
dinheiro arrecadado no mês para cima, ficando<br />
para mim o que cai fora e para Ele<br />
aquele que cai dentro do mesmo. E o vigário<br />
José como é que faz?, quis saber<br />
com a mesma curiosidade.<br />
– Já eu traço uma linha reta no quintal<br />
de casa e, assim como o senhor, jogo o<br />
dinheiro para cima, o montante que cai<br />
do lado direito é do<br />
Todo-Poderoso e a<br />
quantia que vier<br />
para o lado esquerdo<br />
é minha.<br />
Percebendo os<br />
dois que o titular<br />
da igreja judaica<br />
estava propositadamente<br />
alheio, fizeram-lhe<br />
em coro<br />
a mesma pergunta:<br />
– E o líder Jacob,<br />
nestes termos,<br />
como é que<br />
age com sua arrecadação<br />
mensal?<br />
De pronto e<br />
sem vacilações o<br />
seguidor de Judá<br />
sentenciou:<br />
– Como sabedor<br />
consciente da Sua onipotência, eu<br />
fecho os olhos com muito fervor e jogo a<br />
grana o mais alto possível; aquela que o<br />
Senhor de todos nós apanhar é dele,<br />
toda a que voltar é minha, por justo merecimento.<br />
Pois bem. Conhecedor da força do<br />
seu dinheiro junto à comunidade interiorana<br />
em que vive, o pecuarista e cafeicultor<br />
Zequinha da Passeio, fazenda cujo<br />
nome justifica o latifúndio que administra<br />
cá nas Gerais, sofreou seu ajaezado<br />
cavalo diante da matriz, saltou exibindo<br />
as reluzentes esporas de prata, subiu as<br />
escadas com elas, tilintantes, acercou-se<br />
do vigário e arrotou altaneiro:<br />
– Eu só vim aqui hoje, no mei da sumana,<br />
por causa de batizá meu cavalo,<br />
seu pade.<br />
– O senhor está ficando louco, seu Zequinha?<br />
Não está vendo que eu não cometerei<br />
tal heresia?<br />
E foi aquele deus nos acuda entre as<br />
beatas presentes à missa matutina, enquanto<br />
o fazendeiro não estava nem aí<br />
com todo aquele alvoroço. Meteu a mão<br />
no bolso, tirou de lá dez notas de cem<br />
reais, abanou o rosto com as cédulas em<br />
forma de leque e provocou seguro de si:<br />
– O sinhô é qui sabe. Eu trouche essa<br />
gaita pra ajudá sua igreja. Quédizêqui é u’a<br />
nota dessa pra cada três dia do mêis...<br />
– Não é bem assim, seu Zequinha –<br />
abrandou-se o sacerdote. – O senhor há<br />
de convir que eu não faria uma coisa<br />
destas cá dentro da matriz, mas se puder<br />
ser lá fora...<br />
– Eu quero é batizá meu animá, pois<br />
qui ele tem sido como um irmão pra<br />
mim e meus fios – justificou-se o ricaço.<br />
Dito e feito. O vigário pôs a estola, assoprou<br />
baixo e sabidamente algumas palavras<br />
em latim, espargiu água benta no<br />
corpo do belo equino e fez o sinal da<br />
cruz em sua direção.<br />
Galgando de um salto sobre a cavalgadura,<br />
o feliz agricultor arrematou:<br />
– Era assim qu’eu queria, na base do latinóro<br />
– e foi se afastando de costas,<br />
quando escutou o servo de Deus gritar-lhe:<br />
– Preste bem atenção, seu Zequinha,<br />
na Semana Santa não se esqueça de trazer<br />
o “Incitatus” – nome que apôs ao cavalo<br />
–, para que possamos crismá-lo.<br />
* Tiãozito Cardoso é tabelião aposentado<br />
em Brumado-BA<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 41
ESPAÇO MÁRIO RIBEIRO<br />
O LOCOMÓVEL<br />
PARECE<br />
LOCOMOTIVA<br />
MAS É UMA<br />
USINA DE<br />
ELETRICIDADE<br />
O PASSADO<br />
ESTÁ ALI MESMO<br />
Ao longo da trajetória do jornalismo,<br />
todos profissionais já passaram<br />
por maldades cometidas por diretores<br />
de redação e talvez isto ocorra<br />
ainda no meio de toda correria para produzir<br />
uma edição e assim sempre será.<br />
É o caso desta revista que só avisa um<br />
dia antes que o prazo para entrega do<br />
texto é um dia depois, se possível pela<br />
manhã, apesar de saber que redator em<br />
