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Matéria Prima 102 - Julho 2018 - web

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ANO IX • Nº <strong>102</strong> • JULHO DE <strong>2018</strong> • R$ 10<br />

E C O N O M I A | P O L Í T I C A | E S P O R T E S | H U M O R | C U LT U R A<br />

FILHO<br />

RICO<br />

X<br />

FILHO<br />

POBRE:<br />

A LUTA DE CLASSES<br />

NO LAR DAS<br />

MULHERES<br />

RECASADAS<br />

DESIGUALDADES FINANCEIRAS<br />

DOS PAIS INVIABILIZAM<br />

CONVIVÊNCIA, NA MESMA CASA,<br />

ENTRE FILHOS RICOS E FILHOS<br />

POBRES DE MULHERES<br />

RECASADAS – E CAUSAM<br />

UMA VERDADEIRA LUTA DE<br />

CLASSES EM FAMÍLIAS<br />

MINEIRAS<br />

CORTES NA FIEMG DEIXAM CONSULTORES SEM EMPREGO<br />

NOMES&NOTAS - PÁGINA 8


8 14 22<br />

NOMES & NOTAS<br />

CORTES NA FIEMG<br />

OBRIGAM CONSULTORES<br />

A BUSCAR NOVOS<br />

DESAFIOS<br />

Redução de despesas determinada<br />

pela nova diretoria da<br />

FIEMG levaram muitos consultores<br />

a buscar novos trabalhos,<br />

fora da entidade. Apenas um<br />

deles, o ex-governador Eduardo<br />

Azeredo, saiu porque se tornou<br />

impossível dar expediente na<br />

entidade<br />

REPORTAGEM DE CAPA<br />

INVEJA, MÁGOA, ÓDIOS<br />

E RESSENTIMENTOS<br />

SABOTAM CONVIVÊNCIA<br />

HARMONIOSA<br />

A Justiça é chamada diariamente<br />

para mediar conflitos<br />

entre filhos de pais diferentes<br />

e mesma mulher: a verdadeira<br />

luta de classes travada por diferenças<br />

econômicas de filhos<br />

ricos e filhos pobres sabota<br />

o entendimento em lares<br />

mineiros<br />

CARTA DO PLANALTO<br />

OS MILITARES FOGEM<br />

DO GOLPE COMO O<br />

DIABO DA CRUZ: SERIA<br />

UMA DOR-DE-CABEÇA<br />

Se há uma coisa que eles não<br />

gostam nem de ouvir falar é<br />

sobre golpe militar. Já deram<br />

um em 1964 e os resultados<br />

políticos e econômicos foram<br />

péssimos para as Forças Armadas<br />

– que pagam o pato até<br />

hoje, com denúncias que nunca<br />

têm fim<br />

EDITORIAL 6<br />

ANO IX - Nº <strong>102</strong> - JULHO DE <strong>2018</strong><br />

CARTA DO CANADÁ 28<br />

CARTA DO SERTÃO 30<br />

ÍNDICE<br />

ESPAÇO MÁRIO RIBEIRO 44<br />

ERA SÓ O QUE FALTAVA 46


25 32 48<br />

FAKE NEWS<br />

ANASTASIA: SALÁRIO<br />

DAS PROFESSORAS ESTÁ<br />

SOB O AÇUCAREIRO NO<br />

ARMÁRIO DA COZINHA<br />

DESEJO E LOUCURA<br />

CUIDADO! A FLECHA<br />

NEGRA DO CIÚME NÃO<br />

DESCANSA, E SEMPRE<br />

APONTA PARA ALGUÉM<br />

PALAVRA DO LEITOR<br />

EX-PRESIDENTE DO INDI<br />

NÃO GOSTOU DE SER<br />

CONVIDADO POR<br />

MENSAGEM ELETRÔNICA<br />

A cada hora chegam dezenas de<br />

notícias à redação, todas com<br />

jeitão de fake news, essas mentiras<br />

que tomaram conta da imprensa.<br />

Uma delas fala que o<br />

senador Anastasia deixou o dinheiro<br />

para pagar as professoras<br />

no armário da cozinha, antes de<br />

viajar para Brasília.<br />

O psicólogo Frank Tallis, ao lançar<br />

em Portugal seu novo livro,<br />

revela que ciúme e feminicídio<br />

andam juntos: cerca de 10%<br />

dos homicídios do mundo são<br />

praticados por homens que<br />

matam porque acham que suas<br />

mulheres dormiram com outra<br />

pessoa<br />

O engenheiro Abílio dos Santos,<br />

um dos principais responsáveis<br />

pela existência do INDI,<br />

lamenta – de forma elegante –<br />

da deselegante forma com que<br />

foi convidado para o aniversário<br />

dos 50 anos da instituição:<br />

por um simples e burocrático<br />

e-mail<br />

E C O N O M I A |P O L Í T I C A |E S P O R T E S |H U M O R |C U L T U R A<br />

EXPEDIENTE<br />

Márcio Rubens Prado (IN MEMORIAM)<br />

31 2534-0600<br />

MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR<br />

durvalcg@yahoo.com.br<br />

DIRETOR RESPONSÁVEL E EDITOR GERAL:<br />

Durval Guimarães<br />

EDITOR DE TEXTO: Carlos Alenquer<br />

PROGRAMAÇÃO VISUAL: Antônio Campos<br />

COLABORADORES:<br />

ARTHUR VIANNA; IVANI CUNHA; JOÃO<br />

PAULO COLTRANE; JOSÉ ANTÔNIO<br />

SEVERO; MÁRIO RIBEIRO; RITA PORTO;<br />

TIÃOZITO.<br />

IMAGENS:<br />

Creative Commons OCO<br />

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE: Rua Canopus, 11 • Sala 5 • São Bento • CEP 30360-112 • Belo Horizonte • MG


EDITORIAL<br />

BRASIL TAMBÉM PADECE<br />

COM INVASÃO DE REFUGIADOS<br />

E IMIGRANTES CLANDESTINOS<br />

“Há uma solução simples e imediata<br />

para a separação de pais e filhos<br />

nos Estados Unidos. Parem com essa<br />

imigração clandestina e fiquem<br />

em seus países”<br />

Donald Trump<br />

Aos olhos de leitores de bom coração,<br />

parece uma perversidade abrir um<br />

editorial com citação de Donald<br />

Trump, esse presidente norte-americano,<br />

tão bombardeado pela imprensa mundial.<br />

Mas a frase apenas mostra aquilo que<br />

poucas pessoas querem ver: a dolorosa<br />

separação de mães e filhos nas zonas de<br />

fronteiras com o México só existe porque<br />

os estrangeiros e a estrangeiras querem<br />

penetrar à força naquele país.<br />

A situação americana desperta o interesse<br />

em pessoas de diversos países em<br />

viver nos Estados, com a expectativa de<br />

melhorar de vida. Muitos, contudo, não<br />

conseguem fazer isso de maneira legal,<br />

optando por meios ilegais para fugir da<br />

miséria em seus países. No caso não há<br />

refugiados nem injustiçados, mas apenas<br />

imigrantes ilegais, sem adequada qualificação<br />

profissional, em uma busca de emprego<br />

e trabalho, utilizando um método<br />

muito perigoso. Arriscam-se a morrer na<br />

aventura que consiste em pular muros,<br />

avançar sobre cercas eletrificadas, atravessar<br />

desertos e enfrentar frio e sede.<br />

Muitos acabam perdendo a vida.<br />

Quatrocentos imigrantes ilegais morrem<br />

anualmente nessa caminhada ilegal. A maioria<br />

escapa. Atualmente há oito milhões de<br />

clandestinos nos EUA, dos quais 150 mil são<br />

brasileiros, muitos aqui de Governador Valadares<br />

e vizinhança no Vale do Rio Doce. A<br />

maioria não oferece nenhuma contribuição<br />

à prosperidade dos EUA, a não ser na lavação<br />

de túmulos, varrição de ruas, atendimentos<br />

como garçons em restaurantes e<br />

outras atividades dessa dimensão intelectual.<br />

Não há, entre eles, médicos, professores universitários<br />

e cientistas. Levam as crianças<br />

porque não há com quem deixar. Só isso.<br />

O Brasil também se tornou vítima desses<br />

desesperados, como uma espécie de escala<br />

rodoviária em viagens que começam na<br />

Bolívia e Paraguai. Mais recentemente fomos<br />

alcançados por multidões de refugiados<br />

que atravessam a fronteira da Venezuela<br />

em busca de melhores condições de<br />

vida. Pelo menos 40 mil venezuelanos invadiram<br />

a fronteira para viver no Brasil nos<br />

últimos dois anos, sob a pele de refugiados,<br />

mas trata-se, apenas de desempregados.<br />

Como há alguma esperança na eventual<br />

substituição do governo Maduro, ainda não<br />

se falou na construção de um muro na fronteira<br />

de Roraima. Mas o tema fatalmente<br />

chegará à imprensa pois é limitadíssima a<br />

capacidade brasileira de prestar ajuda financeira<br />

aos ilegais venezuelanos. E os imigrantes<br />

nunca param de chegar. Como eles<br />

serão contidos?<br />

6<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


PELO MENOS 40 MIL VENEZUELANOS INVADIRAM A FRONTEIRA PARA VIVER NO BRASIL NOS<br />

ÚLTIMOS DOIS ANOS, SOB A PELE DE REFUGIADOS, MAS TRATA-SE, APENAS DE DESEMPREGADOS<br />

Felizmente nosso panorama ainda é muitas<br />

vezes melhor as cenas registradas no<br />

continente europeu. Lá, os dirigentes da<br />

União Europeia caíram na cilada da ajuda<br />

humanitária aos refugiados da guerra da<br />

Síria e somente muito tempo depois descobriram<br />

que estavam recebendo simples<br />

imigrantes em busca de vida melhor em<br />

países civilizados. Os refugiados políticos<br />

eram poucos. Além disso, os dirigentes europeus<br />

de bom coração se tornaram vítimas<br />

de organizações terroristas, que enviam<br />

combatentes para a Europa junto com<br />

os milhares de passageiros daqueles botes<br />

que atravessam o Mediterrâneo.<br />

A situação não pode ser pior. Aqui estão<br />

três exemplos desse inferno:<br />

1) A Grécia, como principal baía de chegada<br />

desses refugiados, enfrenta problemas<br />

principalmente de saúde, já que o<br />

país é muitas vezes o primeiro contato<br />

que esses imigrantes e refugiados têm<br />

com a Europa. A Grécia está em bancarrota,<br />

mal dispõe de dinheiro para gastar<br />

com assistência médica aos seus habitantes<br />

e agora deve dividir os recursos<br />

com estrangeiros.<br />

2) A Hungria fez o que todos já deveriam<br />

ter feito: construiu um muro de<br />

arame farpado e eletrificado na sua fronteira<br />

com a Sérvia.<br />

3) A Itália não permite que os navios<br />

com refugiados atraquem em seus portos.<br />

Para o ministro do Interior Matteo Salvino,<br />

os barcos são verdadeiros taxis do mar,<br />

comandados por traficantes de imigrantes.<br />

Para os que já chegaram, o ministro do<br />

interior, lhes disse: “Acabou a vida boa.<br />

Todos terão de trabalhar. E parem de infectar<br />

nossas ruas”!<br />

Felizmente, dirigentes<br />

responsáveis acordaram<br />

para os problemas criados<br />

pelos supostos refugiados.<br />

A solução deverá<br />

ser a criação de grandes<br />

plataformas de acolhimento<br />

de imigrantes e de<br />

refugiados fora da União<br />

Europeia, de preferência<br />

no Norte de África (Líbia,<br />

Argélia, Tunísia, Marrocos<br />

e Egito). Ali haverá seleção<br />

de imigrantes econômicos<br />

e refugiados em<br />

busca de asilo. Os que se encontrarem em<br />

condições de se beneficiar deste último,<br />

devem ser acolhidos. Os outros, os imigrantes<br />

econômicos, serão recusados e<br />

devolvidos aos seus países de origem. Essa<br />

é uma crise em que não há boas soluções<br />

mas a que se dispõe para o momento. E<br />

que não se resolve apenas com bom coração.<br />

Isso serve para a Europa como para a<br />

fronteira de Roraima com a Venezuela.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 7


NOMES & NOTAS<br />

AFINAL, QUEM<br />

TROUXE DILMA<br />

DE VOLTA PARA MINAS?<br />

Os petistas mineiros<br />

estão perguntando<br />

quem foi o responsável<br />

por mandar Dilma<br />

Rousseff de volta para Minas<br />

Gerais: se Tarso Genro<br />

ou Olívio Dutra, os dois caciques<br />

rio-grandenses do<br />

Partido dos Trabalhadores.<br />

Os mineiros agradecem<br />

porque estavam embretados<br />

com a candidatura do<br />

deputado federal Virgílio<br />

Guimarães, de nula possibilidade<br />

eleitoral. A volta<br />

de Dilma reabriu a questão<br />

do Senado e botou o PT<br />

de novo no páreo, com o<br />

nome ideal para enfrentar<br />

o atual senador Aécio Neves, que ainda é<br />

o líder das pesquisas, não obstante o corredor<br />

polonês em que se encontra, fustigado<br />

pela oposição petista e açoitado pela<br />

facção paulista do PSDB, seu partido.<br />

EX-PRESIDENTA<br />

DILMA ROUSSEFF<br />

DESAVENÇAS GAÚCHAS. Agora o Partido dos<br />

Trabalhadores tem candidata. Muitos militantes<br />

atribuem a defenestração branca<br />

de Dilma do Rio Grande do Sul a seu desafeto<br />

Tarso Genro, que foi ignorado por<br />

ela durante seu governo, mesmo quando<br />

o santa-mariense ocupava o Palácio Piratini<br />

e seria um aliado valioso. Ele devolveu<br />

o desprezo.<br />

Neste quadro, dizem esses companheiros,<br />

o PT gaúcho deu a Minas Gerais um<br />

presente tão oportuno e conveniente<br />

quanto Olívio Dutra a Antônio Carlos Magalhães,<br />

então governador da Bahia.<br />

Como se recorda, o governo gaúcho mandou<br />

a Ford embora do Estado, quando a<br />

empresa já estava na fase de terraplenagem<br />

no local da fábrica e iniciava as obras<br />

de um porto no rio Guaíba.<br />

O atracadouro seria destinado para o<br />

8<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


abastecimento do complexo industrial,<br />

uma vez que montadoras de automóveis<br />

trazem consigo um rosário de indústrias<br />

fornecedoras que se instalam nas imediações<br />

da nave mãe para entregar suprimentos<br />

“just in time”. Foi tudo por águas<br />

abaixo na pachorrenta correnteza do<br />

Guaíba e, como consequência, a fábrica<br />

foi parar na costa da Bahia, onde a Ford<br />

produz hoje os carros da linha Fiesta, vendidos<br />

no mercado interno e<br />

na exportação. Dilma é uma<br />

nova Ford. Dilma fazia parte<br />

desse governo como secretária<br />

de Minas e Energia.<br />

A QUEDA: DUAS VERSÕES. Segundo<br />

seus adversários,<br />

Dilma foi derrubada por inapetência<br />

e incompetência<br />

política. Já seus aliados e ela<br />

própria atribuem a queda a<br />

um golpe parlamentar, uma<br />

novidade na teoria política.<br />

Mas vá lá. Em vez de tanques,<br />

as canetas da oposição.<br />

Bem se diz que uma<br />

ideia é, politicamente, mais<br />

perigosa que um canhão.<br />

Dilma caiu no grito.<br />

Mas o bordão do golpe<br />

pegou. Tanto é verdade, que ressuscita<br />

Dilma Rousseff. Repetido todos os dias,<br />

aqui e no Exterior, o bordão de “Temer<br />

Golpista” foi colando, pegando e se espalhando<br />

o suficiente para converter Dilma<br />

Rousseff em vítima. Aí está o pulo do gato.<br />

O exemplo histórico marcante também<br />

vem do Rio Grande do Sul. Getúlio Vargas,<br />

deposto um mês antes das eleições em<br />

1945, reverteu uma vitória certíssima da<br />

oposição e venceu em todas as frentes. Ganhou<br />

a presidência da República com seu<br />

apaniguado, general Eurico Gaspar Dutra.<br />

Tal como Dilma, Getúlio candidatou-se<br />

ao parlamento e venceu de ponta a ponta.<br />

Naquele tempo uma pessoa podia apresentar-se<br />

candidata a vários cargos e em<br />

mais de um estado. Assim, Vargas foi eleito<br />

senador pelo Rio Grande do Sul e São<br />

Paulo, e deputado federal pelo Rio Grande<br />

do Sul, São Paulo, Distrito Federal (atual cidade<br />

do Rio de Janeiro), estado do Rio de<br />

Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Bahia.<br />

DE VOLTA AO FUTURO. Alguém duvida que<br />

Minas Gerais oferecerá uma votação consagradora<br />

à filha pródiga expelida do poder<br />

pelas forças café com leite da dupla<br />

PSDB e Minas e São Paulo e (então)<br />

PMDB paulista? Ela caiu porque já era<br />

gaúcha. Então volta às alterosas e readquire<br />

sua cidadania politicamente consequente.<br />

É verdade que a chegada de Dilma em<br />

Minas não foi uma aterrisagem com mão<br />

de veludo, como dizem os pilotos. Foi um<br />

pouso três pontos, com um baque daqueles<br />

que deixam os passageiros com os pelos<br />

crispados, elogiando a mãe do comandante.<br />

Além do pré-candidato Virgílio, que<br />

perdeu a vez, deixou em palpos de aranha<br />

o candidato do MDB, deputado estadual<br />

Adaldever Lopes, que além de delfim do<br />

chefão emedebista local Newton Cardoso,<br />

o exuberante e folclórico ex-governador,<br />

deixou o atual detentor do Palácio da Liberdade,<br />

Fernando Pimentel, ameaçado<br />

de ser derrotado em sua reeleição pelo<br />

ex-governador Antônio Anastasia. Com<br />

Aécio no páreo, sobra apenas uma vaga.<br />

Adalclever contava com ela, mas a entrada<br />

de Dilma deixou-o no banco, fora do jogo.<br />

Então veremos nos palanques de Minas<br />

Gerais os protagonistas da grande opereta<br />

que constituiu o impeachment da presidente<br />

Dilma Rousseff. Na primeira linha do<br />

palco os dois galãs, Aécio Neves, o príncipe<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 9


