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Revista Alô Doutor 26ª Edição

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Dr. Marcos Bouissou Morais<br />

Psiquiatra e Psicoterapeuta<br />

Clínica Corpo e Alma<br />

SALVAR A VIDA<br />

Omês de Setembro<br />

nos lembra anualmente<br />

da oportunidade<br />

que podemos<br />

ter de fazer uma intervenção<br />

que pode ser decisiva<br />

para a vida de uma pessoa. Considerando<br />

dois períodos de tempo,<br />

entre 1965 e 1995 e entre 2009<br />

e 2012, entre cinco doenças que<br />

podem ser fatais (Suicídio, AVC,<br />

AIDS, Cardiopatias e Leucemias),<br />

quatro delas tiveram redução<br />

das taxas de mortalidade. O suicídio<br />

não. Em nosso país estima-<br />

-se que morram cerca de nove<br />

mil pessoas por ano por suicídio.<br />

Trata-se de uma ocorrência só<br />

em humanos e acredita-se que<br />

90% das pessoas que tentam ou<br />

conseguem o suicídio teriam ou<br />

poderiam ter um diagnóstico psiquiátrico.<br />

Anualmente seriam um<br />

milhão de mortes no mundo por<br />

suicídio. O suicídio é o resultado<br />

trágico de uma complexa interação<br />

de fatores biológicos, genéticos,<br />

psicológicos, sociológicos,<br />

culturais, e ambientais.<br />

E o que expõe uma pessoa ao<br />

risco de suicidar? Sabemos que<br />

há fatores genéticos, mas não<br />

em todos os casos. A proximidade,<br />

ou melhor todas as formas de<br />

proximidade a um suicida pode<br />

nos afetar. Inclusive a hereditariedade<br />

é um fator de risco. O<br />

nível sócioeconômico educacional<br />

mais baixo também aumenta<br />

o risco. Assim como problemas<br />

no funcionamento da família e<br />

não haver familiares dependentes,<br />

estresse social e a falta de<br />

sistemas de apoio como religião e<br />

pertencimento a grupos de convivência.<br />

Perdas pessoais são importantes<br />

e também exposição a<br />

acontecimentos violentos ou de<br />

destruição como guerra ou desastres<br />

catastróficos. Lembramos<br />

de um militar de alta patente que<br />

comandava tropas brasileiras em<br />

um país arrasado e que suicidou.<br />

O suicídio não ocorre sem acesso<br />

a meios para efetiva-lo. Temos<br />

que estar atentos também a portadores<br />

de patologias psiquiátricas<br />

(como Depressão, Transtorno<br />

Afetivo Bipolar, Transtorno de Personalidade<br />

Borderline, Dependência<br />

Química e Esquizofrenia) e a<br />

comportamentos auto-agressivos<br />

e de automutilação. O risco seria<br />

então tanto maior quanto maior<br />

for a gravidade da doença. Além<br />

disto estudos recentes sugerem<br />

a possibilidade de predisposições<br />

genéticas desvinculadas das transtornos<br />

de humor.<br />

Vamos então pensar no que<br />

fazer caso nos encontremos com<br />

uma pessoa que se encaixa em<br />

uma destas situações de risco.<br />

Me lembro do relato de um famoso<br />

psiquiatra que tinha em seu<br />

consultório um objeto que ficou<br />

preservado por séculos após uma<br />

erupção vulcânica. Ele observava<br />

que este objeto se desfazia agora<br />

que estava exposto. Ele concluiu<br />

que se algo não é exposto não é<br />

possível mudá-lo. Então não devemos<br />

ter receio de perguntar a<br />

alguém que nos pareça em risco<br />

se esta ideia lhe tem ocorrido. Se<br />

é uma ideia passiva ou se a pessoa<br />

já pensa em agir. Se há uma<br />

intenção. Se pensou em um método<br />

e, por fim, se há um plano.<br />

A pergunta não vai colocar uma<br />

ideia em quem não a tem e dará<br />

chance para que a pessoa fale e<br />

talvez mude ou busque meios de<br />

mudar esta ideia que já pode existir.<br />

Como podemos ficar inibidos<br />

para abordar o assunto às vezes<br />

aceitamos a ilusão de que quem<br />

fala não faz, que quem realmente<br />

pretende suicidar vai atuar sem<br />

avisar, que não tem nenhuma dúvida.<br />

Nenhuma destas ideias é<br />

verdadeira. Assim também como<br />

a ideia de que quem já melhorou<br />

um pouco ou sobreviveu a uma<br />

tentativa está fora de perigo.<br />

Existem as situações de risco mas<br />

não há um tipo de pessoa que suicide,<br />

ou um tipo que não suicide.<br />

Sempre devemos estar atentos e<br />

disponíveis. O suicídio pode ocorrer<br />

mesmo em crianças.<br />

Caso encontremos uma pessoa<br />

que nos pareça em situação<br />

de risco e caso estejamos dispostos<br />

a ajudar, então abordaríamos o<br />

tema suicídio. Só o fato da pessoa<br />

em risco falar, ser ouvida já ajuda.<br />

Quando alguém nos fala de um<br />

sofrimento a maioria de nós é empática,<br />

tende a sintonizar e mesmo<br />

a sofrer um pouco do sofrimento<br />

do outro. Isto às vezes nos leva a,<br />

quase sem perceber, encerrar o<br />

assunto ou responder diminuindo<br />

a intensidade do sofrimento<br />

de quem nos fala. Isto pode dar à<br />

pessoa que fala a sensação de não<br />

estar sendo compreendida. Ouvir<br />

e ter uma postura de acolhimento<br />

e falas simples e positivas já é<br />

bastante bom. E sugerir a busca de<br />

atenção especializada<br />

Se a pessoa em risco de suicídio<br />

procurar um especialista,<br />

vai poder ter alívio por vários<br />

métodos. Os resultados podem<br />

ser mais imediatos (caso isto seja<br />

necessário) ou a partir de cerca<br />

de quinze dias, com a maioria das<br />

medicações. Entre o início do tratamento<br />

e a efetividade das medicações,<br />

nestes primeiros quinze<br />

dias, pode haver um aumento da<br />

suicidabilidade. É importante então<br />

haver uma atenção próxima,<br />

principalmente quando a pessoa<br />

em risco é adolescente. A psicoterapia<br />

é sempre e deve ser sempre<br />

parte do tratamento.<br />

Falamos das proximidades do<br />

suicida e é importante estarmos<br />

atentos a quem tem uma proximidade<br />

genética, quem teve com ele<br />

uma convivência próxima e quem<br />

foi exposto ao ato consumado. Temos<br />

que agir nestes casos preventivamente.<br />

Vamos nos lembrar do efeito<br />

Papageno, personagem de Mozart<br />

na Flauta Mágica que iria suicidar e<br />

é aconselhado e dissuadido por três<br />

entidades, anjinhos, e sobrevive.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Alô</strong> <strong>Doutor</strong> na Sala de Espera Agosto / Setembro | 2019<br />

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