Fragmentos poemas e ensaios
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<strong>Fragmentos</strong><br />
Carlinho<br />
s Perdigão<br />
Poemas e Ensaios
<strong>Fragmentos</strong><br />
Carlinho<br />
s Perdigão<br />
Poemas e Ensaios
© 2010 Carlos Alberto Ferreira Junior<br />
Conselho Editorial<br />
Assis Almeida<br />
Rejane Nascimento<br />
Revisão<br />
Rejane Nascimento<br />
Capa, design gráfico e fotos<br />
Renata Holanda<br />
Fotos P&B Carlinhos Perdigão na bateria<br />
Giovanni Romanhole<br />
Diagramação e Arte Final<br />
Paulo Henrique<br />
Prefácio<br />
Carlos Dantas<br />
Impressão<br />
Editora Premius<br />
Rua Antônio Pompeu, 1711 • Centro<br />
60.040-001 • Fortaleza/CE<br />
Fone: (85) 3214.8181 • Fax: (85) 3214.8182<br />
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Filiado à<br />
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na fonte (CIP)
PREFÁCIO 7<br />
PARA LEMBRAR 11<br />
UMA SÓ POESIA 12<br />
FRENESI 14<br />
O DESTINO, O DETALHE 15<br />
MATADORES 15<br />
VIAGEM 16<br />
CANTO AMERICANO 16<br />
(EX) PULSO 17<br />
FUTURO 17<br />
TEUS OLHOS 18<br />
PUNHAL 18<br />
CORAÇÃO DE POETA 18<br />
ODE À MULHER AMADA 18<br />
NAVALHA, TU TALVEZ O MEU SANGUE NÃO VALHA 19<br />
TE AMO 20<br />
DUAS ÁGUAS 20<br />
RÉSTIAS DE LUZES EM UM PALCO 20<br />
A NOITE 21<br />
POETA 21<br />
TENHO UM AMOR 22<br />
SOMOS TONS? 22<br />
SUMÁRIO<br />
LOUCURA 24<br />
E AGORA? 25<br />
ANDANÇAS 25<br />
PARAÍSO BLUES 26<br />
PUNHAL DE DEFESA 26<br />
SABE 27<br />
COM LICENÇA, POÉTICA. 28<br />
VIDAS SECAS: ENTRE A LITERATURA E O CINEMA 30<br />
O LIVRO 39<br />
CONCEPÇÃO DO ROMANCE 44<br />
DO TEXTO AO CONTEXTO 46<br />
PRINCIPAIS OBRAS 47<br />
SINOPSE DO FILME 48<br />
O FILME 50<br />
BIBLIOGRAFIA 60<br />
A FALTA QUE O CEARÁ ME FAZ 62<br />
O PROFESSOR COMO INCENTIVADOR DA LEITURA 68<br />
AS MEMÓRIAS VIVAS DE MACHADO DE ASSIS: O HOMEM E<br />
A SOCIEDADE! 74<br />
DO TEXTO AO CONTEXTO 83<br />
PRINCIPAIS OBRAS 85<br />
BIBLIOGRAFIA 86<br />
UM SONHO 23<br />
SANGUE 23<br />
MEU CANTO 24<br />
MAE- NATUREZA 24
PREFÁCIO<br />
No concerto poético-musical da vida, as palavras-sons harmonizam-se<br />
regidas pela batuta do amor e da amizade, únicas forças<br />
capazes de unir em uma única partitura, os corações e as mentes dos<br />
homens. As notas, as palavras, os silêncios, os gestos, as batidas,<br />
tudo flui e reflui em ritmos múltiplos, em sístoles e diástoles<br />
sincopadas.<br />
Mais do que jogos retóricos, essas metáforas traduzem a união<br />
de dois instrumentos: o violão e a bateria. O primeiro, um instrumento<br />
de melodia e harmonia; o segundo, de marcação rítmica. O primeiro,<br />
toco eu; o segundo, o meu grande amigo e parceiro Carlinhos<br />
Perdigão: instrumentista, professor-educador, produtor cultural,<br />
pesquisador, ensaísta e poeta (esqueci alguma atividade mais?).<br />
Agora, os nossos sons unem-se uma vez mais para formar palavras,<br />
frases, orações, sentidos novos, repletos de vivências e emoções.<br />
Nessa nova harmonia sonora, os “<strong>Fragmentos</strong>-palavras” invocam a<br />
eterna magia da linguagem, quintessência da criatividade e da imaginação<br />
humanas, seu maior atributo.<br />
Quando “o meu patrão” (forma pela qual muitas vezes nos chamamos)<br />
Carlinhos telefonou-me convidando para que eu escrevesse essas<br />
palavras-sons, a emoção ficou presa na garganta. Mesmo separados por<br />
um oceano Atlântico imenso, foi a mim que coube a honra de apresentar<br />
o seu primeiro livro. Aliás, coincidentemente (se é que existem coincidências),<br />
com o mesmo título do meu primeiro livro – <strong>Fragmentos</strong>.<br />
A escolha desse título, com o qual ele teve contato ainda na infância<br />
foi, segundo Carlinhos, retirado de um livro que ia ser publicado por<br />
uma prima sua. Desde então, ficou para ele a certeza de que se um dia<br />
publicasse algo, seria esse o seu título. Dito e feito. Autopromessa<br />
cumprida. Lamento não poder presenciar o lançamento desta obra em<br />
data tão especial para ele e sua família, envolvidos que estão com<br />
as celebrações em torno dos 60 anos da união de seus pais, Carlos<br />
Alberto Ferreira e Ana Maria Perdigão. Quem conhece como eu este<br />
7
casal fantástico, fica impressionado com o amor, a cumplicidade e<br />
o carinho que fluem e refluem entre eles, transbordando e inundando<br />
a todos os que têm o privilégio da sua companhia.<br />
Eu e Carlinhos conhecemo-nos de verdade nas aulas de latim<br />
do professor Aroldo, na Universidade Estadual do Ceará - UECE.<br />
Digo “de verdade” porque já havíamos nos encontrado antes,<br />
quando ele comprou um dos meus livros no Centro Dragão do Mar de<br />
Arte e Cultura. Como é lógico, ele lembrou-se de mim e, a partir<br />
daí, iniciamos uma longa amizade que já dura muitos anos. Nunca<br />
me esquecerei da ocasião em que fiz uma participação especial no<br />
seu espetáculo “Bateria Brasileira” no Teatro José de Alencar.<br />
A chuva foi a causadora de que o show fosse transferido para<br />
o palco principal, reservado para as “grandes estrelas”. Além<br />
dessa ocasião, participei em outros espetáculos deste projeto<br />
de retratar os variados ritmos musicais brasileiros, um no centro<br />
cultural do BNB e outro no Dragão do Mar.<br />
Falando propriamente agora do livro, deixando a rasgação<br />
de seda de lado, até porque Carlinhos não precisa disso, seu<br />
livro é eclético e audacioso, procura harmonizar discursos diversos,<br />
buscando uma síntese entre o educador, o ensaísta e o<br />
poeta. Como educador, o ensaio “O professor como incentivador<br />
da leitura” reflexiona sobre a prática educativa – mormente a que<br />
relaciona-se com o ensino da leitura na escola. Este advoga por<br />
uma postura mais livre, responsável e, acima de tudo, coerente<br />
por parte do profesor em tal percurso didático. Afinal, como se<br />
pode querer “ensinar” a ler sem antes ser um leitor proficiente e<br />
comprometido? Como ensaísta, reflexiona sobre o livro “Memórias<br />
Póstumas de Brás Cubas, no texto “As memórias vivas de Machado<br />
de Assis: o homem e a sociedade”.<br />
8<br />
Já o ensaio “Vidas Secas: entre a literatura e o cinema”,<br />
foi originariamente produzido como trabalho final do seminário
“Narratologia Filmo-Literária” do Programa de Doutoramento<br />
em Teoria da Literatura e Literatura Comparada<br />
da Universidade de Santiago de Compostela (Galícia-<br />
Espanha), ministrado pelo prof. Dr. Dario Villanueva,<br />
membro da Real Academia Espanhola. De forma lúcida,<br />
Carlinhos reflexiona sobre a maneira como o livro de<br />
Graciliano Ramos foi vertido para a linguagem e o<br />
formato cinematográficos. Vale a pena ler este ensaio<br />
verdadeiramente instigante. Li-o logo em seguida a<br />
sua escritura. Lê-lo agora foi recordar um pouco da<br />
nossa trajetória como estudantes estrangeiros numa<br />
universidade estrangeira.<br />
Com relação a sua faceta poética, quase todos<br />
os <strong>poemas</strong> incluídos no livro são fragmentos-notas<br />
harmonizadas dentro da partitura imagética pela<br />
metáfora do “Punhal de Defesa”, exercido pela<br />
válvula de escape inerente à própria poesia como<br />
atividade vital e visceral. Todo poeta, como ser<br />
sensível que é, sente em carne viva a dura realidade<br />
da vida, suas agruras, seus dissabores, suas<br />
trapaças, seus infortúnios. Incapaz de empunhar<br />
armas reais e letais, ele empunha os seus versos<br />
contra tudo e contra todos. Em “Andanças” solitárias<br />
e noturnas, tentando compreender a “Loucura”<br />
de um mundo opressor e sem sentido, empunha o seu<br />
canto como espada e bandeira, provando que, acima<br />
de tudo, “Somos tons” dissonantes no concerto<br />
da harmonia das esferas. Há que frisar-se ainda<br />
que “Somos tons” foi musicado, juntamente com “A<br />
Noite”, pelo cantor e instrumentista Marcelo Justa.<br />
Este último, inclusive, foi finalista do 1º<br />
9
Festival de Música da Rádio Universitária FM de<br />
Fortaleza!<br />
Finalizando, vale a pena ler-escutar essas<br />
melodias poéticas ou essas poesias melódicas.<br />
Na quadratura rítmica dos <strong>poemas</strong>, escuta-se uma<br />
voz, um retumbar de tambores, tímpanos e pratos<br />
que nos reportam e nos levam ao “Paraíso-<br />
Blues”, a voz ancestral afroamericana que teima<br />
em permanecer vibrando em nossos ouvidos. Um<br />
“Poeta” de verdade, jamais sublima as vozes do<br />
seu povo, ao contrário, como porta-voz privilegiado,<br />
transforma o popular em erudito e o<br />
erudito em popular. Patatativianamente falando:<br />
a monografia de Carlinhos na graduação em Letras<br />
versa sobre o poema do literata de Assaré “Brasi<br />
de cima e Brasi de baxo”, já que - segundo<br />
ainda Carlinhos - “A vida que vem do barro do<br />
sertão não vai virar mar”. Vai virar poesia-rio,<br />
poesia-açude, poesia-lajedo. Poesias como as que<br />
encontramos nestes “<strong>Fragmentos</strong>” de litoral e de<br />
sertão conformando uma mestiçagem bem nordestina<br />
e bem brasileira.<br />
Nada de poesia oca de sentido e repletas<br />
de enfeites e purpurinas. Urge uma poesia viva!<br />
Uma poesia festiva e musical, acompanhada pelo<br />
coração-bateria de um poeta comprometido com a<br />
vida, com a educação e com a transformação de<br />
uma sociedade cada vez menos sensível e afeita<br />
apenas ao lucro e à exploração. Cantemos, leiamos<br />
e recitemos estes “<strong>Fragmentos</strong>” de maneira total<br />
e holística, experimentando a complexa teia de<br />
ligações imagético-musicais de um livro realmente<br />
enriquecedor. Parabéns meu amigo, parabéns!<br />
10<br />
Carlos Dantas<br />
Santiago de Compostela, Galícia-Espanha,<br />
setembro de 2010.
