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Revista ComTempo, edição nº 3, de janeiro a março de 2019

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“Relacionar-se é caminhar na neblina<br />

sem a certeza <strong>de</strong> nada”, disse Zygmunt<br />

Bauman em seu livro “Amor Líquido”,<br />

on<strong>de</strong> alerta a socieda<strong>de</strong> sobre a crescente<br />

fragilida<strong>de</strong> das relações afetivas na<br />

atualida<strong>de</strong>. Em um mundo on<strong>de</strong> tudo se volta<br />

ao consumismo e a agilida<strong>de</strong> proporcionada<br />

pela internet, o sociólogo afirma que<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concretizar relações está<br />

suspensa.<br />

Devido a correria do dia a dia, não<br />

existe tempo para aprofundamento <strong>de</strong> relações<br />

- que na maioria das vezes <strong>de</strong>mandam-o<br />

em <strong>de</strong>masia - e a atualida<strong>de</strong> prova<br />

que é possível tratá-los com superficialida<strong>de</strong><br />

ao habitar zonas <strong>de</strong> confortos que protegem<br />

do real.<br />

A tecnologia trouxe um novo modus<br />

operandi para as relações: o liga e <strong>de</strong>sliga,<br />

antes utilizado em eletrodomésticos, tornou-se<br />

ferramenta utilizada em ativida<strong>de</strong>s<br />

interpessoais. Aplicativos para relacionamentos,<br />

por exemplo, tornaram-se um novo<br />

botão para iniciar uma relação.<br />

O Tin<strong>de</strong>r - aplicativo mais famoso<br />

do nicho - atingiu em 2014 marca <strong>de</strong> 100<br />

milhões <strong>de</strong> usuários, sendo 10% <strong>de</strong>les, brasileiros.<br />

Dois anos <strong>de</strong>pois, em 2016, anunciou<br />

que o recor<strong>de</strong> anterior havia sido ultrapassado,<br />

não revelando números brutos,<br />

dizendo apenas que o Rio <strong>de</strong> Janeiro é a cida<strong>de</strong><br />

com mais usuários ativos, com 7,4%<br />

dos números globais.<br />

Deslizar o <strong>de</strong>do para a direita - caso<br />

o perfil apresentado agra<strong>de</strong> o usuário - ou<br />

para a esquerda, caso contrário, é a maneira<br />

pela qual uma nova relação po<strong>de</strong> ou<br />

não surgir. Um “match” acontece se a recíproca<br />

entre perfis for verda<strong>de</strong>ira e a partir<br />

daí, dura até o momento em que um <strong>de</strong>les<br />

<strong>de</strong>sejar <strong>de</strong>sativar a relação, seja ao apontar<br />

seus motivos ou apenas utilizar alguma<br />

artimanha digital, como bloquear o perfil do<br />

antigo affair.<br />

A estudante <strong>de</strong> psicologia Vanessa<br />

Delai, 20, utiliza o aplicativo há dois anos e<br />

diz que as relações ali iniciadas têm tendência<br />

pouco duradoura. “A maioria dos matchs<br />

não saem do aplicativo e quando rola algum<br />

encontro, continua sendo algo superficial. É<br />

uma forma mais rápida <strong>de</strong> se conectar com<br />

alguém sem muitas dificulda<strong>de</strong>s, e caso a<br />

pessoa não agra<strong>de</strong> ou ‘encha o saco’, é só<br />

<strong>de</strong>sfazer o match’.<br />

Em entrevista a <strong>ComTempo</strong>, a jovem<br />

toca no assunto abordado no início <strong>de</strong>sta<br />

reportagem. Em seu argumento, ela <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />

que muitas pessoas utilizam o Tin<strong>de</strong>r<br />

para alimentar o ego dos usuários. “Os relacionamentos<br />

passageiros da socieda<strong>de</strong><br />

líquida em que vivemos geram uma carência<br />

muito gran<strong>de</strong>. As pessoas tentam suprir<br />

isso por meio das re<strong>de</strong>s sociais, pela quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> likes nas fotos ou <strong>de</strong> matchs, e<br />

assim por diante”.<br />

MANDA NUDES!<br />

Com a liqui<strong>de</strong>z social, não só a procura<br />

pelo par perfeito ou paquera i<strong>de</strong>al sofreu<br />

mudanças. Há alguns anos, muito discutia-se<br />

sobre sexo no primeiro encontro.<br />

Hoje, um pequeno anglicismo foi adotado<br />

ao vocabulário brasileiro para <strong>de</strong>finir um<br />

crescente fenômeno entre os jovens: sexting.<br />

Questões como ‘o tempo i<strong>de</strong>al para<br />

iniciar uma relação sexual com um novo<br />

parceiro’ caem por terra na medida em que<br />

se torna possível transar por meio <strong>de</strong> fotos,<br />

textos e ví<strong>de</strong>os, no conforto <strong>de</strong> sua casa.<br />

A expressão inglesa sexting, refere-se<br />

ao ato <strong>de</strong> trocar fotos, ví<strong>de</strong>os e até<br />

mesmo mensagens <strong>de</strong> texto <strong>de</strong> cunho erótico<br />

através <strong>de</strong> aparelhos eletrônicos, como<br />

computadores ou smartphones que segundo<br />

pesquisa realizada pela <strong>ComTempo</strong>, tem<br />

tornado algo completamente normal.<br />

A enquete respondida por 90 pessoas<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> entre 15 e 42 anos, mostra que<br />