decaído, derrotado por Dilma nas urnas e<br />

autor do processo judicial e das manobras<br />

políticas que resultaram na deposição da<br />

mandatária. A seu lado o conde Antônio<br />

Anastasia, algoz da princesa, relator do<br />

processo que lhe roubou o poder. E também<br />

ela própria, a princesa adormecida.<br />

AO FUNDO, O CORAL. O grupo mais interessante<br />

é a chamada Bancada da Chupeta,<br />

aquele grupo de senadoras e do senador<br />

Lindbergh Farias que se colocaram frente a<br />

Anastasia, na Comissão do Senado, a repetir,<br />

todos os dias, incansavelmente, os mesmos<br />

bordões, ouvidos com paciência e maldade<br />

pelos líderes do movimento. Com aquela<br />

atuação, o grupo, composto ainda pelas senadoras,<br />

Fátima Bezerra, Gleisi Hoffman e<br />

Vanessa Graziotin (esta do PCdoB), botavam<br />

gasolina na fogueira do impeachment. A<br />

cada dia perdiam um aliado.<br />

Quando o processo vindo da Câmara<br />

chegou ao Senado não havia maioria para<br />

derrubar a presidente. Bastava paciência<br />

e um pouco de negociações. Entretanto, a<br />

Bancada Chupeta preferiu ir para um confronto<br />

heroico, perdendo espaço dia a dia,<br />

até que, quando se votou, Dilma Rousseff<br />

foi mandada para casa. Entretanto, sobrou<br />

um trunfo, seus direitos políticos, que ela<br />

agora exercita com essa candidatura.<br />

Com certeza da vitória, Dilma Rousseff<br />

já mandou fazer o vestido da posse. Os<br />

três protagonistas chegam juntos ao ato<br />

final do balé: Dilma e Aécio na mesma<br />

carruagem chegando a Brasília para assumir<br />

suas cadeiras no Senado Federal, e<br />

Anastasia pegando de volta sua caneta de<br />

todo-poderoso em Minas Gerais. (José Antônio<br />

Severo)<br />

UM DIA ISSO SERÁ TODO SEU, MEU FILHO<br />

Omaterial distribuído<br />

pela agência<br />

de propaganda<br />

que cuida da campanha<br />

eleitoral do<br />

empresário Romeu<br />

Zema, candidato a<br />

governador de Minas<br />

Gerais pelo Partido<br />

Novo, publica or gu -<br />

lho sa men te que o in -<br />

dus trial apresenta vitoriosa<br />

carreira no<br />

mundo de negócios<br />

tendo sido seguidamente,<br />

cobrador,<br />

frentista, balconista, estoquista, caixa, comprador,<br />

vendedor, analista de marketing,<br />

analista comercial e gerente.<br />

Ao final dessa estupenda<br />

carreira, Romeu<br />

alcançou o invejado<br />

posto de Presidente<br />

do Conselho<br />

de Administração do<br />

Grupo Zema. O noticiário<br />

se esquece<br />

de revelar, porém,<br />

que o conglomerado<br />

empresarial ao qual<br />

preside foi fundado<br />

pelo seu bisavô, o<br />

falecido empreendedor<br />

Domingos Zema.<br />

Ou seja: na verdade,<br />

a empresa pertence à família, onde todos<br />

os herdeiros cumpriram o mesmo percurso<br />

de sucesso.<br />

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JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


EM BUSCA DE DESAFIOS<br />

PROFISSIONAIS<br />

Além do ex-governador Eduardo Azeredo,<br />

que cumpre pena de 20 anos<br />

de prisão numa cela do Corpo de<br />

Bombeiro e não pode dar expediente na<br />

FIEMG, também se desligaram da entidade<br />

os consultores Paulo Brant e Ângela<br />

Flores Furtado. Cada um dos três recebia<br />

R$ 50 mil mensais. Nesse cenário de mudanças,<br />

destaca-se o retorno da executiva<br />

Marta Lassance, em cargo de assessoria<br />

especial da direção da entidade. Lassance<br />

trabalhou muitos anos na Usiminas, onde<br />

aconselhava o falecido presidente Rinaldo<br />

Campos Soares.<br />

AUMENTA A VENDA DE<br />

CARROS BLINDADOS<br />

Aprocura por carros blindados novos<br />

está em alta em Minas, como de<br />

resto em todo o país. A expectativa<br />

é que as vendas batam novo<br />

recorde em <strong>2018</strong>, em função<br />

do aumento da criminalidade<br />

violenta. No ano o passado,<br />

foram emplacados<br />

quase dois mil veículos no<br />

estado. No Brasil as vendas<br />

alcançaram 15.145 veículos.<br />

Estima-se que haja um crescimento<br />

do mercado de 25<br />

por cento. A criminalidade<br />

violenta havia baixado entre<br />

2008 e 2012, mas voltou a<br />

aumentar recentemente, deixando os milionários<br />

de sobreaviso, principalmente se<br />

as futuras eleições presidenciais resultarem<br />

em picos de violência.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 11


PIMENTEL E A REFORMA DA<br />

PREVIDÊNCIA<br />

Pouca gente prestou atenção mas em<br />

entrevista publicada em três de julho,<br />

o governador de Minas Gerais,<br />

Fernando Pimentel (PT) caiu na real e culpou<br />

o enorme gasto do governo mineiro<br />

com o pagamento para inativos pela situação<br />

calamitosa que vive o Estado, atrasando<br />

salários de servidores da ativa e<br />

também os repasses obrigatórios de ICMS<br />

e IPVA para os municípios.<br />

De acordo com os dados do Relatório<br />

Resumido de Execução Orçamentária, do<br />

Tesouro Nacional, a afirmação do governador<br />

faz sentido, pois Minas Gerais gastou<br />

62% de sua receita com o pagamento<br />

de servidores, tanto ativos como inativos.<br />

Além disso, o relatório aponta que o Regime<br />

de Previdência dos Servidores Públicos<br />

do estado apresenta o segundo<br />

maior déficit, em proporção à Receita Corrente<br />

Líquida, atingindo 26,3%; perdendo<br />

apenas para o Rio Grande do Sul.<br />

Na ocasião, Pimentel defendeu a realização<br />

de uma reforma da Previdência,<br />

para que o sistema fosse financiado apenas<br />

com os próprios recursos, ou seja,<br />

fosse autossuficiente ou superavitário. O<br />

governador mineiro é o primeiro grande<br />

cacique petista a admitir o grave problema<br />

fiscal que o descontrole de gastos previdenciários<br />

desencadeia, e defender uma<br />

ampla reforma no sistema.<br />

A declaração de Pimentel contrasta<br />

com o discurso nacional de lideranças e<br />

economistas do partido, que em entrevistas,<br />

debates e textos vivem a negar a necessidade<br />

de reformar a Previdência, classificando<br />

a proposta como “outra etapa<br />

do golpe” liderado por Michel Temer. Entretanto,<br />

quando confrontados com a realidade,<br />

fica impossível manter o discurso,<br />

tornando-se inevitável enfrentar o assunto.<br />

De fato, os gastos com Previdência crescem<br />

de maneira vertiginosa, ano após ano,<br />

atingindo quase 60% dos gastos do governo<br />

federal, o que comprime os demais<br />

gastos em serviços essenciais, como educação<br />

e saúde.<br />

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JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


GANHAR ALGUM PRA<br />

ANDAR DE BICICLETA?<br />

NA HOLANDA, POR<br />

EXEMPLO, O GOVERNO VAI<br />

PAGAR PARA AS PESSOAS<br />

ANDAREM DE BICICLETA<br />

AHolanda é um dos países onde a<br />

população mais se desloca de bicicleta,<br />

especialmente em trânsito local.<br />

A geografia do país, com poucas elevações,<br />

é ideal para incentivar as pessoas<br />

a pedalar – bem diferente de Belo Horizonte,<br />

onde há montanhas por toda parte.<br />

Mas apesar de existirem mais bicicletas<br />

que pessoas, ainda existem zonas onde o<br />

tráfego de automóvel<br />

é demasiado elevado<br />

para o gosto das autoridades.<br />

É o caso<br />

de Eindhoven, capital<br />

da província do Brabante,<br />

onde já existem<br />

incentivos para<br />

as pessoas trocarem<br />

o carro pela bicicleta.<br />

O projeto B-Riders<br />

inclui várias medidas<br />

para facilitar a escolha<br />

pelas bicicletas.<br />

Para isso, as grandes<br />

e médias empresas<br />

são incentivadas a<br />

pagar R$ 0,50 por<br />

quilômetro percorrido<br />

para o trabalho.<br />

Este valor é depois<br />

abatido nos impos-<br />

tos. As empresas também se beneficiam<br />

com trabalhadores mais saudáveis e com<br />

menor possibilidade de faltarem ao serviço<br />

por doença, e os novos ciclistas continuam<br />

a andar de bicicleta normalmente,<br />

mesmo quando não recebem o incentivo.<br />

A iniciativa tem o apoio da vice-ministra<br />

do Transporte, Stientje van Veldhoven,<br />

que deseja tirar 200 mil automóveis<br />

das ruas, estimulando o uso da<br />

bicicleta. Sem carros, o tráfego na hora<br />

de ponta é eliminado e também melhora<br />

o ambiente para os ciclistas. Talvez<br />

alguém queira fazer o mesmo incentivo<br />

em Belo Horizonte ou nas<br />

grandes cidades do Estado.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 13


REPORTAGEM DE CAPA<br />

A LUTA DE CLASSES<br />

EM FAMÍLIA<br />

A BRIGA POR DINHEIRO ENTRE FILHOS DA MESMA CASA<br />

TORNA QUASE IMPOSSÍVEL A CONVIVÊNCIA ENTRE FILHO DE PAI<br />

RICO COM FILHO DE PAI POBRE NO LAR DE MÃES RECASADAS<br />

NEY DOYLE JR.<br />

Somos todos humanos. Mas Deus, tenha<br />

piedade! Estamos longe de sermos<br />

iguais uns aos outros, social ou<br />

financeiramente falando. Há quem ande<br />

nos píncaros da vida. Outros apenas sobrevivem.<br />

Essa luta de classes deixa as<br />

ruas e chega ao seio familiar, marcando<br />

com ferro e fogo o início do século 21. Contos<br />

de fada, como a Gata Borralheira, a<br />

menina pobre que vira princesa, foram trocados<br />

abruptamente por jogos da internet,<br />

alguns com sangue escorrendo pela tela.<br />

Você, garoto, é o máximo se quebrar o<br />

recorde de pontos. É isso que interessa.<br />

Cada um por si, seguindo suas próprias<br />

conveniências. Nesse ambiente, famílias<br />

felizes de hoje se tornam “cordiais” amigos<br />

de amanhã. E olhe lá. Os casamentos<br />

se dissolvem como gelo na areia quente.<br />

Um colega de profissão, da área de fotografia,<br />

já se casou sete vezes. Tem filhos<br />

com todas as ex-mulheres, e vive em paz<br />

com todas elas e com todos os filhos e<br />

enteados. Isso é raro.<br />

<strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong> foi atrás justamente do<br />

contrário, saber se realmente acontecem<br />

casos prejudiciais dentro da família, por<br />

causa do dinheiro. E encontrou, a maioria<br />

com muita discrição. As soluções para esses<br />

casos vêm passando necessariamente<br />

pelos bolsos dos analistas, psicólogos, terapeutas<br />

e até de economistas. A reportagem,<br />

a seguir, mostra a fundo a luta de<br />

classes dentro de algumas famílias, que<br />

já foram felizes um dia. Irmão briga, sim,<br />

com irmão, com muito mais frequência<br />

do que a gente percebe. Sobretudo se forem<br />

filhos de pais diferentes e no meio<br />

estiver o tal papel moeda. Não se trata de<br />

um tema exclusivamente novo. Acontece<br />

em maior frequência em países ainda<br />

com desigualdades sociais muito fortes.<br />

Às vezes, a ascensão da classe<br />

média, em países em desenvolvimento,<br />

não é suficiente para bancar<br />

os ricos e poderosos. Não com as<br />

mesmas armas.<br />

UMA SÓ MÃE – E TRÊS PAIS. <strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong><br />

traz agora, com exclusividade<br />

nacional, uma reportagem<br />

que mostra detalhes da luta de<br />

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JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


classes dentro das famílias. Depois de<br />

muita apuração, descobrimos pessoas que<br />

escondem a verdade dos fatos, têm medo<br />

das proporções que isto pode tomar,<br />

diante de vizinhos e parentes. Não procurar<br />

ajuda profissional é um erro que pode<br />

custar caro em alguns anos. Para facilitar<br />

a apuração, alguns nomes nesta reportagem<br />

são fictícios, atendendo justamente<br />

ao pedido dos pais.<br />

Chama-nos a atenção casos co mo, por<br />

exemplo, o da mãe e três filhos, de três<br />

pais diferentes, que passam uma necessidade<br />

e conômica parcial. Dizemos parcial<br />

justamente para reforçar essa diferença<br />

de classes dentro de uma mesma família.<br />

Ela está solteira, trabalha num hospital<br />

e é muito bonita. Um dos pais é rico, está<br />

na classe dos píncaros. Separados, o pai<br />

rico quer o que há de melhor para seu filho,<br />

que já foi várias vezes à Disneylândia<br />

e estuda no melhor colégio de Belo Horizonte.<br />

Os outros dois penam, pois a pensão<br />

para a mãe, em geral, não ultrapassa<br />

o salário mínimo para cada filho. Logo, os<br />

dois últimos são sustentados, basicamente,<br />

pela mãe e por minguados dois<br />

salários mínimos. Eles nunca saíram do<br />

país, usam meias cerzidas e estudam em<br />

escolas públicas.<br />

Num outro caso, o marido rico se separa<br />

e a ex-mulher, coitada, por amor,<br />

casa-se com outro, mas pobre. E com<br />

ele tem filhos. Harmonizar essa casa,<br />

com filhos de diferentes classes sociais,<br />

torna-se uma grande dor de cabeça, da<br />

qual só agora os profissionais da saúde<br />

estão tomando ciência.<br />

O REI SEM REINADO Ana Maria de Albuquerque,<br />

hoje beirando a casa dos 70 anos,<br />

teve duas filhas maravilhosas, no<br />

primeiro casamento. Tudo ia bem<br />

até o marido descobrir, com inegáveis<br />

ornamentos na cabeça,<br />

certas coisas, digamos, impublicáveis,<br />

e resolver pela separação.<br />

Moravam no bairro da Serra,<br />

numa casa modesta, mas<br />

com muito conforto. O pai<br />

saiu de casa e foi morar<br />

com a segunda mulher. A<br />

convivência, difícil no início,<br />

tornou-se suportável,<br />

com o passar dos<br />

anos. E o ex-marido,<br />

acompanhado da nova esposa,<br />

voltou a frequentar o<br />

antigo lar, em festas de aniversários<br />

e comemorações.<br />

Tudo normal até Ana<br />

Maria começar a namorar,<br />

já um pouco tarde. Desta<br />

vez, o relacionamento era<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 15


com o filho de industrial importante, do<br />

ramo de joias. Namoraram anos a fio. Viajavam<br />

para o exterior, compravam presentes<br />

para as filhas da nova companheira,<br />

que já eram adolescentes. Marcavam presença.<br />

O namorado, no entanto, não queria ficar<br />

apenas como um agregado subalterno.<br />

Para provar sua importância no relacionamento,<br />

botou na cabeça que queria um filho.<br />

A mãe, coitada, já com ligadura de<br />

trompa para evitar a gravidez, não esperava<br />

por isto. Mas o namorado pagou médicos<br />

de São Paulo e Rio. Tanto insistiu, que não<br />

houve escapatória. Ana Maria cedeu e teve<br />

que se submeter a outras três cirurgias<br />

para reverter o quadro e tornar-se mãe aos<br />

cinquenta. O menino nasceu saudável, com<br />

muita disposição e muito amor para receber<br />

de todos: pai, padrasto, mãe e irmãs.<br />

Aconteceu, como tinha que acontecer<br />

em casos complicados como este, que a<br />

mãe e o novo pai não se casaram. Era<br />

cada um no seu lar. Ele, rico, morando<br />

com a mãe. Ela, enfermeira aposentada,<br />

morando com os três filhos. As duas irmãs,<br />

lindas como a mãe.<br />

O menino foi crescendo e viajando pelo<br />

mundo afora. Algumas vezes, em companhia<br />

do casal. Outras, apenas com o pai.<br />

Suas roupas eram da marca mais fina que<br />

se podia escolher na época. Não tinha<br />

amigos na escola. Nunca teve. Era o reizinho<br />

dentro da casa, tanto materna quanto<br />

paterna. Era o suficiente para ele.<br />

Um belo dia, a irmã mais velha entrou<br />

na faculdade, ou pelo menos passou no<br />

vestibular para uma faculdade particular.<br />

O pai natural, que agora também já tinha<br />

outros filhos com a segunda mulher, não<br />

teve condições de pagar as mensalidades.<br />

Coisa boba, né?<br />

Não. A tensão na casa do reizinho começou<br />

a esquentar justamente nesse momento.<br />

Aos poucos, as duas irmãs se viraram<br />

contra o pobre rico, que crescia<br />

cada vez mais em busca de um reinado<br />

absolutista. As brigas começaram. De menino<br />

bonitinho, pra cá e pra lá, passou a<br />

ser o “veadinho” pra lá e pra cá. A mãe já<br />

não tinha idade para segurar a barra. E o<br />

pai do reizinho continuava dando mimos<br />

de ouro e diamante a seu filhinho querido.<br />

Para a faculdade, nada.<br />

Depois de querelas indescritíveis, a mãe<br />

tomou o partido de suas duas filhas e foi<br />

ao juiz explicar que, mesmo sendo pessoa<br />

de pouca renda, também daria conta do<br />

recado: “Mais um na mesa não vai fazer<br />

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JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