PARA LEMBRAR<br />
Uma vez alguém me disse: “A poesia é a arte do encontro”. Pois<br />
bem, aqui estou eu encontrado. Ou perdido em palavras, redemoinhos<br />
de ideias, sensibilidades em lembranças presentes ou ausentes, mas<br />
que nunca passam.<br />
Porque comigo as coisas da vida são assim: ficam. Fincam. Fitam.<br />
Criam raízes de asas. De almas. De calmas nervosas e rítmicas.<br />
Este sou eu. Aqui estou eu. Aqui estamos nós. Em palavras. Em diálogos.<br />
Matéria poética (que se deseja!) profunda. Meta-poesia musical. E em<br />
<strong>ensaios</strong> sobre leitura, literatura e cinema. Possíveis páginas sonoras.<br />
De um dia ouvir “fragmentos” de algo que não foi. Mas hoje é. Livro. Meu?<br />
Nosso! Publicado. Tentando não ser medíocre – recuso-me a isso.<br />
Por fazer. Por sonhar. Por tocar. Por querer. Por amar. Por<br />
acreditar. Por ser... ou tentar. A poesia me fez assim. Caçador de<br />
mim. Bateria-Coração.<br />
Andante, agradeço a todos que ajudaram a construir esta estrada literariamente<br />
poética: Ana Maria Perdigão (pela força e o amor na minha<br />
educação); Carlos Alberto Ferreira (por me acordar em duas situações:<br />
para a vida, e também para eu tocar bateria!); Lúcia (e Charles), Haroldo<br />
(e Mazé) e Jarbas (e Regina) pelos sentidos da irmandade; Kaíto, Delano,<br />
Lucas, Thaísa, Renah, Ana Yasmim, Haroldo Júnior (pelo prazer de ser tio<br />
e padrinho); Ivone Perdigão (dedicação e carinho para comigo); todos e<br />
todas das famílias Perdigão e Ferreira; Fernando Pessoa e Sérgio Pessoa<br />
(pela forte e sincera amizade); Katiusha de Moraes (amiga-irmã); Regina<br />
Primo (eternamente próxima do coração); Carlos Dantas e Ivana (irmãos<br />
meus na linguística, na literatura e na vida); Cleison Mattza (pelo sonho<br />
dividido de ser alguém na música do Ceará); Daniele de Andrade (pela<br />
convivência nas batalhas e nos meus trabalhos de professor e músico);<br />
Reginaldo Almeida, Márcio Araújo, Joanice Sampaio (integrantes do grupo<br />
Urbanóides, juntamente comigo); Aristides Cavalcante (meu amigoprofessor<br />
de bateria); Marcelo Justa e Chico Saga (pelas maravilhosas<br />
viagens musicais); Renata Holanda (amiga há pouco, crença de<br />
muito); à Poesia e à Bateria (que me fizeram, em definitivo, mais<br />
gente!).<br />
Andar, andar...<br />
Carlinhos Perdigão, ou simplesmente, Carlinhos<br />
Outubro 2010<br />
11
12<br />
UMA SÓ POESIA<br />
Ai, que saudades da poesia...<br />
Pois é amigos, eu nasci poeta<br />
Quando neste país não havia<br />
Poemas e nem tampouco festas...<br />
Eram tempos difíceis aqueles...<br />
Meu pai era major<br />
Não, não, meu pai era o coronel maior!<br />
Minha mãe, hum... filha da Mãinha.<br />
Sabor de ternura e de mulher forte!<br />
Eterno sabor de rainha!<br />
Que saudade da poesia...<br />
Pois é amigos, eu nasci poeta,<br />
E poeta com três irmãos!<br />
A Lúcia, esta é de Fátima<br />
Mas com certeza poderia<br />
Chamar-se Lúcia de Ótima...<br />
Grande irmã, grande imã.<br />
Tenho outro irmão, o Haroldo<br />
Adora o estádio, aliás, sempre vai.<br />
Este é Perdigão todo;<br />
E está estreando uma nova construção:<br />
Agora ele é papai!!!<br />
O outro irmão todos já sabem quem é;<br />
Seu nome é Jarbas,<br />
E também adora futebol! Adora a bola no pé!<br />
E quando ele está de bom humor, e não<br />
Manda tudo às favas,<br />
Tenho vontade de dizer:<br />
- Meu irmão, teu nome bem poderia ser:<br />
Trabalho, Regina e risos...<br />
Ai, que saudades da poesia...<br />
Pois é amigos, eu nasci poeta.<br />
E ninguém nasce poeta<br />
porque deseja nascer<br />
Nascer assim em casa de Ferreira,<br />
Eu tinha que empunhar esta bela bandeira...<br />
Nascer assim em casa de Perdigão,<br />
Eu tinha que ter o dom das letras no coração...<br />
É amigos, que saudades da poesia<br />
Lembro-me daquele bairro gostoso<br />
Lembro-me da Felino Barroso.<br />
Lembro-me de olhar o mundo pela janela<br />
De chorar bem pertinho da chuva<br />
Sentindo até o cheirinho dela...<br />
E de sonhar com um país justo, noite e dia.<br />
Que saudades da poesia...<br />
De aprender a amarrar os sapatos<br />
De voltar à tardinha pra casa<br />
Depois da aula da escolinha, e com<br />
Saudades da mamãe e do papai...<br />
É amigos, eu nasci poeta<br />
E sinto falta dos passeios infantis de bicicleta,<br />
De jogar futebol, qual um pseudocraque nervoso...,<br />
Perdendo a hora do almoço<br />
Mas ganhando a sublime hora do gol...,<br />
E de quebrar o braço numa partida e chegar<br />
Em casa todo orgulhoso:<br />
- Mãe, tô com dor no braço... mas meu time ganhou!!!!<br />
É amigos, que saudades da poesia...<br />
De ver, pela primeira vez, ser tocada uma bateria...<br />
E, para o bom amigo músico, simplesmente dizer:<br />
- Quando for grande, eu vou tocar que nem você!!!<br />
Que saudades da poesia...<br />
Da bermuda e da chinela na Federal<br />
Da barba, sempre por fazer, à la Fidel e Che<br />
Das idas e vindas de ônibus<br />
Da simples vontade de mudar o mundo...<br />
De, após assistir Fortaleza 4 Ceará 0, dizer:<br />
- Pai, a gente é campeão, pai...<br />
Que saudades da poesia...<br />
E da paúra do escuro,<br />
E da primeira namoradinha, lá na Praia do Futuro:<br />
- Mãe, num precisa me levar não,<br />
Eu vou é de bicicleta...!!!
É amigos, nasci poeta...<br />
De acordar madrugada adentro, só pra escrever...<br />
Poeta de chorar, quando via na TV<br />
O comercial do Gelol (não basta ser pai, tem que<br />
participar!).<br />
Poeta de procurar a coluna do Drummond<br />
Toda semana no JB.<br />
Que saudades da poesia!<br />
De ver o Zico fazendo gol na copa de 82<br />
Da praça Portugal, das aulas de bateria...<br />
Do balanço do chevetinho na praia, de noite<br />
(Vamos fazê amor, meu amor????)<br />
Dos primeiros e únicos cigarros fumados<br />
(Vô largar isso... só me dá é dor de cabeça!?!?)<br />
Dos parentes e amigos que já se foram<br />
(Sim, eu tenho amigos que já morreram...)<br />
Eu amo a nossa língua, eu amo o nosso chão...<br />
Aqui estão minhas raízes e minha aurora de paz...<br />
Eu amo meu país,<br />
Eu amo os meus pais<br />
Carlos e Ana Maria.<br />
Com certeza, eles formam uma só poesia...<br />
Carlinhos Perdigão, novembro de 2000<br />
Reatualização: setembro de 2010<br />
Que saudades da poesia...<br />
UECE, UFC, Unifor, Universidade de Santiago de<br />
Compostela; tios,<br />
Administração, Letras, discos; tias<br />
Blues, namoros, baladas, desnamoros; primos e primas<br />
Chegadas...partidas...artes; família<br />
Sol, Lua, Estrelas, Terra, Mundo, Universo<br />
Fortaleza, Brasil, América do Sul; irmãos<br />
Linguística, Português (nosso é este chão,<br />
nossa é esta língua!!!)<br />
Estudos, trabalhos, mestrado, Bakhtin, Paulo Freire...;<br />
Papai e Mamãe!!!<br />
Amigos, eu não tenho mais saudades da poesia,<br />
Pois meu braço forte traz um segredo:<br />
A doce certeza de ser amado<br />
Por uma mãe poetisa...<br />
E por um pai poeta...<br />
Sim amigos, eu continuo desejando um país mais justo,<br />
Um país mais humano, um país mais ético!<br />
Sonho de poeta?!? Talvez, mas eu luto<br />
Para que meus sonhos não permaneçam,<br />
Somente, sonhos...<br />
13
FRENESI<br />
Profundo e obscuro<br />
O frenesi do meu pensamento<br />
Atrás dele me aventuro<br />
Tentando dilacerar este tormento.<br />
Não deixo de perseguir<br />
Aquele mal de dores impuras<br />
Que ante o meu prosseguir<br />
Não mede forças para destruições futuras.<br />
E antes mesmo do encontro<br />
Ele me chama de inimigo<br />
Eu o chamo de monstro<br />
Mestre do mal antigo.<br />
Ele anda e corre para alguma treva<br />
Latejando na cabeça, célere.<br />
Finge não ver a tocha que minha mão eleva<br />
Nem a lança, presa ao meu corpo, célebre!<br />
Não há ilusões, os caminhos são abruptos.<br />
Já é hora que nos olhemos,<br />
Mas os momentos que passam ininterruptos,<br />
Parecem não querer que nos cruzemos.<br />
E para o encontro com aquela potência<br />
Eu não desisto e vou avante<br />
Levando a tocha de fogo em quase demência<br />
Para jogar naquele tormento flamejante.<br />
14
O DESTINO, O DETALHE<br />
Vejo o meu destino<br />
Um livre encanto<br />
Detalhe tão mínimo<br />
Mas ele não alcanço.<br />
No dia que reluz<br />
O destino é um vulto<br />
Um anjo, uma luz<br />
Detalhe em veludo.<br />
Na noite vazia<br />
O grande detalhe:<br />
A morte em um dia,<br />
E ninguém sabe.<br />
E mesmo assim<br />
O detalhe, ele cega<br />
É muito sem fim,<br />
E a ele, nada se nega.<br />
Não me procure,<br />
O destino é quem dita.<br />
Às vezes, o detalhe,<br />
É verdade sem vida.<br />
E descalço é que sigo<br />
Meu destino de medo.<br />
O detalhe perdido,<br />
Fala em vir cedo.<br />
Revelo agora,<br />
O destino de mim:<br />
O detalhe é a hora,<br />
Sinto, é o fim.<br />
MATADORES<br />
Andando pela noite, em busca de chacais<br />
Penso nas vítimas inocentes<br />
Desses que têm nas mentes<br />
Aríetes de ferros com dentes.<br />
São eles os donos das verdades impuras<br />
Feito verdadeiros matadores<br />
Estilhaçam monges e juras<br />
Ante olhares medrosos e dores.<br />
Apareçam assassinos diabólicos<br />
Vejam quem sou, e escolham as armas<br />
Não receio seus negros bólidos<br />
Viajantes, castradores das almas.<br />
E atravessando pontes sobre rios<br />
De repente encontrei olhos brilhantes<br />
Sei, são vocês, os estranguladores vadios<br />
Que estraçalham inocentes errantes.<br />
Venham eu não serei a caça<br />
Desses punhais e de suas cabeças assassinas.<br />
Mas diante de vocês terei a graça<br />
De ver seus corpos e mentes envoltos em cinzas.<br />
15
VIAGEM<br />
Qual a estrada, onde os trilhos<br />
Percorrem o meu caminho?<br />
Qual a razão desta vida,<br />
Perante o meu destino?<br />
Estou só, estou preso<br />
No lado claro da lua.<br />
Sem visão, cego sem preço<br />
E com a alma nua.<br />
Em cruz ilhado<br />
Esta é uma viagem.<br />
Louco e alucinado<br />
Sonho fora da ordem.<br />
Não há poesia, não há festa,<br />
Só arde o desejo<br />
De atirar no que resta,<br />
Antes que seja cedo.<br />
CANTO AMERICANO<br />
Canto pra ti, América!<br />
Não um canto qualquer,<br />
Mas uma canção de vida,<br />
Um vivo canto de fé!<br />
De Fortaleza, só lar,<br />
E latina, lá sol há!<br />
Em mim: te amar,<br />
Sul de l´América...<br />
Recanto americano<br />
De vida e de força<br />
Em nós, filhos d’África<br />
Negras e negros em flor...<br />
Do Ceará, luminosidade<br />
Patativiana em canção<br />
Poetando liricamente<br />
Na relva simples, à beira-mar...<br />
É..., mas nos dias, anos e meses<br />
Sei que tenho este espaço.<br />
E com a força dos deuses,<br />
Bem sei o que faço.<br />
16
(EX) PULSO<br />
Sou um poço de luta,<br />
De glória, que se disputa.<br />
E um pouco de tudo,<br />
De todos, que está de luto.<br />
Sou uma poça de sangue que aflora,<br />
E uma porca de uso,<br />
Que entorta,<br />
Atrás de um parafuso.<br />
Sou a porra do mofo.<br />
Que morre,<br />
E a porra do lodo,<br />
Que jorra<br />
Deixando-me torto.<br />
Sou um expulso,<br />
Que fala, fere, fita, fode, fuça...<br />
Sou um impulso,<br />
Que cala, cede, cita, chora, cura...<br />
Sou um pulso expulso,<br />
Que para, pede, pinta... Implode puto.<br />
FUTURO<br />
Existirá um futuro<br />
Onde faremos amor escrevendo versos.<br />
Tempo este que virá, eu juro<br />
Para unirmos ainda mais nossos universos.<br />
Esta será uma época<br />
De paz a nós, amantes faustos.<br />
E creio eu que tua boca<br />
Deixará meus lábios exaustos.<br />
Sei que o futuro pode vir atualmente em partes<br />
E te desejo como o alguém certo que tu esperas<br />
Pois contigo farei amor ensinando-te as artes<br />
Deste sentimento em outros tempos, outras eras...<br />
E aqui estou em meu quarto<br />
Lembrando-me das tuas entranhas.<br />
De repente sinto que visando o futuro parto<br />
Para junto a ti, desvendar tua selva e montanhas.<br />
Assim, um puto que ainda pulso,<br />
Um pranto que ainda pulsa,<br />
Mostrando a falsa<br />
E forte repulsa:<br />
Um rebelde com causa,<br />
.....................................(ex)pulso.<br />
17
18<br />
TEUS OLHOS<br />
Escrevo para os teus olhos belos<br />
Tentando novamente penetrá-los,<br />
Sei que eles nos uniram formando elos<br />
Fortes, puros, sinceros, amados.<br />
Amo teus olhos quando veem as linhas do horizonte<br />
E fico feliz por te ver querê-las.<br />
Só então é que noto quão foi profunda a fonte<br />
Da tua entrega, à luz das estrelas.<br />
Ontem teu olhar brilhava flamejante<br />
A exigir minha dura rocha.<br />
De repente rasguei tua fenda, e diante<br />
De tua carne, jorrei o fogo da minha tocha.<br />
Abrindo tua caverna escura<br />
Senti o magnetismo do teu olhar.<br />
E perfurando-te, noto que a aventura<br />
Não terminou (possuo ainda a ânsia de te amar!)<br />
CORAÇÃO DE POETA<br />
No meu coração de poeta que te ama<br />
Estão fixados sinceros olhares.<br />
E sempre que ele tem desejo e te chama<br />
Fixam-se também puras vontades.<br />
Meu coração de poeta é muito extenso<br />
Para te amar como moça-menina.<br />
E ele sabe que nosso segredo é tão intenso<br />
Que deixa a nós mesmos o tudo que se destina.<br />
Entendendo que nosso segredo é nossa vontade<br />
Meu coração de poeta bate amando o teu ventre<br />
E sabendo que aquele segredo vem e o invade<br />
Ele faz com que meu amor te alcance e te penetre...<br />
PUNHAL<br />
Canta com força meu punhal<br />
Arma com senso de combate<br />
Ele sabe o canto do bem e do mal<br />
Mas ama-os com pouca vontade.<br />
Meu punhal é forte e não cansa<br />
Justiceiro capaz e imbatível<br />
Liberta a todos e tudo alcança.<br />
Flecha dos que lutam<br />
Meu punhal é lança que fere<br />
Em choros que enlutam<br />
É ponta de faca que mata<br />
Nos corpos em que insere.<br />
ODE À MULHER AMADA<br />
Neste momento escrevo uma ode<br />
Composição poética como preito<br />
É por entre ela que meu coração explode<br />
Com felicidade e amor dentro do peito.<br />
Hoje vejo tudo bastante renascido<br />
Em minha ode e quando abro a janela<br />
Pois sei que meu amor garantido<br />
Se faz presente nas palavras e na lua bela.<br />
Grande é a certeza existente<br />
Já que tudo na vida sinto e sei que tenho<br />
Só que fico muito demente<br />
Quando saio do lar de minha<br />
amada e para o meu venho.<br />
Esta ode que agora eu alcanço<br />
Versa sobre a verdade das minhas alegrias<br />
É através dela que eu mais amo<br />
O meu amor que também escreve poesias.
