Ciências Sociais UNIP
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<strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong><br />
Autora: Profa. Josefa Alexandrina da Silva<br />
Colaboradores: Prof. Flávio Celso Müller Martin<br />
Prof. Fábio Gomes da Silva<br />
Profa. Angélica Lucia Carlini
Professora conteudista: Josefa Alexandrina da Silva<br />
Possui graduação em <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong> (1990) e mestrado em <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong> (1997) pela Pontifícia<br />
Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é doutoranda do programa de pós-graduação na área de<br />
educação: currículo pela mesma instituição.<br />
É professora adjunta da Universidade Paulista, onde atua como líder da disciplina <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong>, e docente<br />
do curso de Administração de Empresas no campus Marquês de São Vicente da mesma universidade, em São<br />
Paulo.<br />
Foi membro da equipe técnica de sociologia da Secretaria de Estado da Educação e coordenadora de<br />
conteúdos para educação à distância na Fundação Padre Anchieta. Tem experiência na área de sociologia, com<br />
ênfase em ensino, atuando principalmente a partir das seguintes áreas: política educacional, precarização do<br />
trabalho, trabalho docente, metodologia de ensino, educação a distância e currículo.<br />
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<br />
S586c<br />
Silva, Josefa Alexandrina da<br />
<strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong>. / Josefa Alexandrina da Silva. - São Paulo:<br />
Editora Sol, 2015.<br />
128 p., il.<br />
Notas: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e<br />
Pesquisas da <strong>UNIP</strong>, Série Didática, ano XXI, n. 2-098/15, ISSN 1517-9230.<br />
1. Sociologia. 2. Pensamento Clássico 3. Sociologia<br />
Contemporânea I.Título<br />
CDU 303<br />
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou<br />
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem<br />
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio<br />
Reitor<br />
Prof. Fábio Romeu de Carvalho<br />
Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças<br />
Profa. Melânia Dalla Torre<br />
Vice-Reitora de Unidades Universitárias<br />
Prof. Dr. Yugo Okida<br />
Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa<br />
Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez<br />
Vice-Reitora de Graduação<br />
Unip Interativa – EaD<br />
Profa. Elisabete Brihy<br />
Prof. Marcelo Souza<br />
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar<br />
Prof. Ivan Daliberto Frugoli<br />
Material Didático – EaD<br />
Comissão editorial:<br />
Dra. Angélica L. Carlini (<strong>UNIP</strong>)<br />
Dra. Divane Alves da Silva (<strong>UNIP</strong>)<br />
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)<br />
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)<br />
Dra. Valéria de Carvalho (<strong>UNIP</strong>)<br />
Apoio:<br />
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD<br />
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos<br />
Projeto gráfico:<br />
Prof. Alexandre Ponzetto<br />
Revisão:<br />
Simone Oliveira
Sumário<br />
<strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong><br />
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7<br />
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7<br />
Unidade I<br />
1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO SOBRE O SOCIAL....................................................13<br />
1.1 As origens do pensamento científico sobre o social...............................................................13<br />
1.2 A sociologia pré-científica.................................................................................................................16<br />
1.2.1 Renascimento............................................................................................................................................16<br />
1.2.2 O século das luzes....................................................................................................................................19<br />
1.3 O pensamento científico sobre o social.......................................................................................23<br />
1.3.1 Augusto Comte (1798-1857)..............................................................................................................23<br />
2 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO SÉCULO XVIII....................................................................................27<br />
2.1 Revoluções burguesas.........................................................................................................................27<br />
2.1.1 Revolução Francesa................................................................................................................................28<br />
2.1.2 Revolução Industrial...............................................................................................................................30<br />
3 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO CLÁSSICO.......................38<br />
3.1 Émile Durkheim e o pensamento positivista.............................................................................39<br />
3.1.1 A relação indivíduo versus sociedade.............................................................................................. 41<br />
3.1.2 Os fatos sociais e a consciência coletiva........................................................................................42<br />
3.1.3 O crime.........................................................................................................................................................43<br />
3.1.4 Solidariedade mecânica e orgânica..................................................................................................45<br />
3.2 Karl Marx e o materialismo histórico e dialético.....................................................................47<br />
3.2.1 Divisão do trabalho social....................................................................................................................49<br />
3.2.2 Classes sociais...........................................................................................................................................50<br />
3.2.3 Salário, valor, lucro e mais-valia........................................................................................................ 51<br />
3.2.4 Ideologia burguesa e alienação.........................................................................................................52<br />
3.2.5 A amplitude da contribuição de Karl Marx...................................................................................53<br />
3.3 Max Weber e a busca das conexões de sentido........................................................................54<br />
3.3.1 Ação social e tipo ideal..........................................................................................................................54<br />
3.3.2 A tarefa do cientista...............................................................................................................................55<br />
3.3.3 A ética protestante e o espírito do capitalismo..........................................................................56<br />
3.3.4 Teoria da burocracia e os tipos de dominação............................................................................58<br />
4 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA NO BRASIL..................................................................60<br />
4.1 Industrialização e formação da sociedade de classes............................................................ 61<br />
4.2 O capitalismo dependente................................................................................................................. 61
Unidade II<br />
5 A GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS........................................................................................ 70<br />
5.1 A globalização comercial e financeira..........................................................................................72<br />
5.2 As novas tecnologias...........................................................................................................................73<br />
5.3 A globalização cultural.......................................................................................................................74<br />
6 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO................................................................................75<br />
6.1 Precarização das relações de trabalho..........................................................................................76<br />
6.2 Desemprego estrutural e informalidade......................................................................................78<br />
7 POLÍTICA E RELAÇÕES DE PODER: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DIREITOS DO CIDADÃO......82<br />
7.1 Política, poder e Estado......................................................................................................................82<br />
7.1.1 Interesses particulares, grupais e gerais.........................................................................................83<br />
7.2 Democracia e cidadania.....................................................................................................................83<br />
7.3 Participação política.............................................................................................................................84<br />
8 AS QUESTÕES URBANAS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS.....................................................................86<br />
8.1 A cidade e seus problemas................................................................................................................87<br />
8.2 Violência urbana....................................................................................................................................87<br />
8.3 Movimentos sociais..............................................................................................................................88<br />
8.3.1 Características dos movimentos sociais: identidade, oposição e totalidade...................90<br />
8.4 A sociedade em movimento.............................................................................................................92<br />
8.4.1 O movimento feminista........................................................................................................................93<br />
8.4.2 O movimento ambientalista................................................................................................................95<br />
8.5 Movimentos da sociedade em rede...............................................................................................97<br />
8.6 Os novos movimentos sociais........................................................................................................101
APRESENTAÇÃO<br />
Caro aluno,<br />
Partindo das premissas básicas que norteiam a missão da universidade de atuar para o progresso da<br />
comunidade, para o fortalecimento da solidariedade entre os homens e para o desenvolvimento do país,<br />
a disciplina <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong> visa contribuir com a compreensão da realidade global através do estudo da<br />
formação da sociedade contemporânea.<br />
Para isso, os objetivos da disciplina se focam numa compreensão construída sob a perspectiva<br />
científica, a fim de permitir o entendimento dos principais problemas da sociedade capitalista a partir<br />
do desenvolvimento das seguintes competências:<br />
• Senso crítico e capacidade de contextualização;<br />
• Pensamento estratégico;<br />
• Visão sistêmica;<br />
• Consciência ética e social.<br />
Além disso, através das estratégias de trabalho e de avaliação, os alunos deverão ter a oportunidade<br />
de também aprimorar:<br />
• A comunicação e a expressão;<br />
• O desenvolvimento pessoal;<br />
• O trabalho em equipe.<br />
De forma mais específica, o objetivo primeiro da disciplina <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong> é levar os estudantes a<br />
compreender que o capitalismo é um modo de organização econômica e social construído historicamente<br />
e refletir sobre os fundamentos teóricos desse modelo de sociedade.<br />
Outro objetivo da disciplina tem a ver com o aprendizado dos diferentes princípios explicativos para<br />
os fenômenos sociais. Esses princípios abarcam diferentes estilos de pensamento e distintas visões de<br />
sociedade e de mundo.<br />
Por fim, busca-se a formação de um profissional ético, competente e comprometido com a sociedade<br />
em que vive e, principalmente, que reflita frente aos diferentes princípios explicativos sobre os problemas<br />
latentes do mundo contemporâneo.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O propósito deste texto é fornecer aos alunos material de apoio para o acompanhamento da<br />
disciplina <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong>. A primeira questão que precisa ser colocada é: qual o sentido do aprendizado<br />
das ciências sociais na formação universitária?<br />
7
As ciências sociais se definem a partir da possibilidade de o homem contemporâneo entender a<br />
realidade social em que vive sob uma perspectiva científica.<br />
A sociologia como ciência é vista por Mills (1965, p. 11) como um “conhecimento capaz de conduzir<br />
o homem comum a compreender os nexos que ligam sua vida individual com os processos sociais mais<br />
gerais”. A percepção que o homem comum tem da realidade social é marcada pelo seu cenário mais<br />
imediato, o do cotidiano, levando-o à formação de uma visão distorcida do todo. Segundo Mills (1965),<br />
a superação dessa condição de alienação se dá com o desenvolvimento do que chama de “imaginação<br />
sociológica”, que permite “usar a informação e desenvolver a razão”.<br />
Ianni (1988) aponta que a realidade não se mostra em sua totalidade e que a compreensão abrangente<br />
do mundo depende da ciência. O autor concebe a sociologia como a autoconsciência da sociedade, pela<br />
sua capacidade de levar o ser humano a refletir sobre os rumos da vida social.<br />
Ao refletir sobre o sentido da sociologia, Giddens (2001) atribui a essa ciência um papel central para a compreensão<br />
das forças sociais que vêm transformando nossas vidas. Para ele, a vida social tornou-se episódica, fragmentária e<br />
marcada por incertezas. Sendo assim, o pensamento sociológico deve contribuir para seu entendimento.<br />
Todos nós vivemos em sociedade e, pela nossa condição humana, somos capazes de elaborar uma visão<br />
sobre o mundo e formular hipóteses e opiniões sobre os eventos sociais. No entanto, isso ainda não é ciência.<br />
O que vai caracterizar a reflexão científica sobre o social é a utilização de métodos adequados de análise<br />
e formulação de teorias. Mesmo sem ter estudado uma ciência, todas as pessoas conhecem certos fatos<br />
sociais. Os temas do nosso curso são familiares ao senso comum, porém, espera-se que vocês, estudantes,<br />
superem esse senso comum para desenvolver uma reflexão mais elaborada sobre a sociedade em que<br />
vivem. É importante salientar que o conhecimento científico é crítico, pois esforça-se por descobrir bases<br />
sólidas e justificações claras e exatas, enquanto o senso comum limita-se ao conhecimento superficial.<br />
Figura 01 – Homem e engrenagens girando<br />
Por ser uma ciência que se preocupa com o entendimento das regras que organizam a vida social,<br />
a sociologia desenvolveu métodos de análise que buscam tornar a ação social humana explicável por<br />
meio de informações baseadas em conhecimentos precisos. O saber sociológico é organizado e isso se<br />
evidencia no empenho pela construção de sistemas que formem conjuntos nos quais os elementos<br />
estejam relacionados de maneira ordenada. Ainda, outra característica da sociologia é que seus<br />
conhecimentos são gerais, ou seja, trata-se de um conjunto de fatos e situações e não apenas de um<br />
estudo de determinadas circunstâncias isoladas.<br />
8
Desse modo, o conhecimento científico sobre o mundo social não é produto de uma sequência de<br />
acasos ou situações imprevisíveis. É preciso orientar a inteligência para certa noção de ordem social, pois<br />
a realidade social é capaz de ser observada, entendida e explicada à luz da razão.<br />
Ao explicar relações entre acontecimentos complexos e diferenciados, o conhecimento sociológico<br />
permite ao ser humano transpor os limites de sua condição particular e perceber-se como parte de<br />
uma totalidade mais ampla. Isso faz da sociologia um conhecimento indispensável num mundo que<br />
diferencia e isola os homens e os grupos entre si.<br />
Figura 02 – Livros<br />
Mas, afinal, o que se estuda na disciplina <strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong>?<br />
Iniciamos nosso curso discutindo o processo de formação do pensamento científico sobre o mundo<br />
social. Procuraremos conhecer a sociedade capitalista na qual estamos imersos sob a perspectiva<br />
científica. Para tanto, será necessário refletir sobre os fundamentos desse modelo de organização social<br />
que se desenvolveu na Europa a partir do século XV.<br />
Num segundo momento, discutiremos rapidamente um conjunto de transformações sociais que<br />
ocorreram na Europa no século XVIII e conduziram o sistema capitalista a se firmar como hegemônico<br />
no mundo.<br />
Em seguida, discutiremos sobre as principais contribuições de autores clássicos da sociologia. A<br />
intenção dessa discussão é refletirmos conjuntamente sobre a pertinência das análises desses autores<br />
no entendimento do mundo atual.<br />
Não podemos deixar de discutir também a sociedade brasileira. Por isso, vamos abordar como se deu a<br />
inserção do Brasil no sistema capitalista, sua industrialização, sua urbanização e procuraremos entender<br />
de que maneira criamos um sistema econômico dependente de recursos e tecnologia externos.<br />
De posse de referências mais consistentes sobre o sistema capitalista, nos voltaremos à compreensão<br />
da sociedade atual. Discutiremos o que é globalização, o impacto das novas tecnologias e seguiremos<br />