diferença”, dizia calmamente.<br />

Quem não gostou, e não gostava à medida<br />

que o tempo passava, era o jovem<br />

nobre, sem reinado, sem apoio do seu verdadeiro<br />

pai de ouro. Aos 15 anos, fugiu de<br />

casa pela primeira vez. Depois, aos 16, começou<br />

a sair com a turma da cerveja. Aos<br />

17, não teve jeito: voltou para a casa do pai.<br />

Tudo ia ser corrigido e tudo ia acabar bem.<br />

Acontece que os mimos dados pelo pai<br />

rico já não eram suficientes para aplacar<br />

o tamanho do sofrimento do pobre garoto,<br />

que era maltratado por seus colegas e já<br />

não tinha mais o amor de suas irmãs. E a<br />

história ficava cada vez mais triste, mais<br />

complicada, mais dividida.<br />

Um dia, convenceu o pai e tomou o<br />

avião para os Estados Unidos. Queria ser<br />

independente, livre, sem o assédio dos<br />

pais, sem as comparações das irmãs. Mas<br />

com uma boa mesada. Viveu em Boston<br />

e em Los Angeles, por dois anos. Um dia,<br />

encontraram seu corpo esticado numa banheira<br />

de hotel, morto. Alguns falaram em<br />

suicídio. Outros não falaram mais nada. A<br />

disputa de classes dentro de uma família,<br />

desta vez, trouxe desgraça para todos.<br />

OUTROS CASOS, NÃO TÃO RAROS ASSIM A<br />

variação da economia familiar também<br />

pode deixar marcas profundas também<br />

nos pais. Humberto de Assis Brasil (também<br />

nome fictício) separou-se da primeira<br />

mulher, quando a filha ainda era bebê. O<br />

casal, muito novo, começou a namorar<br />

cedo, nas dependências do prédio em que<br />

moravam como vizinhos. Brincadeiras à<br />

parte, o casamento foi marcado para dali<br />

a dois meses. E deu no que deu. O casamento<br />

durou um ano.<br />

Acontece que Humberto era um sujeito<br />

muito bom de conversa. Montou uma empresa<br />

para vender aço e ferro, começou a<br />

ganhar um bom dinheiro, expandiu os negócios,<br />

e, claro, começou a namorar uma<br />

moça muito bonita. A moça, mesmo com<br />

pouca idade, já tinha dois filhos do primeiro<br />

casamento. Morava no apartamento<br />

do ex-marido e recebia a pensão merecida,<br />

mais os mimos do pai herói para as filhas.<br />

Durante os primeiros dias de encantamento<br />

mútuo no novo namoro, o ex-marido<br />

não se importava muito. Às vezes, o<br />

namorado até dormia no apartamento,<br />

com a sua ex-mulher.<br />

As coisas foram melhorando rapidamente<br />

para Humberto, que decidiu, então,<br />

se mudar para a casa da namorada, pelo<br />

menos até marcar a data do casamento.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 17


Um belo dia, o pai biológico das duas filhinhas<br />

deu um basta: resolveu cortar a pensão<br />

e cobrar o aluguel que achava justo. Aí,<br />

começou um princípio de confusão. Todos<br />

acharam que se tratava de picuinha de<br />

gente ciumenta. Mas era palavrão atrás de<br />

palavrão. Um constrangimento.<br />

Humberto, já com razoável dinheirinho<br />

no bolso, tratou de pegar a nova mulher e<br />

suas enteadas e levá-las para um apartamento<br />

moderno, no bairro de Lourdes.<br />

Foi, como dizíamos por aí, “uma tapa de<br />

luva de pelica” no rosto do concorrente<br />

ciumento.<br />

O novo casal não teve mais filhos. Mas<br />

soube aproveitar bem o tempo de lazer,<br />

em viagens para o Japão, Austrália, México,<br />

Estados Unidos e Europa. E todos<br />

viajavam juntos, curtiam juntos.<br />

Quando Humberto, que não parava de<br />

enriquecer, resolveu se mudar para um<br />

belo condomínio em Nova Lima, o ex-marido<br />

começou a se sentir um estranho<br />

perto de suas filhas biológicas. Claro, o<br />

padrasto tratava as duas como princesas,<br />

dava-lhes tudo. Já o pai não dava e nem<br />

precisava dar nada. Isto o irritou tanto que<br />

o imbróglio foi parar na polícia. O ex-marido<br />

começou a pedir a guarda de suas filhas.<br />

A mãe não permitiu. E o juiz disse<br />

que elas estavam muito bem onde estavam.<br />

Ponto final?<br />

Ainda não. Depois de invadir o condomínio<br />

por diversas vezes, gritando palavras<br />

de baixo calão durante as madrugadas<br />

e sendo “rebocado” constantemente<br />

pela polícia local, o ex-marido agora faz<br />

tratamento psiquiátrico numa clínica em<br />

regime fechado. Todos esperam que ele<br />

melhore, sobretudo se ficar o maior tempo<br />

possível enclausurado.<br />

OS TEMPOS DE YOLANDA A mulher, professora<br />

do ensino fundamental, tinha belos<br />

traços no rosto, nariz pequeno e olhos riscados,<br />

como uma nissei. Yolanda casouse<br />

cedo com um magnata do comércio<br />

de carros importados de Divinópolis. Viveram<br />

alguns anos felizes, tiveram um filho,<br />

mas só passeavam no período de férias<br />

escolares. Mário, o milionário, queria<br />

aproveitar o mundo, cruzar fronteiras e<br />

emendar feriados.<br />

Como o trabalho da esposa não permitia<br />

tais regalias, o marido começou a viajar<br />

sozinho. Não deu outra. Foi o fim de cinco<br />

anos de união estável. A moça, que continuava<br />

bela e sedutora, conseguiu sair da<br />

depressão com a ajuda de um colega de<br />

trabalho, um professor. Os tempos foram<br />

passando e ela resolveu se casar com o<br />

pobre homem. O amor era intenso.<br />

Um ano depois da união, nasceu o primeiro<br />

filho do novo casamento. Logo depois,<br />

nasceu o segundo. Em casa, já eram<br />

três crianças pulando e gritando normalmente.<br />

Mas o ex-marido tinha em si um<br />

leve ciúme desse amor maravilhoso, ainda<br />

mais que a ex-mulher continuava bela.<br />

Rico, o ex-marido decidiu interferir na<br />

criação de seu filho. Tirou-o da escola,<br />

onde a mãe dava aulas, e o despachou<br />

para o melhor colégio da cidade de Divinópolis.<br />

Antes dos 16 anos, o filho predileto<br />

já tinha uma motocicleta importada,<br />

que usava para comparecer a festas e baladas<br />

de qualidade. Os dois irmãos menores<br />

começaram, então, a pedir “igualdades<br />

sociais” dentro de casa. Seus pais<br />

verdadeiros não tinham condição de<br />

acompanhar aquele ritmo desenfreado do<br />

filho mais velho. A luta estava em andamento<br />

dentro de casa.<br />

O resto da história não significa qualquer<br />

tragédia. Isso porque ainda não se<br />

chegou a solução alguma. O caso é recente,<br />

mas vai dar o que falar na bela cidade<br />

do Centro-Oeste mineiro.<br />

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JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


HERANÇA ANTECIPADA Mais um caso, que<br />

comprova as diferentes lutas de classe<br />

dentro de uma família. Um senhor aposentado,<br />

que trabalhou anos e anos para<br />

o governo federal, casou-se quatro vezes.<br />

Com cada esposa teve um romance de<br />

muito amor, que acabou resultando em<br />

um filho de cada mulher.<br />

Também não vamos citar o nome des -<br />

se ilustre e prolífico aposentado, que<br />

sem pre pagou um salário mínimo a cada<br />

uma das ex-esposas. Pagava em dia. Com<br />

três das mulheres, nunca teve problemas,<br />

nem com os respectivos filhos. Elas se<br />

casaram novamente e vivem felizes. Mas<br />

a quarta mulher não tinha de onde retirar<br />

recursos, a não ser do bolso do funcionário<br />

aposentado.<br />

O dinheiro, que ela recebia para custear<br />

os estudos do menino, acabava sendo desviado<br />

para outras causas, que não vêm<br />

ao caso. Enfim, o menino fez alguns cursos,<br />

passou em alguns vestibulares, mas<br />

nunca concluiu coisa alguma. E sempre<br />

dependendo da mesada do pai.<br />

Um belo dia, este querido aposentado<br />

sofre um ataque cardíaco quase fulminante.<br />

Foi levado às pressas para o hospital,<br />

aonde chegou mais morto do que vivo.<br />

Passaram-se três dias e nada de melhoras.<br />

Os médicos já não tinham esperanças.<br />

O filho da quarta mulher, então, levado<br />

ou não por sua mãe, resolveu fazer uma<br />

“limpa” no apartamento do pai. Seu primeiro<br />

empreendimento foi vender o carro<br />

novinho do aposentado, cujo seguro ainda<br />

não havia sido efetuado. Como não tinha<br />

os documentos, o veículo foi parar numa<br />

uma oficina de desmanche das redondezas.<br />

E o aposentado não apresentava melhoras.<br />

Cheio de boa vontade, o nosso jovem<br />

filho resolveu antecipar alguma coisa da<br />

sua herança. Pegou anéis de ouro branco,<br />

abotoaduras também de ouro e até um<br />

aparelho de tevê, dessas bem modernas.<br />

E passou a viver da renda<br />

obtida antecipadamente.<br />

Acon teceu que, um belo dia,<br />

um milagre. Nosso aposentado<br />

acorda de muito bom<br />

humor, morrendo de fome e<br />

pronto para aproveitar o restante<br />

da vida.<br />

Quando voltou para casa,<br />

a novidade. Não tinha carro,<br />

não tinha mais aqueles dólares<br />

guardados, não tinha<br />

anéis. Teria sido um roubo?<br />

Não. O porteiro disse que<br />

um de seus filhos tinha passado<br />

pelo apartamento.<br />

Questionado, o acusado negou<br />

veementemente. Mas o aposentado<br />

não era bobo. Tinha provas concretas. Os<br />

outros três filhos se reuniram com o patriarca<br />

e chegaram à conclusão de que<br />

não valia a pena colocar a polícia no caso.<br />

Enfim, o tumulto familiar mostrou que<br />

nem passar mal o aposentado pode mais.<br />

Agora, tem de ir direto para o Céu, para<br />

não ver as coisas que acontecem na Terra.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 19


A GUERRA VAI À JUSTIÇA<br />

DURVAL GUIMARÃES<br />

Aguerra de classes em casa, entre<br />

filhos ricos e pobres, sob a guarda<br />

da mesma mãe recasada, já foi examinada<br />

em <strong>Matéria</strong><strong>Prima</strong>. Mas decidimos<br />

voltar ao tema há três semanas, após<br />

este repórter acompanhar um amigo na<br />

visita à escola frequentada pela filha de<br />

seis anos, que está sob a guarda da mãe.<br />

Comecemos pelo princípio. O meu<br />

amigo Carlos Henrique de Moura (nome<br />

fictício), 42, comerciante com renda mensal<br />

de R$ 30 mil, se divertia numa feliz<br />

vida de solteiro até conhecer Priscila Maria,<br />

22, balconista de perfumaria. Isso foi<br />

num carnaval na Savassi, há sete anos.<br />

Encontraram-se algumas vezes, pois ele<br />

exercia suas atividades em Montes Claros.<br />

A distância acabou por separá-los<br />

para sempre.<br />

ASSUMINDO A RESPONSABILIDADE. Algum<br />

tempo depois, como frequentemente<br />

acontece em situações como essa, Carlos<br />

Henrique recebeu mensagem postada<br />

pela moça, informando-o de que seria pai<br />

dentro de alguns meses. Ele assumiu a<br />

paternidade e se comprometeu com o sustento<br />

da filha, mas recusou o casamento,<br />

tão desejado pela futura mamãe. Cumpriu<br />

o prometido: a cada mês, enviava-lhe R$<br />

4 mil, dinheiro que cobriria com imensa<br />

folga a sua parte no pagamento de escola,<br />

babá, alimentação, medicamentos e plano<br />

de saúde.<br />

Passados poucos anos, Priscila se casou<br />

com um rapaz que trabalhava numa<br />

pequena loja de artigos de informática.<br />

Tiveram, seguidamente, outras duas filhas.<br />

Vieram também tempos ruins: o marido<br />

perdeu o emprego. Desde então, Luiz Henrique<br />

passou a observar que sua filha se<br />

apresentava mal vestida e com aparência<br />

descuidada quando vinha a Belo Horizonte<br />

e a procurava para sair.<br />

DIFERENÇAS INCONCILIÁVEIS. Constatou que<br />

a garota, já com seis anos, perdera o plano<br />

de saúde por falta de pagamento e frequentava<br />

escola pública de péssima qualidade.<br />

Eu sei porque acompanhei o pai<br />

na dilacerante visita à escola onde a filha<br />

estava cabisbaixa numa das derradeiras<br />

carteiras, no fundo da sala. Dalí fomos<br />

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JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


