58
DAISIES Título nacional: Jovens e Atrevidas Realização: Vera Chytilová Elenco: Jitka Cerhová, Ivana Karbanová, Marie Češková, Jiřina Myšková, Marcela Březinová Ano: 1966 DIANA MARTINS Jovens e Atrevidas é um daqueles filmes que nos mostram o mundo. Que nos incomodam, indignam-nos e, no fim, nos transformam. Se “quem vê caras não vê corações”, certamente “quem vê Jovens e Atrevidas não vê corações”. Marie e Marie, ou Marie I e Marie II, (interpretadas pelas “actrizes” não profissionais Jitka Cerhová e Ivana Karbanová) são as personagens que nos guiam neste fantástico mundo de Věra Chytilová, considerada “a primeira dama do cinema checo” e com papel fundamental na Nova Vaga de Cinema Checo, um dos movimentos mais irreverentes na Europa dos anos 60. Na primeira cena do filme — onde se percebe logo que estaremos presente um exercício belo de cinema — as Maries concluem que está tudo mal com o Mundo e, como tal, também tudo pode estar mal com elas, levando-as a todo um desenrolar de acontecimentos e diálogos onde a premissa é unicamente esta: Marie I e Marie II podem fazer o que bem lhes apetecer. Agindo como meninas bonitas e mimadas, deliciosamente caprichosas, as personagens de Jovens e Atrevidas rompem com todas os cânones do que é socialmente aceitável, do que é politicamente correcto e das normas instituídas — afinal, se o Mundo está corrompido, todas as normas e consequentes comportamentos também o estarão. O papel da mulher na sociedade — aqui posto em causa de forma maravilhosamente irónica — é um dos principais temas subjacentes a Jovens e Atrevidas. Vemos Marie e Marie a seduzirem vários homens mais velhos apenas pelo prazer de os deixarem a suplicar por elas, pagando-lhes os dispendiosos e excêntricos jantares e numerosas chamadas de súplica; satirizando a dependência financeira feminina. No filme, vemos sempre as personagens masculinas retratados de forma formal, comedida, num contraste bem demarcado entre o excesso, o permissivismo e um aborrecimento em relação ao formalismo e ao instituído aqui associado à juventude feminina. Observamos numa outra cena Marie e Marie a escandalizarem toda uma plateia num salão de dança com as suas coreografias caprichosamente provocadoras. Também a própria realizadora se afirmou num mundo completamente dominado por homens como Jan Němec ou Miloš Forman, com um cinema declaradamente disruptivo e uma ideologia bem marcante. Esteticamente, Jovens e Atrevidas transmite-nos a sensação de estarmos numa viagem alucinante: uma mudança contínua de cores, a passagem do preto e branco para um misto histérico de acção, irreverência e a experimentação, levando-nos a cenários entre o real e o irreal, o racional e o sonho. Este contexto permite-nos ter uma sensação entre a libertinagem e a liberdade, afastada de formalismos, regras ou deveres de um mundo excessivamente regulado e normalizado. Tal como a própria Věra Chytilová referia, o mais importante seria conseguir uma liberdade total, apenas pelo prazer de tal, de se fazer o que se quer. Sem julgamentos. Castigos. Punições. Apenas pelo divertimento, pelo processo. Porque o resultado final, falhando ou não, já pressupõe uma grande viagem anterior. Jovens e Atrevidas foi considerado um filme revolucionário, e é agora um visionamento obrigatório nos círculos feministas e de culto, tendo sido lançado dois anos antes da Primavera de Praga. Chytilová foi proibida de voltar a filmar na Checoslováquia até 1975, e o filme foi banido pelas autoridades checas. Felizmente, aquando da sua morte em 2014, e com uma idade de 85 anos, Věra Chytilová era amplamente reconhecida como uma realizadora carismática e com um papel decisivo num mundo do cinema (e) num man´s world. 59
- Page 1 and 2:
FEMINISMOS TAKE.COM.PT | ANO 10 | N
- Page 4 and 5:
UM QUARTO QUE SEJA SEU SARA GALVÃO
- Page 6 and 7:
Lois Weber, 1879-1939
- Page 8 and 9: Dorothy Arzner, 1900-1979 dirige e
- Page 10 and 11: Maya Deren, 1917-1961 Shirley Clark
- Page 12 and 13: A Guerra dos Tronos, 2011-presente
- Page 14 and 15: Jovem Adulta, 2011 Sempre que o sta
- Page 16 and 17: Exterminador Implacável 2: O Dia d
- Page 18 and 19: Girls, 2012-2017 Fleabag, 2016-pres
- Page 20 and 21: Kill Bill - A Vingança (vol. 1), 2
- Page 22 and 23: Lady Snowblood: Vingança na Neve,
- Page 25 and 26: A LUTA CONTINUA
- Page 27 and 28: I SHOT ANDY WARHOL Título nacional
- Page 29 and 30: SUFFRAGETTE Título nacional: As Su
- Page 31: IN A WORLD… RUI ALVES DE SOUSA In
- Page 34 and 35: 34
- Page 36 and 37: MAD MAX: FURY ROAD Título nacional
- Page 38 and 39: ELIZABETH SARA GALVÃO Uma das figu
- Page 41 and 42: PERSPECTIVAS FEMININAS
- Page 43 and 44: THELMA & LOUISE Título nacional: T
- Page 45 and 46: DIE BÜCHSE DER PANDORA Título nac
- Page 47: THE PIANO DIANA MARTINS O Piano é
- Page 50 and 51: 50
- Page 52 and 53: PERSEPOLIS Título nacional: Persé
- Page 54 and 55: LADY VENGEANCE FILIPE LOPES Vingan
- Page 57: MULHERES CONTROVERSAS
- Page 61 and 62: FEUCHTGEBIET Título nacional: Zona
- Page 63 and 64: PREVENGE ANTÓNIO ARAÚJO Alice Low
- Page 65 and 66: THE HANDMAID’S TALE JOÃO BIZARRO
- Page 67 and 68: BUFFY, A HEROÍNA DE WHEDON HÉLDER