NAVALHA, TU TALVEZ O MEU SANGUE NÃO VALHA<br />
Sou poeta e <strong>poemas</strong> trago<br />
Para te fazer esquecer a tristeza.<br />
E como não sou bruxo ou mago<br />
Exponho a vida na incerteza.<br />
Sempre que percebo as flores<br />
Vejo-as torpes e longínquas.<br />
Meu coração diz que se tu fores<br />
Minha, dar-te-ei as verdades nuas.<br />
Neste poema tento me libertar de um muro<br />
Onde habitam as felicidades falsas.<br />
Amo e sei bem, te curo<br />
Da melancolia que tu calças.<br />
Mas com ódio tu me furas<br />
E meu sangue cai nas muralhas<br />
Da vida, atiçando ainda mais as loucuras<br />
Destas tuas assassinas navalhas...<br />
19
DUAS ÁGUAS<br />
Há uma chuva lá fora<br />
Molhando mentes e corpos,<br />
Cada minuto que avança a hora<br />
Sinto chover também nos meus olhos.<br />
TE AMO<br />
Te amo em todos os momentos, mesmo sem ver-te<br />
Em ti depositei um sentimento puro e certo<br />
Tu és o meu amor, minha natureza, meu verde.<br />
Enfim, és a mulher que mora em<br />
meu coração aberto.<br />
Hoje te tenho sem conflito<br />
Amo-te e sonho junto a ti<br />
transpor qualquer barreira.<br />
Vens, sei ser o nosso sentimento infinito<br />
E tu serás minha companheira.<br />
Meu grande amor, não desesperes<br />
Tua vida não passará rápida.<br />
E se fores minha durante os anos e meses<br />
Verás tua existência tornar-se válida.<br />
Pois serás mãe dos meus filhos.<br />
E vendo crescê-los saudáveis, humanos,<br />
Me amarás sem temer os empecilhos<br />
Que poderão aparecer frente<br />
a nós, futuros pais lhanos.<br />
Sei que estas duas águas<br />
Representam sinceras purezas<br />
Uma, fala-me das mágoas.<br />
A outra, das naturezas...<br />
Sinto que meus olhos lacrimejam<br />
E as lágrimas caem sobre um jardim verde<br />
Deixando com que as plantas bebam<br />
Acabando assim a forte sede.<br />
E agora sob a chuva estou<br />
A água do céu junta-se às lágrimas<br />
E com elas duas noto que sou<br />
Um esperançoso poeta com suas rimas...<br />
RÉSTIAS DE LUZES EM UM PALCO<br />
Por entre réstias de luzes mágicas<br />
Passo em apressado passo<br />
Tenho eu minhas loucuras ávidas<br />
A percorrer todo o espaço.<br />
Olhando um velho palco sagrado<br />
Imagino nele aquelas réstias<br />
Em segredo mantidas<br />
Escondidas e vestidas<br />
Atrás de paredes várias.<br />
Estou em outras galáxias<br />
Vendo no palco o mundo afora<br />
Viajando em máquinas<br />
Achando tarde qualquer hora.<br />
20<br />
As réstias de luzes desaparecem<br />
Apresso no palco o passo apressado.<br />
Sinto que elas estão perdidas<br />
Nas magias de um tempo passado.
A NOITE<br />
Tristes os momentos do ocaso<br />
Trazendo a escuridão da noite<br />
Pois quando ela vem me transformo em mago,<br />
Mestre, senhor e deus do açoite.<br />
Quando olho tudo enegrecido<br />
E a face sem vida, mero semblante<br />
É que noto estar escondido<br />
O sentimento daquele instante.<br />
Quando me sinto solitário,<br />
Olho o céu, vejo cintilantes estrelas,<br />
Percebendo que o meu peito solidário<br />
Ama-as e tem mais vontade de querê-las...<br />
Nas sombras da noite que um dia o amor viveu<br />
Hoje as consome o ódio de toda hora<br />
Eu, transformado em mago que sempre sofreu<br />
Sei que não voltará o meu amor de outrora...<br />
POETA<br />
Há tempo, muito tempo que escrevo<br />
Tentando me encontrar nas rimas métricas<br />
E através das palavras, sentir o que vejo<br />
Por entre minhas visões poéticas.<br />
No que escrevo a felicidade exala<br />
Um bálsamo forte e sequaz.<br />
Em verdade na poesia procuro achá-la<br />
Sentindo sempre muita paz.<br />
Desejo sentir sobre um papel em branco<br />
Uma maneira de vencer na vida inglória<br />
E para olhá-la de frente, não como um flanco<br />
Eu escrevo partindo pra vitória.<br />
Esta é minha estrada, minha íngreme ladeira<br />
Não digo que morrerei escrevendo, não sou profeta<br />
Mas sei que estarei a empunhar uma bela bandeira<br />
Sempre que estiver em meu trabalho de poeta!<br />
21
TENHO UM AMOR<br />
Meu amor pelo meu amor<br />
Existe e é todo um deserto,<br />
Não é nada, não é certo<br />
É sentimento sem dor.<br />
Meu amor, pela difícil riqueza<br />
Acontece a todo instante.<br />
É incrível a sua beleza<br />
E não termina, o próprio garante.<br />
Meu amor é minha vida<br />
Todo dia solitariamente<br />
Vive, reluz e brilha<br />
Com força em cima da gente.<br />
Meu amor não sabe o que diz<br />
Um anjo de visões sentimentais,<br />
Alguém que o demônio quis<br />
Veio buscar, me tomou e nada mais.<br />
SOMOS TONS?<br />
Seremos átomos?<br />
Não sei, mas quando muito somos,<br />
Em desvairados sonhos<br />
E na lucidez de um som...<br />
Nas loucuras de um blues,<br />
Nas mutações de uma balada,<br />
Nas mágicas de um rock selvagem,<br />
Nos mistérios de um soul...<br />
22<br />
Sim, são baterias, sentimentos, guitarras, viagens,<br />
Contrabaixos, melodias, teclados, poesias, vozes, vida.<br />
Muita vida...<br />
Afinal, o que somos?<br />
Cromossomos, talvez...<br />
Quem somos?<br />
Música, com certeza!
UM SONHO<br />
O sonho que tenho é rápido instante<br />
Que rouba o destino que em mim soa<br />
Rasgando a garganta da noite brilhante<br />
Estrangulando a raiva de minha boca.<br />
Ante os martelos dos deuses<br />
Eu nada posso fazer<br />
Eles ditam fortes poderes<br />
Que não me deixam morrer.<br />
Levo no sonho rasgado<br />
A infâmia das minhas palavras<br />
Que passam e se chocam aladas<br />
Contra meu ser chorado.<br />
Meu sonho existe em busca do sol perdido<br />
Negro amante dos amores sem dúvida<br />
Artista maior e crítico das alturas<br />
Ele sabe que não deve ir ao infinito.<br />
Meu sonho trago comigo<br />
Não adianta procurá-lo<br />
Ninguém nunca vai achá-lo<br />
Pois como ele, eu não existo.<br />
SANGUE<br />
Em meu braço corre sem dono<br />
O sangue quente da esperança.<br />
A ferida do meu braço sem sono<br />
É sangue que sai e que sangra...<br />
Vejo o sangue que ama<br />
No meio da rua que ando.<br />
O sangue da eterna vingança<br />
Entra em meu corpo brando.<br />
No quarto lembrei a sorte<br />
Na rua vejo meu sangue ilhado<br />
Sou morto sem morte<br />
E um corpo humilhado...<br />
23
MEU CANTO<br />
Meu canto é assim... terno<br />
Como a real chama<br />
Do lírico fogo eterno<br />
Que arde e não cansa.<br />
Vida, vitória vilã<br />
Meu canto te canta<br />
E eu te canto como fã.<br />
Mas já não sei se há no peito, tanta...<br />
Meu canto... de fato<br />
É alimento meu, do meu corpo<br />
Por causa dele, no impacto do ato<br />
Sinto-me vivo, vivo e não morto...<br />
Já é hora de viver o meu canto<br />
De mostrar o meu sol e o céu sem nuvem<br />
De cantar e cantar e cantar o quanto<br />
Importa a minha fortuna: ser um simples homem.<br />
MÃE - NATUREZA<br />
Mãe-Natureza, tua voz<br />
Nos faz perceber uma luta<br />
Diária, potente e veloz<br />
Contra quem não ama a tua fruta.<br />
Talvez, quem sabe um dia<br />
Possa tu, mãe-natureza<br />
Traduzir-te rara, e como o poeta diria:<br />
Com a mais cristalina beleza!<br />
Mãe, transpõe tua força<br />
Para esta canção que teço<br />
E para que eu grite (assim não esqueço)<br />
Que tu estás ao pé da forca...<br />
Mãe, não há de ser nada<br />
A fé secreta que te habita<br />
Não traz a morte anunciada<br />
Mas, ao contrário, a vida, decidida!<br />
LOUCURA<br />
Meu braço forte traz um segredo<br />
A doce loucura de ser louco<br />
Por isso canto já rouco<br />
O lado alado do medo.<br />
Trago queimando um cheiro de luz<br />
Vivo ser vivo, ser morto;<br />
Meu coração me conduz<br />
Ao nada, ao tudo deposto.<br />
Meu pulso ainda sente a loucura<br />
De ver-me vivo em sangue<br />
Minha alma pede: que eu não me engane,<br />
Esta não é uma real cura...<br />
24<br />
Eu sou um caro<br />
Trago a morte, trago a ira,<br />
Sou raro,<br />
Não corro perigo, corro pra vida!