80% dos participantes já enviaram fotos íntimas<br />

para alguém. O número dos que receberam<br />

fotos pessoais é maior, chegando<br />

aos 92,2%. Questionados sobre o compartilhamento<br />

<strong>de</strong> fotos <strong>de</strong> terceiros - ato consi<strong>de</strong>rado<br />

crime no Brasil -, 43,8% afirmou já<br />

ter praticado. Desse número, 62% é composto<br />

por homens.<br />

Gabriel Mariano (21), estudante <strong>de</strong><br />

psicologia, enviou seu primeiro nu<strong>de</strong> aos<br />

18 anos, recebido em terras longínquas,<br />

em Portugal - outra artimanha da tecnologia.<br />

Segundo ele, o receptor o provocou<br />

por meio das mensagens <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong>ixando-o<br />

com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> enviar. “O ser humano<br />

quando está com tesão não pensa no<br />

que faz, apenas faz. As consequências vêm<br />

<strong>de</strong>pois”, respon<strong>de</strong>u à <strong>ComTempo</strong>, após ser<br />

questionado sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter<br />

seus nu<strong>de</strong>s vazados. “Senti medo no começo,<br />

mas logo passou. Acho que isso é algo<br />

normal, cada um faz o que bem enten<strong>de</strong>r.”<br />

Já uma estudante do ensino médio,<br />

<strong>de</strong> 17 anos, que preferiu manter o anonimato,<br />

conta nunca ter trocado fotos íntimas.<br />

“Esse tipo <strong>de</strong> situação requer muita confiança<br />

e, para mim, é complicado confiar este<br />

tipo <strong>de</strong> conteúdo a alguém, não me sinto<br />

confortável.” A questão <strong>de</strong> gênero é um dos<br />

principais fatores para a jovem evitar a prática.<br />

“Principalmente no caso das mulheres,<br />

uma foto vazada resulta em problemas sociais,<br />

psicológicos e familiares. Tenho amigos,<br />

por exemplo, que riram ao saber que<br />

seus nu<strong>de</strong>s haviam sido vazados, enquanto<br />

uma amiga, que teve um ví<strong>de</strong>o atribuído a<br />

ela, tentou suicídio, e nem era ela”, conta.<br />

SE ORGANIZAR CERTINHO…<br />

“Confesso que antes eu temia essa<br />

história <strong>de</strong> enviar nu<strong>de</strong>s”, diz um estudante<br />

<strong>de</strong> enfermagem que também não quis i<strong>de</strong>ntificar-se.<br />

Ele, praticante assíduo do sexting,<br />

está inserido em grupo no WhatsApp<br />

que tem como objetivo a <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>s<br />

próprios entre os integrantes.<br />

Mesmo com o grupo todo formado<br />

por <strong>de</strong>sconhecidos, cerca <strong>de</strong> 123 membros,<br />

ele segue com pé atrás. “É diferente <strong>de</strong> trocar<br />

nu<strong>de</strong>s com alguém da minha rua, por<br />

exemplo. Um conhecido po<strong>de</strong> vazá-las por<br />

aí. Com <strong>de</strong>sconhecidos, os riscos são mínimos<br />

pelo fato <strong>de</strong> não saberem nada sobre<br />

minha vida pessoal. Mesmo assim, sigo<br />

com cautela. Nunca envio imagens com<br />

meu rosto, por exemplo”.<br />

Segundo o estudante, o local é politizado.<br />

Possui regras que se - caso quebradas<br />

- geram o banimento do membro. Entre<br />

elas, estão a apresentação com nu<strong>de</strong>, local<br />

e ida<strong>de</strong> do participante. Apagar os nu<strong>de</strong>s<br />

após o envio e mencionar alguns assuntos,<br />

como política, religião e futebol, também<br />

causam punição do participante.<br />

Sobre a dinâmica do ambiente, ele<br />

explica: “os participantes postam ‘seminu<strong>de</strong>s’<br />

- imagens que não mostram as genitais,<br />

por exemplo - para atrair parceiros.<br />

Cabe ao interessado chamar no privado e<br />

iniciar a conversa.<br />

Para ele, a prática não é normal nem<br />

anormal, porque o que mudou foi a “forma<br />

<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r aos <strong>de</strong>sejos sexuais, seja<br />

por meio <strong>de</strong> fotos <strong>de</strong> alguém pelado, que<br />

talvez você nem conheça a fundo, e antes,<br />

por exemplo, tínhamos revistas pornos e<br />

blogs especializados no assunto.”<br />

A CERTEZA DE NADA<br />

Os resultados da pesquisa por esta<br />

revista realizada, mostram que - mesmo<br />

com peso criminal - as pessoas seguem a<br />

compartilhar imagens íntimas <strong>de</strong> terceiros.<br />

Os motivos não foram questionados, porém,<br />

as consequências são, quase sempre,<br />

catastróficas - e exemplos, infelizmente,<br />

não faltam, como o caso <strong>de</strong> Giana Laura<br />

Fabi.<br />

Fabi, na época com 16 anos, tomou

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