Lavoura n. 4
Quarta edição da revista semestral Lavoura, dedicada à publicação de literatura brasileira contemporânea. Editada por André Balbo, Arthur Lungov e Lucas Verzola
Quarta edição da revista semestral Lavoura, dedicada à publicação de literatura brasileira contemporânea. Editada por André Balbo, Arthur Lungov e Lucas Verzola
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19<br />
VIVIANE NOGUEIRA<br />
um axioma do cabo de guerra ou<br />
sobre a ética segundo Levinás<br />
eu seguraria as pontas ela<br />
diz eu seguraria as pontas<br />
de minhas<br />
e do outro lado só<br />
caminhos estreitos só os<br />
fios espalhados pelo banheiro todo<br />
sem nenhuma ponta dupla<br />
feito meus olhos pingando pela casa<br />
eu não apertaria com tanta<br />
força ele diz eu não vou<br />
segurar essas pontas<br />
nunca diria para abrir as<br />
janelas as portas as saídas<br />
de emergência uma corda nunca diria<br />
quero cair da janela do primeiro andar<br />
quando nunca diria quero cair<br />
com a fuça no chão um cabo de força<br />
com os olhos abertos ainda nunca<br />
diria que se não enxergo posso<br />
cair de minhas próprias pernas nunca<br />
diria hoje o dia está lindo hoje<br />
o mar está para peixe nunca diria<br />
minhas mãos suam se seguro as pontas<br />
estou ansiosa como se meu bolo<br />
favorito murchasse no forno<br />
nunca lhe diria veja bem<br />
eu nunca<br />
[sem título]<br />
as horas quebram como se<br />
escadas para serem subidas<br />
as marcas dos pés no concreto fresco<br />
os pés sujos do chão na cama<br />
as horas quebram<br />
como se escadas feitas ao fim<br />
de uma tarde terna<br />
os círculos d’água em porta-copos<br />
vindos de onde?<br />
as horas quebram como se<br />
um topo sem ser visto<br />
a luz da noite se espalha<br />
morre-se um poema de amor<br />
a cada segundo na capital<br />
chove e as plataformas do metrô<br />
não abrigam mais a falta de roteiro<br />
a ser seguido no dia a dia<br />
mover papéis de uma pasta a outra<br />
as horas quebram<br />
e há um copo espatifado no chão<br />
os cacos invisíveis a olhos nus<br />
arriscam a salubridade dos pés<br />
as horas quebram e não se aproximam<br />
umas das outras<br />
corpos celestes se alinham<br />
e não se encontram nas padarias de esquina<br />
a língua não chega mais à boca<br />
os relógios falam num mesmo idioma<br />
mas os olhares não se cruzam<br />
as horas quebram<br />
e o fim do amor não coincide ainda<br />
ao fim do poema