E AGORA?<br />
Sinto tua luz eterna<br />
Ultrapassando meu corpo vazio<br />
Literalmente preso numa caverna<br />
Vendo o exterior dentro de mim, triste, quando rio.<br />
Assim tua luz irradia o teu eu<br />
Enquanto penso que de uma prisão saio<br />
Levanto a mão tentando tocar em algum raio<br />
Desta luz que para mim não morreu.<br />
E tua luz viva não cessa<br />
Penetro profundo em minha alma imensa<br />
De dor, ao sentir que não a possuo nessa<br />
Caminhada sombria (assim meu ser pensa)<br />
Tudo isso é passado, nunca chegará o dia perdido<br />
Deste poeta tocar em tua luz,<br />
Pois já nem ao menos a sinto; fui vencido<br />
Pela escuridão que meu corpo, dantes vazio, agora reluz...<br />
ANDANÇAS<br />
Sinto-me um qualquer<br />
Andando só pelas ruas<br />
Tornando fortes e nuas<br />
As imagens de quem me quer...<br />
Canto na cidade das luzes<br />
Procurando um falso alarme<br />
Para acordar falsas cruzes<br />
Que aguardam o meu desarme.<br />
É noite, a cidade está dormindo<br />
Mas assim mesmo eu digo amém;<br />
Não espero que todos concordem,<br />
Mas amanhã nascerá um dia lindo!<br />
Estou só, e canto sem pressa<br />
A procurar num espelho<br />
Algo belo e cruel que meça<br />
Meu amor nunca velho...<br />
25
PARAÍSO BLUES<br />
Hey baby, mais quanto tempo ao paraíso (?)<br />
O blues faz parte da minha história<br />
Ele é tudo de que preciso<br />
E eu quero mais é a glória!<br />
Andando nas sombras do blues<br />
Ouvindo meus discos<br />
Correndo muitos riscos<br />
Acendendo minha vela, minha luz...<br />
Hey baby, eu tenho pressa<br />
De sacar um blues selvagem<br />
De tirá-lo das entranhas, depressa<br />
E cantar com força numa viagem!<br />
Hey baby, estou à flor da pele<br />
Naufragando neste canto minha alma<br />
Fazendo com que meu espírito<br />
Te alcance, te penetre<br />
E te diga: me acelere, me acelere....<br />
Hey baby, somos o paraíso blues...<br />
Hey baby, estamos no paraíso....<br />
PUNHAL DE DEFESA<br />
Estou por entre celas<br />
E sei ser pessoa presa<br />
Pois eu, dependente delas,<br />
Não conseguirei manter<br />
minha vida acesa.<br />
Sou prisioneiro destas paredes de fogo<br />
E sinto-me cada vez mais cego<br />
Ante esta muralha púrpura que logo,<br />
Me destruirá, não nego.<br />
Busco saídas para fuga,<br />
não obtenho sucesso<br />
Meu corpo está cansado e arde.<br />
Desejo uma arma e é ela o que peço<br />
Mesmo que, neste<br />
momento, seja tarde.<br />
Mas de repente vejo em pontos paralelos<br />
Meu punhal de defesa:<br />
os <strong>poemas</strong> que faço.<br />
E utilizando-os parto estraçalhando os elos<br />
Desta prisão que agora eu desgraço.<br />
26
SABE<br />
Quem sabe o futuro<br />
Está preso a um só destino<br />
Quem sabe o mal que eu curo<br />
Faz o próprio desatino. Talvez...<br />
Quem sabe o que sabe<br />
Vê qual a da luta<br />
Saca a força da arte<br />
E a porra da voz que escuta. Talvez...<br />
Quem sabe o que grito<br />
Entende aquilo que faço<br />
Quem saca o que sinto<br />
Sabe... Sou coragem, o que vier eu traço!<br />
Talvez...<br />
Quem sabe se há um atalho<br />
Corre com medo da vida<br />
Este é um grande ato falho<br />
Não é a minha saída. Talvez...<br />
Porra, se há alguma dúvida<br />
É dela que tiro a certeza<br />
Que toco e faço música<br />
E só desejo a beleza!<br />
27
Com licença, Poética.
vidas secas: entre a<br />
literatuRa e o cinema
Firmino Holanda, amigo e professor da Universidade<br />
Federal do Ceará Firmino Holanda é quem sustenta<br />
- no livro ainda inédito Seis Romances Brasileiros na<br />
Tela, escrito conjuntamente com este pesquisador:<br />
A técnica de registro e reprodução fotomecânica da<br />
realidade - ou seja, o cinema -, é arte relativamente<br />
nova. Ela possui pouco mais de um século de existência.<br />
E na época em que surgiu, nem foi reconhecida como uma<br />
forma artística de expressão. Em 1896, o escritor Máximo<br />
Górki, por exemplo, duvidou poder “descrever todas as<br />
nuances” do cinematógrafo dos Lumiére com seu “movimento<br />
de sombras” espectrais e mudas. Décadas depois, entretanto,<br />
com a revolução soviética entronizada no poder,<br />
seu romance “A Mãe” seria filmado por Pudovkin. E foi assim<br />
que aquelas sombras silenciosas “capturaram sua literatura”.<br />
O filme baseado nesta obra literária é uma das<br />
afirmações do cinema enquanto arte autônoma.<br />
32<br />
Com essa perspectiva, é certo que, ao longo de sua<br />
existência, o cinema e a arte literária se beneficiaram<br />
mutuamente, em uma verdadeira troca de influências.<br />
Dentro desse contexto, este trabalho destaca que os<br />
pressupostos que configuram a literatura podem ser potencializados<br />
pela linguagem cinematográfica, que busca<br />
trabalhar o universo da palavra apresentando-a em<br />
meio aos recursos imagéticos e musicais. Assim, dessa
forma, descreve-se plasticamente o ambiente temporal da história,<br />
destacam-se o espaços físicos e geográficos nos quais os<br />
protagonistas atuam, analisam-se visualmente as definições corpóreas<br />
dos personagens, observam-se as diversas situações do<br />
enredo sugeridas pela trilha sonora.<br />
Nesta introdução, convém destacar ainda que todos esses<br />
citados recursos do cinema podem ser comparados - de uma forma<br />
transversal e interdisciplinar - com o estilo da literatura<br />
do escritor que teve o seu texto vertido para a linguagem cinematográfica.<br />
E esse é o campo intelectual da literatura comparada,<br />
conceituada por Remak, em citação de Villanueva como<br />
(1994:106): “(…) el studio de las relaciones entre la literatura<br />
e otras áreas de conocimiento e creencias, como las artes<br />
(…)”. Assim, sobre a literatura comparada, este texto<br />
sustenta que - no mundo moderno -, ela tem-se mostrado<br />
um importante método investigativo justamente por permitir<br />
comparações entre linguagens diferentes. Como é<br />
o caso deste trabalho, que analisa um texto literário<br />
sendo usado em um canal de comunicação semelhante, mas<br />
com especificidades distintas: o cinema.<br />
Considerada essa temática, cumpre reafirmar o diálogo<br />
existente entre a palavra escrita no texto literário<br />
e o cinema. O diretor brasileiro Júlio Bressane, por<br />
exemplo, assinala o quanto a obra de Machado de Assis<br />
“Memórias Póstumas de Brás Cubas” - lançada em 1881 -<br />
guarda similaridade com elementos da linguagem fílmica,<br />
quando essa ainda nem existia.<br />
Relacionado a esse aspecto, ressalte-se ainda que<br />
vários diretores de cinema usam a literatura em suas<br />
33
obras, já que é possível detectar uma infinidade<br />
de citações de romances e poesias na vasta<br />
produção audio-visual existente em todo mundo.<br />
E nessa produção, a palavra escrita é valorizada<br />
como imagem aposta ao cinema. Em outras<br />
palavras, esta análise sustenta que o texto<br />
literário - no interior das relações com o cinema<br />
- possui o poder de ampliar seu próprio<br />
discurso, já que pode ser trabalhado na tela<br />
grande, e com todos os recursos presentes na<br />
linguagem cinematográfica.<br />
É exatamente o que acontece com o romance<br />
“Vidas Secas” - de 1938, de Graciliano Ramos.<br />
Assim é que, vinte e cinco anos após sua publicação,<br />
em um século XX dominado por noções acima<br />
sustentadas de diálogos entre artes, Nelson Pereira<br />
dos Santos lançou uma adaptação cinematográfica<br />
homônima ao livro desse escritor alagoano.<br />
34<br />
Sobre Pereira dos Santos, este texto julga importante destacar<br />
que ele possui uma influência marcante do neorrealismo<br />
italiano. Foi dentro dessa retórica cinematográfica que filmou,<br />
por exemplo, “Rio, 40 Graus”. Além disso, juntamente com Gláuber<br />
Rocha, é um dos idealizadores do Cinema Novo, uma estética<br />
fílmica que, preocupada com os destinos do Brasil, buscava<br />
divulgar problemas sociais brasileiros. Como asseveram Xavier<br />
(1993:269), que afirma ser o Cinema Novo um movimento importante<br />
por colocar “situações que remetam a plateia às questões do<br />
país”, e Melanie Dimantas (2002:350), em seu artigo O cinema<br />
brasileiro, situado no livro Brasil: 500 anos depois:
As décadas de 1960/70 (…) trouxeram a possibilidade<br />
de se experimentar a linguagem, (…) era hora de romper com<br />
o tradicionalismo das imagens, do enredo e das situações,<br />
poderíamos chafurdar em nossas raízes, falar de nós mesmos<br />
sem leveza, sem meias tintas. Um cinema pintado com o sangue<br />
de nossas origens, visceral, poético. Não tínhamos recursos,<br />
mas tínhamos uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.<br />
Esta máxima de Gláuber e do Cinema Novo tem o cheiro da<br />
força revolucionária (…), a mistura da ficção com um aporte<br />
documental. A realidade pulsa grandiosa.<br />
Por sua vez, Konder sinaliza uma concordância com as<br />
preocupações sociais e históricas do Cinema Novo ao destacar,<br />
em uma resenha sobre Walter Benjamin situada no<br />
livro “O Que é Ideologia?”, as possibilidades políticas<br />
do alcance da linguagem fílmica (2002:97):<br />
35
(…) graças à linguagem do cinema, os homens do século<br />
XX puderam enxergar coisas que seus antepassados<br />
jamais puderam ver. Essa experiência proporciona<br />
maior autoconfiança no sujeito humano, anima-o<br />
em sua vontade de enxergar mais, de conhecer mais.<br />
Veloso e Madeira também destacam a concepção política do<br />
Cinema Novo ao se referirem às questões do engajamento e da contracultura<br />
nos meios intelectuais brasileiros nos anos 50, 60 e<br />
70 do século passado (1999:181):<br />
Outro movimento artístico marcante da época, o<br />
Cinema Novo apresenta uma visão crua e sem idealizações,<br />
do Brasil e da América Latina, renovando<br />
a linguagem cinematográfica em “Vidas Secas”<br />
(1964), de Nelson Pereira dos Santos, e Terra em<br />
transe (1967), de Gláuber Rocha, para citar<br />
apenas dois dos numerosos filmes que tematizaram<br />
as contradições mais agudas da<br />
realidade brasileira.<br />
Ressalte-se ainda que na filmografia de Pereira<br />
dos Santos aparecem outros textos literários<br />
adaptados: “Memórias do Cárcere”<br />
- romance igualmente de Graciliano<br />
36
Ramos; “Tenda dos Milagres” e “Jubiabá”<br />
- de Jorge Amado; e “O Alienista” - de<br />
Machado de Assis, que ganhou o título<br />
“Um Asilo Muito Louco”.<br />
Convém destacar ainda que este estudo<br />
divide-se em três capítulos. O primeiro - de<br />
caráter explicativo e denominado “O Livro”, refere-se<br />
a uma análise da obra “Vidas Secas” de<br />
Graciliano e ao contexto social brasileiro em que<br />
foi lançada. Este mesmo capítulo também informa os<br />
títulos e respectivos anos de lançamento do restante<br />
da produção literária gracilianista.<br />
O segundo capítulo, por sua vez, apresenta informações<br />
referentes à sinopse e às fichas técnicas e artísticas<br />
da película de Pereira dos Santos.<br />
Já o terceiro, denominado “O Filme” busca - considerando<br />
a reprodução cinematográfica uma transposição praticamente fiel<br />
do texto de partida —, analisá-la à luz de uma tradução intersemiótica.<br />
Ou, em outras palavras, uma tradução situada entre<br />
dois sistemas de signos. Torna-se importante destacar ainda que<br />
este capítulo apresenta as considerações finais, e que também<br />
