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Previz2 - 12.07 VRamalho3

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Homenagem a Um Homem de Bem e Amigo Sem Falhas<br />

Na esfera das convivências variadas que me trazem o sal da vida<br />

e ajudam a sustentar a esperança nas razões da minha visão do<br />

mundo, Vítor Ramalho tem lugar aparte. O Vítor tem também lugar<br />

aparte entre os que me fizeram compreender e amar os valores<br />

supremos da amizade generosa e solidária. No nosso caso, uma<br />

amizade velha, e sempre nova, vivida desde os primeiros tempos<br />

de Abril, crescentemente reforçada pelo melhor entendimento que<br />

dele fui tendo ao longo de mais de quatro décadas, tão fúteis em<br />

mudanças e continuidades, que foram moldando o quadro das<br />

nossas vidas. Não só no período do PREC, mas também para<br />

além dele, até aos dias de hoje.<br />

Aprecio o Vítor Ramalho como homem público e como amigo. O<br />

que nele se espelha e o que dele emana num e noutro campo<br />

têm rara unidade fundacional. Tanto do lado dos princípios que<br />

o movem como do lado das atitudes e comportamentos que dão<br />

propósito à sua presença constante entre nós.<br />

Nestas condições, as Associações de Estudantes não poderiam<br />

deixar de ser solicitados a estender e a aprofundar as suas responsabilidades<br />

e actividades segundo os mais variados planos.<br />

Alguns deles novos e de grande complexidade, face à natural<br />

diversidade do corpo estudantil. Em correspondência, cresceu<br />

enormemente o acervo de qualidade relacionai, de solidez de carácter<br />

e de fundamentada cultura política, no mais nobre sentido<br />

do termo, exigido aos líderes das Associações de Estudantes. Só<br />

se enfrenta eficazmente a complexidade mediante dinâmicas globais<br />

assentes em princípios claros e eticamente compulsivos, em<br />

flexível pensamento e acção, no espírito de aberta cooperação e<br />

mobilização, na força e subtileza de propósitos habilmente trabalhados<br />

no terreno a golpes de equipas motivadas.<br />

As intervenções públicas de Vítor Ramalho definem-no incontroversamente<br />

como clarividente e empenhado partidário de mudanças<br />

libertadoras e, ao mesmo tempo, tenaz adversário de continuidades<br />

indignas. Assim, a sua vida foi naturalmente, e continua<br />

sendo, uma saga de combates políticos e sociais, também culturais,<br />

por um lado, a bem da democracia e do florescimento das<br />

imensas capacidades libertadoras que ela encerra e, por outro,<br />

contra importantes situacionismos enraizados numa imensa teia<br />

de interesses a-sociais muito poderosos em Portugal. Uma luta<br />

permanente que a todo o tempo exige sageza, determinação,<br />

jogo de cintura e coragem para dar a cara, custe o que custar.<br />

Uma luta que também exige sempre paciência, frontalidade, risco<br />

e audácia na iniciativa.<br />

Um conjunto de qualidade que justamente têm sido as suas ao<br />

serviço das transformações da sociedade portuguesa numa perspectiva<br />

de aprofundamento da democracia, da justiça e da solidariedade<br />

responsável.<br />

Cedo se distinguiu pela prática, ao mais alto nível das suas possibilidades,<br />

dessa regra de vida.<br />

Recordo aqui, logo na Universidade, o seu profundo empenho no<br />

fortalecimento do movimento estudantil em defesa das liberdades<br />

académicas e cívicas e contra o viso autoritário e anti-democrático<br />

do regime salazarista, irremediavelmente opressivo tanto no fundo<br />

da sua governação como nas suas intervenções dia a dia. O Vítor<br />

foi à luta de tal modo que os seus pares o elegeram Presidente<br />

da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa<br />

em 1969.<br />

Sei muito bem o significado que tal eleição tinha no contexto da<br />

época. Nos meus 6 anos universitários participei, tão activamente<br />

quanto pude, na Associação de Estudantes do Técnico, em cuja<br />

direcção me envolvi de alma e coração, com particular incidência<br />

no período da crise académica desencadeada pela publicação<br />

do Dec-Lei n.º 40900 (Dezembro de 1956). Esta foi a primeira crise<br />

de contestação do regime que obrigou Salazar a recuar, retirando<br />

publica e definitivamente essa legislação.Acabado o Técnico,<br />

continuei a acompanhar o movimento estudantil-<br />

Na década de 60, as Associações de Estudantes ganharam assinalável<br />

relevo e notoriedade à escala nacional. Atesta-o bem a<br />

repercussão das crises de 1962 e 1969 em Lisboa e Coimbra.<br />

No termo da década a exigência de mudança de regime crescia<br />

manifestamente em extensão e força. A guerra colonial tinha-se<br />

tornado uma chaga fatal para o regime. O país ia tomando plena<br />

consciência de que o regime não tinha nem solução militar que<br />

pudesse ser esmagadoramente vitoriosa em toda a extensão do<br />

território colonial, nem solução política que pudesse pôr fim à intervenção<br />