para matriculá-la, imediatamente numa<br />

escola privada, de formação religiosa e<br />

horário integral. Depois, a inscrevemos<br />

num plano de saúde importante. Em resumo:<br />

a mãe estava<br />

usando a<br />

mesada simplesmente<br />

para<br />

sustentar toda a<br />

família. Isso po -<br />

de, Arnaldo?<br />

O problema<br />

ainda está longe<br />

de ser totalmente<br />

resolvido, pois a<br />

guarda continuará<br />

com a mãe.<br />

Mas haverá controles:<br />

o pai ficará<br />

com a filha<br />

durante em todas<br />

as férias e<br />

nomeou uma tia,<br />

residente em<br />

Belo Horizonte,<br />

para acompanhar<br />

todos os<br />

passos da garota.<br />

Que vai e volta<br />

para casa em transporte especial.<br />

A JUSTIÇA ENTRA EM CENA. Situações<br />

como essa não são examinadas apenas<br />

nos consultórios de psicólogos, mas também<br />

já chegaram à Justiça. Praticamente<br />

não há um único dia em que os pais são<br />

colocados diante dos juízes para buscar<br />

uma solução para esse tormentoso conflito<br />

envolvendo filhos de diferentes níveis<br />

sociais no mesmo lar de uma mãe recasada.<br />

Os litígios não chegam, porém, à<br />

imprensa nem ao conhecimento da sociedade,<br />

pois como todas as demandas<br />

ligadas ao direito de Família, são julgados<br />

sob segredo de Justiça. Isto é, são confidenciais.<br />

Mas nada fica totalmente oculto. Numa<br />

das visita ao fórum de Belo Horizonte, tomei<br />

conhecimento de que, recentemente,<br />

um pai quis garantir o acesso de seu filho,<br />

sob a guarda da mãe, já com outros filhos,<br />

a uma escola diferenciada, de alto nível:<br />

a decisão foi desfavorável ao pai, que tinha<br />

dinheiro para efetuar folgadamente<br />

as despesas, mas o magistrado levou em<br />

conta diversos fatores, inclusive a distância<br />

geográfica entre a escola e o lar. Assim,<br />

os dois filhos, frequentarão a mesma<br />

péssima escola. A situação é semelhante<br />

à do meu amigo Carlos Henrique, que<br />

teve melhor sorte, ao resolver o problema<br />

amigavelmente.<br />

JEITO DE SAMBA-CANÇÃO. Esse é um<br />

drama sem solução idêntica e feliz para<br />

todos os casos. Os psicólogos apelam<br />

para a maturidade do novo casal. Eles<br />

afirmam que o ideal é tentar limitar um<br />

pouco as diferenças, de forma pacífica,<br />

escutar as crianças, dialogar em busca<br />

do consenso e transmitir bons valores,<br />

lembrando sempre que os adultos são<br />

referência para os filhos.<br />

“As pessoas acham que casar e separar<br />

são coisas simples. Não são. Na verdade,<br />

são complicadíssimas, sobretudo quando<br />

há filhos, e trarão conflitos e dor para a<br />

vida inteira. Os jovens deveriam pensar<br />

demoradamente nisso antes de subirem<br />

ao altar”, disse-me uma terapeuta. É uma<br />

situação que só tende a piorar. As estatísticas<br />

mostram que os casamentos duram<br />

dez anos, em média, mas há alguns que<br />

não passam de algumas semanas. E no<br />

meio a tudo isso, é sempre presente<br />

aquela velha canção de Herivelto Martins:<br />

“Quando o infortúnio bate à porta, o amor<br />

foge pela janela”.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 21


CARTA DO PLANALTO<br />

GENERAIS BOTAM<br />

ÁGUA FRIA NA<br />

FERVURA DO<br />

GOLPE MILITAR<br />

JOSÉ ANTÔNIO SEVERO<br />

Quem está pensando em golpe<br />

militar, pode tirar o cavalinho da<br />

chuva. Os militares mais graduados<br />

trataram de botar água fria na fervura.<br />

O general Augusto Heleno Ribeiro<br />

Pereira, mesmo na reserva, é um deles.<br />

Ele vai ao ponto: aquele exército golpista<br />

dos anos 1950/60 não existe<br />

mais. Os novos líderes, ao contrário<br />

dos velhos “tenentes” da Revolução da<br />

1930 (que chefiaram o Golpe de 64),<br />

estão com a cabeça longe do poder.<br />

Diz o general: “Há uma outra formação.<br />

Os valores das Forças Armadas são os<br />

mesmos, mas há uma outra geração de<br />

militares, formada pela geração que<br />

viveu o período militar e colocou na cabeça<br />

dos atuais generais que esse não<br />

era o caminho. Que esse é um caminho<br />

esdrúxulo. Até tem previsto na Constituição<br />

uma intervenção no caso do<br />

caos, mas não é o pensamento nem o<br />

desejo dessa geração de militares”.<br />

GOLPISTA ARMADO JÁ ERA. Pronto, acabaram-se<br />

os golpistas, diz Heleno, oficial<br />

de Cavalaria, respeitado na tropa<br />

por seu desempenho como primeiro<br />

comandante das tropas das Nações<br />

Unidas no Haiti. Outros generais, também<br />

referências nos quartéis, bateram<br />

na mesma tecla. Os malucos que se<br />

iludiram com uma iminente intervenção<br />

militar acabaram falando sozinhos.<br />

O que é um golpe militar?. Um general<br />

estala os dedos e as Forças Armadas<br />

se jogam, tomando o poder do<br />

estado num golpe de mão? Essa é a<br />

narrativa estereotipada do bicho<br />

papão. É simples como dar um tapa<br />

num cego indefeso.<br />

Essa visão simplória supõe que se<br />

ocupa a administração de um País<br />

num abrir e fechar de olhos. A tal ditadura<br />

do passado, dizem, teria surgido<br />

como um passe de mágica: um general<br />

meio biruta, Mourão Filho, em Juiz de<br />

Fora (MG), tarde da noite, olhou para a<br />

22<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


estrada União e Indústria (antes da BR<br />

040 ligava Rio a Minas) e resolveu<br />

tomar o Rio de Janeiro. No dia seguinte,<br />

o logro do Brasil: o governo<br />

caiu e os militares passaram a mandar<br />

em tudo, prendendo e arrebentando.<br />

HÁ GOLPES E GOLPES. Quando o general<br />

Humberto Castelo Branco deu uma<br />

gambeta nos políticos em abril de<br />

1964, ninguém ainda imaginava o que<br />

seria a queda do governo. Para fazer<br />

uma analogia, os golpistas civis supunham<br />

que seria algo como foi o golpe<br />

em Dilma Rousseff: seus aliados do<br />

PMDB deram uma rasteira na presidente<br />

e tomaram o poder da presidente.<br />

Mudou pouco. Muitos ministros<br />

continuaram. Só a esquerda caiu fora.<br />

Isto é golpe de estado. Com os militares,<br />

no entanto, foi diferente. Muito diferente.<br />

Ao derrubar João Goulart os políticos<br />

do PSD, que era governo, e da<br />

UDN, oposição, como os tucanos de<br />

hoje no golpe da Dilma, achavam que<br />

tomariam o poder, tanto que botaram<br />

como vice-presidente o deputado mineiro<br />

José Maria Alckimin, lugar tenente<br />

e ex-ministro da Fazenda de JK,<br />

no governo pessedista. Foi grande a<br />

surpresa quando uma divisão de generais<br />

da reserva entrou em massa no<br />

governo e eles tomaram todas as rédeas<br />

do poder. Ninguém esperava por<br />

isso.<br />

GENERAL<br />

HELENO<br />

PEREIRA<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 23


Esse aparelhamento por um grupo<br />

completamente alheio ao mundo político<br />

que botou tudo de cabeça para baixo,<br />

desnorteou os golpistas convencionais.<br />

MUDANÇA DE HÁBITO. Por isso que os<br />

golpistas fardados decidiram chamar o<br />

“movimento” de “revolução”. Os partidos<br />

foram banidos. De certa forma, fizeram<br />

um governo apartidário.<br />

Aquele quadro militar não se repete.<br />

Nunca antes nem depois houve no Brasil<br />

tamanha quantidade de oficiais da<br />

reserva recém egressos das fileiras e<br />

mobilizados politicamente. Essa reserva<br />

foi instrumentalizada pelos generais<br />

presidentes para assumir o estado<br />

brasileiro. Quando esses reservistas se<br />

extinguiram, por velhice ou morte, acabou-se<br />

a “Revolução”. Ficou apenas o<br />

governo militar de tipo latino-americano<br />

com suas linhas duras e moles,<br />

ou o que fosse. O que se viu foi derreter-se<br />

ímpeto e perder o poder para<br />

uma classe política paciente e hábil.<br />

Agora, nestes dias, com o fim dessa<br />

turma do antigo MDB, esgota-se a<br />

Nova República. É o ciclo de 30 anos<br />

que chega ao final.<br />

DEBANDADA GERAL. As Forças Armadas,<br />

no início dos anos 1960, entraram num<br />

processo de modernização de sua oficialidade.<br />

Criou-se um regulamento<br />

para limitar a vida ativa dos oficiais. No<br />

passado, um oficial podia ficar num<br />

posto quantos anos quisesse, até a<br />

idade limite da compulsória. Isso iria<br />

acabar: cada posto teria um tempo máximo;<br />

quem não fosse promovido seria<br />

dispensado. É a chamada expulsória.<br />

Por exemplo: um general pode ficar só<br />

quatro anos no mesmo posto. Se não<br />

subir, vai para a reserva. Naquele<br />

tempo, um general, como Oswaldo<br />

Cordeiro de Faria, por exemplo, estava<br />

há mais de 20 anos com as estrelas<br />

gemadas nos ombros.<br />

Nesse processo (Castelo Branco era<br />

o chefe do Estado Maior das Forças Armadas),<br />

a debanda foi acelerada pela<br />

desilusão dos oficiais com a carreira<br />

depois do fracasso do golpe contra a<br />

posse de Jango. Os chefes estavam desacreditados.<br />

OFICIAL QUE NÃO ACABA MAIS. Nesse<br />

momento ofereceu-se à tropa uma espécie<br />

de demissão incentivada: o oficial<br />

que, com tempo de serviço,<br />

decidisse deixar as fileiras, receberia<br />

duas promoções, com soldo integral e<br />

título da promoção. Ou seja, tenentescoronéis<br />

seriam generais de brigada,<br />

coronéis generais de divisão, e assim<br />

por diante. Resultado: o Brasil converteu-se<br />

no país com maior número de<br />

generais do mundo, dizia-se, com mais<br />

de 5.000, e algo acima de 10.000 oficiais<br />

superiores na reserva e recémsaídos<br />

do quartel.<br />

Essa turma foi a base da administração<br />

pública dos golpistas de 1964.<br />

Com isto eles conseguiram implementar<br />

uma das demandas dos movimentos<br />

de rua, que, como hoje, pediam a<br />

exclusão da classe política.<br />

Esta situação não se repete. Um<br />

golpe militar não poderia se livrar dos<br />

políticos e do funcionalismo civil. Portanto,<br />

como diz o general Heleno, os<br />

tempos são outros. Sendo assim os militares<br />

não irão derrubar o governo<br />

para entregar o poder… a quem? De<br />

volta ao PT? Aos tucanos? A ninguém,<br />

como pedem os caminhoneiros?<br />

Não vai ter golpe, diria uma palavra<br />

de ordem.<br />

24<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


HORA EXTRA<br />

ÚLTIMAS NOTÍCIAS, COM<br />

TODO JEITÃO DE<br />

NOTÍCIAS FALSAS<br />

(OU FAKE NEWS, COMO SE DIZ NO BRASIL)<br />

JOÃO PAULO COLTRANE<br />

1 ANASTASIA GARANTE QUE DEIXOU<br />

DINHEIRO PARA PAGAR O FUNCIONALISMO<br />

O senador<br />

Antônio Anastasia<br />

desmentiu<br />

a denúncia<br />

feita pelo governador<br />

Fernando<br />

Pimentel<br />

de que os<br />

governantes do<br />

passado não<br />

deixaram dinheiro<br />

nos cofres, mas apenas boletos para<br />

serem pagos por sua administração. Em<br />

entrevista à HoraExtra, o senador esclareceu<br />

que Pimentel apenas não procurou direito.<br />

“O dinheiro para pagamento do funcionalismo<br />

ficou debaixo do açucareiro, na<br />

cozinha do Palácio”, afirmou.<br />

O senador informou também que o seu<br />

colega Aécio Neves ficou de lhe passar o<br />

telefone do açougueiro Joesley Batista, do<br />

grupo JBS. Assim que estiver com o número,<br />

o repassará ao governador, caso ele<br />

ainda precise de recursos para o pagamen -<br />

to das professoras. “Joesley é boa gen te e<br />

nunca negou nada a ninguém. Se ele tiver o<br />

dinheiro, adiantará na hora”, afirmou.<br />

2 ROMEU ZEMA PROMETE SUBSTITUIR SUA<br />

FOTO NAS REPARTIÇÕES POR UMA SELFIE<br />

O empresário Romeu Zema, do Partido<br />

Novo, promete muitas medidas de<br />

economia caso seja eleito governador de<br />

Minas. O objetivo será o de arrumar dinheiro<br />

para pagar salários atrasados do<br />

funcionalismo e por isso pretende adotar<br />

a mesma política de recursos humanos<br />

das suas empresas, que consiste em 12<br />

horas diárias de serviços, incluindo sábados<br />

e domingos. Não haverá vale<br />

transportes, medida que tem como objetivo<br />

principal fazer com que os servidores<br />

se exercitem antes e depois do trabalho.<br />

Cada um também deverá levar de<br />

casa seus objetos pessoais, como computador<br />

e caneta. O papel higiênico será<br />

obrigatório para aqueles que usam o banheiro<br />

da repartição.<br />

Da sua parte, Zema vai contribuir com<br />

a substituição de suas fotos nas paredes<br />

das secretarias e autarquias por uma<br />

simples selfie, que fará do seu telefone<br />

celular.<br />

Outro aspecto positivo deverá ser o<br />

encerramento das atividades do Ipsemg,<br />

que atualmente presta péssima assistência<br />

de saúde aos funcionários e seus dependentes.<br />

“Trata-se apenas de uma medida<br />

preventiva com o propósito de<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 25


assegurar o bem estar dos servidores,<br />

que não serão obrigados a arriscar a<br />

vida naquele hospital e seus ambulatórios”,<br />

explicou. Caso seja eleito, os funcionários<br />

serão atendidos pelo SUS, que<br />

também é arriscado, mas o salário dos<br />

médicos está em dia.<br />

3 CRISE FINANCEIRA NO VATICANO OBRIGA<br />

PAPA A DEMITIR MICHELANGELO<br />

O papa<br />

Francisco ordenou<br />

a execução<br />

de<br />

nova pintura<br />

do teto da Capela<br />

Sistina.<br />

Por medida<br />

de economia,<br />

o Sumo Pontífice<br />

determinou<br />

que o teto será todo branco. Segundo<br />

nota assinada pelo secretário de<br />

imprensa vaticanês, os custos para a<br />

manutenção do teto, até então completamente<br />

coberto pela obra do pintor toscano<br />

Michelangelo, superavam em muito<br />

a venda de ingressos para turistas interessados<br />

“naquela suposta obra de arte”.<br />

A nota afirma que a nova pintura ficou<br />

mais bonita, muito clara e absolutamente<br />

grátis na hora de manutenção:<br />

“Para limpar, basta passar um pano molhado”,<br />

teria declarado o Papa.<br />

O jornal L’Osservatore Romano, órgão<br />

oficial do Vaticano, informou, em editorial<br />

na terceira página, que Sua Santidade<br />

pretende editar um pacote de medidas<br />

financeiras com o propósito de<br />

aumentar as receitas da Igreja em todo o<br />

planeta. Uma das medidas seria o fim do<br />

casamento indissolúvel, que hoje já não<br />

é mais respeitado pelos fiéis. Numa homilia<br />

dirigida aos cardeais, Sua Santidade<br />

lembrou que muitas pessoas se casam<br />

até cinco vezes, mas apenas uma<br />

na paróquia do seu bairro.<br />

Nas outras quatro, a união fica na informalidade.<br />

“Quanto dinheiro a Igreja perdeu<br />

em situações como essas, que se repetem<br />

a cada minuto no planeta?”<br />

perguntou o jornal. Há também estudos<br />

de se criar uma empresa multinacional,<br />

liderada pelo Vaticano, com o propósito<br />

de explorar os serviços de coquetel, gráfica<br />

para impressão de convites de casamentos,<br />

contratação de corais e grupos<br />

musicais, pirotécnicos diplomados e demais<br />

profissionais, que embelezam, enriquecem<br />

e solenizam os esponsais em todas<br />

as latitudes e longitudes deste<br />

mundão de (antigamente) Deus.<br />

4 COISAS IMPORTANTES QUE FUI OBRIGADO<br />

A APRENDER NO SEMESTRE PASSADO<br />

Não atravessei o semestre passado<br />

em brancas nuvens, como muitos professores<br />

e alunos das universidades federais<br />

e funcionários públicos em geral.<br />

Trabalhei, fui às aulas, estudei muito, fiz<br />

provas. E observei muitas coisas. Vejam<br />

o que aprendi.<br />

A. LIÇÕES DA COPA DO MUNDO<br />

- O futebol seria um jogo mais simples<br />

se não houvesse um adversário do outro<br />

lado do campo.<br />

- Um time de futebol é como um<br />

piano. Você precisa de oito homens para<br />

carregá-lo, mas só três que sabem jogar<br />

bola de verdade.<br />

- Futebol é igual a uma guerra. Quem<br />

se comporta educadamente está perdido.<br />

- A gente se apaixona por um time<br />

como se apaixona por mulheres. Sem<br />

pensar muito e depois se envolve num<br />

mundo de ansiedades e sofrimentos.<br />

26<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


B. A SOLENIDADE POMPOSA<br />

DOS OBITUÁRIOS<br />

Tive um prazer especial em ler os obituários<br />

publicados na imprensa em homenagem<br />

à grandes personalidades recentemente<br />

falecidas. São narrativas<br />

enaltecedoras e glorificadoras, escritas<br />

num estilo vertiginoso que mistura o<br />

poético, o esotérico e o farfalhudo (mas<br />

que palavra mais farfalhuda, sô!).<br />

Na verdade, dificilmente encontraremos<br />

um lugar tão utilizado pelos jornalistas<br />

e cronistas para exercitarem a sua<br />

inesgotável veia literária. Compreende-se:<br />

sobre os grandes indivíduos, aqueles que<br />

se elevaram acima dos seus contemporâneos,<br />

que eram rodeados de grande estima<br />

ou apreço, a quem eram atribuídas<br />

qualidades invulgares e que ocupavam lugares<br />

de relevo na sociedade, não é possível<br />

pensar com palavras pequenas.<br />

É necessário recorrer a uma prosa alucinante,<br />

salpicada aqui e ali de frases solenes,<br />

que estão para além do mero elogio,<br />

pois transmitem verdades supremas e encerram<br />

abismos de sabedoria. Trata-se,<br />

afinal, de exaltar e celebrar a singularidade<br />

da pessoa que morreu, articulando a sua<br />

individualidade com um fato exemplar.<br />

C. INFORMÁTICOS SÃO<br />

HOMENS PERIGOSOS<br />

Atire a primeira<br />

pedra quem, há 20<br />

anos, nunca fez<br />

pouco do colega que<br />

gostava de falar sobre<br />

Cobol. No entanto,<br />

confirmou-se:<br />

hoje, tudo o que tem<br />

pinta e é perigoso é feito por informáticos.<br />

Se um jovem quer ser milionário, fará bem<br />

em estudar informática, como Bill Gates. Se<br />

quer que a sua vida dê um filme, fará bem<br />

em estudar informática, como Mark Zuckerberg.<br />

Se quer ser pirata, fará bem em<br />

estudar informática, como os hackers. E se<br />

quer fundar uma seita, fará bem em estudar<br />

informática, como Steve Jobs.<br />

5 ABAIXO, ALGUNS SONHOS INESQUECÍVEIS<br />

QUE TIVE DURANTE O MÊS DE JUNHO<br />

Verdadeiros delírios: estes são os sonhos<br />

que tive na chegada do inverno.<br />

A Uma multidão de novos autores de literatura<br />

mineira começou a publicar seus<br />

livros na cor cinza. Trata-se de tom<br />

suave e agradável, que combina com vários<br />

estilos de decoração de interiores.<br />

Uma estante com duzentas ou trezentas<br />

lombadas naquela cor opaca contribuirá<br />

para criar em sua casa um recanto com<br />

um ambiente descontraído mas elegante,<br />

sofisticado mas acolhedor, como<br />

só o cinzento consegue proporcionar.<br />

B Criada a pena de morte, com execução<br />

no prazo máximo de duas semanas,<br />

para quem usar as expressões vertente,<br />

geração de emprego e renda, sustentabilidade<br />

e cidadania. Casa queimada e<br />

terreno salgado para quem usar a pior<br />

de todas: paradigma.<br />

C Decreto federal proibiu os cantores sertanejos<br />

de cantar alguma música que fale<br />

de traição da mulher amada. Os infratores<br />

serão impedidos de cantar qualquer coisa<br />

até a final da Copa do Mundo de 2022.<br />

D Uma cópia da Juliana Paes baterá à<br />

porta dos brasileiros numa dessas noites<br />

de inverno, com o exclusivo propósito de<br />

inspecionar, in loco, o seu quarto de dormir.<br />

Na ocasião, ela informará que se<br />

trata de um singelo presente divino para<br />

tornar esse mundo melhor.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 27