faz referências ao livro. Sobre esse último aspecto, este pesquisador<br />
afirma que o intuito é buscar<br />
uma complementaridade informacional<br />
entre esses dois produtos culturais.<br />
Assim, em decorrência de todo<br />
esse aspecto - e já antecipando as<br />
considerações conclusivas -, este es-<br />
37
tudo intenta mostrar como a retórica cinematográfica<br />
do diretor Pereira dos Santos homologa certos aspectos<br />
da enunciação de Graciliano. Para isso, sustenta que<br />
a fidelidade do filme apresenta-se em relação ao dito e<br />
ao não-dito no texto do escritor nordestino. Como poderá<br />
ser observado em parte do desenvolvimento deste<br />
trabalho.<br />
No fechamento desta etapa introdutória, este trabalho<br />
expõe duas afirmações do próprio Pereira dos<br />
Santos. A primeira foi publicada na edição on line<br />
de 13/04/03 do jornal Diário do Nordeste, e reforça o<br />
quadro de semelhanças entre literatura e cinema. Assim,<br />
nesta matéria, o cineasta comenta sobre as características<br />
fílmicas presentes em Vidas Secas: “O livro<br />
é tão rico de imagens, os detalhes são tão surpreendentes,<br />
que já é uma espécie de roteiro”.<br />
A segunda afirmação, por sua vez, está situada no<br />
livro “Graciliano Revisitado”, organizado por Eduardo<br />
Assis Duarte. Essa obra apresenta um testemunhal de<br />
Pereira dos Santos asseverando que (1995:158):<br />
O livro Vidas Secas foi escrito em 1938, e é um depoimento<br />
(…) precioso sobre a questão agrária, não apenas<br />
do momento da seca, da retirada, mas sim um documento<br />
que analisa todas as relações humanas de trabalho dentro<br />
do sertão (…) nordestino. Mas não é só isso, não é<br />
apenas uma análise coletiva e fria, é uma análise que<br />
tem o poder da síntese artística. Por isso que, quando<br />
eu digo documento, é porque ele conta, descreve essa<br />
realidade, faz uma observação sobre essa realidade de<br />
uma forma definitiva como toda (…) obra de arte consegue<br />
fazer.<br />
38
O LIVRO<br />
Uma paisagem rude. Uma paisagem árida. Uma paisagem áspera.<br />
Uma paisagem: o Nordeste. Outra paisagem: um homem, uma mulher,<br />
dois meninos, uma cachorra, um papagaio, todos tangidos pela<br />
seca e pela humilhação dos que podem mandar. Na mesma paisagem:<br />
vidas secas. Essa é a temática recorrente no livro homônimo do<br />
escritor Graciliano Ramos (1892-1953), que buscava revelar a<br />
alma humana - em meio às desgraças protagonizadas pelas estiagens,<br />
tendo como cenário o Nordeste brasileiro.<br />
A infância e boa parte da vida de Graciliano - nascido em<br />
Quebrangulo, cidade alagoana, esteve ligada a essa região do<br />
país. Esse foi o lugar de onde ele retirou elementos substanciais<br />
para alguns de seus romances. Assim, a realidade nordestina<br />
vivida por seus personagens - agreste, cabocla, poeirenta,<br />
dura é expressão forte em seus escritos; os quais, destaque-se,<br />
são frutos de sua sensibilidade questionadora. Desta forma é<br />
que, ao questionar a violência opressora da sociedade contra o<br />
ser humano, seu texto tentava denunciar a lei do mais forte, a<br />
incansável luta pela sobrevivência, o escravismo e a tentativa<br />
de manutenção desumana do status quo por parte dos poderosos.<br />
Graciliano escreveu “Vidas Secas” tentando se opor a todo<br />
esse sistema paradoxal de convivência e de competição da socie-<br />
39
dade brasileira. Ele que, primeiro de quinze filhos, sempre fora<br />
visto pela família como um sujeito taciturno e introspectivo,<br />
terminou por revelar em sua autobiografia Infância (1945) as experiências<br />
de sua meninice difícil, em que invariavelmente era<br />
castigado pelos pais sem explicações aparentes. Ele que, mesmo<br />
tendo terminado os estudos secundários em Maceió, desvela na<br />
obra em foco o parentesco entre a falta de escolaridade do brasileiro<br />
comum e o seu embrutecimento e rudeza interior. Ou que<br />
- imbricado até o âmago com as idiossincrasias do Nordeste do<br />
Brasil -, relata os costumes da gente brasileira em Viventes das<br />
Alagoas (1962). E que, em uma perspectiva diferente - talvez se<br />
percebendo uma outra versão do gauche de Carlos Drummond de Andrade<br />
-, narra em Memórias do Cárcere (1953) sua prisão durante<br />
a ditadura de Getúlio Vargas e aproveita para fazer um relato<br />
em forma de catarse. O intuito: procurar explicitar (e/ou até<br />
mesmo exorcizar!) o próprio medo, a inquietação, a existência<br />
angustiada.<br />
Vidas Secas faz parte de toda essa trajetória<br />
graciliana. Entretanto, na sua expressão li-<br />
40
terária, os problemas sociais do Nordeste são<br />
tratados com uma densidade universal. Assim,<br />
o escritor de Alagoas relaciona-os ao ser humano<br />
em geral e ao sistema político que determina<br />
as relações entre as pessoas. Em outras palavras:<br />
o Nordeste brasileiro é o foco, mas a cosmovisão social/política<br />
é universal.<br />
Por outro lado, Graciliano situa os personagens Fabiano,<br />
Sinha Vitória e os filhos como exemplos de seres<br />
convertidos em animais, brutalizados que estão em suas pelejas<br />
para sobreviver. Nesse contexto, eles abandonam a terra<br />
ressequida em que nasceram, e vão procurar em outras paragens<br />
trabalho, comida, carinho, ternura, alegria, beleza... vida.<br />
Assim, no interior da saga dessa família de retirantes,<br />
a precariedade das condições de existência traduz a secura da<br />
vida ali retratada: Fabiano é um sertanejo sem raízes, já que<br />
cultiva a terra alheia; sem norte, pois depende dos humores<br />
da natureza; sem linguagem, pois quase não fala e, quando o<br />
faz, se expressa rudemente com grunhidos animalescos. Impoten-<br />
41
te diante do mundo, sentindo-se um bicho, ele<br />
não frequentou a escola e não sabe se defender<br />
dos que o oprimem e exploram. Sinha Vitória,<br />
sua companheira, é a encarregada dos serviços<br />
domésticos e das crianças; religiosa, acredita<br />
em Deus e na Virgem Maria; objetiva, sabe raciocinar<br />
e contar com bagos de feijão quanto<br />
Fabiano receberá do patrão (por conta disso, o<br />
marido a via como esperta, pois “ele era bruto,<br />
mas a mulher tinha miolo”); sonhadora, sua<br />
maior aspiração era possuir uma cama igual à do<br />
seu Tomás da bolandeira, este, homem educado e<br />
de leituras variadas. Os filhos do casal protagonista<br />
não possuem nome: o “menino mais novo”<br />
tem Fabiano como alvo de sua admiração, imaginava<br />
que precisava crescer e ficar tão grande<br />
como o pai, matar cobras com a mão de pilão e<br />
andar com uma faca na cintura (no interior nor-<br />
42
destino, esse aspecto é uma espécie<br />
de carteira de identidade!), tal<br />
como o pai, está imerso em um cotidiano<br />
estéril e brutal; o “menino<br />
mais velho” sofre a mesma violência.<br />
Baleia, a cachorra, pensa como ser<br />
humano e assim é tratada por seus<br />
donos, com eles compartilhando<br />
alegrias e tristezas. Sua<br />
morte é minuciosamente contada<br />
pelo narrador, o qual busca<br />
evidenciar, com a expressividade<br />
de seu texto, a agonia do animal,<br />
repleta de metáforas humanas.<br />
43
CONCEPÇÃO DO ROMANCE<br />
Em relação à concepção de “Vidas Secas”, é importante<br />
ressaltar que os seus treze capítulos foram<br />
publicados isoladamente em jornais e revistas, e só<br />
por insistência do falecido editor José Olympio acabaram<br />
por desenvolver-se e transformar-se em romance.<br />
Destaque-se também que a estrutura do livro é bem<br />
demarcada: os capítulos possuem títulos e apresentam<br />
aparente autonomia. Acrescente-se, a propósito, que o<br />
nono capítulo, “Baleia”, foi o primeiro a ser escrito<br />
e publicado.<br />
Ao longo do seu texto, Graciliano apresenta uma<br />
narrativa estruturada em terceira pessoa, com um<br />
narrador onisciente, que mergulha profundamente no<br />
íntimo dos personagens. Com este recurso, o autor efetua<br />
uma análise existencial e psicológica do sertanejo<br />
e do seu mundo. Destaque-se igualmente como técnica<br />
narrativa a utilização do discurso indireto livre, que<br />
busca fundir as vozes do narrador e dos personagens,<br />
como fluxos de consciência de seus pensamentos.<br />
44<br />
O romance é totalmente atemporal, não se podendo<br />
precisar com exatidão em que ano ou década se passa a<br />
trama, pois o tempo da ação não é definido e as datas
estão ausentes. O espaço, obviamente, é o agreste nordestino,<br />
mas não existe uma definição clara do lugar ou dos lugares por<br />
onde a família de retirantes constrói sua saga.<br />
A linguagem utilizada pelo narrador, por sua vez, é vocabularmente<br />
seca, econômica. Através deste recurso, Graciliano<br />
intensifica o drama da incomunicabilidade humana e a solidão que<br />
dela advém, e termina por realçar a escassez e a insuficiência<br />
da comunicação verbal como barreiras que isolam os personagens<br />
para o mundo. Em decorrência de todo esse retrato situacional,<br />
os retirantes se tornam coisas, pois, quando se comunicam, o<br />
fazem através de gestos, de ruídos guturais, de xingatórios, de<br />
exclamações. Assim, nessa perspectiva, a linguagem gracilianista<br />
despoja-se de retórica, de verbalismos excessivos, e parece<br />
mesmo se alojar verdadeiramente no interior dos personagens,<br />
procurando incorporar e misturar a paisagem e<br />
as pessoas, o forte e o esquálido, o homem e o desumano,<br />
o poder e a impotência...<br />
Enfim, a obra de Graciliano Ramos, em uma perspectiva<br />
mais brasileira, expressa - com admirável força - um<br />
painel de quadros do sertão nordestino. E, ainda que o<br />
espaço social ali retratado possua vidas secas, o seu<br />
destino é ser, cada vez mais e sempre, uma grande literatura.<br />
45
DO TEXTO AO CONTEXTO<br />
“Vidas Secas” faz parte da segunda fase (1930-1945) do<br />
movimento modernista atuante no Brasil, e exemplifica as preocupações<br />
marcantes da prosa desta etapa do Modernismo neste<br />
país. Explica-se tal aspecto em virtude de que a geração de escritores<br />
desta época - que inclui também, dentre outros, José<br />
Américo de Almeida, Raquel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins<br />
do Rego - ter procurado depurar as propostas da Semana de Arte<br />
Moderna de 1922. Assim, do ponto de vista dos seus conteúdos,<br />
de suas reflexões históricas, a preocupação com o Brasil, que<br />
foi uma das principais tônicas dos representantes da Semana,<br />
aprofundou-se fortemente. Portanto, com o olhar ideológico de<br />
entender o Brasil e suas contradições, a geração da segunda<br />
fase - politizada e mais consciente da realidade, buscou analisar<br />
criticamente os valores sociais, políticos e econômicos<br />
privilegiados naqueles tempos.<br />
46<br />
Acrescente-se ainda que o cenário da vida nacional brasileira,<br />
neste segundo período modernista, é caracterizado por<br />
mudanças profundas, decorrentes de fatores geopolíticos internos<br />
e externos. Dentre eles, destacam-se: a ascensão de Getúlio<br />
Vargas; a implantação do Estado Novo; a Revolução Constitucionalista<br />
de 1932; a queda da bolsa de Nova Iorque (1929), que fez<br />
despencar o preço do principal produto brasileiro de exportação<br />
naquela época, o café; a ocorrência da Segunda Guerra Mundial.
