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Revista ComTempo, edição nº 3, de janeiro a março de 2019

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Tenho uma ligação visceral com a terra. Mas,<br />

como tudo tem um propósito na vida, fiquei com<br />

a História.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual sua relação pessoal<br />

e profissional com a religião? Por que<br />

<strong>de</strong>cidiu estuda-la?<br />

Nainôra: Mais <strong>de</strong> uma após a morte <strong>de</strong> minha<br />

mãe, vim trabalhar em Ribeirão Preto, on<strong>de</strong><br />

moro até hoje. Passei a lecionar no período noturno<br />

no curso <strong>de</strong> História na Faculda<strong>de</strong> Barão<br />

<strong>de</strong> Mauá. Ao mesmo tempo, a convite <strong>de</strong> uma<br />

amiga, levei meu currículo para uma escola <strong>de</strong><br />

Filosofia da Arquidiocese <strong>de</strong> Ribeirão Preto on<strong>de</strong><br />

passei a lecionar no curso preparatório para seminaristas<br />

pela manhã. Nesta escola soube por<br />

um colega <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> verão <strong>de</strong> História da<br />

Igreja no Brasil. Em <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> 1989 fiz este curso<br />

em São Paulo que possibilitou mergulhar um<br />

pouco mais <strong>de</strong>ntro das questões que trabalhava<br />

no mestrado. Durante o curso soube que haveria<br />

um outro curso maior na cida<strong>de</strong> do México no<br />

ano seguinte e resolvi me inscrever. Meu pai <strong>de</strong>u<br />

todo o apoio possível e em 1990 tirei um afastamento<br />

na Barão <strong>de</strong> Mauá, o outro curso havia<br />

fechado e transferido os alunos para outra escola,<br />

tranquei o mestrado e passei o segundo<br />

semestre morando na cida<strong>de</strong> do México, junto<br />

com pessoas <strong>de</strong> 13 países, local em que fiz um<br />

mergulho profundo nas questões da América<br />

Latina e das igrejas católica e protestante, bem<br />

como estudando cultos afro-indígena na América<br />

latina. Antes <strong>de</strong> iniciar o curso, passei um<br />

mês junto com três outros amigos viajando <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Costa<br />

Rica até chegar ao México on<strong>de</strong> íamos estudar.<br />

Foi um caminho sem volta <strong>de</strong> paixão pelos vizinhos<br />

cuja história, cultura, comida, entre outros<br />

aspectos são fascinantes.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como foi o processo <strong>de</strong><br />

Mestrado e Doutorado? O que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />

em suas teses?<br />

Nainôra: No retorno ao Brasil em 1991 terminei<br />

o mestrado cuja dissertação teve por título: “O<br />

Rosário <strong>de</strong> Mariana e suas irmanda<strong>de</strong>s: segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII”. Não havia internet<br />

e conhecimento se adquiria na biblioteca por<br />

meio dos livros e era lá meu lugar predileto. Um<br />

mundo a ser <strong>de</strong>sbravado. Entre o mestrado e o<br />

doutorado foram quase 10 anos, a escolha do<br />

doutorado foi uma surpresa. O projeto inicial era<br />

a respeito dos jesuítas, mas, como trabalhava<br />

com História da Igreja na arquidiocese <strong>de</strong> Ribeirão<br />

Preto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, cada vez mais me instigava<br />

conhecer o processo <strong>de</strong> criação da diocese.<br />

A pesquisa me levou a vários arquivos em São<br />

Paulo, Curitiba e na região <strong>de</strong> Ribeirão Preto,<br />

mas foi a experiência <strong>de</strong> pesquisar no Arquivo<br />

Secreto do Vaticano, no coração <strong>de</strong> Roma, que<br />

trouxe uma documentação inédita a respeito da<br />

História da Igreja Paulista. Para um pesquisador<br />

isso não tem preço.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Quais foram os <strong>de</strong>safios<br />

nesta caminhada?<br />

Nainôra: Os <strong>de</strong>safios foram muitos, o primeiro<br />

<strong>de</strong>les: dinheiro para os <strong>de</strong>slocamentos em arquivos<br />

regionais e <strong>de</strong> outros estados. Por isso<br />

trabalhei durante todo o tempo em que escrevi a<br />

tese. A bolsa <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> uma instituição alemã<br />

chamada Adveniat trouxe o dinheiro necessário<br />

para a estadia europeia. Outros obstáculos<br />

também foram superados como as dificulda<strong>de</strong>s<br />

com a língua, já que tinha contato com documentos<br />

manuscritos em italiano e latim. A tese<br />

foi <strong>de</strong>fendida em 2006 na Unesp <strong>de</strong> Franca com<br />

o título: “A criação da diocese <strong>de</strong> Ribeirão Preto<br />

e o governo do primeiro bispo D. Alberto José<br />

Gonçalves”.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Nos seus anos <strong>de</strong> carreira,<br />

