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Me Chame Pelo Seu Nome - André Aciman

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Ah, eu gosto muito dele, dizia nos primeiros dez dias quando meu pai<br />

perguntava minha opinião. Eu usava palavras intencionalmente<br />

comprometedoras porque sabia que ninguém suspeitaria de um fundo falso na<br />

misteriosa paleta de sombras que eu aplicava em tudo o que dizia sobre ele. É<br />

a melhor pessoa que eu conheci na vida, eu disse na noite em que o<br />

barquinho de pesca no qual ele embarcara com Anchise não voltava e<br />

resolvemos procurar pelo telefone dos pais dele nos Estados Unidos para o<br />

caso de ter que dar uma notícia terrível.<br />

Naquele dia cheguei mesmo a me obrigar a deixar de lado minhas inibições e<br />

demonstrar minha aflição, como todos os outros. Mas também o fiz para que<br />

ninguém suspeitasse de que eu alimentava dores muito mais secretas e<br />

desesperadas — até que percebi, quase envergonhado, que parte de mim não<br />

se importava se ele tivesse morrido, que havia até mesmo algo empolgante na<br />

imagem de seu corpo inchado e sem olhos finalmente aparecendo na praia.<br />

Mas eu não enganava a mim mesmo. Estava convencido de que ninguém no<br />

mundo o desejava de modo tão primitivo quanto eu; de que ninguém estava<br />

disposto a ir até onde eu iria por ele. Ninguém tinha estudado cada osso de<br />

seu corpo, tornozelos, joelhos, pulsos, dedos das mãos e dos pés, ninguém<br />

desejava cada contração muscular, ninguém o levava para a cama todas as<br />

noites e, ao vê-lo de manhã deitado em seu paraíso à beira da piscina, sorria<br />

para ele, via o sorriso vir a seus lábios e pensava, Sabia que eu gozei na sua<br />

boca ontem à noite? Talvez até os outros nutrissem outro tipo de sentimento<br />

por ele, que ocultavam e expunham a seu modo. Ao contrário dos outros, no<br />

entanto, eu era o primeiro a vê-lo quando ele entrava no jardim ao vir da praia<br />

ou quando o contorno frágil de sua bicicleta, ofuscada pela névoa da tarde,<br />

aparecia na alameda de pinheiros que levava até a nossa casa. Fui o primeiro<br />

a reconhecer seus passos quando ele chegou atrasado ao cinema e ficou<br />

procurando por nós, sem dizer uma palavra, até me virar para ele com a<br />

certeza de que ficaria feliz por eu tê-lo visto.<br />

Eu o reconhecia pela inflexão de seus passos quando subia a escada até a<br />

varanda ou passava na frente do meu quarto no corredor. Eu sabia quando ele<br />

parava diante das portas francesas do meu quarto, hesitava quanto a bater,<br />

decidia-se pelo não e continuava andando. Eu sabia que era ele pedalando

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