analisando as transformações no mundo do trabalho que têm conduzido aos processos de precarização<br />
do trabalho, desemprego e informalidade.<br />
9
No senso comum, é usual encontrarmos pessoas simples que atribuem todas as mazelas de sua<br />
existência ao governo. Como queremos fugir do senso comum, vamos refletir: afinal, o que é política? O<br />
que é poder? Qual é o papel do Estado? A participação política é importante?<br />
Dedicaremos o final do nosso curso para analisar as questões urbanas. Sabemos hoje que a maior<br />
parte da população brasileira vive em áreas urbanas, e essas são portadoras de inúmeros problemas,<br />
como a questão ambiental e a violência, por exemplo. Assim, não podemos deixar de olhar esses assuntos<br />
novamente sob uma perspectiva científica.<br />
Por último, trataremos dos movimentos sociais, pois a vida em sociedade é extremamente dinâmica<br />
e marcada por lutas constantes de grupos sociais que defendem interesses específicos.<br />
Assim, espera-se que vocês, alunos, desenvolvam um olhar mais crítico sobre a sociedade, o que<br />
certamente contribuirá para o seu aprimoramento profissional. A seguir, um texto complementar para<br />
marcar o início do nosso trabalho.<br />
Bons estudos!<br />
Estratégias para o desenvolvimento da reflexão sociológica: o uso da produção cinematográfica<br />
Figura 03 – Hollywood, em Los Angeles, Califórnia (EUA)<br />
Os estudos sobre a utilização do cinema como recurso para o ensino da sociologia têm apontado<br />
para a complementaridade que o filme pode exercer no despertar da reflexão crítica sobre a sociedade.<br />
Mesmo filmes do circuito comercial, que são produzidos para um público amplo, tratam de temas<br />
do cotidiano e, por isso, oferecem possibilidades para a análise de temas básicos da sociologia, já que o<br />
cinema representa o imaginário social.<br />
10
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Os filmes possibilitarão a percepção e discussão das realidades retratadas a partir de referenciais<br />
teóricos a serem discutidos no decorrer do curso, o que ampliará e refinará a compreensão de conceitos<br />
e teorias, além de auxiliar no processo de contextualização histórica.<br />
O cinema pode provocar um tipo de pensamento que ultrapassa o âmbito do senso comum e gera<br />
um novo olhar sobre o mundo, contribuindo, assim, para a formação de uma consciência da diversidade<br />
e da pluralidade e para o entendimento sobre o nosso próprio comportamento social.<br />
Desse modo, é necessário que haja adequação dos filmes selecionados ao conteúdo da disciplina<br />
<strong>Ciências</strong> <strong>Sociais</strong>, já que o filme pode servir como forma de ilustrar conteúdos. Martins (1990), por<br />
exemplo, enfatiza justamente que o desenvolvimento de um olhar sobre o filme possibilita a apreensão<br />
de “comportamentos, visões de mundo, valores, identidades e ideologias de uma sociedade”.<br />
A utilização de filmes pode contribuir para estimular a prática de estudos independentes e transversais<br />
que ajudam a desenvolver o senso crítico e a capacidade de contextualização.<br />
A partir dessas considerações iniciais, os filmes que serão indicados ao longo deste livro-texto<br />
aprofundarão suas reflexões sobre os assuntos abordados durante o curso. É importante ler os textos<br />
e, em seguida, assistir aos filmes indicados, tendo por premissa a análise dos detalhes das obras<br />
cinematográficas em relação aos conceitos lidos e discutidos. Por fim, procure sempre elaborar os<br />
seguintes questionamentos:<br />
• Qual a relação entre a história do filme e a realidade em que vivemos?<br />
• Em que época e local se passam os fatos narrados na obra?<br />
• Qual a mensagem do filme?<br />
• Após assistir ao filme, a qual conclusão pode-se chegar sobre ele?<br />
Além disso, acreditamos também que o hábito de assistir a filmes acrescenta prazer ao processo de<br />
aprendizado da sociologia.<br />
Saiba mais<br />
Para saber mais sobre o assunto, leia os textos indicados a seguir:<br />
MARTINS, A. L. Cinema e ensino de sociologia: usos de filme em sala de<br />
aula. XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. UFPE, Recife, 2007. Disponível em<br />
< http://bib.praxis.ufsc.br:8080/xmlui/bitstream/handle/praxis/60/Cinema%20e<br />
%20Ensino%20de%20Sociologia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 jun. 2011.<br />
PAIVA JÚNIOR, Y. E. B. Viver e pensar o cotidiano. Revista Sociologia, São Paulo,<br />
n. 32, 2010. Seção Reportagens. Disponível em . Acesso em: 13 fev. 2011.<br />
11
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Unidade I<br />
1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO SOBRE O SOCIAL<br />
1.1 As origens do pensamento científico sobre o social<br />
Desde que o ser humano desenvolveu a capacidade de pensar, está em busca de explicações para<br />
os fenômenos que o circundam. A partir dessa preocupação básica, o homem se tornou produtor de<br />
conhecimento sobre o mundo. Num primeiro momento, as explicações sobre o funcionamento da<br />
natureza e da vida humana eram dadas a partir de mitos e explicações mágicas não pautadas em um<br />
sistema lógico e coerente. Posteriormente, foram criadas outras formas de conhecer e explicar o mundo,<br />
como as religiões, a filosofia e a ciência.<br />
Nesta unidade, nosso propósito é identificar as diferentes formas de se pensar a vida social e delimitar<br />
nosso campo de estudo científico.<br />
O conhecimento mítico se manifesta através de um conjunto de histórias, lendas e<br />
crenças. Os mitos carregam mensagens que traduzem os costumes de um povo e constituem<br />
um discurso explicativo da vida social. O mito se explica pela fé, ou seja, não precisa de<br />
comprovação.<br />
Segundo Meksenas (1993, p. 39), “o mito fez com que o ser humano procurasse entender<br />
o mundo através do sentimento e busca da ordem das coisas”. Na medida em que o homem<br />
desenvolveu sua consciência, sentiu necessidade de descobrir as leis que regem o mundo e<br />
procurou entendê-lo de um modo racional. Enquanto o mito contribuía para o homem aceitar o<br />
mundo através de histórias, a filosofia atuou no sentido de permitir o entendimento das coisas<br />
através da reflexão sobre elas.<br />
O conhecimento filosófico é valorativo 1 , porém, se apoia na formulação de hipóteses, é pautado na<br />
razão e tem como finalidade buscar uma representação coerente da realidade estudada. Como ilustram<br />
Lakatos e Marconi (2009, p. 19), “o conhecimento filosófico é caracterizado pelo esforço da razão pura<br />
para questionar os problemas humanos e poder discernir entre o certo e o errado, unicamente recorrendo<br />
às luzes da razão humana”.<br />
1<br />
O termo valorativo é aqui empregado com o sentido de emitir juízo de valor.<br />
13
Unidade I<br />
Figura 04 – Adão e Eva provando o fruto da Árvore do conhecimento (Adán y Eva, de Vecellio di Gregorio Tiziano, 1628-1629)<br />
De acordo com Sócrates (apud MEKSENAS, 1993, p. 41), “não existe no mundo conhecimento pronto,<br />
acabado e que, se desejamos chegar à raiz do conhecimento, devemos – em primeiro lugar – criticar o<br />
que já conhecemos”.<br />
O conhecimento religioso também se baseia em doutrinas valorativas, mas suas verdades são<br />
consideradas indiscutíveis. É um tipo de conhecimento que não se vale diretamente da razão e da<br />
experimentação, mas sim da fé na revelação divina. Esse conhecimento se impôs como dominante no<br />
mundo ocidental durante o período medieval e, assim, o cristianismo impediu o florescimento de outras<br />
maneiras de conhecer a realidade e se constituiu um saber absoluto que justificava o poder de uma<br />
instituição: a igreja Católica.<br />
Quanto ao senso comum, ele é a nossa primeira forma de compreensão do mundo, resultante da<br />
herança cultural dos grupos sociais onde estamos inseridos. É um conhecimento transmitido de geração<br />
em geração por meio da educação informal e é baseado em imitações e experiências pessoais.<br />
Todos os seres humanos possuem conhecimentos práticos de como agir e de como participar das<br />
instituições. O senso comum é um saber que parte da prática do homem comum, do não especialista. É<br />
um conhecimento que se volta à compreensão dos dados imediatos e não procura explicações profundas<br />
dos eventos.<br />
As transformações que ocorreram no mundo a partir do século XVI — como as grandes navegações e<br />
a internacionalização do comércio — foram acompanhadas pela crítica ao poder eclesiástico de explicar<br />
a realidade.<br />
Com a desagregação do mundo feudal, foi conferida uma importância única ao conhecimento<br />
científico. Surgiu uma necessidade histórica de formular um saber que permitisse estabelecer um critério<br />
de verdade pautado na razão e na funcionalidade.<br />
14
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
A razão, ou capacidade racional do homem de conhecer a realidade, foi definida como elemento<br />
essencial para confrontar o dogmatismo religioso e a autoridade eclesial. O desenvolvimento da razão<br />
conduziu a uma nova atitude diante da possibilidade de explicar os fatos sociais de maneira lógica e<br />
coerente (COSTA, 2005).<br />
O conhecimento científico se pauta na realidade concreta e é baseado na experimentação<br />
e não apenas na razão. É um saber que possui uma ordenação lógica e busca constantemente<br />
se repensar. A característica elementar do pensamento científico é a procura pela verdade<br />
através do desenvolvimento de métodos de análise e de uma linguagem objetiva que evite<br />
ambiguidades.<br />
Figura 05 – Pesquisa científica<br />
Esse tipo de saber é produzido e transmitido através de treinamento apropriado nos institutos de<br />
pesquisa e nas universidades. Trata-se de um conhecimento desenvolvido no mundo ocidental a partir<br />
do século XVII.<br />
Portanto, mito, religião, filosofia e ciência são formas de conhecimento produzidas pelo ser humano<br />
e o sentido da busca pelo conhecimento é chegar à verdade.<br />
Para refletir: qual a diferença entre conhecimento mítico, filosófico e científico? Por que a<br />
universidade é o espaço do pensamento científico?<br />
Cada forma de conhecer o mundo é representada por instituições próprias. O pensamento religioso é<br />
amplamente difundido por instituições religiosas. O senso comum está disseminado por toda a sociedade<br />
e encontra nos meios de comunicação de massa espaço para sua expressão. Mas, e o conhecimento<br />
científico?<br />
A universidade é concebida como centro de criação e difusão do conhecimento científico.<br />
Materializa-se pela união de professores e alunos para o avanço do conhecimento. Seu compromisso<br />
é com o desenvolvimento da ciência e da sociedade através da formação de profissionais<br />
15
Unidade I<br />
competentes e com sólida formação científica. Desse modo, nosso foco neste curso se volta para<br />
a análise científica da sociedade, pois nosso compromisso institucional é com o desenvolvimento<br />
da ciência.<br />
Figura 06 – Homem estudando<br />
Saiba mais<br />
Para saber mais sobre a natureza da ciência social e o conhecimento do<br />
mundo, consulte a obra a seguir:<br />
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas,<br />
2008.<br />
1.2 A sociologia pré-científica<br />
1.2.1 Renascimento<br />
Neste tópico, abordaremos a contribuição de alguns filósofos para a compreensão das transformações<br />
sociais que culminaram no desenvolvimento do capitalismo.<br />
Observação<br />
O termo sociologia pré-científica foi desenvolvido pela professora<br />
Cristina Costa e se refere ao pensamento social anterior ao desenvolvimento<br />
da sociologia como ciência. Trata-se do pensamento filosófico que se<br />
desenvolveu a partir do Renascimento e se estendeu até a Ilustração.<br />
16
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
No século XV, significativas mudanças ocorreram na Europa: iniciou-se uma nova era marcada<br />
por inovações na organização do trabalho e por transformações no modo de o homem conceber o<br />
conhecimento, a partir de então pautado na razão e na ciência.<br />
Além de se preocupar com o desenvolvimento de explicações racionais sobre o funcionamento da<br />
natureza, o homem renascentista passou a se preocupar com a questão de como utilizar melhor os<br />
recursos naturais com o intuito de aumentar a produtividade e o lucro. Essa nova forma de conhecimento<br />
da natureza e da sociedade se fundamentou em processos de experimentação e observação e foi<br />
representada pelas obras de Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes<br />
(1596-1650).<br />
O pensamento social do Renascimento se expressou também na criação imaginária de mundos<br />
ideais que mostrariam como a realidade deveria ser, sugerindo que tal sociedade seria construída pelos<br />
homens através de sua ação e não pela crença ou pela fé.<br />
Em A Utopia, Thomas Morus (1478-1535) defende a igualdade e a concórdia e concebe um modelo de<br />
sociedade no qual todos têm as mesmas condições de vida e executam em rodízio os mesmos trabalhos.<br />
Figura 08 – Thomas Morus<br />
Em sua obra O Príncipe, Maquiavel afirma que o destino da sociedade depende da ação dos<br />
governantes e explora as condições pelas quais um monarca absoluto é capaz de obter êxitos. Além disso,<br />
o autor analisa as condições para se chegar a conquistas, reinar e manter o poder. Maquiavel acredita<br />
que o poder depende das características pessoais do governante, de suas virtudes, das circunstâncias<br />
históricas e de fatos que ocorrem independentemente de sua vontade.<br />
17
Unidade I<br />
A obra O Príncipe ainda disserta a respeito das relações que o monarca deve manter com a nobreza,<br />
o clero e o povo:<br />
[O Príncipe] mostra como deve agir o soberano para alcançar e preservar o<br />
poder, como manipular a vontade popular e usufruir seus poderes e aliados.<br />
Como conseguir exércitos fiéis, como castigar inimigos, como recompensar<br />
aliados, como destruir na memória do povo a imagem dos antigos líderes<br />
(COSTA, 2005, p. 34).<br />
A importância dessa obra reside no tratamento dado ao poder, que passou a ser visto a partir da<br />
razão e da habilidade do governante para nele se manter, separando, assim, a análise do exercício do<br />
poder da ética.<br />
Figura 09 – Príncipe César Bórgia e Nicolau Maquiavel<br />
Segundo Costa (2005), as ideias de Thomas Morus e Maquiavel expressavam os valores de uma<br />
sociedade em mudança, portadora de uma visão laica de si e do poder.<br />
Com o Renascimento, novos valores sociais passaram a ser compartilhados entre os homens. Houve<br />
uma crescente valorização da riqueza em detrimento da origem do indivíduo e a ordem social se voltou<br />
para a competição por novos mercados e ampliação do consumo.<br />
Com o desenvolvimento das atividades comerciais, uma nova classe social ganhou evidência: a<br />
burguesia comercial, constituída por comerciantes que aspiravam lucros e tinham interesses de domínio<br />
político.<br />
Os valores sociais da sociedade moderna eram:<br />
18
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
• Antropocentrismo: o homem se coloca como centro de tudo;<br />
• Laicidade: separação das questões transcendentais das preocupações imediatas do dia a dia;<br />
• Individualismo: valorização da autonomia individual em detrimento da coletividade;<br />
• Racionalismo: modo de pensar que atribui valor somente à razão;<br />
• Hedonismo: dedicação ao prazer como estilo de vida.<br />
1.2.2 O século das luzes<br />
Saiba mais<br />
O pensamento renascentista foi expresso em obras importantes, tais como:<br />
ALIGHIERI, D. A Divina Comédia. Trad. Ítalo E. Mauro. São Paulo: 34, 2010.<br />
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2010.<br />
MORUS, T. A Utopia. Trad. Marcelo B. Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2009.<br />
SHAKESPEARE, W. Macbeth. Trad. M. Bandeira. São Paulo: Cosac Naify, 2009.<br />
______. Romeu e Julieta. Trad. Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 1998.<br />
Se houver dificuldade no acesso a essas obras, todas elas estão disponíveis<br />
no diretório .<br />
A partir do século XVII, o capitalismo entrou em franca expansão pelo mundo. Os valores sociais<br />
básicos burgueses se voltaram para o individualismo e para a busca pelo lucro. A expansão das atividades<br />
comerciais conduziu a uma procura crescente pelo aumento da produtividade e esse aumento precisou<br />
do desenvolvimento tecnológico e da racionalidade no planejamento da produção. Desse modo, recorreu-se<br />
ao apoio na razão como fonte de conhecimento das atividades econômicas.<br />
Com a Ilustração 2 , as ideias de racionalidade e liberdade se converteram em valores supremos. A<br />
racionalidade aqui é compreendida como a capacidade humana de pensar e escolher.<br />
2<br />
Movimento filosófico do século XVIII que partia da convicção na razão como fonte de conhecimento.<br />
19
Unidade I<br />
Figura 10 – Estátua da Liberdade<br />
Lembrete<br />
A liberdade é concebida sob a perspectiva política. As relações entre os<br />
homens devem ser pautadas na liberdade contratual, desse modo, todos os<br />
homens são livres e iguais.<br />
De acordo com Quintaneiro (2002):<br />
A ideia de liberdade passou, então, a conotar emancipação do indivíduo<br />
da autoridade social e religiosa, conquista de direitos e autonomia<br />
frente às instituições. A burguesia europeia ilustrada acredita que a ação<br />
racional traria ordem ao mundo, sendo a desordem um mero resultado<br />
da ignorância. Educados, os seres humanos seriam bons e iguais<br />
(QUINTANEIRO, 2002, p. 13).<br />
É interessante observar que a concepção de liberdade e igualdade no período em questão ainda não<br />
concebia a igualdade civil entre homens e mulheres, ou seja, as mulheres ainda possuíam um status<br />
inferior ao dos homens. 3<br />
3<br />
Quintaneiro (2002) ainda relata que Helvétius afirmou em 1758 que as diferenças entre os seres humanos não<br />
se referiam à sua capacidade de conhecer, mas a fatores sociais, políticos ou morais. Propunha que a educação deveria ser<br />
oferecida igualmente a homens e mulheres. Seu livro foi tão revolucionário para a época que foi condenado pelo Papa e<br />
queimado no Parlamento de Paris e na Faculdade de Teologia.<br />
20
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Os filósofos iluministas concebiam a política como uma coletividade organizada e contratual. O<br />