armada..<br />

Ninguém mais desesperadamente consciente desse impasse absoluto<br />

que os jovens de todas as origens e condições, na generalidade<br />

dos casos largamente acompanhados pelos seus familiares.<br />

O espectro da sucessão sem fim das mobilizações militares maciças,<br />

destinadas a guarnecer as frentes de combate e a quadrícula<br />

de ocupação das colónias, fez cair uma pesada cortina de chumbo<br />

aniquiladora dos horizontes tipicamente esperançosos da juventude.<br />

Sem surpresa, nesse contexto a grande maioria dos estudantes<br />

universitários tornou-se acérrima adversária do regime e<br />

abriu-se consequetemente a frontal e permanente pró-actividade.<br />

Do mesmo passo, também assumiu, inevitavelmente, a politização<br />

em vários graus do seu combate por um futuro livre do espectro<br />

da guerra colonial.<br />

- 74 -<br />

Tudo atributos que têm tido singular manifestação ao longo da<br />

vida do Vítor.<br />

Porque razão chamei à colação a trajectória do movimento estudantil<br />

nos anos 60 e dei especial relevo ao fim dessa década?<br />

Porque penso que foi a inserção prestigiosa do Vítor nesse movimento<br />

que lhe forneceu o cadinho essencial do apuramento do<br />

seu carácter, da sua personalidade pró-activa, da sua fidelidade<br />

ao culto de princípios e de valores fundamentais da democracia,<br />

da justiça e da solidariedade-. Tenho para mim que aí se forjou<br />

muito do Homem de Bem a que devemos homenagem.<br />

O CV de Vítor Ramalho na vida pública é vasto e diversificado: advogado<br />

sindical nos anos de brasa, membro do Governo por duas<br />

vezes, no Trabalho e na Economia, influente consultor do Presidente<br />

da República, deputado e Presidente de Comissão Parlamentar,<br />

membro de reconhecido mérito, assim oficialmente designado, do<br />

Conselho Económico e Social, lúcido e desassombrado interveniente<br />

na política nacional como dirigente do PS, dirigente da Cruz<br />

Vermelha, do INATEL e da UCCLA, activista maior da lusofonia e<br />

do relacionamento de Portugal com Angola, dirigente de várias associações<br />

e promotor de fundamentais iniciativas nesse dominio.<br />

São inúmeros e relevantes os serviços que a todos prestou, bem<br />

acima dos habituais oportunismos partidários.<br />

Nunca esquecerei a determinação e eficácia que, no Governo,<br />

soube pôr ao serviço da salvação de milhares postos de trabalho<br />

em empresas em dificuldades. Recordarei sempre a profunda pedagogia<br />

e acerto estratégico de tantas intervenções suas no Parlamento<br />

e no PS. Tal como terei também presente o largo horizonte<br />

e a paixão sem limites que conduziram e continuam conduzindo<br />

os seus combates pela lusofonia, com particular ênfase no que<br />

diz respeito a Angola, terra do seu nascimento e centro de um dos<br />

seus dois mundos.<br />

A tudo isto acresce a marca forte do Vítor como homem de cultura<br />

aberto à promoção dos mais diversos projectos criativos.. No<br />

plano pessoal, ofereceu-nos, com a maior das simplicidades, contributos<br />

da sua sensibilidade artística, como a exposição da sua<br />

pintura, e a sua capacidade de enquadrar ideias, valorizar factos<br />

e relevar comportamentos através de extensa comunicação escrita.<br />

A sua última obra, Crónica de Uma Amizade Fixe, é exemplar<br />

a esse título.<br />

Não poderia terminar o meu testemunho sem agradecer ao Vítor a<br />

amizade sem falha que nos une. Uma amizade como não conheço<br />

outra. De dupla raiz, espelho de uma afeição indefectivelmente<br />

enraizada tanto no melhor que os portugueses são capazes de<br />

oferecer, como na honra de “mais velho” que o Vítor generosamente<br />

me faz de acordo com o melhor da cultura angolana. Também<br />

nasci em Angola: somos patrícios. E isso esteve sempre presente<br />

na nossa amizade sem igual.<br />

Longa Vida a Vítor Ramalho, Homem de Bem e Amigo sem Falha.<br />

João Cravinho

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