o que apren<strong>de</strong>u <strong>de</strong> mais marcante<br />

sobre a religião?<br />

Nainôra: Ao longo dos anos <strong>de</strong>dicados a pesquisar<br />

religião fui <strong>de</strong>spertando cada vez mais<br />

para uma palavra que entre os católicos vinha<br />

do Concílio Vaticano II: ecumenismo. Após o<br />

doutorado, meu olhar foi ampliando para outras<br />

facetas da pesquisa em áreas que esbarram<br />

nas crenças mas voltadas para o patrimônio<br />

cultural e mais recentemente para a<br />

comida. A cultura como modo <strong>de</strong> vida passou<br />

a ser parte das pesquisas e, mais recentemente<br />

voltadas para a comida.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que a incentivou a seguir<br />

a carreira <strong>de</strong> docente? On<strong>de</strong> ministra<br />

aulas atualmente e por on<strong>de</strong> já<br />

passou enquanto professora?<br />

Nainòra: Fui professora <strong>de</strong> escolas públicas<br />

em Patrocínio Paulista, Itirapuã e Ribeirão<br />

Preto, ministrando aulas no ensino médio e<br />

fundamental. Leciono no Centro Universitário<br />

Barão <strong>de</strong> Mauá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988 e no CEARP<br />

(Centro <strong>de</strong> Estudos da Arquidiocese <strong>de</strong> Ribeirão<br />

Preto) voltei a lecionar coma reabertura<br />

da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia em 1995. Em 2000<br />

passei a lecionar História da Igreja no curso<br />

<strong>de</strong> Teologia sendo a única mulher neste cago.<br />

Nestes dois locais leciono atualmente diferentes<br />

disciplinas na área da História.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual sua opinião sobre a<br />

<strong>de</strong>svalorização do professor?<br />

Nainôra: Quando penso nas décadas <strong>de</strong> professora<br />

e nos muitos alunos que tive só tenho<br />

uma recomendação: não tenha medo <strong>de</strong> fazer<br />

um mergulho profundo e se entregar para a<br />

docência. Existe uma <strong>de</strong>svalorização gran<strong>de</strong><br />

do profissional e um <strong>de</strong>sconhecimento da história,<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, da memória que é parte<br />

constitutiva da nossa história, do nosso cotidiano,<br />

saberes, fazeres. Esse <strong>de</strong>sconhecimento,<br />

indiferença, preconceito <strong>de</strong> dizer que<br />

história e museu são velharias representam<br />

uma ignorância da população brasileira a respeito<br />

do que é próprio da nossa cultura, da<br />

raiz, da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> formativa da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

cada cidadão.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual o valor da memória?<br />

Nainôra: A memória, o patrimônio está em<br />

sua maioria <strong>de</strong>svalorizados, abandonados<br />

às traças neste país. A cultura como modo<br />

<strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> inclusive impulsionar a economia,<br />

basta olhar para vários outros lugares<br />

do mundo que vive <strong>de</strong> seu patrimônio cultural<br />

e o povo tem um profundo respeito e<br />

consciência da importância do patrimônio.<br />

No Brasil valorizamos muito o que vem <strong>de</strong><br />

fora e o que é genuíno nosso fica em segundo<br />

ou terceiro plano. Brasileiro tem o<br />

que chamo <strong>de</strong> memória curta. Acredito que<br />

precisamos <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> gestão<br />

a<strong>de</strong>quadas que somadas a processos educativos<br />

po<strong>de</strong>m melhorar a preservação da<br />

memória e do patrimônio cultural.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Indique um livro e uma<br />

música.<br />

Nainôra: Quando tenho que optar por um livro<br />

é difícil, segue dois: Gran<strong>de</strong> Sertão Veredas,<br />

do Guimarães Rosa; r Cem anos <strong>de</strong> Solidão,<br />

do Gabriel Garcia Marques. Uma música, ah!!<br />

tem várias: Romaria, do Renato Teixeira e Volver<br />

a Los 17, da Merce<strong>de</strong>s Sosa.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual seu sonho e seus<br />

planos para seu futuro profissional e<br />

pessoal?<br />

Nainôra: Sempre um pé aqui e outro nos vizinhos.<br />

Fazer o que é uma paixão assim como<br />

os cavalos. Meu sonho: viver em uma socieda<strong>de</strong><br />

justa, humana para todos, limpa e que<br />

todas as pessoas tenham acesso a educação,<br />

saú<strong>de</strong>, moradia, lazer. Vida plena para todos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Deixe um recado para os<br />

leitores que pensam em seguir a carreira<br />

da História.<br />

Nainôra: Se você que ser professor <strong>de</strong> História,<br />

acredite em seu trabalho e na preservação<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, da memória que é parte constitutiva<br />

da história. Eu tenho um sonho: que as<br />

pessoas possam viver em paz em suas comunida<strong>de</strong>s,<br />

paz interna e paz externa.

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