?????????????<br />

CARTA DO CANADÁ<br />

DILEMA CANADENSE:<br />

ONDE PASSAR O<br />

ANIVERSÁRIO<br />

DA RAINHA?<br />

ARTHUR VIANNA<br />

TULIPAS E<br />

PARLAMENTO<br />

No Brasil, os feriados nem sempre<br />

caem em uma segunda-feira. E assim<br />

não temos como proporcionar<br />

um longo fim de semana. Já no Canadá,<br />

alguns feriados são fixos na segunda e garantem<br />

a folga prolongada. Entre eles, está<br />

a comemoração do aniversário da rainha.<br />

E aqui vale um complemento. No Brasil,<br />

teríamos de saber qual rainha. A da bateria<br />

ou a da Suécia? A do samba vive bem ali,<br />

no coração carioca. A da Suécia, embora<br />

tenha morado em São Paulo e fale português<br />

sem sotaque, mora em Estocolmo.<br />

Aqui no Canadá, a questão colocada não<br />

só procede como é mais habitual<br />

do que podemos imaginar. Para a<br />

população canadense, existe um<br />

período do ano extremamente importante:<br />

a primavera. Não podemos<br />

nos esquecer de que o país<br />

tem um inverno rigoroso, assim,<br />

com a proximidade da primavera,<br />

o bom humor brota a olhos vistos.<br />

Mesmo que seja uma primavera<br />

de calendário e, lá fora, o frio ainda<br />

resista. É quando surge a dúvida<br />

entre os canadenses, mesmo para<br />

aqueles que, como eu, nasceram<br />

em outras plagas: onde você vai<br />

passar o aniversário da rainha, o<br />

Victoria Day?<br />

Mas, afinal, por que é tão importante<br />

para o turismo doméstico o<br />

aniversário da Rainha Vitória? Nas<br />

28<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


uas, poucos vão dar uma resposta sobre a<br />

festejada monarca. A verdade é que a data<br />

marca o fim do inverno, o início da primavera<br />

e o advento do verão. Além disso, o dia é<br />

acrescido da comemoração do aniversário<br />

da atual rainha do Canadá e do Reino Unido,<br />

Elizabeth II. Acontece que, embora seja um<br />

dos mais importantes festejos natalícios,<br />

nem a rainha Vitória e<br />

muito menos a sogra<br />

de Lady Di nasceram<br />

no dia 21 de maio, Victoria<br />

Day em <strong>2018</strong>. Pouco<br />

importa: data escolhida,<br />

data celebrada. A<br />

comemoração é sempre<br />

na primeira segunda-feira<br />

anterior ao dia 25 de<br />

maio, verdadeiro natalício<br />

da Rainha Vitória.<br />

Muitas cidades disputam<br />

o melhor Victoria<br />

Day. Vancouver tem<br />

de parada a rodeio. Já<br />

Montreal, no Canadá<br />

francês, aproveita para<br />

comemorar no mesmo<br />

dia a Jornada Nacional<br />

dos Patriotas, dedicada aos que lutaram<br />

em 1837-38 pela liberdade e pela democracia.<br />

Toronto, a maior cidade do país,<br />

festeja sempre em grande estilo, apostando<br />

nos mais belos e longos fogos de artifício<br />

à beira do lago Ontario.<br />

No entanto, com tantas atrações e promessas<br />

aos turistas, a joia da coroa da rainha<br />

está em Ottawa. Na capital do Canadá,<br />

uma agenda turística de quatro dias no<br />

mês de maio garante a presença de canadenses<br />

e estrangeiros. Os eventos, a maioria<br />

com entrada franca, são os mais variados.<br />

Em <strong>2018</strong>, foi desde uma grande<br />

parada cívica a um Festival de Tosquia de<br />

Ovelhas, passando por uma Feira de Ciências,<br />

atividades recreativas para crianças e<br />

um show com as músicas dos filmes de<br />

Harry Potter, além dos fogos de artifício,<br />

como acontece em todas as cidades.<br />

Entre as variadas atividades, Ottawa conseguiu<br />

impor um espetáculo que superou<br />

todos os outros e tomou assento cativo entre<br />

as grandes atrações turísticas do país:<br />

o Festival Canadense<br />

das Tulipas. Durante<br />

todo o mês de maio,<br />

Ottawa é coberta por<br />

um manto florido de<br />

um milhão de tulipas.<br />

São 60 tipos da flor espalhados<br />

por toda a cidade.<br />

Um espetáculo<br />

que levou a cidade receber<br />

o título de Capital<br />

Mundial das Tulipas.<br />

Em <strong>2018</strong>, o tema<br />

BRASIL<br />

REPRESENTADO<br />

NO FESTIVAL<br />

DAS TULIPAS<br />

escolhido para o<br />

evento foi “Mundo de<br />

Tulipas” e vários países<br />

mereceram uma referência<br />

especial, inclusive<br />

o Brasil. Sua origem<br />

remonta à<br />

chegada da princesa holandesa Juliana a<br />

Ottawa, durante a ocupação nazista de seu<br />

país, e ao nascimento em solo canadense<br />

de sua filha Margarida. Em agradecimento<br />

pela acolhida, desde o fim da segunda<br />

guerra mundial, a família real holandesa<br />

envia 100 mil lâmpadas no formato de tulipa<br />

para a capital do Canadá. O festival,<br />

que acontece desde 1953, é um dos maiores<br />

eventos do gênero no mundo e faz da<br />

flor oficial de Ottawa um símbolo de amizade<br />

e paz entre as nações. Já tem canadense<br />

perguntando: onde você vai passar<br />

o aniversário da rainha em 2019?<br />

arthurviannanet@gmail.com<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 29


