REVISTA JURÍDICA MG Maio de 2019
Revista voltada para profissionais da área jurídica e estudantes
Revista voltada para profissionais da área jurídica e estudantes
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
16<br />
ARTIGO<br />
«O<br />
<strong>de</strong>slumbramento<br />
e fascínio<br />
das<br />
mulheres pelo<br />
castigo e pela<br />
punição<br />
esfarela em migalhas<br />
a sólida história<br />
<strong>de</strong><br />
repressão patriarcal»<br />
A a p r o v a ç ã o d a<br />
redação está arraigada em<br />
matrizes penais e o Direito<br />
P e n a l , a c e r t a d a m e n t e<br />
assevera Marilia Montenegro,<br />
aparece sempre como a<br />
primeira gran<strong>de</strong> solução,<br />
fazendo parecerem urgentes<br />
e necessárias penalizações,<br />
criação <strong>de</strong> leis e inserção do<br />
crime <strong>de</strong> violência contra a<br />
mulher para, supostamente,<br />
acabar com a impunida<strong>de</strong>,<br />
como se o Direito Penal fosse<br />
uma formula mágica e as<br />
suas leis fossem a solução <strong>de</strong><br />
todos os males, trabalhando<br />
com uma parte da violência e<br />
i g n o r a n d o - a e m s u a s<br />
diversas outras formas.<br />
Já não resta dúvida <strong>de</strong><br />
que, inseridos no contexto e<br />
construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
punitiva, um castigo sempre<br />
parece em muitos casos<br />
quase sempre passível do<br />
nosso apoio irrestrito, principalmente<br />
quando estamos<br />
pessoal e diretamente implicadas<br />
e implicados em parcelas<br />
da socieda<strong>de</strong> histórica ou<br />
comumente castigadas pelo,<br />
agora, objeto do castigo,<br />
como é o caso do Brasil que<br />
hoje ocupa o 5º lugar no ranking<br />
mundial <strong>de</strong> violência contra<br />
a mulher. Aqui o castigo<br />
parece um gran<strong>de</strong> troco, o<br />
triunfo da vingança que nós<br />
teimamos em confundir com a<br />
justiça.<br />
O f e n ô m e n o<br />
persecutório e histórico <strong>de</strong><br />
caça às bruxas que, através<br />
da súmula aprovada pela<br />
OAB, sugere se inverter,<br />
c a u s a e s p a n t o a o s e r<br />
venerado não apenas pela<br />
classe como um todo, mas,<br />
e s s e n c i a l m e n t e p e l a s<br />
mulheres inseridas no âmbito<br />
jurídico <strong>de</strong> formas diversas. O<br />
<strong>de</strong>slumbramento e fascínio<br />
das mulheres pelo castigo e<br />
pela punição esfarela em<br />
migalhas a sólida história <strong>de</strong><br />
r e p r e s s ã o p a t r i a r c a l<br />
instrumentalizada através<br />
das sansões que todas nós<br />
temos carregado nas costas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro castigo que,<br />
pondo a culpa em Eva,<br />
etiquetou o corpo feminino<br />
e expulsou a todas nós do<br />
paraíso.<br />
Não é preciso remontar<br />
a todos os séculos <strong>de</strong><br />
narrativa sob os quais<br />
temos sido nós, mulheres,<br />
pisoteadas pelo castigo<br />
para alcançar a compreensão<br />
<strong>de</strong> que a punição e a<br />
pena como fenômenos<br />
instrumentalizados em perseguições<br />
sempre possuíram<br />
uma clientela bastante<br />
bem <strong>de</strong>finida, <strong>de</strong>ntro da<br />
qual, estivemos, estamos e<br />
estaremos nós, mulheres,<br />
sempre inseridas.<br />
Dentro do espectro<br />
da consciência <strong>de</strong> que a<br />
m u l h e r j a m a i s s e<br />
configurou como sujeito <strong>de</strong><br />
d i r e i t o s e n t r e o s<br />
espetáculos do castigo não<br />
há, nunca e agora, o que<br />
comemorar em episódios<br />
como o da aprovação da<br />
súmula. O cenário faz<br />
lembrar do que aconteceu<br />
em Londres no ano <strong>de</strong><br />
1660, quando alguém<br />
achou que a justiça era<br />
justa: “Ele acreditou que a<br />
justiça era justa”<br />
«Não é preciso<br />
remontar a<br />
todos<br />
os séculos <strong>de</strong><br />
narrativa sob<br />
os quais<br />
temos<br />
sido nós,<br />
mulheres,<br />
pisoteadas<br />
pelo castigo»