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Lavoura n. 4

Quarta edição da revista semestral Lavoura, dedicada à publicação de literatura brasileira contemporânea. Editada por André Balbo, Arthur Lungov e Lucas Verzola

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32<br />

A escritora é extremamente modesta ao fazer um “artigo sério” a respeito de<br />

Hilda. Nomeia-se “uma simples contadora de histórias” e confessa ter escrito “esta<br />

breve crônica” como “apenas um apelo para que os críticos de poesia”. Em nenhum<br />

momento afirma-se detentora de conhecimentos literários ou capaz de fazer críticas<br />

profundas. Comportamento diametralmente oposto a seus colegas homens da mesma<br />

época, os quais assinam manifestos, fundam movimentos, pavoneiamsaberes – faz-se<br />

menção à ousadia de Oswald de Andrade e mesmo da então nascente Poesia Concreta<br />

.<br />

Ao analisar a técnica de Hilda Hilst, a escritora tampouco emite um veredicto<br />

claro: oscila entre “embora lhe falte técnica torturada e experiente” e “seus poemas<br />

possuem uma força altamente emotiva”. Hoje, no conforto do século XXI, pode-se<br />

tranquilamente afirmar que a escrita das mulheres trouxe novos materiais à literatura.<br />

É mais do que óbvio que novos materiais irão torcer formas preexistes. Assim, a técnica<br />

poética irá se alterar. Entretanto, de seu lugar cercado por bacharéis de ternos escuros<br />

nos anos de 1950, a mulher Lygia Fagundes Telles não teria condições de afirmar<br />

o nascimento de uma nova técnica para dar conta de materiais explorados por Hilda<br />

Hilst.<br />

Pelas frestas do artigo, observa-se uma cultura dominadora que preconiza um<br />

bom senso às “mulheres educadas” que mais as leva ao próprio silenciamento. Apesar<br />

de todo estudo e privilégios sociais, Lygia foi incapaz de fazer uma crítica de peso ao<br />

livro da amiga, somente logrando anotar aqui e ali alguns pontos. Em resumo, aqui se<br />

interpreta o que não pode ser dito no tempo histórico do artigo: o texto trata, antes de<br />

tudo, da proibição a mulheres em executar vôos intelectuais desmedidos.<br />

A modéstia é mesmo um artigo sério. Mais serviria aos bacharéis que, até o presente<br />

momento, governam este país.<br />

O artigo em análise foi publicado em O Renovador, jornal do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito<br />

da Universidade de São Paulo. A peça rara foi resgatada pelos editores da <strong>Lavoura</strong> Arthur Lungov e Lucas<br />

Verzola.<br />

O resgate foi possível por indicações anotadas à mão em um caderno há quase 20 anos antes pelo então estudante<br />

de direito Paulo Ferraz. No início do século XXI, sem a facilidade de câmeras fotográficas portáteis, era<br />

praticamente impossível retirar uma cópia fidedigna do empoeirado arquivo da São Francisco.<br />

As anotações de Ferraz foram certeiras. Em visita este ano ao arquivo, os originais foram encontrados e fotografados,<br />

resultando no fac-similar que se encontra ao fim deste artigo, com a a transcrição do texto de Lygia<br />

logo após. Aqui estamos em reunião diante destes pedaços de história. Interessante notar que Paulo Ferraz<br />

depois cursou história. O mundo dá voltas em espiral.

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