<strong>VIP</strong> | Crônica As muitas camadas <strong>de</strong> uma barba azul Gustave Doré Luciana Lhullier Mestre em Teoria Literária pela PUCRS, a autora dos livros No Coração da Floresta e A Casa <strong>de</strong> Dentro e Outras Loucuras foi professora, tradutora e intérprete. Atualmente é editora-chefe da Editora Desdêmona.” Apesar <strong>de</strong> o relato <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> noivos que encarnam o mal, ou que se transformam em vilões após o casamento ser frequente na literatura oral, a história <strong>de</strong> Barba Azul, como é conhecida hoje em dia, foi escrita e publicada por Charles Perrault em 1697. Como era seu objetivo, Perrault faz do conto um alerta: ninguém se transforma com o casamento e, felizes para sempre, po<strong>de</strong> vir a ser uma gran<strong>de</strong> ilusão, às vezes um tanto perigosa. Outro aspecto <strong>de</strong>sse conto é que ele evi<strong>de</strong>ncia as raízes originais dos contos <strong>de</strong> fadas: histórias para adultos, contadas em círculos sociais. No conto <strong>de</strong> Perrault, Barba Azul é marcado por um <strong>de</strong>svio em sua imagem – sua barba longa e azul causa estranheza nas mulheres. Há também rumores <strong>de</strong> um passado sombrio e <strong>de</strong> esposas que <strong>de</strong>sapareceram sem <strong>de</strong>ixar vestígios. Seu charme e sua fortuna, porém, tornam sua presença “aceitável” nos altos círculos sociais, impregnados <strong>de</strong> ganância e interesse. Como O Vampiro, <strong>de</strong> Polidori, Barba Azul transita na socieda<strong>de</strong> à procura <strong>de</strong> “presas”. Ele seduz suas vítimas com boas maneiras, presentes e elogios, enquanto prepara a “cova” em que irá enterrá-las. Em “Mulheres que Correm com os Lobos”, Clarissa Pinkola Estés fala <strong>de</strong> Barba Azul como o “predador natural da psique”. Aquele lado sombrio e <strong>de</strong>struidor que carregamos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós e que alguns <strong>de</strong> nós carregam em seu exterior. Segundo a autora, são com esses que trazem Barba Azul para a realida<strong>de</strong> concreta, que <strong>de</strong>vemos nos preocupar: o assassino em série, o estuprador, o traficante <strong>de</strong> seres humanos. Mas há também um Barba Azul manifesto no chefe sádico, no marido que espanca a esposa e, <strong>de</strong> forma sutil e disfarçada, naquele que pratica o terror emocional e psicológico. Há um tipo <strong>de</strong> violência <strong>de</strong> gênero que machuca não o corpo físico, mas os sentimentos, e po<strong>de</strong> ser tão aniquiladora quanto a violência física. O Barba Azul que abusa emocionalmente <strong>de</strong> suas presas é geralmente um narcisista patológico e, portanto, <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> empatia, ainda que possa vir a ser sentimental e meloso quando lhe convém. Suga emocionalmente os outros porque acredita ser o centro do universo. Quando suas necessida<strong>de</strong>s não são atendidas, não hesita em chantagear suas vítimas, muitas vezes fazendo-se ele mesmo <strong>de</strong> vítima. Muitas mulheres <strong>de</strong>ixam-se levar por esses “Barba Azuis”, seja por ingenuida<strong>de</strong>, ou por um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser a “única que os compreen<strong>de</strong>”. Muitas não sobrevivem, figurativamente e realmente, para contar a história. No caso do conto <strong>de</strong> Perrault, a última esposa <strong>de</strong> Barba Azul sobrevive porque, antes tar<strong>de</strong> do que nunca, enxerga- -o como ele é. Ao escolher abrir a porta do quarto proibido que <strong>de</strong>scobriu ser, na verda<strong>de</strong>, uma câmara sangrenta, a esposa vê estampado à sua frente o passado do marido. A partir daí não há mais volta. Ela sabe que será apenas uma questão <strong>de</strong> tempo até que ele tente matá-la também. E então ela começa a lutar por sua sobrevivência. Mente para Barba Azul que nada tinha acontecido, reluta em mostrar-lhe a chave sangrenta do cômodo, implora para que ele não lhe tire a vida e pe<strong>de</strong> um tempo para dizer suas orações que é, na verda<strong>de</strong>, o tempo que leva para que seus irmãos cheguem e a aju<strong>de</strong>m. Barba azul é morto, mas sua <strong>de</strong>rrota começou no momento em que falhou em reconhecer em sua esposa um espírito lutador. Ao julgar que se tratava <strong>de</strong> mais uma a ser sacrificada, não contava com a personalida<strong>de</strong> forte da mulher que se recusa a sucumbir. A força proveniente da chegada dos irmãos simboliza os recursos internos dos quais a esposa lançou mão para antagonizá-lo. É como se dissesse ao carrasco: não mereço morrer e não vou permitir que você me mate. A última esposa <strong>de</strong> Barba Azul viveu e reconstruiu sua vida porque enxergou e agiu. Po<strong>de</strong> ser que Barba Azul não tenha <strong>de</strong>saparecido completamente. É possível que ela venha a reencontrá-lo em outras pessoas ou em outras situações. Mas ela agora tem os olhos bem abertos e jamais ele será seu dono novamente. 82 | contatovip.com.br
Uma homenagem da Cotrijal aos agricultores e motoristas, que e unem <strong>de</strong>senvolvimento superam <strong>de</strong>saos forças para levar alimento e a todos os brasileiros. 25 <strong>de</strong> julho 28 <strong>de</strong> julho Dia do Colono e Motorista Dia do Agricultor WWW.COTRIJAL.COM.BR