poder surgiu como uma construção lógica e jurídica que independia de quem o ocupava e se fazia de<br />
forma temporária ou representativa.<br />
A sociedade passou a ser vista como portadora de diferentes instâncias como a política, a jurídica,<br />
a social e a econômica, ou seja, surgiu a percepção de que o funcionamento da sociedade dependia da<br />
relação entre as partes que a compunham (COSTA, 2005).<br />
Em um contexto de luta contra o poder absolutista 4 que atravancava o desenvolvimento do<br />
comércio e a efetivação dos princípios de representatividade política, as massas foram conclamadas<br />
a defender a democracia e a igualdade jurídica entre os homens na constituição de um regime<br />
republicano.<br />
A partir daí inicia-se o liberalismo, ideologia política que preconiza a liberdade da economia frente<br />
ao poder. Desse modo, a economia deveria ser regida por leis próprias (a lei da oferta e da procura) e a<br />
organização do Estado se voltaria para a defesa dos interesses burgueses.<br />
Em sua obra O contrato social, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) afirma que a base da sociedade<br />
estava no interesse comum pela vida social e no consentimento unânime dos homens em renunciar a<br />
suas vontades em favor de toda a comunidade (COSTA, 2005).<br />
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força<br />
comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindose<br />
a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre<br />
como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada<br />
pelo contrato social.<br />
(...) Todas essas cláusulas, bem entendido, se reduzem a uma única, a saber,<br />
a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de<br />
toda a comunidade; porque primeiramente, cada qual se entregando por<br />
completo e sendo a condição igual para todos, a ninguém interessa torná-la<br />
onerosa para outros (ROUSSEAU, 1978, p. 30).<br />
Quanto à desigualdade social, Rousseau identificou na propriedade privada a fonte das injustiças<br />
sociais e defendeu um modelo de sociedade pautada em princípios de igualdade. Sobre a desigualdade<br />
entre os homens, Rousseau afirma:<br />
Eu concebo na espécie humana duas espécies de desigualdades: uma,<br />
que chamo de natural ou física, porque foi estabelecida pela natureza<br />
e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças corporais e<br />
4<br />
O absolutismo foi um sistema político de governo em que os dirigentes assumiam poderes absolutos, sem<br />
limitações ou restrições, passando a exercer de fato e de direito todos os atributos da soberania. Esse sistema político<br />
perdurou na Europa entre os séculos XV e XVIII.<br />
21
Unidade I<br />
22<br />
das qualidades do espírito ou da alma; outra, a que se pode chamar de<br />
desigualdade moral ou política, pois depende de uma espécie de convenção<br />
e foi estabelecida, ou ao menos autorizada, pelo consentimento dos homens.<br />
Consiste esta nos diferentes privilégios desfrutados por alguns em prejuízo<br />
dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados, mais poderosos<br />
que estes, ou mesmo mais obedecidos (ROUSSEAU, 1978, p. 143).<br />
Em relação à identificação da propriedade privada como fonte das desigualdades e da injustiça<br />
social, Rousseau coloca que:<br />
O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: isto é meu, e<br />
encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro<br />
fundador da sociedade civil.<br />
Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado<br />
ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos,<br />
tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor;<br />
estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de<br />
ninguém!” (ROUSSEAU, 1978, p. 175).<br />
A partir das ideias expostas, Rousseau se tornou partidário de uma sociedade que defendesse<br />
princípios igualitários e preservasse uma base livre e contratual.<br />
Assim como Rousseau, John Locke (1632-1704) era partidário da ideia de que a sociedade é<br />
resultante da livre associação entre indivíduos dotados de razão e vontade, porém, diferentemente<br />
daquele, Locke reconhecia a diferença entre os direitos individuais e o respeito à propriedade<br />
e defendia que os princípios de organização social fossem codificados em torno de uma<br />
Constituição.<br />
John Locke concebia a propriedade privada como um direito natural do ser humano. Todo indivíduo<br />
teria o direito de usá-la em seu proveito para sobrevivência ou para ampliar seus bens e aumentar sua<br />
riqueza.<br />
Segundo Lucien Goldamnn (1913-1979), os valores fundamentais defendidos pelos filósofos<br />
iluministas, como igualdade jurídica, liberdade contratual e respeito à propriedade privada, foram<br />
apropriados pela burguesia como os fundamentos da atividade comercial. Basta pensarmos em<br />
como operam as relações comerciais até os dias de hoje: são relações que, independentemente das<br />
desigualdades sociais, são marcadas pelo princípio da igualdade jurídica. Esse princípio prevalece mesmo<br />
na relação entre desiguais economicamente. A defesa da propriedade privada confere a seu proprietário<br />
o poder de usar e dispor livremente daquilo que lhe pertence.<br />
Concluímos, portanto, que a sociologia pré-científica foi caracterizada por estudos sobre a vida social<br />
que não tinham como preocupação central conhecer a realidade como ela era, mas sim propor formas<br />
ideais de organização social. O pensamento filosófico de então já concebia diferenças entre indivíduo e
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
coletividade e, como afirma Costa (2005, p. 49), “(...) presos ainda ao princípio da individualidade, esses<br />
filósofos entendiam a vida coletiva como a fusão de sujeitos, possibilitada pela manifestação explícita<br />
das suas vontades”.<br />
Saiba mais<br />
Para um estudo mais aprofundado sobre o assunto aqui abordado,<br />
consulte as obras listadas a seguir:<br />
DESCARTES, R. O Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1987.<br />
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1988.<br />
HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010.<br />
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978.<br />
ROUSSEAU, J.-J. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix,<br />
1978.<br />
VOLTAIRE. Dicionário filosófico. São Paulo: Nova Cultural, 1988.<br />
1.3 O pensamento científico sobre o social<br />
Até aqui, percebemos que a inquietação em conhecer e explicar os fenômenos sociais sempre<br />
foi uma preocupação da humanidade. Porém, a explicação com base científica é fruto da sociedade<br />
moderna, industrial e capitalista. A formação da sociologia no século XIX significou que o pensamento<br />
sobre o social se desvinculou das tradições morais e religiosas. Como afirma Costa (2005):<br />
1.3.1 Augusto Comte (1798-1857)<br />
Tornava-se necessário entender as bases da vida social humana e da<br />
organização da sociedade por meio de um pensamento que permitisse<br />
a observação, o controle e a formulação de explicações plausíveis, e que<br />
tivessem credibilidade num mundo pautado pelo racionalismo (COSTA,<br />
2005, p. 18).<br />
Augusto Comte nasceu em Montpellier, na França, em 1798. Aos 16 anos, ingressou na Escola<br />
Politécnica de Paris, fato que exerceu grande influência na orientação de seu pensamento. Em carta<br />
de 1842 à John Stuart Mill (1806-1873), Comte fala da Politécnica como a primeira comunidade<br />
verdadeiramente científica que deveria servir como modelo de toda educação superior. Contudo, dois<br />
anos depois, ele foi expulso da instituição por insubordinação e rebelião.<br />
23
Unidade I<br />
Amigo e secretario de Saint-Simon — que colaborou imensamente em sua formação intelectual —,<br />
Comte desenvolveu um curso de filosofia positiva ministrado em sua casa e obteve reconhecimento.<br />
Em 1831, foi convidado a trabalhar como professor na própria Escola Politécnica, onde se dedicou ao<br />
magistério e à elaboração de seus livros. Comte morreu em Paris em 1857 e é considerado o fundador<br />
da sociologia.<br />
Saiba mais<br />
Infelizmente, a maior parte das obras de Augusto Comte não foi traduzida<br />
para o português. Suas principais obras editadas em português são:<br />
Reorganizar a Sociedade. São Paulo: Escala, 2009.<br />
Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: Escala, 2009.<br />
Comte foi o autor que desenvolveu pela primeira vez reflexões acerca do mundo social sob bases<br />
científicas. Influenciado pelo cientificismo 5 e o organicismo 6 , o teórico compreendia a sociedade como<br />
um grande organismo no qual cada parte possuía uma função específica, assim, o bom funcionamento<br />
do corpo social dependia da atuação de cada órgão.<br />
Figura 11 – O corpo humano<br />
Observação<br />
Referências ao funcionamento do corpo humano e à teoria da evolução<br />
geral das espécies de Darwin foram utilizadas como parâmetros para o<br />
estudo da sociedade.<br />
5<br />
Crença no poder absoluto da razão para explicar todas as coisas.<br />
6<br />
O organicismo concebe a sociedade como um grande corpo humano constituído de partes coesas e integradas<br />
que funcionam harmonicamente (COSTA, 2005).<br />
24
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
De acordo com Comte, a sociedade teria passado por três fases ao longo da história: a teológica, a<br />
metafísica e a científica. O autor concebia a fase teológica como aquela em que os homens recorriam à<br />
vontade de Deus para explicar os fenômenos da natureza. Na fase metafísica, o homem já seria capaz de<br />
utilizar conceitos abstratos, entretanto, é somente na fase científica, que corresponde à sociedade industrial,<br />
que o conhecimento passou a se pautar na descoberta de leis objetivas para determinar os fenômenos.<br />
Comte procurou estudar o que já havia sido acumulado em termos de conhecimentos e métodos por<br />
outras ciências, como a matemática, a biologia e a física, para saber quais deles poderiam ser utilizados<br />
na sociologia. O teórico buscava garantir assim um estatuto científico à sociologia, como indica Costa<br />
(2005):<br />
Foi ele o primeiro a definir precisamente o objeto, a estabelecer conceitos e<br />
uma metodologia de investigação e, além disso, a definir a especificidade do<br />
estudo científico da sociedade (COSTA, 2005, p. 70).<br />
Preocupado com os problemas sociais de sua época, Comte concebia que o papel da sociologia<br />
como ciência seria o de conhecer as leis que regem a vida social para poder prever os fenômenos e agir<br />
racionalmente, sempre respeitando os princípios gerais que regem o mundo, a manutenção da ordem e<br />
o caminho para o progresso.<br />
Para o autor, todas as sociedades possuíam movimentos vitais de evolução e de ajustamento.<br />
Identificado com o progresso, o primeiro movimento conduziria as sociedades a sistemas mais complexos<br />
de existência. É como se houvesse um movimento inexorável que conduziria todas as sociedades para o<br />
progresso. Identificado com a ordem, o segundo movimento, por sua vez, seria responsável pela adaptação<br />
dos indivíduos ao meio social, ajustando os indivíduos às condições estabelecidas. Esse movimento seria<br />
o responsável pela preservação dos elementos permanentes de toda organização social, como a família<br />
e a religião, por exemplo. Desse modo, todas as sociedades teriam um duplo movimento: caminhariam<br />
para o progresso e preservariam, ao mesmo tempo, a ordem social.<br />
Observe como os movimentos identificados por Comte se relacionam com a bandeira brasileira:<br />
Figura 12 – Bandeira do Brasil<br />
Analise a bandeira nacional e reflita: Nossa bandeira tem alguma relação com o pensamento de<br />
Augusto Comte? O Brasil é um país que se orienta pelos princípios de ordem e progresso?<br />
25
Unidade I<br />
Comte foi um dos principais expoentes do positivismo, uma corrente de pensamento filosófico que<br />
aceitava os problemas advindos da industrialização e da urbanização como um dado da realidade. O<br />
termo surgiu em oposição aos grupos intelectuais que defendiam a volta ao passado agrário e feudal.<br />
O estudioso foi um crítico das ideias de Rousseau, pois, para ele, o homem é um animal gregário por<br />
natureza e o indivíduo só pode ser explicado pela sociedade. Além disso, Comte concebe a família como<br />
a verdadeira célula social.<br />
Para o autor, a propagação das ideias iluministas que preconizavam a liberdade e a igualdade entre<br />
os homens conduziu estes à discórdia. O restabelecimento da coesão social só seria possível com a<br />
constituição de uma nova ordem de ideias e conhecimentos representados pelo positivismo (MARTINS,<br />
1990).<br />
Como afirma o sociólogo Carlos Benedito Martins (1990):<br />
O advento da sociologia representava para Comte o coroamento da evolução<br />
do conhecimento científico, já constituído em várias áreas do saber (...).<br />
Ela deveria utilizar em suas investigações os mesmos procedimentos das<br />
ciências naturais, tais como a observação, a experimentação, a comparação<br />
etc. (MARTINS, 1990, p. 44).<br />
O conhecimento sociológico permite ao homem transpor os limites de sua condição particular para<br />
percebê-la como parte de uma totalidade mais ampla, que é o todo social. Isso faz da sociologia um<br />
conhecimento indispensável num mundo que, à medida que cresce, mais diferencia e isola os homens<br />
e os grupos entre si.<br />
Saiba mais<br />
O texto indicado abaixo permite um aprofundamento sobre o conceito<br />
de positivismo:<br />
GIANNOTTI, J. A. A primeira vítima do positivismo. CulturaBrasil. s. d.<br />
Disponível em . Acesso em:<br />
03 mar. 2011.<br />
Os filmes sugeridos a seguir apresentam um panorama do período<br />
histórico sobre o qual discorremos até aqui:<br />
EM NOME de Deus. Dir. Stealin Heaven. Estados Unidos. 1988. 108 min.<br />
JOANA D’Arc. Dir. Luc Besson. França. 1999. 158 min.<br />
26
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
O NOME da Rosa. Dir. Jean-Jacques Annaud. Estados Unidos. 1986. 131 min.<br />
ROMEU e Julieta. Dir. Baz Luhrmann. Estados Unidos. 1996. 120 min.<br />
SHAKESPEARE Apaixonado. Dir. John Madden. Estados Unidos/Inglaterra.<br />
1998. 122 min.<br />
1492 – A conquista do Paraíso. Dir. Ridley Scott. Espanha/França/<br />
Inglaterra. 1992. 150 min.<br />
2 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO SÉCULO XVIII<br />
2.1 Revoluções burguesas<br />
O intuito deste tópico é analisar o contexto em que o capitalismo se impôs como modo de organização<br />
econômica, social e política predominante na sociedade moderna.<br />
Figura 13 – Patrick Henry Rothermel: a luta da burguesia americana contra a Lei do Selo (1765)<br />
Lembrete<br />
Por revoluções burguesas entende-se um conjunto de movimentos que<br />
ocorreram no século XVIII na Europa e nos Estados Unidos.<br />
As revoluções burguesas foram: a Revolução Gloriosa (1680), na Inglaterra, a Revolução Francesa<br />
(1789), a Independência Americana (1776) e a Revolução Industrial inglesa a partir de 1750. Neste<br />
curso, somente as revoluções Francesa e Industrial serão nosso foco, pois ambas constituem as duas<br />
faces de um mesmo processo: a consolidação do regime capitalista moderno.<br />
27
Unidade I<br />
O que caracterizou esses movimentos revolucionários foi sua capacidade de suplantar as formas<br />
feudais de organização social. Sua importância está no estímulo dado ao desenvolvimento do capitalismo,<br />
pois essas revoluções colocaram um fim às monarquias absolutistas e contribuíram para a eliminação de<br />
barreiras que impediam o livre desenvolvimento econômico.<br />
2.1.1 Revolução Francesa<br />
As ideias iluministas exerceram profunda influência sobre a sociedade francesa ao longo do século<br />
XVIII. A crescente crítica racional da vida em sociedade propiciou ao povo questionar as instituições<br />
políticas absolutistas e de base feudal presentes na França.<br />
Figura 14 – O juramento do jogo da Péla, em Versailles (1789), durante a Revolução Francesa<br />
Segundo Martins (1990):<br />
O conflito entre as novas forças sociais ascendentes chocava-se com uma<br />
típica monarquia absolutista, que assegurava consideráveis privilégios a<br />
aproximadamente 500 mil pessoas, isso num país que possuía ao final do século<br />
XVIII uma população de 3 milhões de indivíduos. (MARTINS, 1990, p. 23).<br />
Sobre os privilégios concedidos pelo rei à nobreza e ao clero, que não pagavam impostos e cobravam<br />
tributos e dízimos do povo, Huberman (2010) cita em sua obra a resolução do parlamento francês para<br />
a manutenção desses privilégios:<br />
28
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
A monarquia francesa, pela sua constituição, é formada por vários Estados<br />
distintos. O serviço pessoal do clero é atender às funções relacionadas<br />
com a instrução e o culto. Os nobres consagram seu sangue à defesa do<br />
Estado e ajudam o soberano com seus conselhos. A classe mais baixa da<br />
nação, que não pode prestar ao rei serviços tão destacados, contribui<br />
com seus tributos, sua indústria e seu serviço corporal (HUBERMAN,<br />
2010, p. 116).<br />
A partir das considerações anteriores, é possível compreender as razões que levaram as massas<br />
populares a ir às ruas lutar contra a monarquia, numa revolução marcada por posturas radicais. O povo<br />
não aguentava mais pagar as altas taxas de impostos para manutenção de um grupo social que nada<br />
produzia.<br />
Como nos relata Martins (1990), além de não pagar impostos, a nobreza possuía o privilégio de<br />
cobrar tributos feudais e investir contra o desenvolvimento das forças capitalistas, coibindo assim a<br />
abertura de empresas e o desenvolvimento da agricultura.<br />
A monarquia francesa procurava garantir os privilégios da nobreza em um contexto no qual crescia<br />
a miserabilidade do povo. A burguesia também se opunha ao regime monárquico, pois este não permitia<br />
a livre constituição de empresas e a impossibilitava de realizar seus interesses econômicos.<br />
Quanto aos interesses burgueses na derrubada no regime absolutista, Huberman (2010) pontua que:<br />
A burguesia desejava que seu poder político correspondesse ao poder econômico<br />
que já tinha. Era dona de propriedades – queria agora os privilégios. Queria ter<br />