idade avançada só acorda entre dez e<br />
onze horas.<br />
Diante do pedido para que o editor dê<br />
um prazo e sua recusa irredutível, conversa<br />
vai, conversa vem, a gente acaba<br />
contando histórias que ninguém sabe,<br />
42<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
como a do Locomóvel que veio da Inglaterra<br />
de navio por obra do meu avô Tonico<br />
Ribeiro que dirigia a antiga fábrica<br />
de tecidos da Cedro Cachoeira onde<br />
nasci, em São Vicente, município de Baldim,<br />
a setenta quilômetros de Belo Horizonte.<br />
O Editor é sádico e não abre mão do<br />
prazo:<br />
- É para amanhã. De manhã, viu? – e ri.<br />
Pois o Locomóvel está lá na Fazenda<br />
da Várzea do Capim que Tio Totó deixou<br />
para a posteridade quando morreu.<br />
Admirando o Locomóvel, pode-se ter<br />
uma idéia do que foi a Revolução Industrial<br />
promovida pela Inglaterra.<br />
Ele tem incrível semelhança com uma<br />
locomotiva mas é fixo e como os velhos<br />
trens-de-ferro era alimentado com madeira<br />
que produzia a energia para gerar<br />
energia elétrica para a Fazenda da Várzea<br />
do Capim em uma época que viviase<br />
à luz de vela.<br />
O importante é que, através do velho<br />
Locomóvel, podemos meditar sobre a<br />
criatividade humana e a rápida obsolescência<br />
de produtos em razão da necessidade<br />
do consumo para que o mundo<br />
siga em frente.<br />
Até quando não se sabe.<br />
QUANDO<br />
O SAMBA ACABOU<br />
Noel Rosa, o poeta de Vila Isabel,<br />
foi profético quando compôs a<br />
música “Quando o Samba Acabou”.<br />
Acabou mesmo como prova o<br />
Carnaval que passou e mostrou<br />
músicas cantadas pelos blocos que<br />
atravessam o rítmo e as ruas por<br />
onde moramos.<br />
O que é bom dura pouco, mas<br />
dura menos ainda o que é ruim demais<br />
como mostraram as marchas<br />
que puxavam milhares de pessoas<br />
no tríduo momesco que durou<br />
cinco ou seis dias. Nem atrás do<br />
trem elétrico sambavam, pois corriam<br />
pelas ruas como se estivessem<br />
na Maratona de São Silvestre<br />
até que alguém ordenasse:<br />
- Hora de parar, estamos cansados!<br />
LER,<br />
A MELHOR OPÇÃO<br />
Diante de uma enorme variedade de<br />
oportunidades oferecidas pelos<br />
meios de comunicação, com muita<br />
coisa boa e muita<br />
coisa ruim, não<br />
podemos esquecer<br />
que ler um livro é<br />
outro departamento:<br />
sempre<br />
pode-se usufruir<br />
de textos excelentes,<br />
sejam eles antigos<br />
ou novos.<br />
O problema é<br />
que a variedade de<br />
canais de comunicação<br />
sempre trazem<br />
atrações que,<br />
na verdade, passam<br />
como as nuvens,<br />
enquanto o<br />
livro é permanente.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 43
ERA SÓ O QUE FALTAVA<br />
DA COLHER DE<br />
PEDREIRO À<br />
AGULHA DE TRICÔ<br />
IVANI CUNHA<br />
Seu pai sabe tricotar?<br />
Isso mesmo: “Tricô – tecido executado<br />
à mão com duas agulhas<br />
onde se armam as malhas de modo que<br />
o fio, passando de uma agulha a outra,<br />
permite a execução de dois tipos de<br />
ponto que servem de base a grande variedade<br />
de padrões”.<br />
Acrescento à definição do “Aurélio”<br />
que tricotar é um exercício de paciência;<br />
exige grande concentração principalmente<br />
dos iniciantes. No entanto, com<br />
alguma prática, a pessoa pode fazer<br />
tricô dividindo a atenção com a TV, o rádio<br />
e ao mesmo tempo participar<br />
de um bate-papo. Parece<br />
que as mãos<br />
aprendem a fazer tudo sozinhas.<br />
Trabalho, passatempo, vício,<br />
o tricô é coisa de... mulher.<br />
Meu pai, com suas mãos ásperas de<br />
operário da construção civil, ignorou<br />
esse estigma e aprendeu a fazer tricô.<br />
