Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
entre eles no início para gerar tanta prevenção. Da parte <strong>de</strong> tio Baltazar isso não era muito notado porque<br />
sendo ele um homem rico podia passar por cima <strong>de</strong> muitas coisas e fingir que não percebia outras. Já meu<br />
pai, sempre às voltas com probleminhas miúdos, era mais <strong>de</strong>sconfiado, mais pronto a tomar o pião na<br />
unha. Acho que até o emprego <strong>de</strong>le na Companhia estava servindo para jogá-lo contra tio Baltazar.<br />
Mesmo no auge do entusiasmo pela Companhia <strong>de</strong> vez em quando meu pai não agüentava e fazia uma <strong>de</strong><br />
suas críticas maldosas, que na certa chegava <strong>de</strong>pressa aos ouvidos <strong>de</strong> tio Baltazar. Hoje eu sei que ele<br />
fazia isso para mostrar que era in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e que não estava ali para dizer amém a tudo o que viesse do<br />
diretor-presi<strong>de</strong>nte; mas <strong>de</strong>vo reconhecer que era uma maneira muito esquisita <strong>de</strong> mostrar in<strong>de</strong>pendência.<br />
Não <strong>de</strong>morou muito e meu pai já estava zombando abertamente <strong>de</strong> tio Baltazar, <strong>de</strong> seus carros, <strong>de</strong><br />
suas festas, das caixas <strong>de</strong> vinho estrangeiro que ele recebia, e uma vez ensaiou caçoar do <strong>de</strong>feito físico.<br />
Aí mamãe falou duro com ele, mas sem se alterar. E falou tão bem que meu pai ficou corado <strong>de</strong> vergonha<br />
e nunca mais repetiu a brinca<strong>de</strong>ira. Quanto ao mais ela ouvia e calava, e me recomendou que nunca<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>sse tio Baltazar nessas ocasiões para não agravar a raiva <strong>de</strong> meu pai.<br />
Um dia meu pai criticava os gastos <strong>de</strong> tio Baltazar com charutos caros, disse que uma caixa <strong>de</strong>sses<br />
charutos dava para comprar um casaquinho <strong>de</strong> lã para mamãe vestir no inverno. Mamãe não gostou,<br />
discutiram, da discussão ficamos sabendo <strong>de</strong> uma coisa que <strong>de</strong>ixou mamãe e eu muito preocupados.<br />
Mamãe tinha dito que tio Baltazar podia gastar o dinheiro que quisesse em charutos porque era um<br />
homem bom, ajudava muita gente e ia me sustentar na escola <strong>de</strong> engenharia sem ter nenhuma obrigação.<br />
— Foi bom você falar nisso — disse meu pai. — Acho melhor Lu <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong>sse sonho <strong>de</strong> ser<br />
engenheiro.<br />
Mamãe estava pregando botões numa calça minha, parou o trabalho e perguntou alarmada:<br />
— Desistir? Por que agora?<br />
— É estudo para gente rica.<br />
— Mas não é Baltazar quem vai ajudar? Ele não já prometeu?<br />
— Prometeu mas po<strong>de</strong> não cumprir. Ninguém sabe o dia <strong>de</strong> amanhã.<br />
— Ora que bobagem — falou mamãe aliviada. — Ele está moço ainda, e tem muito boa saú<strong>de</strong>, graças<br />
a Deus.<br />
— Po<strong>de</strong> ser. Mas não é nisso que estou pensando.<br />
— Então o quê? Acha que ele vai mudar <strong>de</strong> idéia?<br />
— E se outras pessoas mudarem <strong>de</strong> idéia?<br />
Não entendi, e vi que mamãe também não enten<strong>de</strong>u. Como podia a mudança <strong>de</strong> idéia <strong>de</strong> outras<br />
pessoas, fossem quem fossem, influir em nossa vida? Meu pai percebeu a nossa incredulida<strong>de</strong>, talvez a<br />
tivesse provocado para explicar:<br />
— Eu estou dizendo é que outros po<strong>de</strong>m mudar <strong>de</strong> idéia com o seu irmão.<br />
— E se mudarem?<br />
— Po<strong>de</strong> ir tudo por água abaixo.<br />
— De que jeito?<br />
— Pessoas influentes po<strong>de</strong>m achar que ele não é tão competente assim. Fique sabendo, Vi, que nem<br />
tudo são flores lá na Companhia. Seu irmão Baltazar não manda sozinho. Não se assuste se as coisas<br />
mudarem.<br />
Estava aí uma prova <strong>de</strong> que o ressentimento contra tio Baltazar já afetava o juízo <strong>de</strong> meu pai. Não<br />
passava pela cabeça <strong>de</strong> ninguém que outros pu<strong>de</strong>ssem mandar na Companhia mais do que tio Baltazar, ou<br />
contra a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>le. Olhei para mamãe, ela voltava a se ocupar com a calça, sinal <strong>de</strong> que ela também<br />
tinha percebido o absurdo. E falou tranqüila:<br />
— Desse susto não vamos morrer, Horácio. Ele vai mandar lá até quando não quiser mais.