certeza de que sua propriedade estaria livre das restrições aborrecidas a que<br />
estivera sujeita na decadente sociedade feudal. Queria ter certeza de que os<br />
empréstimos feitos ao governo seriam pagos. Para isso, tinha de conquistar<br />
não somente uma voz, mas a voz do governo. Sua oportunidade chegou – e<br />
ela soube aproveitá-la (HUBERMAN, 2010, p. 119).<br />
Em 1789, com a mobilização das massas em torno da defesa da igualdade e da liberdade, a burguesia<br />
tomou o poder e passou a atuar para a desestruturação do sistema feudal que ainda era predominante<br />
na Europa.<br />
Como informa Martins (1990), entre as medidas tomadas pelo governo após a Revolução Francesa,<br />
merece destaque a legislação que limitava os poderes patriarcais na família, reprimindo os abusos da<br />
autoridade do pai. Além disso, os bens da igreja foram confiscados e as funções de educação foram<br />
transferidas para o Estado.<br />
A burguesia defendia a organização de um Estado independente do poder religioso e promoveu<br />
profundas inovações na área econômica ao criar medidas para favorecer o desenvolvimento de empresas<br />
capitalistas.<br />
29
Unidade I<br />
Contudo, as massas que participaram da Revolução logo foram surpreendidas por outras medidas burguesas,<br />
como a proibição das manifestações populares e a repressão violenta dos movimentos contestatórios.<br />
O significado histórico da Revolução Francesa é descrito por Huberman como:<br />
O privilégio de nascimento foi realmente derrubado, mas o privilégio do<br />
dinheiro tomou seu lugar. “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi uma frase<br />
popular gritada por todos os revolucionários, mas coube principalmente à<br />
burguesia desfrutá-la (HUBERMAN, 2010, p. 120).<br />
Observação<br />
A Revolução Francesa pôs fim ao sistema feudal não só na França, mas<br />
em todos os territórios conquistados por Napoleão Bonaparte.<br />
Saiba mais<br />
Para complementar sua leitura, consulte os textos a seguir:<br />
A DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. AmbaFrance. s.<br />
d. Disponível em .<br />
Acesso em: 08 mar. 2011.<br />
HOBSBAWM, E. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2009.<br />
VOVELLE, M. A Revolução Francesa e seu eco. Estudos Avançados, São<br />
Paulo, v. 3, n. 6, maio/ago., 1989. Disponível em . Acesso em 08 mar. 2011.<br />
2.1.2 Revolução Industrial<br />
A Revolução Industrial eclodiu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Ela foi fruto de um<br />
conjunto de inovações que possibilitou um aumento sem precedentes na produção de mercadorias.<br />
Chamamos de Primeira Revolução Industrial o período de 1760 a 1820, quando o sistema industrial<br />
efetivamente suplantou o sistema feudal. Em sua primeira fase, a introdução de teares mecânicos<br />
possibilitou ao setor têxtil ampliar extraordinariamente sua produtividade.<br />
A Revolução Industrial significou mais do que a introdução da máquina a vapor e o aperfeiçoamento<br />
dos métodos produtivos, ela nasceu sob a égide da liberdade ao permitir aos empresários industriais que<br />
desenvolvessem e criassem novas formas de produzir e enriquecer (MARTINS, 1990).<br />
30
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Quadro 01 - Origem e consequências da Revolução Industrial<br />
Aparecimento da máquina a vapor<br />
↓<br />
Aumento da produção<br />
↓<br />
Melhoria nos transportes<br />
↓<br />
Crescimento das cidades<br />
Os antecedentes históricos da Revolução Industrial remontam ao acúmulo de capital oriundo da<br />
intensificação do comércio internacional mercantilista. A utilização de mão de obra escrava na América<br />
possibilitou um grande aumento de riquezas que precisavam ser investidas na produção.<br />
Para que houvesse desenvolvimento econômico, era necessário exportar mercadorias e importar<br />
apenas o necessário 7 . Para isso, era primordial o estímulo à indústria, pois os produtos industriais possuem<br />
mais valor que os artigos do setor primário (agricultura e extrativismo). Como afirma Huberman:<br />
Era também importante ter indústria produzindo as coisas de que o povo<br />
precisava e isso equivalia a não ser necessário comprá-las no estrangeiro.<br />
Era um passo na direção da balança de comércio favorável, bem como no<br />
sentido de tornar o país autossuficiente, independente de outros países<br />
(HUBERMAN, 2010, p. 96).<br />
A Revolução Industrial desencadeou uma maciça migração do campo para cidade. Esse processo<br />
de migração teve início no século XVI, com a expulsão de camponeses de suas plantações. Sem<br />
ter para onde ir, os camponeses seguiram para as estradas, onde se tornaram pedintes. No século<br />
XVIII, houve um novo fechamento de terras e, como afirma Huberman (2010, p. 130): “dessa<br />
forma, o exército de infelizes sem terra, que tinham de vender sua força de trabalho em troca<br />
de salário, aumentou tremendamente”. Desse modo, o fechamento das terras com a expulsão dos<br />
camponeses sem título de propriedade foi uma das principais formas de obter mão de obra para<br />
a indústria.<br />
Um dos efeitos dessa revolução na área rural foi a aceleração da produtividade agrícola a partir da<br />
introdução de técnicas que permitiam a intensificação da utilização do solo. Assim, a atividade agrícola<br />
se voltou para o mercado e teve sua produção orientada para o lucro.<br />
Somado à expulsão dos camponeses de suas áreas de produção, o aumento da produtividade agrícola<br />
é um elemento fundamental para compreender como se formou a classe operária. A falta de trabalho no<br />
campo forçou os camponeses a buscar trabalho nas áreas urbanas.<br />
O grande fluxo migratório tornou as áreas urbanas palco de grandes transformações sociais.<br />
Formaram-se multidões que revelavam nas ruas uma nova face do desenvolvimento do capitalismo: a<br />
miserabilidade.<br />
7<br />
Sistema vigente até hoje no mercado mundial.<br />
31
Unidade I<br />
O sistema de trabalho na indústria se diferenciava de outras formas de organização existentes na<br />
época. Dias (2004) cita entre as principais modificações a crescente divisão do trabalho, a necessidade<br />
de coordenação e também as mudanças culturais ocorridas dentro da questão do labor.<br />
O desenvolvimento de técnicas levou os empresários a incrementar o processo produtivo e aumentar<br />
as taxas de lucro. Isso permitiu que eles se interessassem cada vez mais pelo aperfeiçoamento das<br />
técnicas de produção, visando produzir mais com menos gente.<br />
Para refletir: o trabalho sempre foi uma fonte de riquezas?<br />
A divisão do trabalho foi implementada como técnica no interior da fábrica para o aumento da<br />
produtividade, como nos relata Huberman:<br />
Quando se emprega um grande número de pessoas para fazer certo<br />
produto, podemos dividir o trabalho entre elas. Cada trabalhador tem uma<br />
tarefa particular a fazer. Executa-a repetidamente e, em consequência, se<br />
torna perito nela. Isso poupa tempo e acelera a produção (HUBERMAN,<br />
2010, p. 86).<br />
A divisão do trabalho imposta pela grande indústria conduziu os operários a um crescente<br />
processo de especialização que, por sua vez, reduziu drasticamente o conhecimento desses<br />
operários, agora realizadores de tarefas repetitivas e rotineiras que dispensavam formas de<br />
conhecimento mais sofisticado. 8 Analisando as consequências dessa intensa divisão do trabalho,<br />
Dias esclarece que:<br />
(...) há um empobrecimento intelectual do operário, por realizar tarefas<br />
cada vez mais repetitivas e altamente especializadas. O que, por outro lado,<br />
facilita a introdução no trabalho industrial de mulheres e crianças (DIAS,<br />
2004, p. 18).<br />
Assim, a atividade produtiva se voltou para as grandes unidades fabris e a relação de classes<br />
que passou a existir entre a burguesia e os trabalhadores foi orientada pelo contrato – isso<br />
permite inferir que existia a liberdade econômica e a democracia política, pois tínhamos o<br />
trabalhador livre para escolher um emprego qualquer e o empresário livre para empregar quem<br />
desejasse (MEKSENAS, 1991) –, o que significou uma profunda transformação na maneira de os<br />
homens se relacionarem.<br />
Eis o que constata Huberman sobre as características do trabalho industrial:<br />
8<br />
Dias (2004) remete a discussão sobre a divisão do trabalho à obra A Riqueza das Nações (1776), de Adam Smith,<br />
que compara a produção de alfinetes entre operários em uma linha de produção com a capacidade de produzir de um<br />
operário isolado.<br />
32
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Produção para um mercado cada vez maior e oscilante, realizada fora de<br />
casa, nos edifícios do empregador e sob rigorosa supervisão. Os trabalhadores<br />
perderam complemente sua independência. Não possuíam a matéria-prima,<br />
como ocorria no sistema das corporações, nem os instrumentos, tal como no<br />
sistema doméstico. A habilidade deixou de ser tão importante como antes,<br />
devido ao maior uso da máquina. O capital tornou-se mais necessário do<br />
que nunca. Do século XIX até hoje (HUBERMAN, 2010, p. 89).<br />
A relação de interdependência entre empresários e operários é um elemento fundamental na nova ordem<br />
social capitalista. A configuração do mercado de trabalho conduz os operários a vender sua força de trabalho<br />
como uma mercadoria. As indústrias se converteram na única possibilidade de trabalho para este trabalhador que<br />
perdeu conhecimento do processo produtivo e só possui a força física, vendida como força de trabalho. Quanto<br />
aos empresários, há o reconhecimento da necessidade de mão de obra para a movimentação das indústrias.<br />
Aspectos importantes da Revolução Industrial<br />
• A produção passa a ser organizada em grandes unidades fabris, onde predomina uma intensa<br />
divisão do trabalho;<br />
• Aumento sem precedentes na produção de mercadorias;<br />
• Concentração da produção industrial em centros urbanos;<br />
• Surgimento de um novo tipo de trabalhador: o operário.<br />
Figura 15 – Indústria e tecnologia<br />
Sobre a organização do sistema fabril e seus reflexos na sociedade inglesa, Hubermann descreve:<br />
O sistema fabril, com sua organização eficiente em grande escala e sua divisão<br />
de trabalho, representou um aumento tremendo na produção. As mercadorias<br />
saíam das fábricas num ritmo intenso. Esse aumento da produção foi em parte<br />
provocado pelo capital, abrindo caminho na direção dos lucros. Foi, em parte,<br />
uma resposta ao aumento da procura. A abertura de mercados das terras<br />
recém-descobertas foi uma causa importante desse aumento. Houve outra.<br />
33
Unidade I<br />
As mercadorias produzidas nas fábricas encontravam também um mercado<br />
interno simultâneo ao mercado externo. Isso devido ao crescimento da<br />
população da própria Inglaterra (HUBERMANN, 2010, p. 138).<br />
No interior das fábricas, as condições de trabalho eram ruins. As fábricas não possuíam ventilação ou<br />
iluminação e os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho de até 16 horas por dia. Como<br />
ilustra Huberman:<br />
Os fiandeiros de uma fábrica próxima de Manchester trabalhavam 14 horas<br />
por dia numa temperatura de 26 a 29ºC, sem terem permissão de mandar<br />
buscar água para beber (...) Quando os trabalhadores conquistaram o direito<br />
de trabalhar em dois turnos de 12 horas, consideraram isto uma “benção”<br />
(HUBERMAN, 2010, p. 143).<br />
A cultura que os operários levavam para o ambiente industrial era a apreendida no meio rural. Isso conduzia<br />
os empresários a perceber que a gestão dos recursos humanos constituía um problema a ser solucionado.<br />
Dessa forma, um rígido sistema disciplinar acompanhado de constante supervisão dos empresários foi<br />
introduzido nas indústrias para garantir a produtividade com eficiência. Como informa Dias (2004, p. 19): “o<br />
fator disciplina assume um papel fundamental na nova forma de organizar a empresa, não só pelo aspecto<br />
cultural – com a necessidade de desenvolvimento de novos hábitos”. Os operários tinham grande dificuldade<br />
de adaptação ao sistema disciplinar, que não era pautado na liberdade e igualdade dos indivíduos.<br />
Era usual nas fábricas a presença de mulheres e crianças a partir de cinco anos atuando na linha de<br />
produção com salários inferiores aos dos homens. Quanto aos homens, naquela época estes já sofriam<br />
com os efeitos do desemprego.<br />
A princípio, os donos de fábricas compravam o trabalho das crianças pobres nos<br />
orfanatos; mais tarde, como os salários do pai operário e da mãe operária não<br />
eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa<br />
foram obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas (HUBERMAN, 2010, p. 144).<br />
A seguir, a maneira como Engels (2010) descreve o trabalho infantil sob a ótica de um empresário:<br />
34<br />
Visitei várias fábricas em Manchester e em seus arredores e jamais vi crianças<br />
maltratadas, submetidas a castigos corporais ou mesmo que estivessem de mau<br />
humor. Pareciam todas alegres e espertas, tendo prazer em empregar seus músculos<br />
sem fadiga e dando livre vazão à vivacidade própria da infância. O espetáculo do<br />
trabalho na fábrica, longe de despertar-me pensamentos tristes, foi, para mim,<br />
sempre reconfortante. Era delicioso observar a agilidade com que reuniam os<br />
fios rompidos em cada recuo do carreto da mula e vê-las, depois de segundos<br />
de atividades com seus dedinhos delicados, divertirem-se muito a descansar nas<br />
posições que lhes davam prazer, até que a atividade recomeçasse. O trabalho<br />
desses elfos velozes parecia um jogo, que executavam com a encantadora destreza<br />
que um longo treinamento lhes conferira. Conscientes de sua própria habilidade,
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
compraziam-se em mostrá-la a qualquer visitante. Nenhum sinal de cansaço: à<br />
saída da fábrica, imediatamente se punham a brincar num espaço livre vizinho<br />
com o mesmo ardor de crianças que saem da escola (ENGELS, 2010, p. 204). 9<br />
Alem disso, as condições de moradia eram altamente precárias nos bairros periféricos. As doenças eram<br />
epidêmicas. Nassau Sênior (apud HUBERMAN, 2010) ilustra a situação na cidade de Manchester em 1837:<br />
Essas cidades, pois pela extensão e número de habitantes são cidades, foram<br />
construídas sem qualquer consideração pelo que não fosse a vantagem imediata do<br />
construtor especulador... Num lugar encontramos toda uma rua seguindo o curso<br />
de um canal porque dessa forma era possível conseguir porões mais profundos, sem<br />
o custo de escavações, porões destinados não ao armazenamento de mercadorias<br />
ou lixo, mas à residência de seres humanos. Nenhuma das casas dessa rua esteve<br />
isenta de cólera. Em geral, as ruas desses subúrbios não têm pavimentação, e pelo<br />
meio corre uma vala ou há um monturo; os fundos das casas quase se encontram,<br />
não há ventilação nem esgotos, e famílias inteiras moram num canto de porão ou<br />
numa água-furtada (SÊNIOR apud HUBERMAN, 2010, p. 145).<br />
Para refletir: atualmente, as condições de vida dos trabalhadores melhoraram?<br />
Figura 16 – Casas e fábricas<br />
9<br />
Em junho de 2007, durante a comemoração do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, foram divulgados<br />
impressionantes dados estatísticos sobre o trabalho infantil no Brasil, diante dos quais, sem dúvida, temos que parar para<br />
fazer uma reflexão.<br />
De acordo com os pesquisadores da <strong>UNIP</strong>, professor Dr. José Eduardo Azevedo e professor Fernando Perillo, em<br />
texto ainda inédito, nos dados divulgados pelo IBGE a partir de 2005 houve infelizmente o crescimento do trabalho infantil<br />
em 10,3%, isto é, em 2005, apesar da proibição legal, houve a utilização se aproximadamente 5 milhões de crianças e<br />
adolescentes entre cinco e 17 anos de idade nas frentes de trabalho. Desse total, por volta de 80 mil (1,6%) possuíam<br />
idade entre cinco e nove anos, sendo que 76,7% destas 80 mil crianças estavam trabalhando em atividades agrícolas e<br />
mais de 64% não recebiam nenhuma remuneração, pois auxiliavam a família em diversas atividades no campo. Nas áreas<br />
rurais, evidentemente, há menor fiscalização em relação ao trabalho infantil, enquanto que, apesar da maior fiscalização,<br />
nos grandes centros urbanos há inúmeras crianças que perambulam pelas ruas como pedintes e/ou são exploradas como<br />
vendedoras ambulantes. A região do Brasil que mais emprega a mão de obra infantil é o Nordeste, com quase 40% do total<br />
de crianças trabalhando no campo.<br />
Em termos de dados mundiais, os números são reveladores, pois, segundo a OIT (Organização Internacional do<br />
Trabalho), 230 milhões de crianças ainda trabalham, sendo que 130 milhões delas trabalham em atividades rurais.<br />
35
Unidade I<br />
A descrição anterior nos conduz a pensar sobre as precárias condições de vida que a nascente<br />
classe operária encontrou nas grandes cidades industriais. Os problemas sociais decorrentes do processo<br />
de urbanização e industrialização conduziram ao aumento de doenças epidêmicas nas áreas urbanas;<br />
ao aumento do número de suicídios e dos problemas com o alcoolismo; ao crescimento da violência<br />
urbana, com o surgimento dos delinquentes; e a um crescimento vertiginoso também da prostituição.<br />
Tudo isso contribuiu para tornar as cidades industriais centros de forte tensão social.<br />
Como observa Martins:<br />
Num período de 80 anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia<br />
mudado de forma marcante sua fisionomia. País com pequenas cidades, com<br />
uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas<br />
quais se concentravam suas nascentes indústrias, que espalhavam produtos<br />
para o mundo inteiro (MARTINS, 1990, p. 12).<br />
Dessa forma, percebemos como a sociedade industrial era portadora de um alto grau de complexidade<br />
para ser compreendida. Essa é a razão da formação da sociologia como ciência que estuda os problemas<br />
advindos da sociedade moderna, industrial, urbana e capitalista.<br />
As condições de vida da classe trabalhadora fez com que esta lutasse por uma menor jornada de<br />
trabalho. Os trabalhadores dirigiram suas reivindicações ao Parlamento, porém, elas não foram aceitas.<br />