CARTA DO SERTÃO<br />

GARAPA<br />

E PICOLÉ<br />

TIÃOZITO<br />

Apelido, em português genuíno, é,<br />

exclusamente, o nome de família<br />

(Oliveira, por exemplo), que aqui<br />

chamamos de sobrenome e, muito principalmente,<br />

confundimos com alcunha,<br />

uma vez que, para nós, todo apelido é<br />

depreciativo.<br />

Existem cognomes famosos, principalmente<br />

em futebol, como Zico, Pelé, Bobô,<br />

Grafite e outros tais de fácil assimilação<br />

tanto entre os jogadores como entre os<br />

torcedores do clube. O meu apodo Tiãozito<br />

foi uma ajuda da irmã Liá, que deve<br />

não ter gostado do Sebastião de meus<br />

pais, escolhido entre tantos outros prenomes<br />

bonitos dos meus quatorze irmãos.<br />

Entretanto, chamar um meu conhecido<br />

de Zé Gamela ou um outro de Chicão<br />

Charrôia pode dar até em morte.<br />

Lá no Bom-i-Zú tínhamos um amalucado<br />

que era uma doçura de pessoa,<br />

mas se provocado pelo apelido de<br />

GARAPA o pau comia. Era pedrada para<br />

todo lado, atingindo vidraças, transeuntes,<br />

quando não cabeças alheias. Foi aí<br />

que o querido padre Vavá, um cura queridíssimo<br />

da criançada local, lá de seu<br />

respeitável púlpito, numa missa dominical,<br />

pediu à molecada que evitasse molestá-lo<br />

pelo depreciativo, não só para<br />

não irritá-lo, como para que os circunstantes<br />

atingidos não fossem.<br />

Tem-se como garapa só aquela que<br />

vem da cana-de-açúcar, mas nós,<br />

muito antes da Coca-Cola da<br />

vida, na feira de minha infância, tomávamos<br />

uma inesquecível garapa<br />

de limão (ou de tamarindo, quando na<br />

safra), em que normalmente punha-se<br />

uma pitada efer ves cente de bicarbonato<br />

de sódio, logicamente precedida de um<br />

romeu-e-julieta, no nosso caso composto<br />

de uma tora de tijolo doce recoberta<br />

de igual fatia de requeijão.<br />

Em casa temos sempre garapa de<br />

abacaxi, laranja, maracujá, caju e outras<br />

tantas frutas, às vezes ácidas, às vezes<br />

não. Mas, a meu ver, a garapa mais famosa<br />

e divulgada é aquela tida como<br />

medicinal, ou seja, toda vez que alguém<br />

via uma pessoa aflita ou ia dar uma má<br />

notícia a outrem, a xícara de água com<br />

açúcar era e ainda é a salvação.<br />

Mas eis que precisávamos dos préstimos<br />

de um conhecedor de problemas<br />

destas malditas janelas de correr, em que<br />

se aplicam umas rolimãs e resinas para,<br />

por qualquer pequeno defeito, trazer-nos<br />

verdadeiros transtornos. Consultada a<br />

querida amiga Graça, uma ex-vizinha, a<br />

própria donaire em pessoa e que já experimentara<br />

seus serviços, solicitamos o<br />

nome e telefone: — PICOLÉ, e número tal.<br />

— ‘Péra aí, Graça, mas eu vou ter que<br />

tratá-lo assim mesmo? — pergunta-lhe a<br />

minha mulher um tanto estupefata.<br />

30<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


— Sem dúvida, menina, ele só atende<br />

por esse apelido e pelo mesmo é conhecido<br />

na cidade inteira. Não se preocupe.<br />

É com este epíteto que o profissional<br />

é recebido e passa a verificar os<br />

defeitos transmitidos pelo telefone e<br />

fazer o orçamento necessário para a<br />

prestação de seu trabalho.<br />

— Você conhece a história do Garapa,<br />

Picolé? - pergunto-lhe provocantemente.<br />

Ante a negativa passo a contá-la. Como<br />

o vigário proibira a garotada de chamar o<br />

maluco pelo apelido, tramou-se uma maneira,<br />

ante sua aproximação: três deles<br />

estrategicamente escondidos, um numa<br />

esquina da praça, outro atrás de um<br />

poste e o terceiro detrás de uma árvore,<br />

invisíveis, a gritar sucessivamente:<br />

— Água! o primeiro; — Limão! o<br />

segundo; — Açúcar! o último — ao<br />

que o insultado, possesso, começava<br />

a berrar desafiante:<br />

— Mustura, cambada de fia da<br />

puta! Mustura procês vê, laia de corno!<br />

Vai, mustura, tropa de sacana!<br />

Estava proposta a garapa e o nosso<br />

Picolé, que não conhecia a velha brincadeira<br />

interiorana pôs-se a rir desbragadamente.<br />

Só depois que ele estabeleceu seu<br />

preço e condições para a execução da<br />

tarefa e se retirou, marcando o dia do<br />

início, é que me veio à mente a feitura<br />

de um picolé, uma verdadeira garapa e<br />

das gulodices mais vendidas pelo<br />

mundo a fora, ou seja, em vez de pedir<br />

a mistura dos ingredientes sugeridos,<br />

era só o apelidado, se insatisfeito, gritar<br />

raivoso:<br />

— Congela, cambada de filhos da<br />

puta! Congela, para vocês verem, laia de<br />

cornos! Vai, tropa de sacana, congela,<br />

congela, congela...<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 31


DESEJO E LOUCURA<br />

“PESSOAS<br />

LOUCAMENTE<br />

APAIXONADAS PARECEM<br />

DOENTES MENTAIS”<br />

É O QUE DIZ O PSICÓLOGO INGLÊS FRANK TALLIS, AUTOR<br />

DO LIVRO O ROMÂNTICO INCURÁVEL, QUE RELATA<br />

HISTÓRIAS VERÍDICAS SOBRE AMORES ENLOUQUECEDORES.<br />

PARA ELE, HÁ UMA LINHA TÊNUE QUE SEPARA O AMOR E A<br />

PAIXÃO DA DOENÇA MENTAL<br />

RITA PORTO<br />

Alguém já disse a você que, quando<br />

está “loucamente apaixonado”, tem<br />

comportamentos e sintomas semelhantes<br />

aos de quem tem uma doença<br />

mental? Eu ouvi essa frase do escritor e<br />

psicólogo clínico Frank Tallis, que aborda<br />

o amor e a paixão no seu mais recente<br />

livro, O Romântico Incurável, publicado<br />

em Portugal.<br />

Para o antigo professor da universidade<br />

King’s College de Londres, o amor e a paixão<br />

são fundamentais na vida de qualquer<br />

ser humano, mas são pouco valorizados<br />

na sociedade. No seu livro, Tallis relata alguns<br />

dos casos que passaram por seu<br />

consultório: uma mulher que se apaixona<br />

pelo dentista e se convence que o amor é<br />

recíproco; uma idosa que vê o fantasma<br />

do marido e cuja relação se baseava essencialmente<br />

no sexo; e um homem que<br />

”se apaixona por si mesmo” são apenas<br />

alguns exemplos.<br />

Histórias verídicas e contextualizadas a<br />

nível histórico, biológico e psicológico;<br />

uma obra que, segundo o escritor, permite<br />

ao leitor não só ver o que passa<br />

dentro da cabeça de um psicólogo como<br />

mostra como um processo psicoterapeuta<br />

é pouco organizado e nem sempre<br />

tem um final feliz.<br />

Você é psicólogo mas não exerce mais<br />

a profissão?<br />

Sim, é verdade. Comecei a escrever<br />

criativamente, escrevi alguns romances,<br />

um deles ainda enquanto trabalhava como<br />

psicólogo. Fiquei muito interessado em<br />

todo este “negócio das histórias” porque,<br />

32<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


claro, as pessoas estavam sempre me narrando<br />

histórias, portanto foi uma evolução<br />

natural – apesar de, em muitos aspetos,<br />

ter me aposentado da prática clínica, continuo<br />

a sentir que, através da escrita, sou<br />

um psicólogo, mas que exerço a psicologia<br />

de uma forma diferente.<br />

Você escrevia romances. Porque decidiu<br />

escrever este livro baseado em histórias<br />

de pessoas que acompanhou? Por<br />

que este regresso à psicologia?<br />

Acho que a razão principal é que, por<br />

vezes, é necessário alguma distância para<br />

olhar com clareza para as coisas. A verdade<br />

é que, se tentasse escrever este livro<br />

mais cedo, acho que teria sido um erro.<br />

Fui profissional da psicoterapia por 20<br />

anos. Foi muita informação, foram muitos<br />

casos e, por vezes, é preciso alguma distância<br />

para se conseguir olhar para a carreira<br />

e decidir o que é interessante ou não.<br />

Há quantos anos não exerce a profissão?<br />

Há 10 anos. Os casos mais antigos têm<br />

30 anos.<br />

Portanto, precisou de alguma distância<br />

para analisar o que se tinha passado com<br />

PSICÓLOGO<br />

CLÍNICO<br />

FRANK TALLIS<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 33


os seus pacientes, para escolher os casos<br />

para o livro?<br />

Sim e, também, quando você está<br />

imerso num tema, como a psicologia, fica<br />

pensando sobre os problemas de uma<br />

forma específica, recorrendo à linguagem<br />

acadêmica. Se estiver distante da profissão,<br />

tende a pensar nessas coisas numa<br />

linguagem mais simples. Foi muito útil ter<br />

esta distância para conseguir expressar<br />

ideias quando explicava diversos mecanismos<br />

psicológicos relacionados com os<br />

casos do livro. Achei mais fácil explicar<br />

esses mecanismos usando uma linguagem<br />

mais simples enquanto que, anteriormente,<br />

teria tornado as coisas mais<br />

complicadas.<br />

Você conta as histórias destas pessoas,<br />

mas também faz uma contextualização a<br />

nível histórico, ao nível da psicologia. Por<br />

que fez assim?<br />

Eu fiz assim porque uma das razões<br />

pelas quais escrevi o livro era para contar<br />

ao público em geral o que é ser psicoterapeuta.<br />

Quando é apresentado um problema,<br />

você tem muitas maneiras diferentes<br />

de o abordar, muitas formas<br />

diferentes de o compreender, diferentes<br />

enquadramentos, teorias diferentes, ideias<br />

diferentes. Quis dar aos leitores uma ideia<br />

clara sobre o que passa pela cabeça de<br />

um psicólogo quando está diante de um<br />

paciente. Outra coisa que quis fazer – e<br />

que acho que é bastante importante – é<br />

dar um retrato realista do que é exercer<br />

psicoterapia. Quando se vê a psicoterapia<br />

retratada em filmes, peças e romances, é<br />

muito simples e óbvio, é quase ficcional.<br />

Há princípio, meio e fim…<br />

A realidade é mais complexa?<br />

Sim, é um processo muito mais complexo,<br />

mais desorganizado. Como descrevo<br />

no livro, acha-se, a determinada altura,<br />

que se está chegando em algum lugar,<br />

desvendando os mistérios, matando<br />

a charada, mas nunca mais vemos o paciente.<br />

Ele simplesmente desaparece. Há<br />

muitos livros escritos por psicólogos e psiquiatras<br />

sobre casos e um dos problemas<br />

que eu sentia é que não correspondia à<br />

minha experiência. A minha experiência<br />

não era tão satisfatória, não havia uma<br />

história bonita e fácil, com princípio, meio<br />

e fim, em que o paciente agradece, sente<br />

que está muito melhor e vai-se embora. A<br />

psicoterapia não é como se vê nos filmes.<br />

No livro sente-se isso, parece que não<br />

há um fim para estas histórias, que não<br />

há finais felizes. É esta a realidade da<br />

psicologia?<br />

Às vezes é. Quando escrevia o livro, dei<br />

os primeiros três capítulos à minha mulher<br />

para ela ler e ela me disse: “As pessoas<br />

vão achar que você é um péssimo<br />

psicólogo”. [Risos] Suponho que seja esse<br />

o risco de se tentar fazer algo honesto. Eu<br />

podia ter escolhido dez casos que tiveram<br />

um grande sucesso, mas já houve outras<br />

pessoas que fizeram isso e não é muito<br />

interessante.<br />

Acho que é mais interessante e mais<br />

humano mostrar estes processos como<br />

eles realmente são. É preciso gerir as expectativas<br />

das pessoas do que se pode<br />

efetivamente atingir na psicoterapia. Claro<br />

que vi pacientes que ficaram melhor, mas<br />

para mim o importante foi tentar dar aos<br />

leitores uma visão mais autentica do que<br />

é a psicoterapia.<br />

Como explica título do livro?<br />

O título O Romântico Incurável são dois<br />

termos que têm de andar juntos: se se é<br />

um romântico, então não tem cura. E isso,<br />

na prática clínica, é verdade. Quando se<br />

34<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


tem um problema de saudades, de desejo,<br />

quando se está apaixonado, são comuns<br />

casos desse gênero, muito difíceis de tratar.<br />

Quando as pessoas têm este tipo de<br />

problemas, é quase como fossem incuráveis.<br />

Pode-se administrar o problema,<br />

pode-se fazer pequenos progressos, mas<br />

no todo achei que este tipo de problemas<br />

era muito difícil de tratar.<br />

O título do livro quase parece uma maneira<br />

bonita de tratar o assunto porque<br />

essas são histórias muito mais complexas.<br />

São histórias de um amor obsessivo, de<br />

um amor louco…<br />

Mas o amor é louco. Quando nos apaixonamos,<br />

comportamo-nos de forma irracional,<br />

temos vários sintomas que estão<br />

perto da doença mental. As pessoas<br />

quando se apaixonam podem tornar-se<br />

emocionalmente instáveis e, se pensarmos<br />

nas consequências de nos apaixonarmos,<br />

há paixão, há um ciúme extremo,<br />

há desgosto, ligações inapropriadas, comportamentos<br />

inapropriados, adições sexuais.<br />

E torna-se mais grave: stalking, seguir<br />

a pessoa por quem se está<br />

apaixonado, algo que é muito mais comum<br />

do que as pessoas imaginam,<br />

mesmo dentro do dito amor “normal”.<br />

“<br />

QUANDO SE VÊ A PSICOTERAPIA<br />

RETRATADA EM FILMES, PEÇAS E<br />

ROMANCES, É MUITO SIMPLES E<br />

ÓBVIO, É QUASE FICCIONAL. HÁ<br />

PRINCÍPIO, MEIO E FIM…”<br />

Estamos falando de amor “normal” …<br />

Sim, todas estas coisas. E quando, por<br />

exemplo, o ciúme torna-se mais sério, no<br />

caso dos homens está muito associado<br />

ao homicídio. Cerca de 10% dos homicídios<br />

do mundo são de homens que matam<br />

mulheres porque acham que elas dormiram<br />

com outra pessoa. Isso é grave.<br />

Em particular nos jovens, que não têm<br />

maturidade emocional, a paixão e a rejeição<br />

podem provocar uma depressão<br />

grave, com um alto risco de suicídio. Isso<br />

não são assuntos triviais.<br />

A sociedade olha para estes assuntos<br />

como sendo triviais?<br />

Muitas vezes tratamos como se fosse<br />

uma piada. Nas comédias românticas, conferimos<br />

alguma ligeireza ao amor e, se<br />

olharmos para a forma como vemos a literatura<br />

romântica, é quase como se fosse,<br />

de uma forma sexista, uma coisa de que<br />

as mulheres gostam. Não é tido como um<br />

assunto importante, mas não é verdade.<br />

Não há nada mais importante na vida das<br />

pessoas do que o amor. Grande parte dos<br />

psicólogos e filósofos importantes concluíram<br />

o mesmo: uma vida sem amor praticamente<br />

não tem sentido. Para algo tão<br />

importante e que afeta tanto as pessoas, é<br />

extraordinário como nós, enquanto sociedade,<br />

o tratamos de uma forma tão deturpada,<br />

em especial no caso dos jovens.<br />

O que acontece no caso dos jovens?<br />

Quando os jovens se apaixonam, há<br />

uma certa tendência para serem gozados<br />

ou para que o assunto seja banalizado,<br />

mas, na verdade, as consequências da rejeição<br />

quando se é novo podem ser profundas<br />

a nível psicológico. É um assunto<br />

muito importante e não lhe é dada a devida<br />

importância, não só enquanto fenómeno<br />

cultural, mas também na prática<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 35


“<br />

QUANDO ESCREVIA O LIVRO, DEI<br />

OS PRIMEIROS TRÊS CAPÍTULOS<br />

À MINHA MULHER PARA ELA LER<br />

E ELA ME DISSE: ‘ AS PESSOAS<br />

VÃO ACHAR QUE VOCÊ É UM<br />

PÉSSIMO PSICÓLOGO’”<br />

clínica. Quando as pessoas têm problemas<br />

emocionais ou sexuais no contexto amoroso,<br />

esses problemas tornam-se sempre<br />

mais exagerados, é quase como se o amor<br />

desestabilizasse as pessoas e isso pode<br />

ter um efeito muito inesperado.<br />

Como, por exemplo?<br />

Lembro-me de ter acompanhado em<br />

terapia um soldado que tinha estado em<br />

combate, que tinha visto coisas terríveis<br />

na guerra com as quais soube lidar, mas<br />

quando se apaixonou ficou traumatizado<br />

com todas aquelas memórias. É quase<br />

como se apaixonar-se o tivesse tornado<br />

mais sensível emocionalmente e as coisas<br />

com as quais tinha conseguido lidar, de<br />

repente tonaram-se muito dolorosas. E o<br />

amor afeta as pessoas de muitas formas,<br />

de formas que não se imaginaria que pudesse<br />

afetar. Pode ser uma experiência<br />

muito intensa e desestabilizadora na vida<br />

de uma pessoa.<br />

Foi por isso que decidiu abordar este<br />

tema de amores que levam as pessoas à<br />

loucura? Isso é assim tão comum?<br />

- Quase toda a gente consegue lembrar-se<br />

de uma situação em que estava<br />

apaixonado ou atraído por alguém que se<br />

comportou de uma forma que não era<br />

normal. Isto acontece muito com os homens.<br />

Acho que é a intensidade da experiência<br />

que faz com que alguém tenha um<br />

problema clínico. Toda a gente sabe o que<br />

é estar triste, mas não quer dizer que a<br />

pessoa esteja deprimida e a precisar de<br />

tratamento e antidepressivos. E o mesmo<br />

acontece numa situação em que se está<br />

louco de amor. A maioria sabe o que é ter<br />

uma “experiência” de amor louco sem enlouquecer,<br />

mas quando as pessoas “normais”<br />

estão loucamente apaixonadas,<br />

acho que elas estão num estado muito<br />

semelhante ao de uma doença mental.<br />

O que é interessante é que, quando se<br />

está fora desse estado, é quase como se a<br />

pessoa não se conseguisse lembrar dele.<br />

Há uma distância entre a pessoa quando<br />

não está apaixonada e quando está apaixonada:<br />

é quase como se olhássemos para<br />

a pessoa que éramos quando estávamos<br />

apaixonados como uma pessoa diferente.<br />

É muito curioso porque é uma experiência<br />

intensa e acharíamos que a pessoa que a<br />

viveu se lembraria melhor dela, mas<br />

quando já não estão apaixonadas ou já<br />

não estão tão apaixonadas, olham para<br />

isso como se nunca tivesse sido um problema.<br />

Eu não concordo. Acho que quando<br />

uma pessoa se apaixona, a descrição que<br />

faz é como se fosse um montanha-russa.<br />

Há altos e baixos, fica obcecado pela outra<br />

pessoa, não consegue deixar de pensar<br />

nela, toda a tua vida e felicidade parecem<br />

estar dependente dela, quando ela está<br />

fora e você se sente triste e deprimido. Há<br />

coisas irracionais que a pessoa faz: superstições<br />

em torno de determinados momentos,<br />

datas que ganham imenso significado<br />

etc. As pessoas comportam-se de<br />

forma diferente quando estão apaixonadas.<br />

Veem-se estas mudanças na personalidade<br />

especialmente nos homens.<br />

36<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


Que mudanças de personalidade?<br />

Quando se faz trabalho clínico, vemos<br />

que as mulheres queixam-se sempre<br />

mais ou menos do mesmo: ele não comunica,<br />

ele não fala. Mas se olharmos<br />

para a maioria dos homens quando estão<br />

apaixonados, ele tornam-se extremamente<br />

comunicativos, quase poetas. Há<br />

esta mudança na personalidade, mas ao<br />

fim de três ou quatro anos, isso acaba.<br />

Podemos assistir quase a mudanças de<br />

personalidade que fazem parte do processo<br />

natural de estar apaixonado.<br />

Mas, por exemplo, no caso que descreve<br />

uma mulher que se apaixonou pelo dentista<br />

e tinha a certeza que ele estava apaixonado<br />

por ela. Isso parece algo patológico.<br />

E era.<br />

Isso pode acontecer a qualquer um? O<br />

que pode levar uma pessoa a comportarse<br />

assim?<br />

Esse é um caso de síndrome de Clérambault,<br />

é um dos maiores mistérios da<br />

psicologia e da psiquiatria. Há muitas teorias,<br />

mas ninguém sabe na realidade por<br />

que acontece. É a condição mais extrema<br />

de uma ilusão de amor. Claramente, ela<br />

“<br />

MAS O AMOR É LOUCO. QUANDO<br />

NOS APAIXONAMOS,<br />

COMPORTAMO-NOS DE FORMA<br />

IRRACIONAL, TEMOS VÁRIOS<br />

SINTOMAS QUE ESTÃO PERTO DA<br />

DOENÇA MENTAL<br />

não está em contato com a realidade, mas<br />

mesmo nesse estado conseguem-se perceber<br />

algumas vulnerabilidades. É como<br />

se ela não conseguisse aceitar que o dentista<br />

não a ama, esse é o ponto do síndrome<br />

de Clérambault: a pessoa ama o<br />

outro e acha que é recíproco e a única razão<br />

pela qual não o assumem é porque se<br />

trata de algo tão forte que não conseguem<br />

lidar com a experiência. Mas eu já falei<br />

com várias pessoas, dentro e fora do contexto<br />

clínico, que se apaixonam e dizem<br />

coisas muito parecidas. Não é igual ao<br />

problema dessa mulher, mas há sempre<br />

estas ligações entre estados extremos em<br />

mulher e homens “normais” apaixonados,<br />

porque é uma experiência muito intensa.<br />

Isso faz-me lembrar um outro caso que<br />

descreve no livro: o de um homem que se<br />

apaixona por uma mulher e não consegue<br />

lidar com o fim do relacionamento. Qual<br />

é a diferença entre estes dois casos?<br />

No caso de Meghan, é completamente<br />

uma ilusão. Ela não tem dúvidas de que o<br />

dentista está apaixonado por ela, é algo<br />

completamente rígido. No caso do Paul, a<br />

intensidade da experiência é mais uma<br />

semi-ilusão. Não é propriamente uma ilusão<br />

e com o tempo consegue-se fazer com<br />

que a pessoa mude de opinião e diga algo<br />

como “eu achava que esta era a mulher<br />

da minha vida, mas estava enganado e tenho<br />

de seguir com a minha vida”. Quando<br />

a pessoa tem síndrome de Clérambault,<br />

normalmente isso não acontece porque a<br />

pessoa não tem comportamento racional.<br />

Como assim, “semi-ilusão”?<br />

Quando as pessoas “normais” se apaixonam,<br />

durante algum tempo não estão<br />

em contato com a realidade. Podem regressar,<br />

mas durante um período de tempo<br />

estão num estado de semi-ilusão. Frequen-<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 37


“<br />

É COMUM SENTIR-SE CIÚMES,<br />

ALIÁS É TÃO COMUM QUE DESDE<br />

OS TEMPOS MEDIEVAIS QUE OS<br />

LIVROS QUE FALAVAM DE AMOR<br />

DIZIAM QUE O AMOR NÃO ERA<br />

VERDADEIRO SEM CIÚME”<br />

temente, apaixonam-se por pessoas que<br />

não são adequadas. Ouve-se os amigos a<br />

dizerem “não sei o que ela vê nele ou o<br />

que ele vê nela” e fala-se com a pessoa e<br />

ela diz o quão fantástica a outra é. Durante<br />

um período de tempo, as pessoas estão<br />

desligadas da realidade e olham para a<br />

pessoa de quem gostam de uma forma<br />

idealizada: aumentam os atributos atrativos<br />

e negam tudo o que seja negativo porque<br />

querem que o relacionamento dê certo. A<br />

idealização que por vezes se vê nas pessoas<br />

que se apaixonam frequentemente<br />

dependem na negação dos aspectos negativos<br />

da outra pessoa. Todos temos boas<br />

e más características e, numa relação madura,<br />

aceita-se que ambas as pessoas têm<br />

coisas boas e más, mas quando as pessoas<br />

estão apaixonadas não conseguem ver os<br />

lados maus e muitas negam que eles existem.<br />

Isso significa que se está cada vez<br />

mais longe da realidade e, quanto mais<br />

afastado se está da realidade, mais instável<br />

e vulnerável se fica.<br />

Frank Tallis: “Quando as pessoas ‘normais’<br />

se apaixonam, durante algum tempo<br />

não estão em contato com a realidade”<br />

A que se devem estas patologias?<br />

A tudo o que possa provocar uma sobrecarga<br />

psicológica. No caso do Paul, era<br />

uma adesão a crenças românticas. Há<br />

muitas crenças românticas que crescem<br />

na nossa cultura, em que o romance é<br />

considerado uma parte significativa da<br />

nossa vida, mas muitas são em parte uma<br />

semi-ilusão. A ideia de destino, por exemplo,<br />

de que há uma pessoa certa para nós.<br />

Se se acredita nisto, que a relação estava<br />

destinada, e depois perde-se essa pessoa,<br />

a experiência é devastadora porque se<br />

acha que se perdeu a única oportunidade<br />

que tinha na vida de encontrar a felicidade.<br />

É curioso que as pessoas tenham estas<br />

crenças, mesmo aquelas que não são consideradas<br />

“malucas”. Se falar com casais<br />

sobre o seu relacionamento, muitos dizem<br />

que, assim que conheceram o marido ou<br />

a mulher, souberam logo que estavam destinados<br />

a ficar juntos. Cerca de 70% acredita<br />

em amor à primeira vista e, obviamente,<br />

não pode ser verdade.<br />

Então, porque é que as pessoas acreditam<br />

que existe amor à primeira vista?<br />

Não só acreditam que existe amor à<br />

primeira vista, como cerca de 50% das<br />

pessoas dizem que isso lhes aconteceu.<br />

Pode ser que nos apaixonemos mais rapidamente<br />

do que imaginamos, que nos<br />

apaixonemos por motivos de evolução<br />

– para a procriação, a sobrevivência da<br />

espécie. É um fenômeno complexo e eu<br />

não gosto de simplificar. É como na prática<br />

clínica, as pessoas chegam com problemas<br />

e são efetivamente únicas. Cada pessoa<br />

tem um conjunto de circunstâncias,<br />

portanto deve-se sempre resistir à simplificação.<br />

Este foi outro motivo pelo qual<br />

escrevi o livro, para tentar passar esta<br />

mensagem de complexidade.<br />

Em torno do amor?<br />

E da prática clínica. É difícil dizer com<br />

38<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


confiança “eu tenho razão”, “eu sei que<br />

esta é a resposta”. É preciso explorar as<br />

coisas e testar ideias e, aos poucos, chegar-se<br />

a uma resposta ou teoria certa sobre<br />

o que está ocorrendo.<br />

Há um caso de uma idosa que vê o<br />

fantasma do marido e lhe diz que aquilo<br />

de que sente mais falta é do sexo. O que<br />

se passa neste caso?<br />

Escrevi este caso porque queria passar<br />

uma ideia muito específica que achei interessante:<br />

quando as pessoas veem fantasmas,<br />

acha-se que é algo pouco comum<br />

ou extraordinário, mas na verdade não é.<br />

Ver o companheiro que morreu é muito<br />

comum, é quase normal, previsível. O<br />

mais extraordinário desta história é que<br />

esta mulher era idosa e toda a relação<br />

que ela e o marido tiveram durante muitos<br />

anos era baseada no sexo. Gostamos de<br />

pensar que um relacionamento para resultar<br />

durante muito tempo não é apenas<br />

baseado em sexo, mas sim noutras coisas.<br />

E não é verdade?<br />

Normalmente, precisamos de intimidade,<br />

proximidade, sexo, compromisso,<br />

entre outras coisas. Mas, quando a relação<br />

é puramente física, o amor acaba por de-<br />

“<br />

NORMALMENTE, PRECISAMOS DE<br />

INTIMIDADE, PROXIMIDADE, SEXO,<br />

COMPROMISSO, ENTRE OUTRAS<br />

COISAS. MAS, QUANDO A<br />

RELAÇÃO É PURAMENTE FÍSICA, O<br />

AMOR ACABA POR DESAPARECER<br />

saparecer num par de anos, no máximo.<br />

As pessoas até podem dizer que estão<br />

apaixonadas, mas gradualmente o desejo<br />

torna-se menos intenso. A melhor maneira<br />

de descrever esse tipo de relacionamento<br />

é mais como paixão do que como amor.<br />

Mas o que é curioso neste relacionamento<br />

da idosa é que durou uma vida inteira.<br />

Foram quase 50 anos…<br />

Exato, por isso quis contrastar estes dois<br />

fenômenos. Um que achamos que é estranho,<br />

mas que na realidade não é, de todo –<br />

muitas pessoas veem os companheiros depois<br />

de eles morrerem. E aquilo que nós<br />

achamos que é normal, o sexo, foi notável<br />

neste caso – durou tanto tempo e de uma<br />

forma tão intensa. Eles, na verdade, não tinham<br />

propriamente uma relação. Ela era<br />

uma mulher muito simples e o relato que<br />

fazia do marido era de um homem muito<br />

simples da classe operária. Não pareciam<br />

ter interesses em comum, não pareciam<br />

ter conversas, tinham um filho. Parece que<br />

o sexo era a única coisa que os mantinha<br />

juntos e demonstra que, se se consegue<br />

manter o interesse sexual, se você estiver<br />

numa relação em que o sexo se mantém<br />

muito intenso, então é possível manter uma<br />

relação. Para a maioria das pessoas não é<br />

possível, é preciso mais do que isso.<br />

É um caso único?<br />

Sim.<br />

No final do capítulo, quando ela sai do<br />

seu escritório, percebe-se que ela vai continuar<br />

a ver o fantasma.<br />

E pode ser uma coisa boa.<br />

É uma coisa boa? Ela não precisa de<br />

fazer o luto do marido? Não precisa de<br />

seguir com a vida?<br />

Não necessariamente. Acho mesmo<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 39