Iniciou-se por acaso, nessa arte,<br />
numa das longas fases de afastamento<br />
do trabalho motivadas pela doença de<br />
Chagas, que o levaria desta vida antes<br />
dos 60 anos.<br />
Uma das minhas irmãs treinava com<br />
as agulhas diante dele, que lia o seu jornal<br />
kardecista. Um olho nas páginas, outro<br />
nas mãos da filha, nas agulhas que<br />
iam e vinham, depois voltavam ao início<br />
formando a teia.<br />
Ele decorou a posição das mãos, a altura<br />
em que deveria ficar a peça diante<br />
dos olhos, a trajetória das agulhas, seus<br />
volteios, quando fazer inserção única ou<br />
dupla nas carreiras, todos os detalhes.<br />
Esperou até a filha se levantar da cadeira<br />
para ir à cozinha ou ao banheiro.<br />
Então pegou os novelos de lã, as agulhas<br />
e começou a atravessá-las na peça<br />
com movimentos sincronizados, comparando<br />
de tempo em tempo o resultado<br />
do trabalho com o já produzido pela titular<br />
do serviço.<br />
44<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
Estava bem concentrado quando a<br />
dona do tricô retornou à sala. O pai lhe<br />
entregou logo os apetrechos e reiniciou<br />
a leitura do jornal espírita. A filha procurou<br />
algum estrago em seu tricô e não<br />
encontrou. Se tivesse prestado atenção<br />
no homem à sua frente, naquele momento,<br />
veria seu meio-sorriso de satisfação.<br />
Talvez até pudesse ler em seus<br />
olhos que ele achara muito mais fácil<br />
aprender a tricotar do que levantar paredes<br />
e fazer os acabamentos das obras<br />
– e nisso ele era mestre.<br />
Tricotar era bem mais fácil e deixava<br />
a cabeça leve, os problemas esquecidos<br />
horas e horas numa parte escura<br />
da memória.<br />
Assim, ele aprendeu a produzir sapatinhos<br />
e fez um par de lã azul clarinha<br />
para o primeiro neto. Depois tricotou<br />
uma blusinha de mangas compridas na<br />
mesma tonalidade para o bebê.<br />
Os filhos se surpreenderam só um<br />
pouco com a nova diversão do pai. Bem<br />
melhor do que o vício do cigarro, que ele<br />
cultivou desde a juventude e só abandonou<br />
depois dos quarenta por causa de<br />
muitas advertências dos médicos.<br />
Durou pouco o gosto pelo tricô, mas<br />
valeu como mais uma demonstração de<br />
versatilidade daquele homem que aprendeu<br />
a tocar violão de ouvido, tinha sempre<br />
um livro à mão e evitava ensinar o<br />
significado das palavras (“Meu filho, consulte<br />
o nosso dicionário e aproveite para<br />
aprender mais lendo também o sinônimo<br />
da palavra que vem antes<br />
e o daquela que vem<br />
depois desta que<br />
você procura”).<br />
Desconhecia a<br />
barreira que, naquela<br />
época, impedia<br />
a maioria dos homens de assumir<br />
o fogão e preparava bolos<br />
e broas de fubá deliciosos no<br />
forno a lenha e, depois, no fogão<br />
a gás (“Não comam quente porque<br />
terão dor de barriga”, dizia,<br />
depois de conferir o cozimento enfiando<br />
o cabo do garfo na massa).<br />
Além disso, nos períodos em que tinha<br />
condições de trabalhar, levantava mais<br />
cedo cantando modinhas antigas e preparava<br />
um feijão tropeiro legítimo, com<br />
todos os ingredientes e temperos proibidos<br />
pelo médico.<br />
Nunca mais comi feijão tropeiro com<br />
aquele sabor, e até hoje não sei de ninguém<br />
que use com a mesma competência<br />
a colher de pedreiro e a agulha de tricô.<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 45
PALAVRA DO LEITOR<br />
feitas por Leonardo Da Vinci (esse era o<br />
ponto de partida, o mínimo necessário<br />
para qualificar algum evento ou pessoa),<br />
e era assim que estava certo. De repente,<br />
sem que o mundo tivesse acompanhado<br />
