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Lavoura n. 4

Quarta edição da revista semestral Lavoura, dedicada à publicação de literatura brasileira contemporânea. Editada por André Balbo, Arthur Lungov e Lucas Verzola

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41<br />

DEIXE-SE<br />

Por Tarso de Melo<br />

CAPTURAR<br />

Tudo é espanto no começo. Tudo começa<br />

pela beleza. Pelo objeto em que o poema<br />

vem. Ou melhor: pelo objeto que o poema<br />

é. Porque Avião de Alumínio é um pequeno livro<br />

pensado como um gesto integral: o poema<br />

nasce de um parceria entre Júlia Studart<br />

e Manoel Ricardo de Lima, junta-se aos desenhos<br />

de Mayra Redin e passa às mãos da<br />

editora Quelônio, onde Bruno Zeni, Silvia<br />

Nastari, Georg Dimitrov Assis, João D´Arc<br />

Morais e Júlia Estronioli concluirão a escrita<br />

do poema.<br />

Gosto de observar como essa fusão<br />

entre a gestação (mental) e a edição (gráfica)<br />

do poema, que sempre interessou tanto<br />

aos poetas, volta em nossa época e assume<br />

novas formas. Como se passa do corpo<br />

do poeta ao corpo do poema. Como um se<br />

mantém no outro, como um acolhe e transforma<br />

o outro. A edição de Avião de Alumínio<br />

nasce como um corpo, a muitas cabeças e<br />

mãos, e isso não se separa – não pode se<br />

separar – do poema escrito inicialmente a<br />

quatro mãos, a duas cabeças.<br />

Avião de Alumínio, o objeto, é ele próprio<br />

um brinquedo. As páginas à esquerda,<br />

todas em branco, esticam um silêncio entre<br />

os poemas já cheios de silêncios. Os desenhos<br />

de dobraduras de avião indo de capa<br />

a capa e marcando o miolo, ainda mais na<br />

página amarela que se desdobra numa espécie<br />

de dobradura da dobradura. A linha amarela<br />

da costura do pequeno objeto. Todas<br />

essas projeções materiais do que os poemas<br />

tentam apreender, juntas, colocam um<br />

avião de papel na mão do leitor. Ler, nessas<br />

condições, é brincar com o avião que voa por<br />

escrito no/do livro.<br />

Avião de Alumínio é um poema-brinquedo<br />

para Teo, escrito pelos pais do Teo,<br />

escrito com os olhos na criança que chega<br />

ao mundo e com a cabeça repleta do mundo,<br />

das agruras do mundo, em que a criança<br />

chega. Um avião-poema voando no meio<br />

da turbulência entre “acordar no meio da<br />

noite com tiros de fuzil// e// na primeira/<br />

hora da/ manhã com/ um passarinho/ antigo:/<br />

bem-te-vi”. Tudo rompe o sono: fuzis,<br />

bem-te-vis. E os aviões com que a criança<br />

– e, agora, o leitor – brinca disputam o céu<br />

com as balas (perdidas?) que podem atingir<br />

3500 quilômetros por hora em seu voo.<br />

E é porque “a cabeça furiosa/ arrasta<br />

tudo para dentro do quarto” que, para os<br />

autores, olhar para Teo e pensar sobre o<br />

mundo assumem a força de uma interrogação<br />

que vai além do mundo como se apresenta,<br />

num voo que traz para o poema, inclusive,<br />

personagens da nossa história que<br />

se encarregavam de inventar outros mundos,<br />

outras fés, outras formas de vida, como<br />

o Padre Ibiapina e Antônio Conselheiro:<br />

antônio conselheiro sempre foi criança<br />

um avião de alumínio não voa<br />

é um brinquedo:<br />

então voa<br />

Conselheiro, o homem que não se<br />

conformava, fez voar, à sua maneira, um<br />

avião de alumínio. Viu, na vida pobre ao<br />

seu redor, condições para outros voos. Ainda<br />

que voo de brinquedo, a ser abatido pelo primeiro<br />

“adulto” que se deparou com o voo<br />

de “um avião [que] não voa”. Eis o adulto:

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