PRINCIPAIS OBRAS<br />
Romances: Caetés (1933); São Bernardo (1934); Angústia (1936);<br />
Vidas Secas (1938).<br />
Contos: Insônia (1947).<br />
Crônicas: Linhas Tortas (1962); Viventes das Alagoas (1962).<br />
Memórias: Infância (1945); Memórias do Cárcere (1953); Viagem (1954).<br />
Literatura infantil/juvenil: Histórias de Alexandre (1944).<br />
47
SINOPSE DO FILME<br />
Consultado em 13/05/05, o site www2.uerj.br/labore/cinema_1b_<br />
meio.htm divulga a ficha técnica do filme Vidas Secas:<br />
• Lançamento: 1963;<br />
• Duração: 105 minutos;<br />
• Filmagem em preto e branco;<br />
• Direção, Roteiro e Adaptação: Nelson Pereira dos Santos;<br />
• Produção: Luís Carlos Barreto, Herbert Richers, Danilo<br />
Trelles;<br />
• Direção de Fotografia: Luís Carlos Barreto e José<br />
Rosa;<br />
• Montagem: Rafael Justo Valverde;<br />
• Distribuição: Sino Filme.<br />
48
Por sua vez, o site www.2001/vídeo.com.br/detalhes_produto_extra_vhs,<br />
consultado em 13/05/05, divulga as tramas do enredo,<br />
prêmios conquistados pelo filme e o elenco envolvido com o<br />
processo da filmagem. Eis o texto:<br />
Um clássico da literatura brasileira, um dos<br />
melhores filmes brasileiros de todos os tempos,<br />
“Vidas Secas” é história de uma família de<br />
retirantes, Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais<br />
velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia<br />
que, pressionados pela seca, atravessam o sertão<br />
em busca de meios de sobrevivência. Adaptação<br />
duplamente fiel ao livro de Graciliano Ramos, fiel<br />
à história e fiel à maneira de contar a história, o<br />
filme de Nelson Pereira dos Santos traduz o estilo<br />
do escritor sobretudo na composição da imagem e no<br />
tom da fotografia, intencionalmente super exposta,<br />
feita quase só de branco, de uma luz que agride<br />
como o sol do sertão. Muitas vezes premiado em<br />
festivais internacionais (entre eles prêmio do<br />
OCIC e prêmio dos Cinemas de Arte em Cannes,<br />
1964, melhor filme na Resenha de Cinema de Gênova,<br />
1965), Vidas Secas tem Átila Iório no papel de<br />
Fabiano, Maria Ribeiro como Sinha Vitória, Orlando<br />
Macedo como o Soldado Amarelo, e Jofre<br />
Soares como o fazendeiro. Ainda no<br />
elenco, os meninos Gilvan e Genivaldo<br />
e a cachorra Baleia.<br />
49
O FILME<br />
Roman Ingarden, em seu livro A Obra de Arte Literária,<br />
afirmou que ela (1965:409) “(…) Existe e vive e atua sobre nós<br />
(…)”. E que “(…) provoca profundas modificações na nossa vida”.<br />
No mesmo texto, ele ainda sustenta que o cinema - apesar das<br />
diferenças nos estratos básicos -, possui vínculos e conexões<br />
com a literatura (1965:357): “(…) a obra cinematográfica não é<br />
uma obra literária. É-lhe, porém, afim (…)”.<br />
De acordo com essa perspectiva, este estudo assevera que<br />
- por extensão de ideias, Ingarden termina por propor um entrelaçamento<br />
entre a literatura e o cinema. E esse cruzamento entre<br />
formas de expressão distintas, mas relacionadas, é tornado<br />
explícito logo na introdução da película de Pereira dos Santos.<br />
Assim, há um texto de abertura no filme - de cunho social - que<br />
explicita as características literárias ali presentes:<br />
Este filme não é apenas a transposição fiel, para<br />
o cinema, de uma obra imortal da literatura brasileira.<br />
É antes de tudo um depoimento sobre uma<br />
dramática realidade social de nossos dias e extrema<br />
miséria que escraviza 27 milhões de nordestinos<br />
e que nenhum brasileiro digno pode mais<br />
ignorar.<br />
50
É em torno desse aviso que adentram os primeiros<br />
planos de “Vidas Secas”. A imagem é panorâmica,<br />
e mostra vindo ao longe uma família de<br />
caminhantes se movimentando em um lugar inóspito,<br />
no qual impera um sol escaldante e onde a terra<br />
é extremamente dura, tórrida, “queimada” de luz.<br />
Pereira dos Santos principia seu filme localizando<br />
os personagens de Graciliano neste cenário de escassez<br />
absoluta.<br />
A família em foco - acompanhada por seus animais<br />
de estimação - é constituída por pessoas estabelecidas<br />
nessa região de uma forma contínua.<br />
É o que sugerem as cenas, que mostram que elas<br />
se vestem como sertanejos típicos, e que trazem<br />
utensílios pendurados ao corpo; com este gasto pelas<br />
viagens a pé. Ou seja, apesar de retirantes,<br />
caminham e vagam dentro do mesmo espaço social.<br />
Portanto, pode-se afirmar que estão entronizadas<br />
nesse espaço como se fossem - metaforicamente -,<br />
uma projeção dele.<br />
Eisenstein sinaliza uma semelhança com esta descrição<br />
introdutória da película de Pereira Santos em<br />
seu artigo Novos Problemas da Forma Cinematográfica.<br />
Assim, nesse texto, o cineasta russo faz a citação de<br />
um trecho do pensamento de Engels presente em Do Socialismo<br />
Utópico ao Socialismo Científico (1983:234):<br />
Quando considerarmos e refletirmos sobre (…) a<br />
história da humanidade (…), tudo o que a princípio<br />
entrevemos é um confuso emaranhado de re-<br />
51
lações (…), em que nada permanece o que era,<br />
(…) mas tudo se movimenta, (…). Portanto, vemos<br />
primeiro, o quadro como um todo, com suas partes<br />
individualizadas (…) ao fundo; observamos antes<br />
os movimentos, as transições, as ligações do que<br />
as coisas que se movem, combinam, e se ligam umas<br />
às outras.<br />
Em outra perspectiva, uma das particularidades do filme -<br />
e que poderia ser interpretado como uma possível homenagem à<br />
narração do romance em que está baseado -, é o aspecto de uma<br />
tentativa de recriação cinematográfica de uma instância basicamente<br />
literária: o narrador. Dentro desse contexto, Cristóvão,<br />
em análise relacionada ao livro, afirma que em Vidas Secas<br />
(1975:81) “(…) o narrador se dissimula perfeitamente por detrás<br />
do relato e parece interessado em que o leitor se aperceba o<br />
menos possível da sua presença”. Por sua vez, em obra biográfica<br />
de Helena Salem, o diretor/roteirista Pereira dos Santos<br />
sinaliza uma concordância com todo esse aspecto, segundo<br />
ele, considerado de importância essencial<br />
(1996:182):<br />
52
Outra questão fundamental na adaptação para<br />
o cinema é a decisão de quem vai contar a<br />
história. Quem conta a história no livro<br />
deve definir, em princípio, a posição da câmera.<br />
Em Vidas Secas, foi fácil, acho que<br />
é o único livro de Graciliano contado na<br />
terceira pessoa, e o narrador, portanto,<br />
passa a ser a própria câmera.<br />
Assim, com tal posicionamento por parte do cineasta<br />
brasileiro em foco, e após a leitura do filme, pode-se afirmar<br />
que a instância literária narrativa é transladada para a tela<br />
cinematográfica com um estilo semelhante ao que é apresentado<br />
nas páginas de Graciliano. Portanto, a ordem do discurso fílmico<br />
torna-se linear em relação ao livro gracilianista.<br />
Em outras palavras, na visão deste pequisador, Pereira dos<br />
Santos consegue fazer com que o narrador - um “ser de papel”<br />
segundo o termo barthiniano -, metamorfoseie-se em um ser de<br />
celuloide e traduza o estilo da literatura de Ramos. Tal tradução<br />
reside fortemente nas ações e reações dos personagens, na<br />
composição da imagem e no tom da fotografia em preto e branco.<br />
53
Ao largo desse aspecto, acrescente-se ainda<br />
que Vidas Secas foi o primeiro romance adaptado<br />
para o cinema por Pereira dos Santos. E na busca<br />
pela integridade à obra do escritor alagoano,<br />
o cineasta procurou direcionar a película<br />
de um modo conciso, na tentativa de fazer com<br />
que os personagens tivessem o mesmo “timing” e<br />
poesia subliminar presentes no romance.<br />
Salem expõe uma concordância com esta afirmação<br />
acima ao sustentar que (1996:181):<br />
Vidas secas, o filme, foi fiel,<br />
na letra e no espírito, ao livro<br />
de Graciliano Ramos. A mesma<br />
concisão, secura, despojamento,<br />
poesia, o mesmo tempo - quase<br />
silêncio - dos personagens. Que<br />
naquela vida de gente-bicho praticamente<br />
não se fala, as pessoas<br />
também vão se secando internamente.<br />
54
Na visão deste pesquisador,<br />
outro aspecto presente no filme que<br />
procura recriar a triste atmosfera<br />
de pobreza em que vivem os personagens<br />
de Graciliano é a questão da<br />
trilha sonora. Afinal, praticamente<br />
a única música da película é o som<br />
das rodas do carro de boi. Tal melodia<br />
- muito mais um barulho sonoro<br />
e nada harmônico - está<br />
estrategicamente situada na<br />
introdução, no meio e no fim<br />
do filme, e tenta fazer com que<br />
o espectador perceba e localize<br />
a continuidade do drama pelo qual<br />
os personagens passam em uma região<br />
tão escassa.<br />
Em consonância com essa afirmação<br />
está Béla Balázs, que assevera<br />
em seu texto A Face das Coisas que<br />
“todo som ocupa um lugar identificável no espaço.<br />
(…) Esta possibilidade de localização do<br />
som contribui também para unificar os planos cuja<br />
ação se desenrola no mesmo espaço”. (1983:89)<br />
Quanto às ações dos atores no filme<br />
homologarem determinados contextos<br />
relacionados<br />
ao dito e ao<br />
55
não-dito dos personagens no livro, esta análise refere-se à<br />
combinação de episódios e à reprodução textual de falas presentes<br />
na película. Assim, este estudo sustenta que os aspectos em<br />
foco estão sintonizados e, mais do que isso, sincronizados com<br />
a evolução da estrutura narrativa do romance.<br />
56<br />
Em outras palavras, esta pesquisa destaca que o filme sinaliza<br />
uma transposição quase que literal de elementos relativos<br />
à fala e também destacadamente silenciosos no texto original.<br />
Toda essa configuração termina por ser uma forma de conservar o<br />
estilo narrativo de Graciliano, que impregna com um silêncio<br />
perturbador seus personagens, desindentificados que estão com o<br />
mundo da linguagem oral.