esse melhoramento, tudo passou a ser<br />
genial. Até o sabor de um simples vinho<br />
se tornou genial.<br />
Desculpem-me por essa mistura e<br />
alhos e bugalhos, mas como dizia Ariano<br />
Suassuna, quando alguém qualificava de<br />
genial algum músico medíocre batendo<br />
um tambor indecifrável, ele perguntava:<br />
“Se o fulano é genial, qual adjetivo que<br />
vamos usar com Beethoven?!”<br />
ADEMIR FRANCISCO/BH-MG<br />
SAUDADES DO MEU TEMPO<br />
DE PORCO CHAUVINISTA!<br />
Nos recuados tempos da minha juventude,<br />
lá pelos anos 70 do século passado,<br />
os homens que se aventurassem a<br />
fazer qualquer crítica ao comportamento<br />
errático das mulheres eram imediatamente<br />
insultados com a ofensiva expressão<br />
“Porco chauvinista!”. Em outras palavras:<br />
éramos machistas.<br />
De lá pra cá situação só piorou. Passamos<br />
a ser criminosos assediadores.<br />
Na verdade, a adjetivação só tem piorado,<br />
nesse ou em qualquer terreno. Um<br />
exemplo é o triste destino do adjetivo<br />
brutal, vítima de uma brutal alteração de<br />
significado. Quase tudo o que é brutal,<br />
hoje, é o rigoroso oposto do que era brutal<br />
no passado.<br />
Mas talvez nenhuma outra palavra tenha<br />
tido pior sorte do que o adjetivo genial.<br />
Era um termo recatado, precioso, de<br />
utilização rara. Aplicava-se quase exclusivamente<br />
a coisas que tivessem sido<br />
Nota da Redação. Quando as mulheres<br />
nos acusavam de sermos porcos chauvinistas<br />
estavam dizendo que éramos<br />
imundos. Mas a imundície não é totalmente<br />
má. Nem todos sabem, mas o<br />
grande cientista Alexander Fleming não<br />
era exatamente uma pessoa invejada pela<br />
sua higiene pessoal. Uma vez – como é<br />
sabido –, ele foi passar as férias de verão<br />
com a família e, ao voltar àquele seu<br />
imundo laboratório, reparou nuns bolores<br />
que se tinham formado num canto. Observando<br />
as suas propriedades, descobriu<br />
a penicilina. É por isso que só os homens<br />
– os porcos – inventam todas as vacinas.<br />
Quanto ao genial, você (e Suassuna) têm<br />
absoluta e completa razão. Se alguém<br />
cantando karaokê é genial, que diabos vamos<br />
dizer de Mozart?”<br />
FELIZ ANO NOVO, MAS SÓ ATÉ MARÇO<br />
Acho que ainda há tempo de desejar a<br />
todos vocês, de <strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong>, Feliz Ano<br />
Novo. Pena que seja por pouco tempo;<br />
talvez até maio ou junho, no máximo.<br />
Uma rápida pesquisa no Google confirma<br />
o que estou dizendo: já estão<br />
46<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
agendados dois fins do mundo para<br />
<strong>2018</strong>. Um grupo de gente relativamente<br />
perturbada alega que o mundo terminará<br />
a 20 de maio e outro grupo com as<br />
mesmas características psíquicas garante<br />
que o fim do mundo ocorrerá realmente,<br />
só que a 24 de junho. Ambos os<br />
grupos sustentam a previsão em versículos<br />
bíblicos, como sói acontecer nesse<br />
tipo de interpretação.<br />
YGOR REGINALDO/RIO ACIMA-MG<br />
NdaR. Nós também temos algumas previsões<br />
para o presente ano. Com certeza<br />
– termo utilizado à exaustão por alguns<br />
jogadores de futebol – algumas coisas<br />
não vão correr bem em<strong>2018</strong>. Claro, haverá<br />
um ou mais escândalos políticos. E<br />
os seus responsáveis dirão que os dirigentes<br />
políticos de outros partidos já estiveram<br />
metidos em escândalos iguais<br />
ou piores. Enfrentaremos alguma catástrofe<br />
e mais uma vez os brasileiros mostrarão<br />
sua grande solidariedade com as<br />
vítimas. Por último, enfrentaremos a Alemanha<br />
na Copa do Mundo da Rússia,<br />
com nosso maior craque sendo vaiado<br />