“<br />

A IDEALIZAÇÃO QUE POR VEZES<br />

SE VÊ NAS PESSOAS QUE SE<br />

APAIXONAM FREQUENTEMENTE<br />

DEPENDEM NA NEGAÇÃO DOS<br />

ASPECTOS NEGATIVOS DA<br />

OUTRA PESSOA”<br />

que ela estava desolada e amava o marido,<br />

mas de uma forma muito limitada.<br />

Achei que, por um lado, se ela continuasse<br />

a alucinar com o marido, isso<br />

dar-lhe-ia algum conforto. Não estava<br />

ansioso por tratar aquilo, olhei para<br />

aquilo como fazendo parte do processo<br />

natural de se ser humano e de perder<br />

alguém de quem se ama. Pode olhar-se<br />

como sendo um mecanismo de segurança<br />

natural, por outras palavras, como<br />

sendo algo de transição – e normalmente<br />

é transitório, vão-se tornando menos frequentes<br />

–, não olho para isso como<br />

sendo um tormento. Achei que era mais<br />

um processo natural que a estava aju -<br />

dan do e que não estava ansioso por o<br />

pôr em causa. Claro que o explorei com<br />

ela, mas, como disse, ela era uma mulher<br />

muito simples e não tinha qualquer problema<br />

com o fantasma.<br />

Aquilo que achei que era comum aparecer<br />

nos consultórios dos psicólogos foi<br />

o caso de uma mulher que tinha um<br />

ciúme doentio do companheiro.<br />

É muito comum.<br />

Ter ciúmes do companheiro é normal,<br />

mas este tipo de ciúme é muito patológico.<br />

Qual é a diferença entre o ciúme<br />

“normal” e o ciúme patológico?<br />

É um assunto controverso. Em termos<br />

de diagnóstico, há uma descrição de<br />

ciúme patológico, com uma série de sintomas:<br />

controlar, por vezes perseguir a<br />

pessoa, fazer várias perguntas, remexer e<br />

cheirar as roupas, e por vezes violência,<br />

tanto no caso dos homens como das mulheres.<br />

É comum sentir-se ciúmes, aliás é<br />

tão comum que desde os tempos medievais<br />

que os livros que falavam de amor<br />

diziam que o amor não era verdadeiro<br />

sem ciúme. O problema para o diagnóstico<br />

de amor patológico é que assumimos<br />

que a pessoa está sendo irracional e o<br />

parceiro não está sendo infiel – mas como<br />

podemos ter a certeza? A não ser que se<br />

observe o parceiro 24 horas por dia, como<br />

podemos saber? Claro que falamos com<br />

o companheiro, mas na verdade nunca<br />

sabemos, portanto, por um lado, é um<br />

diagnóstico muito inseguro porque temos<br />

de fazer uma suposição para o diagnóstico<br />

ser persuasivo.<br />

Mas as pessoas vivem com essa insegurança<br />

em todas as relações e algumas<br />

lidam bem com isso. A sensação que se<br />

tem é que esta mulher perdeu a cabeça.<br />

E depois até faz referência ao relacionamento<br />

que ela tinha com a mãe…<br />

No caso dela, tinha um medo extremo<br />

do abandono. Uma coisa muito triste<br />

neste caso, e noutros como este, é que<br />

essas pessoas têm tanto medo de ser<br />

abandonadas que se comportam de uma<br />

maneira tão ciumenta que acabam por<br />

forçar o próprio abandono. Estas pessoas<br />

são apanhadas neste ciclo destrutivo:<br />

sentem que precisam de amor, de segurança,<br />

mas comportam-se de uma forma<br />

que as impede de receber amor e segurança.<br />

É importante não olhar para esses<br />

40<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


casos como algo de entretenimento,<br />

como peculiares. São pessoas verdadeiras,<br />

com problemas reais e que estão<br />

muito tristes. É uma espécie de aviso<br />

para todos nós.<br />

Há ainda o caso do homem que se<br />

apaixonou por si mesmo.<br />

No caso dele até é compreensível. Havia<br />

uma série de problemas de controle e<br />

se o seu parceiro sexual favorito é o próprio,<br />

tem um controle absoluto. Não há<br />

nada de espontâneo, há um controle absoluto.<br />

Quando descrevo como sendo uma<br />

forma de narcisismo, faço-o para dar a<br />

ideia do que parecia, mas em muitos aspetos<br />

era mais sobre problemas de repulsa.<br />

Relativamente à sua sexualidade?<br />

Sim e sobre problemas de controle. É<br />

um assunto importante sobre o qual as<br />

pessoas não pensam. A intimidade é tanto<br />

sobre a capacidade de reprimir a repulsa<br />

quanto é sobre atração. Tudo o que tem<br />

de fazer é, por um momento, pensar no<br />

contato sexual com alguém que não acha<br />

muito atraente e, na maioria das pessoas,<br />

o sentimento de repulsa é muito forte.<br />

“O MOTIVO PELO QUAL ESCREVI<br />

SOBRE MIM: PORQUE SENTI QUE,<br />

SE ESTAVA USANDO A VIDA DE<br />

OUTRAS PESSOAS PARA<br />

ESCREVER ESTE LIVRO, SENTI-ME<br />

OBRIGADO A EXPOR-ME UM<br />

BOCADINHO TAMBÉM<br />

E ele não consegue fazer essa repressão?<br />

Ele tinha problemas em torno da sua<br />

homossexualidade. Foi-lhe dito durante a<br />

infância e ao longo da vida que ser homossexual<br />

era horrível e nojento, portanto<br />

o sexo homossexual foi sempre complicado<br />

para ele e conseguiu controlar o seu<br />

prazer sexual sozinho.<br />

Mas isso é uma coisa boa? Não é uma<br />

maneira de ele se isolar?<br />

Eu não diria que é uma coisa boa, mas<br />

se perguntasse isso a ele, certamente ele<br />

diria que continua a ter amigos, uma vida<br />

social e esta foi a solução de lidar com os<br />

problemas sexuais. O tipo de sexo de que<br />

as pessoas gostam é variado, as pessoas<br />

gostam de coisas diferentes. Mais uma<br />

vez, um dos motivos pelo qual escrevi este<br />

capítulo foi para fugir a esta ideia de julgamento<br />

sobre o que está certo ou errado.<br />

Algumas pessoas podem chegar a uma<br />

solução que, para outros, pode ser estranho<br />

ou problemático. Mas, se funciona<br />

para elas… Tive muitas pessoas que me<br />

procuraram devido a problemas sexuais<br />

a quem lhes disse que não tinham problema<br />

nenhum. Descreviam-me alguma<br />

coisa e eu dizia: “Se é uma coisa que<br />

gosta de fazer e não traz mal nem a si<br />

nem a outros, então não é um problema,<br />

é apenas a sua sexualidade”.<br />

Uma coisa que destoa no<br />

livro é um relato que faz<br />

de um homem que teve<br />

um ataque psicótico.<br />

Nessa altura ainda<br />

não era psicólogo.<br />

Por que decidiu incluir<br />

este episódio?<br />

A resposta a<br />

isso está umas pá-<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 41


ginas antes, quando um paciente me diz<br />

que sei tudo sobre ele, mas que ele não<br />

sabe nada sobre mim, e eu pensei que o<br />

leitor poderia sentir o mesmo. São casos<br />

verdadeiros, obviamente que os disfarcei,<br />

ou seja, tudo aquilo em que pudesse ser<br />

possível identificar o paciente, mudei. O<br />

fenômeno clínico, as conversas que tive,<br />

“<br />

O TIPO DE SEXO DE QUE AS<br />

PESSOAS GOSTAM É VARIADO, AS<br />

PESSOAS GOSTAM DE COISAS<br />

DIFERENTES. EU QUIS FUGIR A<br />

ESTA IDEIA DE JULGAMENTO<br />

SOBRE O QUE ESTÁ CERTO OU<br />

ERRADO<br />

as decisões clínicas que tomei são tão<br />

verdadeiras quanto me lembro. Tive um<br />

grande dilema moral e, para ser sincero,<br />

quando inicialmente pensei em escrever<br />

este livro, pensei que não pudesse fazê-lo<br />

porque seria errado falar dos meus pacientes.<br />

Uma espécie de traição?<br />

Sim, uma espécie de traição para com<br />

o paciente. Mas li outros livros e vi que<br />

outras pessoas lidaram com este problema<br />

ao mudar os detalhes e, de fato, é<br />

uma tradição que remonta a Freud. Pensei<br />

em localizar as pessoas e pedir-lhes<br />

autorização, mas isso seria um problema<br />

porque algumas já estariam mortas. E,<br />

mesmo que conseguisse, as pessoas dizem<br />

uma coisa num dia e depois mudam<br />

de ideia. Até podia dizer que sim e depois,<br />

quando o livro saísse, mudar de<br />

ideia, portanto isso não seria solução. A<br />

questão é tentar ser o mais fiel possível<br />

ao fenômeno clínico sem qualquer tipo<br />

de identificação.<br />

Mas por que decidiu escrever sobre si<br />

e sobre este episódio?<br />

O motivo pelo qual escrevi sobre mim:<br />

porque senti que, se estava usando a<br />

vida de outras pessoas para escrever este<br />

livro, senti-me obrigado a expor-me um<br />

bocadinho também. Algumas pessoas<br />

acham que os psicólogos têm uma vida<br />

perfeita e tomam sempre boas decisões.<br />

Este é um exemplo de como eu, quando<br />

era jovem, estava constantemente a tomar<br />

más decisões. Casei-me muito novo,<br />

com a pessoa errada, e acabei numa situação<br />

muito pouco sensata. Esse incidente<br />

em particular achei que era fascinante<br />

do ponto de visto da psicologia.<br />

Não era psicólogo na altura, mas percebi<br />

o que se estava passando. No livro dou<br />

conta de teorias psicológicas que podem<br />

explicar como ocorreu aquele esgotamento.<br />

Foi uma experiência assustadora.<br />

Muitas pessoas perguntam-me se<br />

a história é verdadeira porque parece<br />

uma história de terror – e eu já escrevi<br />

histórias de terror –, mas é totalmente<br />

verdadeira. Achei que ia morrer.<br />

Foi este episódio que o fez querer estudar<br />

psicologia?<br />

Não diria que foi determinante, mas<br />

claramente acelerou o meu rumo na psicologia.<br />

O que o levou a escolher estes casos<br />

em particular?<br />

42<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


Em primeiro lugar, toda a gente se<br />

apaixona. Portanto é um tema que apela<br />

a todos. Queria fazer deste livro algo diferente.<br />

Um livro que explorasse o fato<br />

de quando nos apaixonamos estarmos<br />

aproximando-nos perigosamente da loucura,<br />

de como o amor é uma experiência<br />

que tem muitas qualidades que associamos<br />

à doença mental. Escrevi um livro<br />

mais acadêmico em 2004, chamado<br />

Love Sick [Amor Doente, em tradução livre],<br />

que é sobre a história dos males de<br />

amor. Foi há muito tempo e ainda recebo<br />

emails de pessoas de todo o mundo que<br />

vivem essas experiências. Este livro não<br />

é tão académico, é mais humano, porque<br />

conta histórias verdadeiras.<br />

Depois deste livro, você pensa regressar<br />

à ficção?<br />

Estou escrevendo um livro chamado<br />

The Act of Living [O Ato de Viver, numa<br />

tradução livre]. Nas livrarias há uma série<br />

de livros de autoajuda e, se reparar<br />

nas estatísticas das doenças mentais,<br />

nunca houve tantas pessoas infelizes,<br />

ansiosas, pouco satisfeitas. Quanto mais<br />

liberdade temos, quanto mais posses temos,<br />

quanto mais informação temos,<br />

mais infelizes ficamos. Nunca houve<br />

tanta depressão e ansiedade nas pessoas<br />

com menos de 14 anos. O suicídio<br />

mata mais pessoas que a guerra ou o<br />

terrorismo. E muitos dos livros de autoajuda<br />

são um absurdo porque aquilo<br />

que oferecem são soluções rápidas e<br />

muitas vezes estranhas.<br />

Como, por exemplo?<br />

Por exemplo, um recente bestseller<br />

no Reino Unido foi um livro sobre<br />

como estar em paz e felicidade através<br />

da arte norueguesa de cortar madeira e<br />

guardá-la, e há vários livros destes. E eu<br />

pensei: “Estão à procura em todo o lado,<br />

exceto no lugar onde podem encontrar<br />

uma resposta”. Se olhar para a psicoterapia,<br />

de Freud até aos dias de hoje, há<br />

figuras ótimas: Freud, Jung, Adler, Erich<br />

From. Intelectuais cujo trabalho do dia a<br />

dia era lidar com a infelicidade e eles tinham<br />

ideias sobre de onde vinha esta<br />

infelicidade e as soluções para a mesma.<br />

Espantou-me que ninguém tenha considerado<br />

esta tradição.<br />

O livro fala sobre estas tradições?<br />

O que estou fazendo – e às vezes desejava<br />

não ter enveredado por esta tarefa,<br />

porque é muito difícil – é olhar para<br />

a tradição da psicoterapia, as ideias destes<br />

grandes pensadores sobre a origem<br />

da infelicidade e a sua solução, e pôr<br />

tudo junto num livro de uma forma acessível<br />

para o público. Se conseguir concluir<br />

este projeto, acho que será útil e,<br />

depois disso, vou rever a situação. Talvez<br />

volte a escrever ficção. Também estou a<br />

trabalhando em roteiros para filmes com<br />

um produtor no Reino Unido, portanto<br />

continuo fazendo trabalho criativo.<br />

“<br />

O PROBLEMA PARA O<br />

DIAGNÓSTICO DE AMOR<br />

PATOLÓGICO É QUE ASSUMIMOS<br />

QUE A PESSOA ESTÁ SENDO<br />

IRRACIONAL E O PARCEIRO NÃO<br />

ESTÁ SENDO INFIEL – MAS COMO<br />

PODEMOS TER A CERTEZA?<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 43


ESPAÇO MÁRIO RIBEIRO<br />

O RIDÍCULO<br />

DO NEYMAR<br />

E DO PAÍS<br />

Entre tantas coisas ridículas<br />

que acontecem no país,<br />

certamente está em primeiro<br />

lugar o chamado esporte<br />

bretão, ou melhor, o futebol.<br />

Jogadores, todos milionários,<br />

não mais representam o que os<br />

brasileiros, mais especificamente<br />

os torcedores, esperam<br />

dos times e, principalmente, da<br />

Seleção Brasileira.<br />

O espetáculo proporcionado<br />

pelo time do treinador Tite<br />

nem de longe lembra o futebol<br />

exibido em outras décadas.<br />

É óbvio que o personagem<br />

principal dessa decadência durante<br />

a Copa do Mundo na<br />

Rússia foi Neymar.<br />

Afirmam que depois do vexame<br />

da seleção brasileira ele<br />

está até disposto a encerrar a<br />

carreira. Pelo menos servirá<br />

para que fique guardado na<br />

memória dos brasileiros a sua<br />

fase de boas atuações.<br />

Nos primeiros jogos da Copa<br />

recente, Neymar apareceu com<br />

um cabelo cortado e colorido,<br />

exibindo uma ridícula presunção<br />

de, ele como o astro maior<br />

da Seleção, pudesse se apresentar<br />

daquele jeito.<br />

QUEM SABE,<br />

QUANDO ELE<br />

AMADURECER<br />

44<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


Ao cabelo cafona ele<br />

exibiu, como na sua<br />

condição de bom atleta,<br />

a simulação de que a<br />

cada lance estava recebendo<br />

faltas inexistentes:<br />

rolava no gramado<br />

como uma criança bir -<br />

renta, teatralizando – ou<br />

melhor – simulando<br />

choques ou faltas grosseiras<br />

por parte de seu<br />

marcador.<br />

Quem acompanha o<br />

futebol há muitos anos<br />

não aceita esse tipo de<br />

comportamento, pois<br />

falsear agressões sempre<br />

foi algo ignóbil. Algo<br />

totalmente ridículo<br />

O treinador do time<br />

deixou que aquela palhaçada<br />

continuasse em<br />

quase todas as partidas,<br />

para escárnio dos atletas<br />

brasileiros e dos participantes<br />

da Copa do<br />

Mundo.<br />

Vai ser difícil o Brasil<br />

recuperar seu nome<br />

como protagonista nos<br />

torneios que virão e na<br />

próxima Copa.<br />

Neymar passou a representar<br />

uma triste<br />

realidade do Brasil marcada<br />

