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Take 48

Feminismos

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MULHERES BEM<br />

COMPORTADAS<br />

RARAMENTE FAZEM<br />

HISTÓRIA<br />

SARA GALVÃO<br />

Os tempos já não são o que eram. Depois de anos e anos a ver filmes<br />

de cowboys contra índios (ou de rebeldes contra o Lado Negro), onde<br />

era claro e nítido de que lado é que devíamos estar, parece que o<br />

século XXI não se dá bem com dicotomias a preto e branco. De facto,<br />

se há uma tendência clara no cinema e, especialmente, na televisão<br />

produzidas no pós-11 de Setembro, é o estabelecimento do anti-herói<br />

como a personagem mais representativa das complexidades do mundo<br />

moderno. Após o ataque às Torres Gémeas — e, sete anos depois, o<br />

início de uma crise económica cujas consequências ainda se sentem<br />

uma década mais tarde — o zeitgeist mudou consideravelmente. Quando<br />

membros da audiência se sentem sem poder sobre as próprias vidas,<br />

não podendo confiar em políticos e políticas, e sem quaisquer novos<br />

idealismos que os “salvem”, só há duas saídas: a primeira, o velho<br />

escapismo, que se manifesta entre nós com os filmes de super-heróis. A<br />

segunda, muito mais interessante, é o anti-herói.<br />

O anti-herói — aqui compreendido como o protagonista que se rege por<br />

princípios morais não exactamente recomendáveis, ou como o vilão a<br />

quem damos o principal ponto de vista — funciona, ao mesmo tempo,<br />

como uma encarnação fiel dos defeitos humanos (e por isso mais<br />

facilmente identificável com a audiência) e como um avatar para os<br />

nossos desejos de rebelião. Frente a um mundo imperfeito, o anti-herói<br />

recusa ser facilmente categorizado, e não deixa a moral e a ética meteremse<br />

no seu caminho (também se pode ver o sucesso do anti-herói como<br />

o triunfo de um individualismo de tendência isolacionista). Para este<br />

protagonista, os desejos pessoais estão acima das convenções sociais.<br />

Pode ser o tornar-se um traficante de droga para pagar tratamentos<br />

de saúde, como Walker White em Ruptura Total (Breaking Bad, 2008-<br />

2013); pode ser o assassino em série que se rege por um código de<br />

honra e mata outros assassinos, como Dexter na série do mesmo nome<br />

(2006-2013); pode ser, simplesmente, o médico anti-social e viciado<br />

em Vicodin que é obcecado por puzzles, como Gregory House em Dr.<br />

House (House MD, 2004-2012); ou então o político ambicioso que não<br />

hesita em fazer todos os possíveis — até matar — para chegar à Casa<br />

Branca, como Frank Underwood em House of Cards (2013-presente). De<br />

todas as formas, feitios e tamanhos, o anti-herói é tão popular que, se<br />

olharmos para os últimos 20 anos de Emmys, veremos os mesmos tipos<br />

de personagens ganhar prémios atrás de prémios.<br />

Personagens que saem dos moldes tradicionais do herói estão longe de<br />

ser um fenómeno recente. Travis Bickle (Taxi Driver, Martin Scorsese,<br />

1976) ou, num extremo controverso, Patrick Bateman (Psicopata<br />

Americano/American Psycho, Mary Harron, 2000) mostram que o<br />

fascínio — e existência — do anti-herói na sétima arte já vem de longe.<br />

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