em campos franceses e dando chilique<br />
por causa das – para ele, injustas – manifestações<br />
. Mas sobre esse tema, preferimos<br />
nos calar, porque estamos aqui<br />
para desejar Feliz Ano Novo, e não uma<br />
versão <strong>2018</strong> a que chamaríamos de<br />
moscousazo.<br />
O BRASIL SEMPRE ADIA O SEU<br />
BRILHANTE FUTURO<br />
Apresento-lhes algumas reflexões sobre<br />
os acontecimentos políticos no Brasil.<br />
7 O PAÍS DO FUTURO. Enquanto a política<br />
estiver dependente de jogos de interesses,<br />
países como o Brasil, que escolheram<br />
a democracia como tipo de regime<br />
e têm enormes potencialidades para serem<br />
grandes potências, terão sempre o<br />
seu futuro adiado.<br />
7 PEGA, LADRÃO. O prestígio internacional<br />
e o investimento estrangeiro caem a pique<br />
quando há suspeitas tão fortes de<br />
que o presidente é corrupto.<br />
7 OS NOVOS JUÍZES. Há uma nova geração<br />
de juízes determinados a tornar o Brasil<br />
um país mais livre de corrupção e mais<br />
democrático.<br />
7 POLÍTICOS CORRUPTOS. O sistema político-partidário<br />
do Brasil, profundamente<br />
fragmentado (neste momento o Centrão<br />
é constituído por treze partidos conservadores,<br />
fora os da oposição), e os ministros<br />
da República vêm de cinco formações<br />
políticas diferentes. Além disso,<br />
os deputados podem mudar de partido<br />
em qualquer momento da legislatura e<br />
fazem-no com frequência. Segundo a Folha<br />
de São Paulo, só no curtíssimo governo<br />
Temer, 25% dos detentores de cargos<br />
parlamentares já mudaram de<br />
filiação. Ora, isso torna o sistema político<br />
muito poroso e suscetível à corrupção.<br />
7 TODOS DEPENDEM DA VIÚVA. A economia<br />
brasileira está muitíssimo dependente do<br />
Estado (ou por lhe pertencerem as grandes<br />
empresas, como a Petrobras, ou por<br />
serem as maiores compradoras e usuárias<br />
de bens e serviços do setor privado).<br />
Esse modelo também convida à corrupção,<br />
uma vez que o sistema econômico<br />
está dependente das decisões políticas.<br />
O resultado é a criação relações privilegiadas<br />
entre uma elite endinheirada e os<br />
agentes que permitem ou vetam a continuidade<br />
do seu acesso à riqueza.<br />
WASHINGTON PEREIRA/<br />
JUIZ DE FORA-MG<br />
NdaR. Há outros dados a considerar: a<br />
malemolência do caráter tropical. No Ja-<br />
ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 47
pão, p. ex., quando um político é pego<br />
com boca e mãos na botija, faz o harakiri,<br />
de tão envergonhado que fica. Aqui<br />
eles vão pr’um restaurante francês<br />
usando guardanapos na cabeça.<br />
27 BONS MOTIVOS PARA SE CASAR COM<br />
UMA JORNALISTA. APROVEITE<br />
Sou jornalista e solteira há mais de<br />
cinco anos. Não gosto dessa solidão e<br />
quero me casar. Por isso, aproveito o<br />
enorme público desta revista para mostrar<br />
as vantagens que nós jornalistas oferecemos<br />
ao seu querido companheiro.<br />
Segue a lista:<br />
1 - A JORNALISTA GERALMENTE É CRIATIVA: ela<br />
vai surpreender você quando menos esperar.<br />
2 - É CURIOSA E ANTENADA: você sempre ficará<br />
por dentro de tudo o que acontece.<br />
Mas não se impressione muito. Ela fala<br />
de tudo, mas não entende nada.<br />
3 - ELA NÃO GANHA BEM, mas isso é bom<br />
porque vocês podem aprender a economizar<br />
dinheiro.<br />
4 - No Natal, Ano Novo, Carnaval… ela<br />
provavelmente estará na redação. Mas,<br />
pense pelo lado positivo: antes trabalhando<br />
do que vagabundando.<br />
5 - E outra! Trabalhando muito, ela não<br />
tem tempo de se interessar por outra<br />
pessoa.<br />
6 - Ela não é boa de matemática, mal sabe<br />
somar e subtrair; mas, para que saber essas<br />