Em outra perspectiva, merece ser ressaltada a tonalidade<br />
fotográfica perpassada em quase todo o filme. Ela é intencionalmente<br />
“estourada”, agressiva como o sol do sertão nordestino.<br />
Portanto, torna-se recorrente na película uma forte brancura,<br />
captada por lentes sem filtros, e que realçam a intensa luz ali<br />
presente, um dos fatores condicionantes do enredo dramático em<br />
foco, já que é ela que resseca a terra.<br />
Sobre essa questão, Dimantas, no mesmo artigo já citado na<br />
introdução deste trabalho, está em consonância (2002:350-1):<br />
(…) Entre outros traços marcantes de “Vidas Secas”<br />
(…) é a fotografia de Luís Carlos Barreto (…). Ele<br />
e José Rosa conduziram a experiência de eliminar<br />
qualquer filtragem corretiva e expor para a sombra,<br />
deixando as altas luzes “estourarem”. O resultado<br />
(…) se mostrou altamente eficaz e integrado à narrativa.<br />
É sol para tudo quanto é lado. (…)<br />
No final da película, em mais uma tentativa de leitura fiel por<br />
parte do cineasta, o personagem Fabiano e sua família seguem seu<br />
57
calvário contínuo, e o discurso fílmico realça a continuidade do<br />
drama destes seres humanos. Nessa perspectiva, o filme busca ter<br />
a mesma estrutura circular do romance. Assim, os dois começam e<br />
terminam situados em um mesmo local e dentro da mesma temática.<br />
Em concordância com esse aspecto do livro está Cristóvão, que<br />
ressalta ter a ordenação dos capítulos na obra uma significativa<br />
função alegórica. Assim, ele salienta que em Vidas Secas (1975:139):<br />
(…) a ordem dos capítulos desempenha uma função<br />
importantíssima, mais do que em qualquer outra<br />
obra de Graciliano, pois confere à narrativa um<br />
caráter simbólico: o fato de “Mudança” se o primeiro<br />
capítulo e “Fuga” o último, envolvendo todos<br />
os outros episódios, fornece o quadro ideal<br />
para significar o drama duma família nordestina<br />
condenada ao êxodo perpétuo da retirada. (…)<br />
Pode-se sustentar, portanto, e mesmo a partir do texto<br />
situado já na introdução da película, um dos principais<br />
intuitos de Pereira dos Santos: mostrar ao público<br />
o triste espaço social do camponês brasileiro.<br />
Espaço esse que tem possibilidades<br />
de ser reproduzido cíclica e<br />
tautologicamente.<br />
58
Em relação à estrutura circular e aos<br />
efeitos que ela provoca no leitor/espectador,<br />
como deseja o diretor brasileiro - baseado<br />
que está na obra de Graciliano, este<br />
pesquisador cita o livro da Cinemateca Portuguesa<br />
intitulado D. W. Griffith. Segundo<br />
esta obra, este cineasta estadunidense realizou<br />
vários filmes com esse tipo de estrutura.<br />
E sobre os efeitos engendrados com o uso<br />
de tal perspectiva circular, ela assevera<br />
que (1980:45):<br />
(…) o espaço que se volta a descobrir<br />
no fim recebe e acrescenta significado<br />
a intriga; não só não o vemos da mesma<br />
maneira que no início (porque a intriga o<br />
) como, através dele, é a nossa<br />
própria memória desses acontecimentos que<br />
surge alterada.<br />
Poder-se-ia afirmar, nesta etapa conclusiva, que a<br />
subjetividade social do narrador de Vidas Secas impregna<br />
seus personagens e se propaga para o diretor da película.<br />
Este, por sua vez, conforme as considerações aqui sustentadas,<br />
evoluciona seu filme com soluções capazes de estabelecer conexões<br />
de diálogos funcionalmente fiéis com o texto de partida. Assim,<br />
de acordo com toda essa perspectiva, este trabalho sustenta -<br />
por fim -, que Nelson Pereira dos Santos terminou realmente por<br />
realizar um filme com semelhantes graus de performatividade e<br />
poesia presentes no livro de Graciliano Ramos.<br />
59
BIBLIOGRAFIA<br />
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XAVIER, Ismael. Alegorias do Subdesenvolvimento - cinema novo,<br />
tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.<br />
61
a falta que o<br />
ceará me faz
O ser humano é realmente curioso. A gente só percebe a importância<br />
que as coisas têm quando estamos longe, e sem possibilidades<br />
de acesso direto aos fatos normais do nosso cotidiano.<br />
Assim, vejo que temos que aproveitar estes momentos de distanciamento<br />
para pensar um pouco sobre a realidade vivenciada por<br />
nós, e que nos acompanha durante o processo de nossas vidas.<br />
Afirmo tudo isso em virtude de uma viagem de estudos que estou<br />
fazendo à cidade de Santiago de Compostela, situada no estado da<br />
Galícia, Espanha (bem perto de Portugal). O fato é o seguinte:<br />
esta viagem de seis meses - para aulas presenciais, representa<br />
um desenraizamento meu do Ceará. Infelizmente...<br />
Entretanto, posso estar longe, mas como bom cabra da peste<br />
que sou, afirmo e reafirmo: a gente sai do lugar, mas o lugar não<br />
sai da gente! Ainda bem, pois vim buscar aqui, em terras europeias,<br />
além de novas perspectivas de estudos comprometidos com<br />
64
a minha formação profissional, um muito do Nordeste brasileiro.<br />
E não é que tenho encontrado, ora pois, pois?<br />
O Ceará está em todo lugar, as filiais (ou seriam matrizes?)<br />
do interior cearense estão aqui. Pude comprovar isso observando<br />
a batalha do povo galego na defesa de sua língua e de sua visão<br />
de mundo, que estão sempre fazendo questão de expor (aliás, a<br />
temática de unir a cultura da Galícia e o Nordeste brasileiro<br />
foi o mote principal dos shows que o meu companheiro de estudos,<br />
o poeta pernambucano/cearense Carlos Dantas realizou por aqui!)<br />
Ou seja, é tudo muito parecido com o movimento cabaçal cearense<br />
e com os festivais artísticos que acontecem a partir do<br />
nosso interior. E parecido também com a busca sincera de nossa<br />
gente cearense/nordestina em afirmar para o mundo a sua autoestima<br />
verdadeira, dentro das visões históricas do seu campo intelectual.<br />
O que lhes é de direito! E nem preciso dizer isso.<br />
É…, em terras estrangeiras nossas reflexões parecem ficar<br />
mais presentes. Assim, tenho pensado sobre as movimentações artísticas<br />
que tenho presenciado e participado ao longo da minha<br />
carreira como instrumentista. E daí, que começo a perceber que<br />
o Ceará está se redescobrindo a partir do seu interior. E que<br />
bom que assim seja! E como o sertão não vai virar mar (obvia-<br />
65
mente que não!), quem sabe se o mar, mesmo sem virar sertão,<br />
intensifica a descoberta de riquezas que há em nossas regiões<br />
interioranas. De pedra. De seca. Mas também de monólitos (que<br />
formam edificações belíssimas!). De musicalidades (em janeiro<br />
de 2005 fiz uma oficina de bateria em Juazeiro do Norte e fiquei<br />
impressionado com a competência dos músicos ali presentes!) De<br />
inteligência sertaneja. De culturas mil. E - fundamentalmente,<br />
de brilho de uma gente que teima em crer no amanhã.<br />
66<br />
Ao largo de todos esses aspectos, convém destacar que este<br />
artigo não tem a mínima pretensão de advogar uma possível estética<br />
da verdade que possa partir do homem do sertão. Este sertão<br />
tantas vezes cantado por Gonzagão, por Patativa e por outros<br />
mestres, mas tão esquecido do ponto de vista da equidade social.<br />
Este sertão que é também a nossa gente, não há como negar! E nem<br />
há motivos para isso. Afinal, correm nas nossas veias o mesmo<br />
sangue deles. E também o de negros e de ameríndios brutalizados<br />
por uma ocidentalização - no mínimo, estranha. Pois bem, sinceramente,<br />
mesmo sendo filho da urbanidade e adorando os bons e<br />
velhíssimos blues e rock and roll (para quê negar nossas origens!!??),<br />
penso que temos, como brasileiros, muito a aprender<br />
com o sertanejo.
Todas essas questões apareceram em virtude dessa distância<br />
absurda de grande que estou vivenciando agora, neste período de<br />
amadurecimento - sem dúvida - intelectual, mas muito mais humano!<br />
E todas essas coisas citadas terminaram por desvelar uma<br />
sensação muito presente: a falta que o Ceará me faz!<br />
Assim, dentro desse compasso, vejo que o “cearazin” danado<br />
de bom me persegue. E o resultado é a vontade contínua de ler<br />
tudo o que sai nos jornais cearenses (santa Internet!!!), de<br />
saber notícias de shows, de espetáculos teatrais, de ver como<br />
anda a nossa política, de ouvir músicas que falem do nosso sol<br />
e das nossas artes, de saber coisas ligadas à nossa educação,<br />
à nossa literatura, ao nosso futebol… De descobrir notícias...<br />
enfim... que vivenciem o Ceará, o Nordeste e o Brasil.<br />
É isto mesmo, sou um cearense velho de guerra e paz -<br />
apaixonado por bateria, educação, linguística e literatura - e<br />
estou procurando os risos de vida do meu Ceará. Assim, dentro<br />
dessa perspectiva, e para finalizar este texto saudoso, eu diria<br />
que nossas raízes são o nosso chão. E - definitivamente, eu procuro<br />
pelo chão cearense nas terras da Espanha. Assim, o melhor<br />
de tudo é assumir logo que vou voltar só com uma certeza. Volto<br />
talvez com mais experiência intelectiva, mas sem dúvida volto<br />
mais brasileiro, nordestino e cearense!<br />
67
O PROFESSOR COMO<br />
INCENTIVADOR DA LEITURA
Uma das funções básicas da escola é ensinar a ler. Essa<br />
habilidade faz parte do processo de escolarização. Assim, observamos<br />
que a criação de leitores ocupa um espaço fundamental<br />
dentro da escola. E não poderia ser diferente! Afinal, ela ainda<br />
é um lugar privilegiado para o desenvolvimento da leitura e de<br />
leitores críticos e não-alienados.<br />
Dentro de todo o processo escolar de aprendizagem da leitura,<br />
é o professor um personagem fundamental. Portanto, observando<br />
o processo citado como parte importante das atividades<br />
escolares, e pressupondo que o texto é produto de trocas sociais<br />
e resposta às necessidades comunicativas de interlocutores pertencentes<br />
a uma comunidade discursiva, este artigo busca refletir<br />
e situar exatamente a prática docente como elemento catalisador<br />
e incentivador do processo Texto-Leitura-Aluno-Mundo. Mas...<br />
Qual seria mesmo o papel do professor em toda esta história?<br />
Obviamente que ele deve atuar como um mediador da leitura,<br />
como alguém que, interpondo-se entre o texto e o aluno, orienta<br />
sua fruição e desperta o aprendiz para o prazer e para a impor-<br />
70
tância social do ato de ler. Assim, em decorrência desse contexto,<br />
o exercício pedagógico de formar leitores, objetivando<br />
aproximá-los da leitura prazerosa e/ou necessária e reforçar o<br />
potencial de leitor que há em todos nós, exige diálogos, respostas<br />
convincentes a diferentes questionamentos e visões - concomitantemente<br />
- sociais, culturais, políticas, estéticas e, até<br />
mesmo, lúdicas. Mas...<br />
Podemos observar problemas dentro dessa esfera. Há perguntas<br />
que se impõem: os professores que insistem com seus alunos<br />
que é preciso ler, leem o quê? Qual a concepção de leitura para<br />
eles? O que eles pensam da leitura? Para eles, em que sentidos<br />
para a formação humana ela é importante? Eles a reconhecem como<br />
uma prática vital no mundo moderno? Entendem as suas funções<br />
socioculturais-ideológicas? Observam-na como um lugar privilegiado<br />
de transmissão de conhecimentos e crenças? Valorizam-na<br />
como um jogo de linguagem que ajuda a entender o mundo e até a<br />
transformá-lo? Destacam-na como partícipe das relações sociais<br />
entre as pessoas? Percebem-na como uma atividade cognitiva, que<br />
envolve processos mentais como a atenção, a percepção, a memória<br />
e o pensamento? Resumindo: o que a leitura significa e se constitui<br />
para os nossos mestres?<br />
Esses questionamentos se<br />
impõem em virtude da constatação<br />
de que há professores<br />
que não sabem ler. E a falta<br />
de leitura de um elemento tão<br />
importante em todo esse processo<br />
de aprendizagem, multifuncional<br />
e extremamente com-<br />
71
plexo - como observado ao longo deste artigo, termina<br />
por deixá-lo capenga. Por outro lado, podemos afirmar<br />
que a demonstração de interesse pela leitura por parte<br />
do professor (e, portanto, o exemplo que ela a todos<br />
fornece!) incentiva o aluno a manter um contato amigo<br />
- e possivelmente prazeroso - com os diversos tipos de<br />
gêneros textuais existentes.<br />
Em outra perspectiva, destacamos também - seguindo a<br />
nossa linha de raciocínio e percepção do assunto em foco<br />
- o valor social que o processo de ensinar a ler envolve.<br />
Afinal, entendemos o trabalho com o texto como uma prática<br />
contextualizada de aculturar o aluno. E também de trazer<br />
cultura para o professor, que precisa ter em mente a<br />
convicção de que novas visões do mundo, ou seja, novas<br />
aprendizagens (trazidas pela leitura!) poderão apoiar o<br />
seu trabalho de facilitador, de orientador e de agente<br />
do conhecimento.<br />
Comentamos sobre as novas aprendizagens concordando<br />
com Ryron Braga, que no artigo O Perfil da Escola<br />
Pós-Moderna, situada no sítio www.uol.com.br/aprendiz/<br />
aprenderonline, traça o perfil do professor do futuro.<br />
Assim, Braga, em meio a diversas reflexões sobre o contexto<br />
socioeducativo brasileiro moderno, afirma que o<br />
professor será: ”(...) Facilitador na busca, seleção<br />
de informações; Orientador no processo de passagem da<br />
informação para o conhecimento; Auxiliar na contextualização<br />
desse conhecimento com a realidade vivida<br />
pelo aluno; Agente de desenvolvimento da capacidade de<br />
aplicação prática e útil desse conhecimento”.<br />
72
Acrescentamos ainda, que o valor social da leitura que<br />
apregoamos neste artigo reside em aspectos cognitivos afetivos,<br />
emocionais, estéticos e éticos relacionados à vida não apenas<br />
dos nossos alunos e professores, mas igualmente daqueles que<br />
fazem e constroem este país. Sabemos que esses aspectos reunidos<br />
podem transmitir entre os jovens e adultos - ligados, de alguma<br />
maneira, à educação e à cultura brasileiras - os valores de<br />
cidadania e moral que a nossa sociedade deste início de século<br />
XXI tanto precisa.<br />
Por fim, registramos que este simples texto não tem o interesse<br />
e nem a pretensão de esgotar tão grande<br />
temática. E acrescentamos que estamos cientes<br />
de que, em virtude de todo este retrato situacional,<br />
abordagens didáticas que preconizem a leitura<br />
e o trabalho com diferentes gêneros textuais, impulsionam<br />
uma relação cada vez mais crítica - e, portanto,<br />
renovadora, democrática e cidadã - entre a Escola, o Aluno e o<br />
Mundo. E entendemos que, em toda a extensão desta grande estrutura,<br />
o professor deve atuar como uma mola-mestra.<br />
73
AS MEMÓRIAS VIVAS DE MACHADO<br />
DE ASSIS: O HOMEM E A<br />
SOCIEDADE!