Eles se voltaram então contra as máquinas e organizaram movimentos coordenados para a destruição<br />
destas, acreditando que o motivo de seu infortúnio eram elas e não as relações de trabalho. Em seguida,<br />
passaram a se organizar em sindicatos e partidos na luta política pelo sufrágio universal, pois queriam<br />
intervir no Parlamento para criar leis que os beneficiassem. As principais reivindicações dos trabalhadores<br />
eram:<br />
• Sufrágio universal para os homens;<br />
• Pagamento aos membros eleitos da Câmara dos Comuns (o que tornaria possível aos pobres se<br />
candidatarem ao posto);<br />
• Parlamentos anuais;<br />
• Nenhuma restrição de propriedade para os candidatos;<br />
• Sufrágio secreto, para evitar intimidações;<br />
• Igualdade dos distritos eleitorais (HUBERMANN, 2010).<br />
Assim, a classe trabalhadora se lançou na luta política e novas instituições sociais ganharam evidência<br />
como, por exemplo, as organizações sindicais, que surgiram pelas próprias condições sociais colocadas<br />
pela Revolução Industrial.<br />
Os sindicatos ganharam força porque o sistema fabril concentrou trabalhadores nas grandes cidades,<br />
o que facilitava sua organização. Segundo Engels (2010):<br />
36
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
As grandes cidades são o berço dos movimentos trabalhistas; nelas, os<br />
trabalhadores começam a refletir sobre sua condição e a lutar contra<br />
ela; nelas, a oposição entre proletariado e burguesia se manifestou<br />
inicialmente; delas saíram o sindicalismo, o cartismo e o socialismo<br />
(ENGELS, 2010, p. 84).<br />
Como já explicitado anteriormente, os problemas sociais inerentes à Revolução Industrial foram<br />
inúmeros: aumento da prostituição, suicídio, infanticídio, alcoolismo, criminalidade, violência, doenças<br />
epidêmicas, favelas, poluição, migração desordenada etc. A Revolução Industrial constituiu uma<br />
autêntica revolução social que se manifestou por transformações profundas na estrutura institucional,<br />
cultural, política e social.<br />
Saiba mais<br />
Para saber mais sobre o assunto, consulte a obra indicada a seguir:<br />
CASTRO, A. M.; DIAS, E. Introdução ao pensamento sociológico. Rio de<br />
Janeiro: Eldorado Tijuca, 1976.<br />
As transformações sociais do século XVIII conduziram o sistema capitalista a se consolidar como<br />
forma de organização social, pois colocou fim às relações feudais e em apenas cem anos se espalhou<br />
por outros países.<br />
Lembrete<br />
O capitalismo é um sistema econômico voltado para a produção e<br />
para a troca, para a expansão comercial, para a circulação crescente de<br />
mercadorias e para o consumo de bens materiais (COSTA, 2005).<br />
O desenvolvimento do comércio e das técnicas produtivas não significou melhoria na<br />
condição de vida da classe trabalhadora. Sua concentração em bairros periféricos possibilitou<br />
a organização social para a luta política, transformando as cidades em palco de conflito<br />
social com a concentração das duas classes sociais básicas do sistema: os empresários e os<br />
operários.<br />
Por fim, é preciso esclarecer que os problemas anteriormente expostos são típicos da sociedade<br />
capitalista, que tornou a vida em sociedade altamente complexa. As ciências sociais surgem nesse<br />
contexto e buscam compreender a lógica desse modo de organização da vida social. Assim, a sociologia<br />
nasce e se desenvolve com o mundo moderno e com os impasses criados pela sociedade urbanoindustrial.<br />
37
Unidade I<br />
Saiba mais<br />
O seguinte texto discorre mais sobre a questão do trabalho infantil:<br />
BARATA, G.; CASTELFRANCHI, Y. Pobreza causa trabalho infantil.<br />
ComCiência, Campinas, n. 54, maio 2004. Seção Reportagens. Disponível<br />
em . Acesso<br />
em: 13 fev. 2011.<br />
Os filmes a seguir abordam o contexto do trabalho ou se desenrolam<br />
sobre o pano histórico das grandes revoluções:<br />
CASANOVA e a revolução. Dir. Ettore Scola. Itália. 1982. 121 min.<br />
DAENS: um grito de justiça. Dir. Stinjn Coninx. Holanda/França/Bélgica.<br />
1992. 138 min.<br />
DANTON: o processo da revolução. Dir. Andrzej Wajda. França. 1982. 131 min.<br />
GERMINAL. Dir. Claude Berri. França. 1983. 158 min.<br />
MARIA Antonieta. Dir. Sofia Coppola. Estados Unidos/França. 2006. 123 min.<br />
OLIVER Twist. Dir. Roman Polanski. Estados Unidos/França/Itália. 2005.<br />
130 min.<br />
TEMPOS Modernos. Dir. Charles Chaplin. Estados Unidos. 1936. 87 min.<br />
3 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO<br />
CLÁSSICO<br />
Aqui, o ponto central é a compreensão das principais reflexões desenvolvidas pela sociologia no que<br />
diz respeito à sociedade industrial. Essas reflexões são denominadas de pensamento sociológico clássico. É<br />
usual que haja o questionamento sobre o motivo de se estudar pensadores que viveram no século XIX.<br />
Para refletir: como é possível pensar o mundo de hoje tendo como referência autores que viveram<br />
no passado?<br />
A importância da compreensão das principais matrizes do pensamento social se deve à sua<br />
capacidade de explicar o mundo contemporâneo, ou seja, a atualidade dessas obras resiste no fato de<br />
38
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
que elas não foram corroídas pelo tempo e são plenamente capazes de lançar luz à compreensão dos<br />
problemas sociais presentes no mundo atual. Assim, é importante conhecer o conjunto dos princípios<br />
fundamentais que formam a teoria social desses autores e seus principais conceitos e relacioná-las com<br />
os problemas da sociedade contemporânea.<br />
3.1 Émile Durkheim e o pensamento positivista<br />
Émile Durkheim (1858-1917) deu continuidade ao trabalho iniciado por Augusto Comte. O positivismo<br />
é uma corrente de pensamento que surgiu no século XIX na Europa e foi fortemente influenciada pela<br />
crescente valorização da ciência como fonte de obtenção da verdade. O positivismo se inspirou no<br />
método de investigação das ciências da natureza, tendo a biologia como principal referência. Para essa<br />
corrente de pensamento, a sociedade era passível de compreensão e o homem possuía uma natureza<br />
social.<br />
Figura 18 – Émile Durkheim<br />
As pesquisas sobre o funcionamento do corpo humano conduziram os positivistas a pensar a<br />
sociedade como um grande organismo social, constituído de partes integradas e coesas que deveriam<br />
funcionar harmonicamente. Assim, seria preciso conhecer sua anatomia e descobrir as causas de suas<br />
doenças.<br />
Outra forte influência do pensamento positivista foi o darwinismo social, uma crença de que as<br />
sociedades mudariam e evoluiriam num mesmo sentido.<br />
39
Unidade I<br />
Figura 19 – A evolução humana<br />
Saiba mais<br />
WAIZBORT, R. Notas para uma aproximação entre o neodarwinismo e<br />
as ciências sociais. História, <strong>Ciências</strong>, Saúde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p.<br />
293-318, maio/ago., 2005. Disponível em . Acesso em: 03 fev. 2011.<br />
Émile Durkheim nasceu em 1858 em Epinal, na França. Em 1879, ingressou na Escola Normal Superior.<br />
Em 1887, foi nomeado professor de pedagogia e ciências sociais na Faculdade de Letras da Universidade de<br />
Bordeaux. Em 1902, transferiu-se para a Sorbonne, onde se tornou professor titular de sociologia em 1913. Ele<br />
foi o pensador francês que deu à sociologia o status de disciplina acadêmica. Durkheim viveu em uma época<br />
de grandes crises econômicas e sociais que causavam desemprego e miséria entre os trabalhadores.<br />
A seguir, algumas de suas obras:<br />
• Da divisão do trabalho social (1893);<br />
• Regras do método sociológico (1895);<br />
• O suicídio (1897);<br />
• Sociedade e trabalho (1907);<br />
• As formas elementares de vida religiosa (1912).<br />
Durkheim viveu em uma época onde uma série de inovações sociais propiciadas pelo avanço científico<br />
e tecnológico ocorreu e, dentre elas, destacam-se a invenção e o início da utilização em grande escala<br />
da energia elétrica e a invenção de automóveis.<br />
40
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Apesar do otimismo com as inovações, as frequentes ondas de suicídio eram analisadas por Durkheim<br />
como indício de que a sociedade encontrava-se incapaz de exercer controle sobre o comportamento de<br />
seus membros. Para Durkheim, os suicídio não era um fenômeno individual, mas estaria ligado ao que<br />
ocorria no âmbito social.<br />
O estudioso identificou em sua obra três categorias de suicídio:<br />
• Altruísta: ocorre quando o indivíduo valoriza mais a sociedade do que a ele mesmo. Exemplo:<br />
terroristas suicidas em vários locais do mundo.<br />
• Egoísta: a falta de redes de convívio e o isolamento social conduzem a pessoa a uma frustração<br />
que pode culminar no suicídio.<br />
• Anômico: as instituições sociais como a família, a igreja e a escola deixam de funcionar e os laços<br />
de solidariedade entre os indivíduos perdem a eficácia, o que os deixa viver de forma desregrada.<br />
Podemos exemplificar com a crise nas instituições familiares, que conduz seus membros ao<br />
abandono.<br />
Perceberam como as causas do suicídio podem ser identificadas na sociedade?<br />
Observação<br />
Por conceber a sociedade como um grande corpo humano onde<br />
cada parte possui uma função específica, Durkheim concebia que as<br />
instituições como a família, a igreja e o Estado tinham de desempenhar<br />
seus papéis.<br />
Quando uma instituição falha, ela contamina todo o corpo social, provocando algo que o teórico<br />
chamou de anomia social, ou seja, uma sociedade doente.<br />
Durkheim acreditava que os problemas de sua época não eram de natureza econômica, mas de<br />
natureza moral, pois as regras de conduta não estavam funcionando. Ele via a necessidade de criação<br />
de novos hábitos e comportamentos no homem moderno, com vistas ao bom funcionamento da<br />
sociedade.<br />
Para refletir: Durkheim acreditava que os problemas de sua época eram de natureza moral.<br />
Atualmente, nossos problemas são de natureza moral ou econômica?<br />
3.1.1 A relação indivíduo versus sociedade<br />
Como quaisquer outros animais, os indivíduos humanos nascem dotados de impulsos, instintos e<br />
desejos herdados da natureza.<br />
41
Unidade I<br />
A sociedade está fora dos indivíduos, sob a forma de outros indivíduos e instituições, e também está<br />
dentro dos indivíduos, sob a forma de valores, normas, costumes, tradições etc.<br />
Para conviverem pacificamente, os indivíduos devem aprender a limitar seus impulsos, desejos e<br />
instintos, que geralmente são violentos ou sexuais. Para isso, a sociedade estabelece valores e normas<br />
para guiar o comportamento dos indivíduos e conduzi-los à convivência harmoniosa. Algumas normas<br />
são explícitas e instituídas em leis; outras normas permanecem tácitas.<br />
São as instituições (escola, família, igreja etc.) que fazem o trabalho de transferência dos valores e<br />
normas sociais para os indivíduos, habituando-os à vida social. A esse processo educativo denominamos<br />
socialização.<br />
Ao nascer, o indivíduo encontra a sociedade pronta e acabada. As maneiras de se comportar, de sentir<br />
as coisas e de aproveitar a vida já foram estabelecidas pelos outros indivíduos e possuem a qualidade<br />
de serem coercitivas (MARTINS, 1990). A impositividade do social sobre o individual é o que determina<br />
nosso comportamento, por isso a conduta social deve ser pautada em regras socialmente aprovadas.<br />
Observe como Durkheim (1985) exemplifica essa questão:<br />
Se não me submeto às convenções mundanas, se, ao me vestir, não levo em<br />
consideração os usos seguidos em meu país e na minha classe, o riso que<br />
provoco, o afastamento em que os outros me conservam, produzem os<br />
mesmos efeitos de uma pena propriamente dita. (...) Não sou obrigado a falar<br />
o mesmo idioma que meus compatriotas, nem empregar as moedas legais;<br />
mas é impossível agir de outra maneira. (...) Se sou industrial, nada me proíbe<br />
de trabalhar utilizando processos e técnicas do século passado; mas, se o fizer,<br />
terei a ruína como resultado inevitável (DURKHEIM, 1985, p. 02).<br />
Portanto, não existe espaço para manifestação da individualidade, pois é o social que determina<br />
nosso comportamento individual, atuando como uma verdadeira “camisa de força” sobre as nossas<br />
individualidades.<br />
3.1.2 Os fatos sociais e a consciência coletiva<br />
Para Durkheim, a sociologia deveria se ocupar com os fatos sociais que são de natureza coletiva e se<br />
apresentam ao indivíduo como exteriores e coercitivos. O autor ainda assinala o caráter impositivo dos<br />
fatos sociais, sendo esse um conceito fundamental para analisar a sociedade.<br />
Os fatos sociais são todos aqueles que apresentam três características:<br />
42<br />
• Exterioridade: não foi criado por nós, é exterior à nossa vontade.<br />
• Coercitividade: enquadra nosso comportamento, atua pela intimidação e induz o homem à<br />
aceitação das regras a despeito de seus anseios e opções pessoais.<br />
• Generalidade: qualidade do que é geral, ou seja, atinge um grande número de pessoas na<br />
sociedade.
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Os fatos sociais podem ser normais ou patológicos. Um fato social normal é aquele que desempenha<br />
alguma função importante para sua adaptação ou evolução, como, por exemplo, o crime 10 . Um fato<br />
patológico é aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social. Os fatos sociais são<br />
considerados patológicos quando as leis não funcionam.<br />
Para refletir: o desemprego é um fato social? Por quê?<br />
Lembrete<br />
Consciência coletiva é um conjunto de ideias comuns que formam a<br />
base para uma consciência da sociedade.<br />
Cada um de nós possui uma consciência individual, que faz parte de nossa personalidade. Existe<br />
também uma consciência coletiva formada pelas ideias comuns que estão presentes em todas as<br />
consciências individuais de uma sociedade.<br />
A consciência coletiva está difusa na coletividade e, por isso, é exterior ao indivíduo, ou seja, a<br />
consciência coletiva não é o que o indivíduo pensa, mas o que a sociedade pensa. Ela é um tipo de<br />
consciência que atua sobre o indivíduo de maneira repressora, exercendo uma autoridade sobre seu<br />
modo de agir no meio social.<br />
Observação<br />
Podemos concluir que a consciência coletiva não é o que o indivíduo<br />
pensa, mas o que a sociedade pensa. A consciência coletiva representa a<br />
moral vigente na sociedade.<br />
A consciência coletiva define os fatos que são considerados imorais, reprováveis ou criminosos<br />
(COSTA, 2005). É possível sentirmos sua força nos intensos debates públicos que temos em nossa<br />
sociedade nos últimos tempos sobre a legalização do aborto, a descriminalização do uso de drogas, as<br />
leis antitabagismo etc.<br />
3.1.3 O crime<br />
Durkheim afirmou que nenhuma sociedade está livre do crime. Como ela é feita de um conjunto de<br />
instituições que pressupõem a existência de regras para a convivência coletiva, o crime é normal, é um<br />
padrão social.<br />
10<br />
O crime é visto como um fato social normal, pois em todas as sociedades em todas as épocas sempre existiram<br />
criminosos. O crime exerce uma função social importante: reforça os valores morais de renovar os laços de solidariedade<br />
de uma sociedade. Porém, quando os crimes fogem do controle da sociedade, eles se tornam uma patologia.<br />
43
Unidade I<br />
A normalidade do crime não significa que ele seja bom, mas que desempenha um papel social<br />
importante. Esse papel surge quando a criminalidade assume uma forma degenerativa, o que indica que<br />
há uma ausência de normas que ameaça a coesão social e que as instituições sociais não conseguem<br />
socializar os indivíduos. Exemplo: o crime organizado no Rio de Janeiro e em São Paulo.<br />
Observação<br />
As causas do crime devem procuradas na sociedade, não no delinquente.<br />
Quando as instituições de uma sociedade são fracas ou ausentes, a socialização fracassa e os<br />
indivíduos entram num estado de ausência de normas, a anomia. Numa sociedade com alto grau de<br />
anomia, os crimes e os desvios tornam-se mais comuns.<br />
Desvios e crimes são comportamentos que determinadas sociedades consideram antissociais,<br />
esforçando-se por inibi-los, combatê-los ou sublimá-los:<br />
• Desvio: comportamento que viola uma norma social (informal ou tácita). Exemplo: nas sociedades<br />
modernas, o homossexual é considerado desviado, mas não criminoso.<br />
• Crime: é aquele desvio que uma sociedade considerou tão perigoso e ofensivo que resolveu inibir<br />
ou punir com a lei. Exemplo: nas sociedades modernas, o assassino é considerado um desviado e<br />
um criminoso.<br />
Figura 20 – Forças armadas ocupam o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro<br />
Todo criminoso é um desviado, mas nem todo desviado é um criminoso. Crime é todo<br />
comportamento que traz consequências negativas para a vida social. Portanto, as fronteiras entre<br />
o que é crime e o que é desvio variam conforme a sociedade. Para Durkheim, nenhuma sociedade<br />
estaria livre do crime:<br />
• Como toda sociedade institui normas, o crime existirá sempre que alguém quebrar essas normas;<br />
• O crime representa a desagregação dos laços que unem os indivíduos.<br />
44
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Para refletir: o que diferencia um herói de guerra de um assassino comum? A culpa pela<br />
existência do criminoso é dele próprio, da natureza ou da sociedade? Por que aquilo que uma<br />
sociedade condena como crime pode não ser condenado ou até mesmo ser estimulado por outra<br />
sociedade?<br />
3.1.4 Solidariedade mecânica e orgânica<br />
Émile Durkheim utiliza o termo solidariedade para designar o vínculo que mantém a coesão e<br />
a unidade de um grupo social. A coesão social se deve ao fato de os grupos partilharem a mesma<br />
consciência coletiva. Assim, a solidariedade é resultante das semelhanças entre os modos de pensar e<br />
sentir existentes entre os membros de um grupo.<br />
É possível exemplificar esse conceito com a ideia de nação. Pertencer a uma mesma nação<br />
faz com que as pessoas partilhem certas crenças e valores comuns, como o respeito ao hino<br />