pela simulação,<br />

pelas ideias retrógradas.<br />

E grave também são<br />

os meios de comunicação<br />

que usam a linguagem<br />

politicamente correta<br />

que é uma forma de<br />

escamotear a verdade.<br />

SEJAMOS SINCEROS<br />

Será que o mundo de tantas e maravilhosas<br />

novidades ficou bobo?<br />

Ou esperto demais?<br />

Bobo por se deixar levar pelos profetas<br />

modernos que anunciam maravilhas<br />

como nunca antes, na verdade artifícios<br />

tecnológicos para enrolar os<br />

trouxas.<br />

EDUCAÇÃO<br />

É NOSSA SALVAÇÃO<br />

Organizações de ensino de ponta<br />

abrem um bom caminho para crianças<br />

e jovens se superarem na busca<br />

de um conhecimento adaptado às novas<br />

tendências, principalmente diante<br />

da ignorância e do absolutismo das<br />

instituições que acreditam mais em<br />

sonhos do que na realidade marcada<br />

pelo uso quantas vezes indecorosa.<br />

ECONOMIA │ POLÍTICA │ ESPORTES │ HUMOR │ CULTURA 45


ERA SÓ O QUE FALTAVA<br />

ADOLESCENTES MATINÊS<br />

DO SÃO CRISTÓVÃO<br />

IVANI CUNHA<br />

Era uma longa caminhada seguindo os<br />

trilhos do bonde desde o final, na pracinha<br />

da igreja do Bairro Bom Jesus,<br />

antiga Vila Nova Lagoinha. Depois do “corte”<br />

da Pedreira Prado Lopes, no Santo André,<br />

uma das três ruas abaixo, à esquerda, levava<br />

ao Conjunto do IAPI, que devia ser contornado.<br />

Havia ainda a travessia da perigosa<br />

Antônio Carlos, entre os carros em alta velocidade.<br />

Nada disso me impedia de cumprir<br />

um ritual: assistir às matinês dominicais<br />

do Cinema São Cristóvão.<br />

São lembranças de um período que vai<br />

de meados dos anos 60 a meados dos<br />

70. Depois mudei da Zona Noroeste para<br />

a Zona Norte. Mas ainda hoje, quando<br />

passo em frente ao local antes ocupado<br />

pelo cinema, tenho a impressão de que<br />

milhares de personagens saídos da tela<br />

estão lá dentro, presos no salão escuro.<br />

Minhas lembranças voltam àquelas matinês<br />

em que ali me refugiava por cerca<br />

de duas horas, sentado em uma das cadeiras<br />

envernizadas de acento dobrável e<br />

com encosto para os braços, iguais às<br />

existentes na maioria dos outros cinemas<br />

de Belo Horizonte. Não era muito confortável,<br />

mas isso não importava nem um<br />

pouco porque todos os sentidos estavam<br />

voltados para a tela.<br />

Cinema era, de fato, a melhor diversão<br />

para aquele adolescente que não ganhava<br />

mesada e, portanto, tinha de fazer um<br />

“biscate” aqui e outro ali para juntar o dinheiro<br />

do ingresso.<br />

O filme em cartaz podia ser um faroeste<br />

tradicional, com muitos bandidos ou índios,<br />

um elegante capa-e-espada ou uma comédia<br />

com Jerry Lews. Mas era sempre uma<br />

46<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


surpresa para a garotada, que preferia assim,<br />

até porque poucos tinham a curiosidade<br />

de consultar a programação no jornal<br />

antes de untar o cabelo com “Brill Creme”<br />

e dar mais uma dobra na manga da camisa<br />

para deixar os bíceps bem expostos.<br />

Por isso, foi sem querer que, aos 14<br />

anos, assisti à minha primeira fita imprópria<br />

para 18. O homem que recolhia os<br />

ingressos não parou o garoto topetudo,<br />

ossudo e sério que passou pela roleta e<br />

logo procurou assento numa das primeiras<br />

fileiras. Esperava por um filme de faroeste,<br />

mas depois do Canal 100 apareceu<br />

na tela a cara oval e os olhos puxados de<br />

Shirley McLaine, no papel de uma prostituta<br />

pela qual se apaixonou o personagem<br />

de Jack Lemmon, desdobrando-se em vários<br />

tipos para ocupar todas as horas da<br />

amada e, assim, evitar que ela recebesse<br />

outros homens.<br />

Finalmente me convenci de que aquele<br />

era o filme em cartaz. Passei a prestar<br />

mais atenção na história e não me arrependi<br />

de ter comprado o ingresso para<br />

ver uma fita tão diferente daquelas a que<br />

estava acostumado.<br />

Anos depois assistiria a outros trabalhos<br />

de “Billy Wilder”, mas nenhum mexe<br />

mais com as minhas lembranças que esse<br />

Irma la Dulce. Aliás, é o único título de<br />

que me lembro entre todos os filmes que<br />

me encantaram nas adolescentes sessões<br />

do São Cristóvão.


PALAVRA DO LEITOR<br />

NÃO É ASSIM QUE SE CONVIDA<br />

UM EX-PRESIDENTE<br />

Recebemos, do economista Abílio<br />

dos Santos, ex-presidente do INDI-Instituto<br />

de Desenvolvimento Industrial de<br />

Minas Gerais, a mensagem que transcrevemos<br />

abaixo, originalmente encaminhada<br />

à presidência daquela instituição<br />

“De: “Abilio” (email particular)<br />

Enviada: <strong>2018</strong>/06/10 21:53:59<br />

Para: presidência@indi.mg.gov.br<br />

Assunto: 50 anos do INDI<br />

Senhora Presidente Cristiane Amaral<br />

Serpa,<br />

Agradeço o convite eletrônico que me<br />

foi enviado pela empresa organizadora<br />

do evento INDI 50 ANOS.<br />

Congratulo-me com V. Sa. pela iniciativa<br />

de promover a comemoração dos 50<br />

anos dessa notável organização.<br />

E sinto-me emocionado, uma vez que<br />

tive participação intensa, desde o início,<br />

em sua concepção, criação, viabilização<br />

política, viabilização financeira,<br />

organização e operação.<br />

Quando a ideia surgiu no DEP-Departamento<br />

de Estudos e Planejamento do<br />

BDMG, era eu, então com 33 anos, Che -<br />

fe da sua Divisão de Oportunidades Industriais.<br />

A proposta foi, então, apresentada pelos<br />

economistas Fernando Reis (Chefe<br />

do DEP) e Élcio Costa Couto (Economista<br />

Chefe), ao presidente do BDMG Hindemburgo<br />

Pereira Diniz que a aprovou<br />

entusiasticamente e, em seguida, deu<br />

partida às negociações com a FINEP<br />

para sua viabilização financeira. Surpreso,<br />

Hindemburgo verificou que, quase<br />

que simultaneamente, proposta semelhante<br />

tinha sido apresentada àquela<br />

Agência pela CEMIG, então Presidida<br />

pelo eng. Mário Behring.<br />

Após os devidos entendimentos com a<br />

CEMIG, fez-se um Acordo que foi assinado,<br />

em 30/05/1968, por Hindemburgo e<br />

pelo eng. João Camillo Penna, já Presidente<br />

da CEMIG (Mário Behring tinha<br />

sido nomeado Presidente da Eletrobrás),<br />

na presença do governador Israel Pinheiro<br />

e todo o seu secretariado.<br />

Durante o restante de 1968, prosseguiram<br />

os entendimentos com a FINEP e<br />

decidiu-se pelo início, o quanto antes,<br />

das atividades do INDI, tendo seus instituidores<br />

definido, também, que seria essencial<br />

a contratação de renomada empresa<br />

internacional de consultoria para<br />

orientar sua implantação. A escolha recaiu<br />

na ADL-Arthur D Little, de Cambridge,<br />

Massachussets.<br />

No dia 4 de janeiro de 1969 foi aberta<br />

a primeira sede do INDI, num edifício situado<br />

na esquina de rua São Paulo com<br />

av. Afonso Penna. Estavam lá os seis primeiros<br />

funcionários: três cedidos pelo<br />

BDMG (eu, designado Superintendente<br />

Geral, o eng. Gustavo Botelho e o eng. Álvaro<br />

Pellegrino (ambos já falecidos) e<br />

três cedidos pela CEMIG (eng. Guilherme<br />

Emrich, econ. Arthur Flávio Vianna e eng.<br />

Carlos Bezerra).<br />

A Diretoria, não executiva, era presidida<br />

por Silviano Cançado de Azevedo,<br />

então Presidente do BDMG (Hindemburgo<br />

tinha sido transferido para presidência<br />

da recém por ele criada Fundação<br />

João Pinheiro).<br />

Mas como a FINEP, em função de um<br />

nacionalismo não exatamente muito inteligente<br />

e já em vigor naqueles longínquos<br />

tempos, se recusava a financiar a<br />

contratação de empresa internacional de<br />

consultoria, a CEMIG e o BDMG decidiram<br />

levar o empreendimento à frente<br />

com recursos próprios. Porém o contrato<br />

em moeda estrangeira tinha que ser registrado<br />

no Banco Central e este resol-<br />

48<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR


veu ouvir a FINEP que, obviamente,<br />

manteve seu ponto de vista retrógrado.<br />

Tal impasse somente foi resolvido no início<br />

de 1970, graças à intervenção de<br />

Rondon Pacheco, ministro chefe da Casa<br />

Civil do presidente Costa e Silva. Rondon<br />

foi governador de Minas de 1975 a 1979<br />

e o grande sucesso de seu mandato deveu-se,<br />

em parte, à atuação do INDI.<br />

Em vista de todas essas dificuldades,<br />

as operações do INDI, já com a participação<br />

da ADL, só tiveram início prático<br />

no primeiro semestre de 1970.<br />

No final de 1970, eu fui indicado como<br />

presidente executivo do INDI pelo eng.<br />

João Camillo Penna, presidente da CE-<br />

MIG e pelo eng. Lúcio de Souza Assumpção,<br />

presidente do BDMG, função na<br />

qual permaneci até março de 1974 quando<br />

assumi a diretoria de Desenvolvimento<br />

da VALE, então presidida pelo econ.<br />

Fernando Reis.<br />

Especial destaque na criação e consolidação<br />

do INDI deve ser dado ao eng.<br />

Francisco Afonso Noronha, na época diretor<br />

da Divisão de Desenvolvimento de<br />

Área da CEMIG e, posteriormente, secretário<br />

da Indústria e Comércio de Rondon<br />

Pacheco e presidente da CEMIG (governo<br />

Aureliano Chaves).<br />

Também contribuíram, decisivamente,<br />

o eng. Eliezer Batista ex-Presidente da<br />

VALE e o general Fileto Pires Ferreira,<br />

consultor especial do INDI junto ao Governo<br />

Federal.<br />

Nomeado pelo eng. Aureliano Chaves,<br />

governador de Minas, como presidente do<br />

BDMG em março de 1975, continuei, nessa<br />

con dição, acompanhando ativamente a<br />

atuação do INDI, agora presidido pelo<br />

eng. Luiz Aníbal de Lima Fernandes a<br />

quem tive a honra de passar a presidência<br />

do BDMG em abril de 1979 (governo<br />

Francelino Pereira).<br />

O INDI, orgulho dos mineiros, teve,<br />

desde sua criação, papel relevante no<br />

desenvolvimento de nosso Estado, tendo<br />

alcançado prestígio e reconhecimento internacionais.<br />

Sempre atuou com independência<br />

política e extremo profissionalismo.<br />

Atualmente com seu escopo ampliado e<br />

denominado Agência de Promoção de<br />

Investimento e de Comércio Exterior,<br />

certamente terá novos desafios e sob a<br />

lúcida direção de V. Sa. alcançará, estou<br />

certo, sucesso ainda maior.<br />

Minhas escusas, senhora Presidente,<br />

por ter-me alongado um pouco, mas entendi<br />

que, neste momento especial , os<br />

fatos históricos aqui descritos teriam que<br />

ser explicitados, detalhadamente, por<br />

quem os vivenciou desde o início.<br />

Tenho certeza de que a digníssima<br />

presidente já conhecia tais eventos e,<br />

certamente, homenageará, na solenidade<br />

de hoje à noite, as notáveis figuras<br />

humanas aqui citadas, além, evidentemente,<br />

de outras que tenham contribuído<br />

para o su cesso dessa modelar<br />

instituição.<br />

Lamentavelmente, por motivo estritamente<br />

pessoal de última hora, não poderei<br />

comparecer. Conto com sua compreensão<br />

e espero ter a oportunidade de<br />

ser recebido por V. Sa. quando poderíamos<br />

trocar ideias sobre o INDI, com ênfase<br />

no excelente Planejamento Estratégico<br />

2017-2019 preparado por V. Sa..<br />

Mais uma vez cumprimentando-a,<br />

peço-lhe a gentileza de transmitir minhas<br />

saudações ao digníssimo governador Fernando<br />

Pimentel, aos senhores presidentes<br />

do BDMG e da CODEMIG e aos diretores<br />

do INDI.<br />

Atenciosamente,<br />

ENG. ABILIO DOS SANTOS<br />

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AUTOFAGIA INDUSTRIAL<br />

Caso os industriais brasileiros desejassem,<br />

não haveria desindustrialização, pois são<br />

eles quem adquirem os equipamentos e<br />

produtos na China. Há, por toda parte, uma<br />

federação das indústrias ou associação comercial,<br />

além de incontáveis associações<br />

setoriais do empresariado. Eles simplesmente<br />

poderiam se sentar e discutir preços e margens.<br />

Não é assim que fazem, quando participam<br />

de licitações públicas? Outra coisa:<br />

não há um parque industrial genuinamente<br />

nacional. Os principais grupos são estrangeiros.<br />

Como a Fiat, Ford e GM, que estão no<br />

Brasil apenas em busca de dinheiro e lucros.<br />

José Augusto Ferreira Lima<br />

BH<br />

TODOS QUEREM MAMAR NESSAS TETAS<br />

Um amigo que vai a Brasília toda semana,<br />

diz que os passageiros do avião, como ele,<br />

desejariam levar uma gazua na bagagem<br />

para facilitar a tarefa de assaltar os cofres<br />

federais. Mas, infelizmente, seriam barrados<br />

nos detectores de metais dos aeroportos.<br />

Luís Augusto Brás<br />

JUIZ DE FORA-MG<br />

AS PESSOAS NÃO ARGUMENTAM:<br />

SENTEM NOJO<br />

A imensa popularidade da palavra nojo<br />

no debate público brasileiro só tem duas<br />

explicações possíveis: ou o Brasil está cada<br />

vez mais nojento ou os intervenientes no<br />

debate têm um vocabulário cada vez menos<br />

vasto. Inclino-me para a segunda hipótese.<br />

O Brasil tem muitos defeitos, mas (mesmo<br />

sem estar na posse de dados do<br />

IBGE) parece-me que se tem mantido relativamente<br />

estável em termos de nojo –<br />

o que contrasta com a cada vez maior<br />

frequência com que se assinala a ocorrência<br />

de múltiplos nojos: a divulgação<br />

de certos vídeos é um nojo; determinado<br />

artigo de jornal é um nojo; esta opinião é<br />

um nojo; aquela gente mete nojo; essa<br />

pergunta é um completo nojo.<br />

A discussão decorre, pelos vistos, numa<br />

pocilga argumentativa e o objetivo é ser o<br />

primeiro a apontar o nojo da posição do<br />

adversário. A grande vantagem deste modelo<br />

é a rapidez. Não é preciso aperfeiçoar argumentos<br />

e debater: não se discute com o<br />

nojo. Há a nossa opinião e o resto é nojo.<br />

Quem decreta nojo encontra-se numa<br />

imbatível posição de superioridade moral:<br />

é, ao mesmo tempo, mais sensível e mais<br />

limpo do que o seu opositor, que é demasiado<br />

bruto e porco para perceber que<br />

está sendo nojento. Após sentenciado o<br />

nojo, não há discussão: aguarda-se que o<br />

nojento seja retirado da presença das<br />

pessoas asseadas.<br />

Esta náusea perpétua tem o mérito de<br />

introduzir alguma energia num ambiente<br />

que costuma ser titubeante. Num país<br />

em que os fatos são sempre alegados, é<br />

bom que o nojo seja comprovado. Podemos<br />

não ter a certeza de nada, mas sabemos<br />

que é nojento.<br />

Adalberto Nunes<br />

BH-MG<br />

50<br />

JULHO DE <strong>2018</strong> • MATERIAPRIMAREVISTA.COM.BR

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