Lavoura n. 4

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Justamente por isso, enquanto assistimos às vidas e às leituras que se bordam na
vida do narrador, relembramos outros diários: o de Kafka, o de Pavese, o de Piglia, o de
Vila-Matas — no tecido de Janelas irreais são notáveis sobretudo os fios dos dois últimos,
que traçam a curva da compreensão de si mesmo a partir dos espelhamentos no próximo:
o grupo de amigos leitores, o Teatro de Sabbath, a universidade em greve, as memórias
de Cony, a lembrança do pai, o Ruído branco, a primeira e “inominável” mulher, os seriados
Breaking Bad e Mad Men, a presença intensa e reincidente de Hanna, as agruras nos
livros de Bolaño, a breve relação com a “garota jovem”, vinte minutos ao sol com os pés
na merda, a “letra gorda e espaçosa” de Emma, os espectros de Stendhal e Flaubert, O
Fim da História de Lydia Davis, um verso avulso de Drummond que pode ser tomado pelo
título do poema.
Na apresentação do livro, Charbel afirma que seu objetivo é “refazer as trilhas de
um cânone sentimental” e “contar a leitura como se narra uma história”. Ricardo Piglia,
numa brincadeira feita a sério, afirmou que só havia duas coisas a serem narradas: mistérios
e aventuras. O que as janelas irreais que a ficção abre na (e para a) vida mostram é
que relatar nosso itinerário de leitura é a melhor forma de combinar mistério e aventura e
revelar a forma errática como a agulha do real, nas mãos da fantasia, vai bordando, ponto
a ponto, nosso dia a dia.
Janelas Irreais: um diário de releituras
Felipe Charbel
Editora Relicário
190 pp.
R$38,00