nacional, a defesa do território etc. Desse modo, a solidariedade social surge desse sentimento<br />
comum.<br />
Durkheim identificou dois tipos de solidariedade social:<br />
• Solidariedade mecânica: significa a união de pessoas a partir da semelhança na religião, na<br />
tradição ou nos sentimentos.<br />
Figura 22 – Parque Tompkins Square, em Nova York<br />
• Solidariedade orgânica: é a união de pessoas a partir da dependência que uma tem da outra para<br />
realizar alguma atividade social.<br />
45
Unidade I<br />
Figura 23 – Homens trabalhando na ferrovia que liga Atchison e Santa Fé, nos Estados Unidos<br />
Na solidariedade orgânica, o que une o grupo é a dependência que cada um tem da atividade do<br />
outro. Essa união é dada pela especialização de funções. Desse modo, Durkheim considerava a crescente<br />
divisão do trabalho como uma possibilidade de aumento da solidariedade entre os homens.<br />
O teórico conclui que a sociedade exerce forte pressão sobre as nossas individualidades e considera<br />
que o único espaço para o exercício da individualidade seria na especialização do trabalho. Ele considera<br />
que instituições que no passado exerciam papel de integração social, como a igreja e a família, por<br />
exemplo, perderam sua eficácia. A partir de então, a sociedade moderna levaria os indivíduos a se<br />
agrupar segundo suas atividades profissionais. Portanto, a profissão assumiria importância cada vez<br />
maior na vida social e tornar-se-ia herdeira da família, substituindo-a.<br />
Figura 24 – Homens trabalhando na construção de barcos nos Estados Unidos<br />
46
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Para Durkheim, a sociologia como ciência deve ser portadora de uma neutralidade diante dos<br />
fatos sociais, ou seja, a sociologia não deve se envolver com a política. Toda reforma social deve<br />
estar baseada primeiramente no conhecimento prévio e científico da sociedade e não na ação<br />
política.<br />
A função da sociologia seria detectar e buscar soluções para os problemas sociais, restaurando a<br />
normalidade da sociedade e se convertendo em técnica de controle social.<br />
Assim, Émile Durkheim concebe o ser humano como um ser passivo. Não se vislumbra em sua<br />
reflexão a possibilidade do exercício da liberdade. Para o positivismo, o homem não é visto como sujeito<br />
capaz de atuar para a transformação social.<br />
Saiba mais<br />
UENO, K. O suicídio é o maior produto de exportação do Japão? Notas<br />
sobre a cultura de suicídio no Japão. Revista Espaço Acadêmico, trad. Eva<br />
Paulino Bueno, Maringá, ano 4, n. 44, jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 06 jan. 2011>.<br />
3.2 Karl Marx e o materialismo histórico e dialético<br />
Com o estudo do pensamento de Karl Marx, nossos objetivos são:<br />
• Compreender o processo de estabelecimento de diferentes formas de desigualdades para entender<br />
suas causas, persistências, possibilidades e dificuldades de amenizações;<br />
• Esclarecer as bases sociais sobre as quais se assentaram as desigualdades;<br />
• Refletir sobre o processo de criação, reprodução e aprofundamento das desigualdades sociais.<br />
Karl Marx (1818-1883) nasceu em Treves, na Alemanha. Ao terminar o ensino secundário, matriculouse<br />
na Universidade de Bonn para estudar direito, mas não concluiu seus estudos. Em 1836, matriculouse<br />
na Universidade de Berlim, onde se dedicou ao estudo de história e filosofia. Nessa época, entrou<br />
em contato com o pensamento filosófico de Hegel (1770-1831), que exerceu grande influência na<br />
formulação de suas teorias.<br />
Marx terminou seu doutorado em filosofia pela Universidade de Iena em 1841 e foi colaborador do<br />
jornal Gazeta Renana, onde escreveu matérias que expressavam problemas políticos e sociais. Com o<br />
fechamento do jornal, migrou para a França para publicar a revista Anais Franco-Alemães.<br />
Em 1845, Marx foi expulso da França e se refugiou em Bruxelas, onde participou da Liga dos<br />
Comunistas. Em 1848, publicou o Manifesto do Partido Comunista junto com Friedrich Engels.<br />
47
Unidade I<br />
Marx teve uma vida ligada à militância política ao lado dos trabalhadores e esteve durante<br />
vários anos no exílio, principalmente entre França, Bélgica e Inglaterra. Suas principais obras<br />
são:<br />
• A ideologia alemã (1845);<br />
• Manifesto do Partido Comunista (1848);<br />
• O capital: crítica da economia política (1867).<br />
Marx foi um pensador que recebeu influências de várias ciências e teve peso na atuação política de<br />
muitas gerações que o sucederam. Iniciaremos nossa exposição discutindo o método de análise desse<br />
filósofo.<br />
Figura 25 – Karl Marx, 1882<br />
Karl Marx foi fortemente influenciado por Hegel (1770-1831), que sistematizou os princípios da<br />
dialética. A dialética considera que as coisas possuem movimento e estão relacionadas umas com as<br />
outras. Desse modo, a realidade seria vista como um constante devir e seria marcada pela luta de<br />
opostos, como, por exemplo, vida versus morte, saúde versus doença etc. Nesse modelo de análise, é a<br />
contradição que atua como verdadeiro motor do pensamento.<br />
Observação<br />
Para Marx, os fatos econômicos constituem a base sobre a qual se<br />
apoiam outros níveis de realidade, como a religião, a arte e a política,<br />
por exemplo. Assim, ele parte da análise da estrutura econômica da<br />
sociedade para colocar em evidência os antagonismos e contradições<br />
do capitalismo.<br />
48
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
3.2.1 Divisão do trabalho social<br />
Ao partir do pressuposto de que é a base econômica que determina as outras formas de organização<br />
da sociedade, Marx concebe o trabalho como atividade fundamental do ser humano e, para compreender<br />
as transformações do trabalho ao longo da história, analisa suas relações.<br />
Nas sociedades tradicionais (antigas e simples), era possível que sozinhos os homens produzissem<br />
quase todas as coisas de que necessitavam para viver.<br />
Quando a sociedade se tornou mais complexa, foi necessário que os indivíduos estabelecessem<br />
relações de trabalho e dividissem as atividades para satisfazer suas necessidades mútuas.<br />
A partir disso, ocorreu a divisão do trabalho rural e do trabalho urbano. Dentro do trabalho urbano, a<br />
indústria se separou do comércio e ambos se especializaram e, assim, dentro de cada atividade produtiva<br />
houve a separação entre quem administra e quem executa o trabalho.<br />
Enquanto prevalecia a produção de bens pelo artesanato, o trabalhador possuía suas próprias<br />
ferramentas, definia o lugar, o período de trabalho, o que, como e quando produzir, além de trabalhar<br />
para si mesmo.<br />
Na manufatura, o trabalhador:<br />
• Usa as ferramentas do patrão, que são como as suas;<br />
• É organizado em linhas ou equipes de produção;<br />
• Não define o lugar do trabalho e obedece o horário de expediente;<br />
• Não define o que, como ou quando produzir;<br />
• O trabalhador usa a máquina.<br />
Na indústria moderna, o trabalhador:<br />
• Não possui máquinas ou ferramentas, apenas seus próprios músculos e nervos;<br />
• Não define o lugar nem a jornada de trabalho;<br />
• Não define o que, como ou com que velocidade produzir;<br />
• A máquina “usa” o trabalhador.<br />
A forma como essa produção é organizada e a maneira como a riqueza produzida é depois<br />
distribuída acaba dividindo a sociedade em camadas superiores e inferiores. Por isso, a divisão do<br />
trabalho cria relações mútuas, porém, desiguais entre as pessoas. É isso o que define a estrutura da<br />
sociedade.<br />
49
Unidade I<br />
3.2.2 Classes sociais<br />
Partindo de questionamentos sobre o motivo de haver ricos e pobres se as oportunidades são dadas<br />
a todos e sobre como são produzidas e distribuídas as riquezas em nossa sociedade, Karl Marx elabora<br />
o conceito de classe social.<br />
Figura 26 – Homens trabalhando na construção civil na Alemanha<br />
50<br />
Lembrete<br />
Para Marx, a classe é dada pela posição do indivíduo na esfera da<br />
produção, o que divide a sociedade capitalista em grupos antagônicos.<br />
O lugar que as pessoas ocupam na divisão do trabalho vai defini-las como pertencentes a uma<br />
determinada classe social, sendo elas:<br />
• A burguesia: classe detentora do poder econômico e dos meios de produção;<br />
• O proletariado: não possui o poder econômico nem os modos de produção e, por isso, vende seu<br />
trabalho em troca de salário.<br />
Segundo Marx, como a troca entre trabalho e salário é injusta, o capitalismo gera as lutas de<br />
classe.<br />
As desigualdades são a base da formação das classes sociais. As duas classes sociais básicas, burguesia e<br />
proletariado, mantêm uma relação de exploração ao mesmo tempo em que são classes complementares,<br />
já que uma só existe se a outra existir.
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
A classe média, os pequenos industriais, os pequenos comerciantes e os camponeses se “proletarizam”<br />
à medida que seu pequeno capital não lhes permite concorrer com a grande indústria. Desse modo, há<br />
uma simplificação dos antagonismos e passa a existir, portanto, apenas as duas classes fundamentais:<br />
Burguesia<br />
Proletariado<br />
Classes sociais para Marx<br />
Figura 27 – Estrutura social segundo a teoria marxista<br />
As classes sociais são compostas por indivíduos que desempenham a mesma função na divisão do<br />
trabalho — seja como detentores dos meios de produção (burgueses), seja como possuidores da força<br />
de trabalho (proletários). Além disso, o prestígio, a educação, a autoridade, a influência e o acesso aos<br />
bens do mercado criam estilos de vida que hierarquizam os indivíduos em inúmeros grupos de status,<br />
com pequenas diferenças entre si.<br />
3.2.3 Salário, valor, lucro e mais-valia<br />
O salário é o valor da força de trabalho, considerada no capitalismo como uma mercadoria qualquer.<br />
O salário deve corresponder à quantia que permite ao trabalhador alimentar-se, vestir e cuidar dos<br />
filhos, garantindo, portanto, a reprodução das condições de vida do trabalhador e de sua família.<br />
O trabalho é fonte de criação de valor, então, como explicar que aqueles que mais trabalham são<br />
os que têm menos dinheiro? Para Marx, todo assalariado ganha menos do que a riqueza que produz.<br />
A diferença entre o valor da riqueza produzida e o salário é o que denominamos lucro. Se o capitalista<br />
pagasse ao assalariado o valor da riqueza que este produz, não haveria exploração.<br />
Figura 28 – Adolescente trabalhando na indústria de tecelagem americana em 1916<br />
51
Unidade I<br />
Ao estabelecer a relação entre salário e produtividade, Marx conclui que, ao pagar os salários aos<br />
trabalhadores, o empresário nunca paga a estes o que realmente produziram. Assim, por mais-valia entendese<br />
a diferença entre o preço de custo da força de trabalho (salário) e o valor da mercadoria produzida. Em<br />
outras palavras, é o valor excedente produzido pelo trabalhador que fica com o capitalista.<br />
3.2.4 Ideologia burguesa e alienação<br />
Karl Marx concebe a ideologia burguesa como um sistema de inversão da realidade, no qual as ideias<br />
da classe dominante aparecem como as ideias principais de uma época.<br />
A ideologia burguesa procura ocultar a verdadeira natureza das relações de produção pautadas na<br />
exploração e atua como uma “falsa consciência”, com o objetivo fazer com que as pessoas não percebam<br />
que a sociedade é dividida em classes sociais. Desse modo, essa ideologia contribui para a manutenção<br />
das estruturas de dominação.<br />
Alienação é a perda da consciência da realidade concreta. No capitalismo, a propriedade privada e o<br />
assalariamento separam o trabalhador dos meios de produção e do fruto do trabalho, dessa maneira, ao<br />
vender sua força de trabalho, o trabalhador se aliena, pois não se vê como produtor das riquezas.<br />
Figura 29 – Desigualdade social - estádio Orlando em Soweto, antigo gueto negro na época do apartheid na África do Sul<br />
A alienação política significa que o princípio da representatividade não garante ao trabalhador<br />
a participação política efetiva, pois ele não se vê como capaz de intervir nos destinos políticos da<br />
sociedade.<br />
A partir desses conceitos, é possível compreender porque os setores oprimidos da sociedade<br />
não se rebelam contra o sistema, já que a estrutura de dominação social é inserida na<br />
cabeça dos oprimidos de tal forma que estes passam a ver a desigualdade e a opressão com<br />
naturalidade.<br />
52
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
3.2.5 A amplitude da contribuição de Karl Marx<br />
Marx considera que o capitalismo se baseia na exploração do trabalho, uma exploração oculta,<br />
mascarada. A dominação burguesa não se restringe ao campo econômico, mas se estende ao campo<br />
político, que se apoia no Estado para reprimir a classe trabalhadora.<br />
No plano cultural, a dominação burguesa se dá pelo controle dos meios de comunicação de massa,<br />
que difunde os valores e concepções da burguesia.<br />
A teoria de Marx teve longo alcance e adquiriu dimensões de ideal revolucionário e de ação<br />
política efetiva. Suas ideias tiveram ampla repercussão em todo mundo, incentivando a formação de<br />
partidos marxistas, de sindicatos contestadores da ordem e de revoluções como a Revolução Russa<br />
(1917), a Revolução Chinesa (1949) e a Revolução Cubana (1959).<br />
Para refletir: como a teoria de Karl Marx contribui para a compreensão da sociedade atual? A<br />
pobreza pode ser considerada como consequência da sociedade capitalista?<br />
Figura 30 – Multidão diante do Palácio Quirinal, em Roma, entre 1910 e 1915<br />
Saiba mais<br />
Para conhecer um pouco mais sobre Karl Marx, leia o artigo indicado a seguir:<br />
ALMÉRI, T. M. Respeito ao clássico. In: Revista Sociologia, São Paulo, n. 26,<br />
2010. Seção Reportagens. Disponível em . Acesso em: 13 fev. 2011.<br />
53
Unidade I<br />
3.3 Max Weber e a busca das conexões de sentido<br />
Max Weber (1864-1920) nasceu em Erfurt, na Alemanha. Em 1882, iniciou seus estudos universitários<br />
na Universidade de Heidelberg, onde se concentrou nas áreas de direito, história, economia, filosofia e<br />
teologia.<br />
Em 1889, conquistou o título de doutor em direito, com tese sobre a história das empresas comerciais<br />
medievais. Em 1891, Weber iniciou a carreira de professor universitário em Berlim e, em 1896, tornouse<br />
professor catedrático da Universidade de Heidelberg. Em 1903, fundou a revista Arquivos de ciência<br />
social e política social, importante publicação da época. O estudioso morreu em Munique, em 1920,<br />
e coube a sua esposa, Marianne Weber, organizar seus escritos. Algumas das principais obras de Max<br />
Weber são:<br />
• A ética protestante e o espírito do capitalismo (1905);<br />
• Ciência e política: duas vocações (1919);<br />
• Economia e sociedade (1922).<br />
Uma das principais preocupações de Weber era compreender a racionalidade, pois o capitalismo<br />
levou a uma crescente racionalização da sociedade e conduziu à mecanização das relações humanas.<br />
Sua preocupação central era entender a maneira como a razão podia apreender o conhecimento,<br />
pois os acontecimentos são compreendidos não pela sua concretude, mas pela maneira como são<br />
interiorizados pelos seres humanos. Desse modo, é preciso entender a ação dos indivíduos, suas intenções<br />
e motivações.<br />
A forma de Weber olhar a sociedade ficou conhecida como sociologia compreensiva, pois o teórico<br />
procurou interpretá-la a partir da apreensão do sentido que os indivíduos dão a suas ações.<br />
Observação<br />
Esses preceitos não significam que as análises de Max Weber se voltam<br />
para o indivíduo, pois esse é o objeto de estudo da psicologia. A sociologia<br />
busca compreender as relações entre os indivíduos em sociedade e esse é<br />
somente o ponto de partida para se chegar ao todo.<br />
3.3.1 Ação social e tipo ideal<br />
Ação social é qualquer ação que um indivíduo faz orientando-se pela ação dos outros como, por<br />
exemplo, um eleitor que define seu voto orientando-se pela ação dos demais eleitores. Embora o ato de<br />
votar seja individual, a compreensão do ato só é possível se percebermos que a escolha feita por aquele<br />
eleitor tem como referência o conjunto dos demais eleitores (TOMAZZI, 1993).<br />
54
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Figura 31 – Homem com guarda-chuva<br />
Os tipos de ação social identificados por Max Weber são:<br />
Quadro 02 – Tipos de ação social de acordo com Max Weber<br />
Tipos de ação social<br />
Ação social racional por valor<br />
Ação social racional por fim<br />
Ação social tradicional<br />
Ação social afetiva<br />
Elemento polarizador<br />
Valor (determinado pela crença em um valor considerado importante)<br />
Finalidade (determinada pelo cálculo racional que coloca os fins e organiza os meios)<br />
Tradição (determinada por um costume ou hábito)<br />
Sentimento (determinado por afetos ou estados sentimentais)<br />
A partir dessa classificação, é possível perceber que o homem dá um sentido para sua ação: cada sujeito<br />
age levado por um motivo que se orienta pela tradição, pelos interesses racionais ou pela emotividade.<br />
Para refletir: o ato de comprar uma mercadoria pode ser considerado uma ação social?<br />
O tipo ideal é um recurso metodológico que permite dar um enfoque ao pesquisador em meio à<br />
variedade de fenômenos observáveis na vida social. Esse recurso consiste basicamente em enfatizar<br />
determinados traços da realidade, mesmo que estes não se apresentem nas situações efetivamente<br />
passíveis de observação.<br />
3.3.2 A tarefa do cientista<br />
Há uma fronteira que separa o cientista – homem do saber – do político – homem da ação. Assim,<br />
qual é a relação entre ciência e política ou entre cientistas e políticos?<br />
Ao conceber o cientista como o homem das análises frias e penetrantes e o político como o homem<br />
da ação e decisão comprometido com as questões práticas, identifica-se dois tipos de ética: a do cientista<br />
55
Unidade I<br />
é a ética da convicção e a do político é a ética da responsabilidade. Consequentemente, caberia ao<br />
cientista oferecer ao político o entendimento claro de sua conduta.<br />
Figura 32 – Livros<br />