coisa, se é a mestres da escrita?<br />
7 - Acostumada com pautas, é bem organizada<br />
e planeja bem as coisas antes<br />
de fazê-las.<br />
8 - Tudo é um grande brainstorm (tempestade<br />
de ideias). Monotonia não vai<br />
entrar na sua casa!<br />
9 - Quando vocês brigarem, ela não vai<br />
achar que a opinião dela é a melhor. Tem<br />
que ouvir todos os lados de um fato, ela<br />
saberá analisar a situação!<br />
10 - Em coberturas de grandes eventos,<br />
você poderá entrar de gaiato. Cada final<br />
de semana em um lugar diferente: jogos<br />
de futebol, avenida de escola de samba,<br />
lançamento de livros…<br />
11 - Mantém revistas e jornais no banheiro.<br />
Você nunca ficará olhando para o<br />
vácuo enquanto faz suas necessidades<br />
fisiológicas. Ganhará conhecimento!<br />
12 - Não vai faltar café na sua casa. Café<br />
e jornalista são praticamente sinônimos.<br />
13 - Ela pode escrever os votos matrimoniais<br />
da sua irmã, criar o conteúdo do<br />
site de negócios do seu pai, ensinar sua<br />
mãe a tirar fotos das amigas nos eventos<br />
do bairro. Ela aprende de tudo um pouco<br />
e gosta de compartilhar!<br />
14 - É ótima investigadora. Se alguém no<br />
trabalho passar a perna em você, rapidinho<br />
ela descobre quem é!<br />
15 - Ama roupas leves e simples no dia a<br />
dia. Você não vai gastar muito dinheiro<br />
com isso.<br />
48<br />
MARÇO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR
16 - Mas também sabe se arrumar bonitinha<br />
para os eventos. Você terá uma parceira<br />
que sabe ser simples, mas também sabe<br />
arrasar. Tudo vai depender da ocasião.<br />
17 - Ela não se importa com calor, chuva,<br />
trovões… afinal, precisa estar onde a notícia<br />
está! Você poderá ir na praia com<br />
50 graus ou aquela viagem dos sonhos<br />
pode se tornar um pesadelo no caos de<br />
São Paulo, que ela não vai blasfemar.<br />
Ainda vai dar risada da situação.<br />
18 - Acha que pode salvar o mundo com<br />
uma reportagem. Olha que sensibilidade!<br />
19 - Ela sempre sabe tudo todo o tempo;<br />
Gostam de música<br />
para acalmar; lê livros<br />
raros, histórias<br />
para crianças e semiótica…<br />
Seus filhos<br />
serão super<br />
dotados se depender<br />
dela.<br />
20 - Sua vida social<br />
será infinitamente<br />
grande. Você nunca poderá reclamar que<br />
não conhece gente nova.<br />
21 - Ela está acostumada com coisas chatas<br />
e sabe contorná-las muito bem. O casamento<br />
nunca vai virar algo monótono.<br />
22 - Ela gosta de camisas com estampas<br />
de alguma brincadeira sobre algo atual.<br />
23 - Seus amigos vão ficar com inveja da<br />
sua companheira inteligente.<br />
24 - Ela sempre tem uma opinião sobre<br />
qualquer coisa na face da Terra. Durante<br />
uma conversa entre amigos, vocês nunca<br />
ficarão apagados.<br />
25 - Por causa da profissão, é forçada a<br />
aprender mais de um idioma. Você vai<br />
ouvir “Eu te amo” em,<br />
pelo menos, umas três<br />
línguas diferentes.<br />
26 - A primeira coisa que<br />
seu filho vai aprender é<br />
que a informação é a alma<br />
do negócio. Com dois<br />
anos, sua fofurinha vai saber<br />
o que é aquecimento<br />
global, mercado financeiro<br />
e já saberá criticar políticos;<br />
27 - Gosta de mudar de cidade,<br />
estado e até de país.<br />
Você conhecerá muitos lugares!<br />
Espero que se convençam<br />
dessas grandes verdades.<br />
BIANCA<br />
MARCONDES/BH-MG<br />
NdaR. Diante de tantas<br />
qualidades é incompreensível<br />
(injusto e machista) que ainda existam<br />
mulheres jornalistas desacompanhadas<br />
e se sentindo solitárias. Ô<br />
pessoal da plateia, que diabos está acontecendo<br />
por aí?!<br />
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