A obra literária de Joaquim Maria Machado de Assis (1839 -<br />
1908) é extremamente vasta, um verdadeiro mundo de textos. Ele<br />
escreveu <strong>poemas</strong>, crônicas, peças de teatro, contos, romances,<br />
críticas literárias e teatrais, prefácios, discursos, cartas,<br />
conferências e, até mesmo, traduções de livros de escritores estrangeiros.<br />
Toda a riqueza de sua produção o levou a um lugar<br />
de fundamental destaque em nossa literatura.<br />
Nascido no Rio de Janeiro, de origem humilde, levemente<br />
gago e epiléptico, ficou órfão ainda criança. Autodidata,<br />
há indícios de que - como ambulante, ajudava no<br />
sustento da casa vendendo balas e doces nas ruas da capital<br />
carioca. Ainda adolescente - aos dezesseis anos,<br />
sua imaginação literária começou a brotar: publicou o<br />
poema “Ela” no pequeno jornal Marmota Fluminense.<br />
Seu primeiro emprego foi na Imprensa Nacional, onde<br />
Machado passou a trabalhar, em 1856, como aprendiz de tipógrafo.<br />
Alguns biógrafos afirmam que, por essa época, o<br />
escritor gastava boa parte do tempo com leituras variadas.<br />
Pouco depois, continuou a atuar em áreas sempre relacionadas<br />
a publicações: foi revisor tipográfico, balconista<br />
de livraria e bibliotecário. Machado, assim, começava a<br />
desenvolver a própria vida envolta em letras, palavras,<br />
livros, literaturas...<br />
76
Em relação ao conjunto de sua produção literária,<br />
pode-se afirmar que seus dramas e enredos vivenciam<br />
os caminhos e descaminhos do período em que<br />
o nosso país balançava entre o regime monárquico, a<br />
proclamação da República e a busca da liberdade com a<br />
abolição da escravatura. Mas o olhar do escritor não<br />
se deteve apenas no entorno desses acontecimentos. Machado<br />
ia além. Sua visão era também e, principalmente,<br />
para o homem comum, retratado em suas temáticas universais.<br />
Em outras palavras: a produção literária machadiana<br />
estende-se para as questões interiores essenciais<br />
do homem do povo e suas relações com o contexto<br />
social. Nessa perspectiva, Machado transforma-se em<br />
observador e crítico do homem em seu aspecto geral;<br />
e os temas de sua escrita terminam por abordar as relações<br />
humanas em qualquer tempo, buscando efetuar uma<br />
análise antropológica dos costumes sociais e da visão<br />
do homem sobre si mesmo.<br />
Um fato importante na vida de Machado - já então<br />
com 30 anos -, foi seu matrimônio com a portuguesa<br />
Carolina Augusta Xavier de Novais. Mulher culta e<br />
interessada pela literatura do marido,<br />
é presença forte no seu percurso de<br />
ficcionista. O casamento em novembro<br />
de 1869 veio consolidar<br />
a paixão. Os primeiros<br />
tempos da união foram<br />
de dificuldades financeiras;<br />
mas a<br />
77
vida do casal, aos poucos, foi se estabilizando.<br />
Afinal, Machado torna-se um jornalista de sucesso,<br />
um escritor reconhecido e prestigiado. Além<br />
disso, sua ascensão profissional como servidor<br />
público também lhe traz tranquilidade financeira:<br />
empregado que é do Ministério da Agricultura,<br />
alcança o posto, nessa instituição, de diretor<br />
geral.<br />
A maturidade do romancista, a partir dessas<br />
circunstâncias de sua vida, é traduzida para<br />
a sua literatura. Pois, se anteriormente Machado<br />
era um escritor tradicional, sem inovações e<br />
comprometido com o idealismo romântico, agora,<br />
já maduro, passa a escrever textos cada vez mais<br />
densos, cheios de ironia ferina e de um forte<br />
ceticismo em relação à natureza humana e aos valores<br />
sociais vigentes.<br />
Foi com essa visão crítica que Machado escreveu<br />
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Nesta<br />
obra, o escritor situa o foco narrativo no núcleo<br />
ideológico da estrutura social brasileira.<br />
Assim, ele retira as máscaras dos personagens, e<br />
78
aproveita para desnudar seus reais interesses, suas falsas virtudes<br />
e atitudes hipócritas que satisfazem apenas a moral das<br />
aparências.<br />
Formatado como relato psicológico, valorizando, portanto,<br />
não a ação dos personagens, mas os motivos e pretextos que levam<br />
às ações, esse romance possui um refinamento irônico veemente.<br />
Nele, Brás Cubas, o narrador, na verdade o “defunto-autor”, livre<br />
das amarras e das coerções sociais, registra do túmulo sua<br />
vida pregressa. Assim, em tons jocosos, ele vai revelando, conscientemente,<br />
a ausência de grandeza em si e na sociedade brasileira<br />
de então - constituída a partir do trabalho<br />
escravocrata e da submissão ao capitalismo europeu.<br />
Considerada uma de suas obras-primas, este<br />
romance apresenta ao leitor, enfim, uma parte importante<br />
da realidade recriada e reinventada por Machado. Uma realidade<br />
79
que, ao pulsar forte - no interior de seus<br />
personagens, até mesmo os faz reviver para contar<br />
suas memórias... tão vivas e intensas como a<br />
própria literatura de Machado de Assis.<br />
CONCEPÇÃO DO ROMANCE<br />
A narrativa de Memórias Póstumas de Brás<br />
Cubas é caracterizada pelo discurso em primeira<br />
pessoa. Essa característica assinala que o<br />
personagem Brás Cubas é quem indica ao leitor<br />
qualquer possibilidade de interpretação para a<br />
trama. Assim, o leitmotiv, ou seja, o principal<br />
tema e motivo que conduz o enredo - a autobiografia<br />
de alguém que, depois de morto, resolve contar<br />
suas memórias - é visto apenas sob a versão do<br />
protagonista.<br />
Convém destacar que Machado de Assis imprimiu<br />
esse recurso discursivo em outros romances seus,<br />
como nos casos de Dom Casmurro (1899) e de Memorial<br />
de Aires (1908). Nesses livros, é o narrador-<br />
80
personagem que conta sua história, aproximando-se assim<br />
do leitor e determinando suas impressões e conclusões.<br />
Mais especificamente no romance em foco, entretanto,<br />
o narrador - potencializando sua perspectiva de<br />
contar a história a partir de sua única visão - vale-se<br />
de um processo narrativo em que quebra a ordem temporal<br />
e cronológica dos fatos, dialogando com o leitor e<br />
transferindo diversas vezes para ele as suas próprias<br />
reflexões.<br />
A intenção machadiana ao se utilizar desses<br />
expedientes é clara: ele quer buscar a cumplicidade<br />
do leitor, quer envolvê-lo emocionalmente nas intrigas<br />
do enredo. Assim, com esse intuito, Machado trata<br />
esse leitor intimamente, fazendo-lhe perguntas, dando-<br />
81
lhe explicações, despertando-lhe a atenção para detalhes antes<br />
circunscritos só aos personagens.<br />
Em decorrência desse estilo literário, estabelecem-se intervenções<br />
do narrador justapostas aos fatos, e também pausas,<br />
interrupções e digressões nos acontecimentos. Esses, fragmentados<br />
em sua multiplicidade de episódios, mostram a volubilidade<br />
do narrador, que constantemente constrói e desconstrói todo um<br />
conjunto de mitos da cultura ocidental - filosóficos, morais e religiosos,<br />
para citar três importantes exemplos.<br />
Mesmo com toda essa miscelânea literária de temas, Machado<br />
ainda encontra caminhos novos e inventivos para o seu texto. É<br />
o que acontece quando ele emprega o<br />
processo de metalinguagem, que ocorre<br />
quando a língua usa o próprio discurso<br />
para discorrer sobre ela mesma. Assim,<br />
o autor/defunto/personagem, ao longo da<br />
trama, questiona a própria feitura do<br />
romance! Desse modo, ele avalia o número<br />
de leitores que suas memórias teriam,<br />
adjetiva tópicos de “triste” e de “ale-<br />
82
gre”, retifica o que foi afirmado em momentos anteriores, comenta<br />
a inutilidade de algum capítulo...<br />
Enfim, Machado de Assis - um dos fundadores da Academia<br />
Brasileira de Letras, que à época continha em seus quadros apenas<br />
homens verdadeiramente de letras, que tencionavam discutir<br />
literatura e os rumos políticos do nosso país - surpreende os<br />
leitores que se aventurarem a percorrer suas bem traçadas linhas<br />
em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Este romance - que se<br />
passa quase todo no Rio de Janeiro -, com todas as ironias sutis<br />
e as pitadas humorísticas do seu enredo, termina por arrebatar<br />
o leitor, transportando-o de forma pitoresca para as histórias<br />
intrigantes da sociedade brasileira do século XIX.<br />
DO TEXTO AO CONTEXTO<br />
O livro em foco, lançado em 1881, aponta o marco inicial<br />
do Realismo em nosso país. O termo realismo indica a tendência<br />
que caracteriza os escritores apegados à chamada descrição fiel<br />
do contexto social vivenciado pelos homens. Assim, o movimento<br />
83
ealista - que surgiu com o desgaste da literatura subjetivista<br />
romântica, essencialmente idealizadora da vida -, buscava<br />
retratar as opressões da sociedade da época.<br />
Aqueles eram tempos, aliás, de profundas mudanças no<br />
mundo e no nosso país. No Brasil, acentuavam-se - por esse período,<br />
as crises do setor agrário, que determinariam intensas<br />
transformações na nossa sociedade. Nessa perspectiva, podem<br />
ser citados: o fim da Monarquia; a abolição dos escravos e o<br />
consequente crescimento do trabalho assalariado; as imigrações<br />
e o desenvolvimento da classe média urbana; a crescente industrialização<br />
e os seus impulsos ao capitalismo. Esse conjunto<br />
de aspectos trouxe para o povo brasileiro novas necessidades<br />
materiais, e também a importância de um olhar mais objetivo<br />
sobre a vida.<br />
Toda essa conjuntura social era igualmente vivenciada<br />
no continente europeu. Nesta época, na Europa, as pessoas<br />
também viviam tempos de grandes transformações econômicas,<br />
científicas e, até mesmo, ideológicas. Assim, destacaram-se as<br />
revoluções industriais e os seus novos processos de produção;<br />
as novas bases da estrutura econômica daí advindas; e as teorias<br />
de Augusto Comte, Charles Darwin, Louis Pasteur e de Karl<br />
Marx. Esse quadro de aspectos - pulsante na realidade, impunha<br />
ao escritor um novo enfoque: a necessidade de explicar o mundo<br />
a partir de uma visão objetiva e racional.<br />
O resultado literário de todas essas questões presentes<br />
no Brasil e na Europa pode ser traduzido pelas escolas<br />
realista e naturalista (essa última assume os princípios do
Realismo e lhe acrescenta a visão cientificista da realidade).<br />
Em outras palavras, nossa literatura sofre as<br />
consequências de toda essa ebulição de ideias e de novas<br />
formas de atuar sobre o mundo.<br />
Machado também mudaria os rumos de suas abordagens<br />
literárias. Seus romances, que na sua primeira fase de<br />
escritor eram lineares e cheios de lugares-comuns - nos<br />
tempos de Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá<br />
Garcia -, passam a ter um amadurecimento linguístico e<br />
uma aguda e crítica visão sobre a vida em sociedade -<br />
casos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba<br />
e Dom Casmurro.<br />
PRINCIPAIS OBRAS<br />
Romances: Ressurreição (1872); A Mão e a Luva (1874);<br />
Helena (1876); Iaiá Garcia (1878); Memórias Póstumas de<br />
Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro<br />
(1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908).<br />
Contos: Contos Fluminenses (1870); Histórias da<br />
Meia-Noite (1873); Papéis Avulsos (1882); Histórias sem<br />
Data (1884); Várias Histórias (1896); Páginas Recolhidas<br />
(1889); Relíquias da Casa Velha (1906).<br />
Poesias: Crisálidas (1864); Falenas (1870); Americanas<br />
(1875).<br />
Teatro: Queda que as Mulheres têm pelos Tolos<br />
(1861); Desencanto (1861); Quase Ministro (1864); Os<br />
Deuses de Casaca (1866); Tu, só tu, Puro Amor (1881).
BIBLIOGRAFIA<br />
AMARAL, Emília; ANTÔNIO, Severino; PATROCÍNIO, Mauro<br />
Ferreira do. Novo Manual Nova Cultural – redação,<br />
gramática, literatura, interpretação de textos. São<br />
Paulo: Nova Cultural, 1994.<br />
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Obras Completas.<br />
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.<br />
FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco M. Língua e<br />
Literatura – vol. 02. São Paulo: Ática, 2000.<br />
LIMA, Manoel Ricardo de. VestLetras – obras comentadas.<br />
Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1997; pgs.<br />
121-136.<br />
MIGUEL, Jorge. Curso de Literatura II – Do Romantismo<br />
ao Simbolismo. São Paulo: Editora Harper & How do<br />
Brasil, 1986.<br />
PELEGRINI, Tânia; FERREIRA, Marina. Português – Palavra<br />
e Arte. São Paulo: Atual Editora, 1996.<br />
RODRIGUES, Antônio Medina; CASTRO, Dácio A. de;<br />
TEIXEIRA, Ivan Prado. Antologia da Literatura Brasileira<br />
– do classicismo ao pré-modernismo, textos comentados,<br />
vol. 01. São Paulo: Marco Editorial, 1979.
Alessandra Passos Mônica Bastos Alessandra Passos<br />
Lídia Dantas<br />
Daniele de Andrade
Haroldo Perdigão Regina Primo Regina Primo Nádia Juvêncio<br />
Renata Holanda
Obra composta em fontes Courier New e Calibri.<br />
Impresso na Premius Editora.<br />
Fortaleza • Ceará • Brasil • Dezembro de 2010.