Quanto aos políticos, estes podem ser subdivididos em dois grupos. De um lado, há aqueles que<br />
exercem a política por vocação e realizam seus atos em busca do bem comum. Estes vivem para a<br />
política. Do outro lado, há os políticos sem vocação, que encaram sua atividade como um emprego e<br />
não se comprometem com as necessidades reais do país. Estes vivem da política.<br />
Figura 33 – Protesto popular em Brasília contra a política econômica do governo federal<br />
3.3.3 A ética protestante e o espírito do capitalismo<br />
Como estudioso do sentido das ações sociais, Max Weber identificou que o surgimento do capitalismo<br />
foi impulsionado através dos valores difundidos pela ética dos protestantes calvinistas. O teórico buscou<br />
examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos indivíduos e, com suas<br />
pesquisas, constatou que, para algumas seitas protestantes puritanas, o êxito econômico era um indício<br />
da bênção de Deus. Para os calvinistas, a salvação estava vinculada à glorificação de Deus através do<br />
trabalho.<br />
56
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
A partir de dados estatísticos que mostravam a proeminência de adeptos da Reforma entre os<br />
grandes homens de negócio, Weber procurou estabelecer as conexões entre a doutrina protestante e o<br />
desenvolvimento do capitalismo. O estudioso concluiu que valores como disciplina, poupança, austeridade<br />
e propensão ao trabalho foram fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo e, portanto, era<br />
possível estabelecer uma relação entre religião e sociedade na medida em que a primeira deu e dá aos<br />
indivíduos um conjunto de valores que são transformados em motivos de ação (COSTA, 2005).<br />
Figura 34 – Catedral São Pedro, a principal igreja protestante de Genebra, Suíça<br />
A motivação protestante para o trabalho era encará-lo como uma vocação, como um fim absoluto<br />
em si mesmo, e não como um meio de ganho material. Ao buscar sair-se bem na profissão, mostrando<br />
sua própria virtude e vocação e renunciando aos prazeres materiais, o protestante puritano se adequaria<br />
facilmente ao mercado de trabalho.<br />
Figura 35 – Funcionários trabalham em linha de produção de calçados em Sapiranga-RS<br />
Ao analisar os valores do catolicismo e do protestantismo, Weber concluiu que os valores<br />
protestantes revelaram a tendência ao racionalismo econômico que até os dias de hoje predomina<br />
no capitalismo.<br />
57
Unidade I<br />
3.3.4 Teoria da burocracia e os tipos de dominação<br />
A burocracia tem uma presença marcante na sociedade moderna e é definida como uma estrutura<br />
social na qual a direção das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente<br />
organizado que deve agir sob critérios impessoais e métodos racionais. Burocracia designa poder,<br />
controle, alienação e é baseada na razão e no direito.<br />
A burocracia surge de necessidades técnicas de coordenação, de supervisão e de planejamento<br />
de produção e, também, para proteger o indivíduo e dar tratamento igualitário às partes<br />
interessadas.<br />
A seguir, algumas características da burocracia:<br />
• Todas as burocracias têm uma divisão explícita de trabalho, sendo que cada posição tem um<br />
conjunto limitado de responsabilidades;<br />
• As normas que governam o comportamento em qualquer posição são explícitas, claras e codificadas<br />
por escrito;<br />
• Posições diferentes são ordenadas hierarquicamente, com cargos e postos mais altos<br />
supervisionando os mais baixos;<br />
• Os indivíduos devem reprimir emoções e paixões quando desempenham seus papéis previamente<br />
designados;<br />
• As pessoas ocupam posições por competência técnica e não por atributos pessoais;<br />
• As posições e postos não pertencem à pessoa, mas às organizações.<br />
Lembrete<br />
A burocratização tende a se propagar para todos os setores da vida<br />
social, tais como a economia, a política e a cultura.<br />
Para refletir: a burocracia é necessária?<br />
A burocracia é necessária porque sem ela as organizações se perderiam na improvisação e no<br />
arbítrio. Para Weber, a função da burocracia é reduzir conflitos e as regras economizariam esforços,<br />
pois eliminariam a necessidade de encontrar uma nova solução para cada problema e facilitariam a<br />
padronização e igualdade no tratamento de muitos casos.<br />
58
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Figura 36 – Operárias trabalhando na linha de produção têxtil de uma empresa em Nashville, Tennessee (EUA)<br />
Os tipos puros de dominação encontrados em uma sociedade são classificados em:<br />
• Dominação tradicional: a legitimidade desse tipo de dominação vem da crença dos dominados<br />
de que há qualidade na maneira como nossos antepassados resolveram seus problemas. Essa<br />
dominação é caracterizada por uma relação de fidelidade política;<br />
• Dominação carismática: sua legitimidade vem do carisma, da crença em qualidades excepcionais<br />
de alguém para dirigir um grupo social. Nesse tipo de dominação, há uma devoção afetiva ao<br />
dominador, que geralmente é portador de um poder intelectual ou de oratória;<br />
• Dominação racional legal: sua legitimidade provém da crença na justiça da lei. Nesse caso, o povo<br />
obedece porque crê que as leis são decretadas segundo procedimentos corretos.<br />
Saiba mais<br />
Leia mais acerca das formulações de Max Weber sobre a burocracia:<br />
QUEIROZ, R. F. A burocracia na sociologia compreensiva de Max<br />
Weber. Revista de Iniciação Científica da FFC, Unesp, Marília v.4, n.1, 2004.<br />
Disponível em . Acesso em: 07 jan. 2011.<br />
Para refletir: como a dominação é exercida em seu trabalho?<br />
Max Weber não considerava o capitalismo injusto, irracional ou anárquico. As instituições constituíam<br />
demonstração de uma organização racional que desenvolvia suas atividades dentro de um padrão de<br />
eficiência e precisão (MARTINS, 1990).<br />
Sua crítica à burocracia reside no fato de que esta levou a um desencantamento do mundo, tirando seu<br />
caráter mágico e mecanizando as relações humanas. A racionalidade do capitalismo nos conduziu a um<br />
59
Unidade I<br />
mundo cada vez mais intelectualizado e artificial que abandonaria para sempre os aspectos ilusionistas e<br />
intuitivos do pensamento. A visão de Weber sobre os tempos modernos era melancólica e pessimista.<br />
Saiba mais<br />
CARNIELLI, F. A era dos homens insaciáveis. Boletim. UFMG, Belo<br />
Horizonte, n. 1423, ano 29, jan. 2003. Disponível em . Acesso em: 15 jan. 2011.<br />
Assista aos filmes sugeridos a seguir como forma de complementar seus<br />
estudos sobre sociologia:<br />
POLICARPO Quaresma, herói do Brasil. Dir. Paulo Tiago. Brasil. 1988. 120 min.<br />
O CHEIRO do ralo. Dir. Heitor Dahlia. Brasil. 2007. 112 min.<br />
A ILHA das flores. Dir. Jorge Furtado. Brasil. 1989. 13 min.<br />
LADRÕES de bicicleta. Dir. Vitório de Sica. Itália. 1948. 90 min.<br />
A CLASSE operária vai ao Paraíso. Dir. Elio Petri. Itália. 1971. 126 min.<br />
BRAZIL, o filme. Dir. Terry Gilliam. Inglaterra. 1985. 124 min.<br />
O PROCESSO. Dir. Orson Welles. Estados Unidos. 1962. 120 min.<br />
4 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA NO BRASIL<br />
Até agora, discutimos as bases do capitalismo mundial. Neste capítulo, procuraremos analisar as<br />
particularidades do desenvolvimento do capitalismo no Brasil e identificar as causas de sua dependência<br />
externa.<br />
Partimos das seguintes indagações: como o sistema capitalista se desenvolveu no Brasil? Quais são<br />
as particularidades do desenvolvimento socioeconômico do país?<br />
A sociedade brasileira se constituiu com o processo de expansão do capitalismo europeu a partir do<br />
século XV. No início, todas as relações comerciais eram voltadas para a metrópole e aqui se mantinham<br />
relações sociais baseadas na escravidão.<br />
Somente no século XIX, com a abolição da escravidão e a chegada de um grande contingente de<br />
imigrantes, é que o trabalho livre foi introduzido no Brasil. Em meio ao ciclo do café, outras atividades<br />
econômicas também se desenvolveram, tais como o transporte ferroviário, o sistema bancário, pequenas<br />
indústrias de alimentos e indústrias têxteis, que dinamizaram a vida nas áreas urbanas.<br />
60
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
4.1 Industrialização e formação da sociedade de classes<br />
Vários estudos indicam que o processo de industrialização do Brasil esteve ligado ao desenvolvimento<br />
da economia cafeeira no Estado de São Paulo.<br />
Uma das razões da industrialização foi a introdução do trabalho livre a partir do grande surto<br />
migratório que o país viveu no século XIX, que gerou um mercado consumidor de produtos industriais.<br />
Segundo Vita (1989), a forma como se organizou os negócios do café permitiu a formação de uma<br />
“consciência burguesa” entre os fazendeiros, pois o capital acumulado com a venda do café era utilizado<br />
na diversificação das atividades econômicas. Desse modo, esse capital era investido em outra atividade<br />
que possibilitasse a obtenção de lucro.<br />
Já no início dos anos 1920, grandes empresas norte-americanas instalaram filiais no Brasil: Ford,<br />
Firestone, Armour, IBM etc. (NOVAES, 1984). Com a crise mundial do início dos anos 1930, a economia<br />
brasileira deixou de se voltar à exportação e se apoiou na interiorização e na industrialização. Porém, foi<br />
somente com a chegada de um grande número de empresas estrangeiras que buscavam produzir para o<br />
mercado externo, na década de 1950, que o desenvolvimento industrial ganhou forte impulso.<br />
4.2 O capitalismo dependente<br />
O grau de dependência que a economia brasileira tem em relação às potências estrangeiras pode ser<br />
entendido a partir da compreensão do modelo de desenvolvimento industrial que o país teve, no qual se<br />
privilegiou a indústria de bens de consumo em detrimento da indústria de bens de capital.<br />
Outro aspecto que merece ser mencionado a respeito dessa dependência estrangeira diz respeito<br />
à ausência de produção de tecnologia no país, que adotou um modelo de desenvolvimento industrial<br />
marcado tanto pela dependência tecnológica como pela dependência do capital estrangeiro. Além disso,<br />
não é possível pensar no processo de industrialização brasileiro sem levar em conta o processo de<br />
expansão das empresas europeias e norte-americanas no pós-guerra.<br />
Observe a seguir alguns dados apresentados pelo IBGE sobre a produção industrial do país:<br />
Tabela 01 – Dados do IBGE sobre a produção industrial brasileira<br />
Indicadores da produção industrial por categorias de uso<br />
Brasil - Dezembro de 2009<br />
Categorias de Uso Variação (%)<br />
Mês/mês* Mensal Acumulado Acumulado 12 meses<br />
Bens de capital<br />
Bens intermediários<br />
Bens de consumo<br />
Duráveis<br />
Semiduráveis e não duráveis<br />
Indústria geral<br />
0,3<br />
1,0<br />
-0,6<br />
-4,9<br />
0,4<br />
-0,3<br />
23,0<br />
21,0<br />
15,0<br />
72,1<br />
6,0<br />
18,9<br />
-17,4<br />
-8,8<br />
-2,7<br />
-6,4<br />
-1,6<br />
-7,4<br />
-17,4<br />
-8,8<br />
-2,7<br />
-6,4<br />
-1,6<br />
-7,4<br />
Fonte: IBGE/Diretoria de Pesquisas/Coordenação de Indústria<br />
* Série com ajuste sazonal<br />
61
Unidade I<br />
Uma das mais importantes teorias explicativas para a dependência estrangeira surgiu no encontro<br />
de exilados de diversos regimes ditatoriais que proliferavam na América Latina.<br />
Nos estudos sobre a dependência, destaca-se a obra Dependência e desenvolvimento na América<br />
Latina, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, uma das publicações da área de ciências sociais que<br />
teve maior repercussão internacional. Essa obra destaca a natureza política e social do desenvolvimento<br />
na América Latina e trata das particularidades do capitalismo no continente. A constituição social do<br />
povo brasileiro, que tem uma burguesia nacional de origem agrária, colocou a burguesia internacional<br />
como principal agente da evolução capitalista nacional. Para não correr os riscos inerentes ao<br />
empreendedorismo, a burguesia do país optou por sua aliança com o capital internacional e pela forte<br />
dependência do Estado.<br />
A obra aponta ainda a fragilidade do povo brasileiro, que lida com uma elite que atua como agente<br />
dependente do capitalismo internacional e do Estado. Dada a situação inicial de escravidão, falta de<br />
terra e ausência de uma consciência de classe, o povo atuaria como mero figurante ou espectador nas<br />
principais decisões sobre o destino do país. Assim, é exposta a fragilidade da sociedade civil, na qual o<br />
povo age como massa e a elite como agente dos interesses internacionais.<br />
Lembrete<br />
A tese central da teoria da dependência é que países como o Brasil são<br />
explorados pelos países centrais, fundamentando a ideia de que há uma<br />
subordinação entre os países componentes do sistema capitalista.<br />
Por fim, a obra Dependência e desenvolvimento na América Latina nos permite compreender tanto<br />
a sujeição das elites empresariais do Estado ao capitalismo internacional quanto a passividade do povo.<br />
Essa fragilidade da sociedade civil contribuiu para o fortalecimento do Estado, que assumiu entre<br />
nós uma função centralizadora e de agente patrocinador do desenvolvimento econômico.<br />
Saiba mais<br />
CARVALHO, E. Os Paradoxos da construção social latino-americana.<br />
Revista Sociologia, São Paulo, n. 29, 2010. Seção Reportagens. Disponível em<br />
. Acesso em: 03 fev. 2011.<br />
COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo:<br />
Moderna, 2005.<br />
DOWBOR, L. A formação do 3º mundo. São Paulo: Brasiliense, 1994.<br />
62
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Resumo<br />
Nesta unidade, vimos que o ser humano desenvolveu a necessidade de<br />
explicar o mundo que o circunda. Assim, desenvolveu diferentes formas de<br />
conhecimento, como o mito, as religiões, o senso comum e o pensamento<br />
científico. A universidade, por exemplo, é uma instituição voltada justamente<br />
para o desenvolvimento e difusão do pensamento científico.<br />
As bases filosóficas da sociedade moderna se encontram no<br />
Renascimento e no Iluminismo. O Renascimento é visto como o momento<br />
de ruptura com os valores do mundo feudal, onde a visão teocêntrica do<br />
mundo foi substituída pela visão antropocêntrica.<br />
Quanto ao Iluminismo, foi uma corrente de pensamento filosófico que<br />
refletiu sobre o modelo de organização política da sociedade moderna,<br />
marcado pela liberdade contratual, igualdade jurídica, representatividade<br />
política e liberdade de comércio.<br />
O estudo científico sobre a sociedade teve início com a obra de Augusto<br />
Comte, um dos fundadores do positivismo que exerceu muita influência<br />
sobre a elite política do Brasil no final do século XIX.<br />
O sistema capitalista se firmou como modo de produção dominante na<br />
sociedade a partir da Revolução Industrial inglesa, na segunda metade do<br />
século XVIII.<br />
Do ponto de vista social, o aspecto mais significativo dessa revolução<br />
foi a formação da classe operária, uma classe constituída de homens e<br />
mulheres pobres que, para sobreviver, se tornaram assalariados. As<br />
condições de trabalho na indústria eram extremamente precárias e, junto<br />
a isso, as péssimas condições de habitação nas grandes cidades industriais<br />
conduziram os trabalhadores e se organizarem coletivamente para<br />
reivindicar uma melhor qualidade de vida.<br />
Diante dos grandes problemas sociais desencadeados pela industrialização<br />
e urbanização, surgiram as reflexões sobre os fundamentos dessa sociedade<br />
moderna. Émile Durkheim foi um dos fundadores da sociologia e se inspirou<br />
no darwinismo social e no organicismo. O teórico concebia a sociedade<br />
como um grande organismo constituído de partes coesas e ordenadas.<br />
Para ele, a sociedade exerce uma pressão sobre as nossas individualidades,<br />
por isso o homem não é o que quer ser, mas o que a sociedade determina.<br />
63
Unidade I<br />
Ela controla os indivíduos a partir de uma consciência coletiva, que é a<br />
média de pensamento de uma coletividade.<br />
Durkheim ainda define os fatos que devem ser estudados pela sociologia<br />
como fatos sociais, que são fatos portadores de exterioridade, generalidade<br />
e coercitividade. Além disso, o estudioso considera a sociedade industrial<br />
como uma forma superior de organização social, já que é baseada em uma<br />
nova forma de solidariedade entre os homens: a solidariedade orgânica.<br />
Na reflexão desenvolvida por Karl Marx, um dos teóricos que mais<br />
influenciou os movimentos sociais a partir do século XIX, as desigualdades<br />
sociais são consideradas como fruto das relações sociais, nas quais uma classe<br />
produz e outra se apropria do produto desse trabalho. Assim, diferenciações<br />
sociais são vistas como consequência das relações econômicas, sociais,<br />
políticas e culturais. Dessa maneira, as desigualdades não são apenas<br />
econômicas, mas também culturais, pois expressam concepções de mundo<br />
diferentes de acordo com a classe social.<br />
Para Marx, os conflitos entre as classes sociais é que constituem o<br />
principal fator de mudança social. Seriam esses conflitos que imprimiriam<br />
movimento e dinamismo à sociedade.<br />
O método de pesquisa social desenvolvido por Max Weber, por sua vez,<br />
parte da busca de uma conexão de sentido nas ações dos indivíduos. O<br />
teórico identifica diferentes orientações de sentido nas ações sociais: ação<br />
social com relação a fins, ação social com relação a valores, ação afetiva e<br />
ação tradicional.<br />
Weber diferencia a atividade do cientista e do político, sendo a primeira<br />
voltada para uma ética da verdade e a segunda orientada por uma ética<br />
da responsabilidade. O teórico ainda analisa a contribuição dos valores do<br />
protestantismo para o desenvolvimento do capitalismo, concluindo que os<br />
valores daquele contribuíram para a evolução deste.<br />
Além disso, o estudioso analisa a crescente racionalização da sociedade<br />
moderna, que tem conduzido ao crescimento da burocratização das<br />
instituições sociais.<br />
Por fim, vimos as particularidades da inserção do Brasil no capitalismo<br />
mundial, com enfoque no significado da abolição da escravatura e nas<br />
migrações como elementos que contribuíram para a modernização do<br />
país.<br />
64<br />
A industrialização do Brasil foi desencadeada em subordinação aos<br />
interesses da cultura cafeeira do oeste paulista. Essa questão é fundamental
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
para compreendermos o grau de dependência que a indústria brasileira<br />
desenvolveu em relação às tecnologias desenvolvidas na Europa e,<br />
posteriormente, nos Estados Unidos.<br />
A análise do sociólogo Fernando Henrique Cardoso sobre o processo de<br />
desenvolvimento e modernização do país aponta para as fragilidades da<br />
burguesia nacional ao empreender negócios sem subvenções estatais e em<br />
associação com o grande capital internacional.<br />
Saiba mais<br />
Para complementar seus estudos, assista aos filmes indicados abaixo:<br />
CORONEL Delmiro Gouveia. Dir. Geraldo Sarno. Brasil. 1978. 90 min.<br />
O POVO brasileiro. Dir. Isa Ferraz. Brasil. 2001. 280 min.<br />
QUEIMADA. Dir. Gillo Pontecorvo. Itália. 1968. 132 min.<br />
Exercícios<br />
Questão 01. Leia atentamente o texto a seguir:<br />
“Se o conhecimento científico é o conhecimento de todos os homens e representa o grau<br />
máximo ao qual a humanidade chegou na interpretação de seu mundo e na criação de mecanismos<br />
e procedimentos para interferir neste, interessa-nos discutir se, da mesma maneira, podemos dizer<br />
que este conhecimento de “todos os homens” serve realmente a todos os homens. Neste sentido,<br />
julgamos conveniente explorar um pouco a maneira como a ciência vem se desenvolvendo e a<br />
maneira como ela chega ao conjunto dos homens enquanto conhecimento. Em outras palavras,<br />
julgamos conveniente fazer uma crítica da relação entre ciência e sociedade com o intuito de<br />
identificar até que ponto a ciência nos serve a todos e até que ponto existem problemas que<br />
impedem que isso aconteça.<br />
A ciência desenvolveu – em todas as áreas – uma linguagem própria cuja compreensão passou a<br />
exigir níveis de formação escolar cada vez mais elevados. Como os sistemas escolares não garantiram<br />
o acesso ao conhecimento para toda a sociedade, grande parte dos indivíduos foram pouco a pouco<br />
marginalizados do saber científico que, por fim, passou a ser propriedade de alguns poucos grupos sociais,<br />
notadamente daqueles que dispõem de condições econômicas para adquiri-lo. Hoje, o complexo discurso<br />
científico, vale dizer, atinge inclusive a própria comunidade científica na medida em que “o avanço da<br />
especialização torna impossível ao cientista, e já não apenas ao cidadão comum, compreender o que se<br />
passa (e porque se passa) à volta do habitáculo (cada vez mais estreito)” em que a ciência se desenvolve.<br />
65
Unidade I<br />
Podemos dizer que “dadas as condições sociais de produção e apropriação do conhecimento científico,<br />
a criação de objetos teóricos está cada vez mais vinculada à criação ou potenciação de sujeitos sociais e,<br />
consequentemente, à destruição ou degradação dos sujeitos sociais que não podem investir no conhecimento<br />
científico ou apropriar-se dele”. Ou seja, muito do que se procurou e do que se procura desenvolver no campo<br />
científico reflete interesses particulares ou de determinados grupos sociais para os quais o conhecimento<br />
científico representa uma maneira de garantir ou conquistar interesses frente a grupos sociais de interesses<br />
diferentes. Podemos citar como exemplo o fato de um estudo econômico poder ser utilizado por uma empresa<br />
para melhorar a sua atuação, ou seja, para afirmá-la e fortalecê-la enquanto sujeito social.<br />
Aos que não detêm o conhecimento científico, resta buscar resolver seus problemas cotidianos sem a<br />
ajuda das construções racionais e metódicas da ciência, sem os instrumentos que a ciência desenvolveu<br />
para que se atinja uma melhor compreensão do mundo. Dotados de informações e interpretações<br />
que adquirem com a experiência de vida, os “homens comuns” procuram dar respostas às questões<br />
e necessidades de seu mundo baseados num “conhecimento” cujo conjunto de formulações a ciência<br />
denomina “senso comum”. Para a ciência, contudo, trata-se de um “conhecimento vulgar”, de uma<br />
“sociologia espontânea”, com a qual é preciso romper para que se torne possível o conhecimento<br />
científico, racional e válido” (TRINDADE, 2001).<br />
A partir da leitura feita, assinale a alternativa correta:<br />
A) O conhecimento científico é uma forma de poder que parte da sociedade, porém, ainda não está<br />
acessível na organização social brasileira a todas as pessoas. O conhecimento vulgar daqueles que não<br />
têm acesso ao conhecimento científico pode significar, muitas vezes, uma estratégia de sobrevivência<br />
na sociedade, pois esse conhecimento está fundamentado na troca de experiências das pessoas.<br />
B) O conhecimento vulgar ou senso comum é incompatível com as formulações científicas<br />
construídas na sociedade brasileira contemporânea. Os extratos sociais que não têm acesso ao<br />
conhecimento científico estarão alijados de qualquer possibilidade de superação das dificuldades<br />
com a construção de mecanismos de sobrevivência.<br />
C) Conhecimento científico é uma forma de poder que não está acessível a todos na sociedade brasileira<br />
contemporânea, mas isso não impede a ascensão social porque no Brasil ainda dá-se muito pouco<br />
valor à formação cultural das pessoas e ao conhecimento científico que elas adquiriram.<br />
D) O conhecimento científico é produzido em locais específicos como as universidades, assim como o<br />
conhecimento religioso é produzido nos templos e nas igrejas. O conhecimento vulgar, no entanto,<br />
é produzido de forma indevida e propositadamente incorreta e dele nada pode ser aproveitado<br />
em benefício da sociedade.<br />
E) O conhecimento do senso comum é adquirido por meio da troca de experiências entre as pessoas<br />
e é transmitido de geração para geração. Quase sempre seu conteúdo é prejudicial, pois ele não<br />
está fundamentado em princípios cientificamente comprovados.<br />
66<br />
Resposta correta: alternativa A.
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Análise das alternativas:<br />
A) Alternativa correta.<br />
Justificativa: o conhecimento científico ainda não pode ser adquirido por todos os membros da<br />
sociedade brasileira, pois nem todos têm condições de acesso ao estudo formal. É por isso que uma<br />
parte da sociedade detém esse conhecimento e outra parte não o detém. Contudo, o conhecimento do<br />
senso comum é construído a partir das experiências de cada pessoa e é transmitido por meio da troca<br />
de vivência entre elas. O conhecimento do senso comum não deve ser desconsiderado ou desprezado<br />
apenas porque não é científico, ao contrário, muitas vezes, ele traduz aspectos relevantes da construção<br />
cultural de um determinado extrato social.<br />
B) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: como foi mencionado na justificativa da alternativa A, o conhecimento construído<br />
somente a partir da experiência das pessoas não é científico, porém, esse tipo de conhecimento não<br />
impede as pessoas de conseguir superar dificuldades, pois, dependendo da dificuldade enfrentada,<br />
muitas vezes a experiência alheia é positiva para orientar a tomada de decisões certas.<br />
C) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: não é correto afirmar que dá-se pouco valor à formação cultural no Brasil, principalmente<br />
no atual momento histórico e econômico no qual se tem valorizado muito a contratação de pessoas que<br />
possuam grau significativo de conhecimento formal adquirido em cursos profissionalizantes ou superiores.<br />
D) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: o conhecimento do senso comum não é produzido de forma propositadamente<br />
incorreta. Mesmo ele não sendo construído a partir de comprovações científicas, ele não é necessária<br />
ou propositadamente incorreto.<br />
E) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: o conhecimento do senso comum não é necessariamente prejudicial, embora não esteja<br />
fundamentado em princípios cientificamente comprovados.<br />
Questão 02. Ernest Mandel (2001) afirma que:<br />
“O Estado é um produto da divisão da sociedade em classes; um instrumento de consolidação, de<br />
manutenção e de reprodução da dominação de uma determinada classe. Essa é a terceira tese central<br />
do materialismo histórico. O Estado não é consubstancial à “sociedade organizada” nem à “civilização”<br />
no sentido amplo do termo. Ele nem sempre existiu. Ele não existirá sempre. A análise das origens, do<br />
desenvolvimento específico e da possível decadência do Estado é uma das principais contribuições do<br />
marxismo às ciências sociais.<br />
67
Unidade I<br />
As instituições estatais são um dos componentes essenciais da superestrutura social, que compreende,<br />
ao mesmo tempo, elementos de repressão (exército, corpos de repressão, justiça) e os elementos<br />
necessários para tornar aceitável pelas classes produtivas a exploração e a opressão de classe que elas<br />
sofrem, para mascarar e “legitimar” o caráter explorador e opressor dessas instituições. Esta é, em termos<br />
gerais, a função das ideologias dominantes mencionadas anteriormente, e de sua transmissão por<br />
instituições como a escola, as igrejas, os meios de comunicação de massa, a publicidade na sociedade<br />
burguesa etc. Por isso, toda luta de classes ampla ou generalizada é forçosamente uma luta política<br />
– independentemente da consciência que tenham os combatentes –, uma luta pela manutenção,<br />
enfraquecimento ou mesmo derrubada de um poder de Estado determinado, do poder político de uma<br />
determinada classe social” (MANDEL, 2001, p. 35-36).<br />
Na revista Discutindo Filosofia, Luciano Costa comenta a crise norte-americana:<br />
“O cenário econômico vive – principalmente desde meados de setembro – uma crise comparada com<br />
a Grande Depressão de 1929. A época, considerada o mais longo período de recessão na economia do<br />
século XX, causou a queda das taxas de produção industrial, dos preços de ações, do produto interno<br />
bruto e acentuou o desemprego em diversos países do mundo. Hoje, a crise teve início no mercado<br />
imobiliário dos Estados Unidos. Com crédito farto e juros baixos, os imóveis do país sofreram alta<br />
valorização, causando refinanciamento de hipotecas. Para captar dinheiro, os bancos criaram um tipo de<br />
nota promissória, chamada de título lastreado em hipotecas, e venderam para investidores que também<br />
passavam seus títulos.<br />
Outras instituições passaram por problemas semelhantes, à beira de quebrar em meio à crise. E para<br />
ir contra a tendência de falência dos centros financeiros, o Congresso nos EUA aprovou a intervenção<br />
do Estado a partir de um plano de ajuda de 700 bilhões de dólares” (COSTA, 2007, p. 12).<br />
A partir das leituras feitas, considere as seguintes afirmativas:<br />
I – Atualmente, o Estado ainda é imprescindível para a atividade econômica liberal, sendo um<br />
importante aliado dos trabalhadores e essencial para o diálogo com os produtores.<br />
II – O papel do Estado na economia no mundo contemporâneo é controverso, pois, em momentos<br />
de crise econômica, ele é chamado a suportar os prejuízos decorrentes das decisões da iniciativa<br />
privada e, quando as crises são superadas, o Estado é impelido a permitir que a iniciativa privada atue<br />
livremente.<br />
III – Em qualquer época histórica, as classes trabalhadoras e produtoras têm diferentes expectativas<br />
em relação ao papel Estado porque as necessidades materiais de cada uma das classes são completamente<br />
distintas.<br />
IV – Marx defende a ideia de uma sociedade sem classes, na qual o Estado moderno seria desnecessário<br />
porque toda a organização social seria concebida e realizada pelos trabalhadores a partir de suas<br />
necessidades concretas.<br />
68
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
V – Para Marx, o fim do Estado seria também o fim da política, pois o pensamento marxista é, por<br />
excelência, um pensamento que prioriza os aspectos econômicos e desconsidera os demais por entender<br />
que não têm importância.<br />
Assinale a alternativa que contém a(s) afirmativa(s) correta(s):<br />
A) I e V.<br />
B) II, III e V.<br />
C) I, II e III.<br />
D) II, III e IV.<br />
E) I, II e IV.<br />
Resolução desta questão na Plataforma.<br />
69
Unidade II<br />
Unidade II<br />
5 A GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS<br />
Nesta unidade, nosso objetivo será compreender a partir de diversos ângulos o fenômeno da<br />
globalização e refletir sobre seus impactos na economia e nas novas formas de sociabilidade.<br />
Assim, partimos da seguinte indagação: qual é a influência que a globalização exerce sobre o mundo atual?<br />
O que contemporaneamente chamamos de globalização é compreendido por Ortiz (1994) como<br />
um processo de mundialização do capitalismo, que envolve uma grande diversidade de aspectos de<br />
natureza cultural, social, econômica e política.<br />
O capitalismo passou por uma série de transformações no final do século XX, marcadas por uma<br />
liberalização comercial que levou a uma maior abertura das economias nacionais, resultando em mudanças<br />
nos processos de trabalho, nos hábitos de consumo, nas configurações geográficas e geopolíticas e nos<br />
poderes e práticas do Estado.<br />
A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo como modo<br />
de produção e ação civilizatória de alcance mundial (ORTIZ, 1994). No cotidiano, a globalização se<br />
manifesta de maneira mais visível nas mudanças tecnológicas e nas alterações nos processos de trabalho<br />
e produção.<br />
Figura 37 – Marcha de abertura do 5º Fórum Social Mundial (2005), em Porto Alegre<br />
Barbosa (2003) define globalização como uma:<br />
Expansão dos fluxos de informações – que atingem todos os países, afetando<br />
empresas, indivíduos e movimentos sociais –, pela aceleração das transações<br />
70
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
econômicas – envolvendo mercadorias, capitais e aplicações financeiras que<br />
ultrapassam as fronteiras nacionais – e pela crescente difusão de valores<br />
políticos e morais em escala universal (BARBOSA, 2003, p. 13).<br />
Sob a perspectiva social, a globalização tem proporcionado fluxos migratórios em todas as direções<br />
e tem possibilitado também uma tentativa dos países avançados de impedir a entrada e permanência<br />
em seus territórios de povos que fogem da miséria e das guerras pelo mundo. 11<br />
Nesse surto de universalização do capitalismo, o desenvolvimento adquire novo impulso a partir das<br />
novas tecnologias, da criação de novos produtos e da mundialização dos mercados.<br />
A globalização é marcada pela transição de um modelo de organização fordista, onde a produção é<br />
organizada em grandes unidades fabris utilizando intensa divisão do trabalho, para um modelo toyotista,<br />
caracterizado pelo trabalho em equipe e o qual Harvey (2005) denomina passagem para um regime de<br />
acumulação flexível.<br />
Eis algumas características do regime de acumulação flexível:<br />
• Flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo;<br />
• Ampliação do setor de serviços;<br />
• Níveis relativamente altos de desemprego estrutural;<br />
• Rápida destruição e reconstrução de habilidades e ganhos modestos;<br />
• Retrocesso do poder sindical.<br />
Figura 38 – O mundo globalizado<br />
11<br />
George W. Bush, ex-presidente dos Estados Unidos, assinou uma lei que ordenou a construção de uma cerca<br />
dupla em algumas partes da fronteira entre os Estados Unidos e o México. Durante uma cerimônia na sala Roosevelt da<br />
Casa Branca, Bush assegurou que a nova lei “protegerá o povo americano e fará com que as fronteiras sejam mais seguras”.<br />
O presidente americano lembrou que a imigração ilegal aumentou na última década devido ao fato de que, “infelizmente,<br />
os Estados Unidos não mantiveram o controle absoluto da fronteira”. Para maiores informações, acesse: AGÊNCIA EFE.<br />
Agentes de fronteira e autoridades dos EUA pedem a Obama fim de muro com México. Folha de S.Paulo, São Paulo, 14 dez.<br />
2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u475430.shtml. Acesso em 15 fev. 2011.<br />
71
Unidade II<br />
5.1 A globalização comercial e financeira<br />
A mundialização dos mercados envolve uma ampla redistribuição das empresas por todo o mundo. As<br />
empresas passam por esse processo para se adaptarem às novas exigências de produtividade, agilidade,<br />
capacidade de inovação e competitividade.<br />
A globalização envolve uma ampla transformação na esfera do trabalho, pois modificam-se as<br />
técnicas produtivas e as condições jurídicas, políticas e sociais. A procura por mão de obra barata faz<br />
com que as grandes companhias busquem força de trabalho em todos os cantos do mundo, levando o<br />
desemprego à escala global.<br />
As empresas transnacionais operam em todo o planeta. Elas vendem as mesmas coisas em<br />
todos os lugares através da criação de produtos universais. Leiam a exemplificação mencionada<br />
por Barbosa:<br />
As empresas multinacionais dominam a produção de vários setores,<br />
desde os mais sofisticados, como automóveis (GM, Volkswagem,<br />
Fiat), eletroeletrônicos (Eletrolux, Sony, Philips), computadores<br />
(Compaq, IBM, Dell), telefones celulares (Ericsson, Motorola, Nokia),<br />
até os tradicionais, como alimentos (Danone, Parmalat, Nestlé), tênis<br />
esportivos (Nike, Reebok), e produtos de higiene e limpeza (Colgate,<br />
Unilever e Procter & Gamble), passando pelos setores de serviços<br />
de ponta como telecomunicações (Telefonica, MCI, British Telecom)<br />
até chegar a serviços tradicionais como cadeias de fast-food<br />
(McDonald’s, Pizza Hut), videolocadoras (Blockbuster) e comércio<br />
varejista (Carrefour), ou mesmo em setores em que a sua presença<br />
era rara até os anos 1990, como nos salões de beleza (Jean Louis<br />
David) ou no saneamento básico (Lyonnaise dês Eaux e Águas de<br />
Portugal) (BARBOSA, 2003, p. 55).<br />
Para refletir: a globalização propicia a concentração de empresas ou possibilita o<br />
empreendedorismo?<br />
Para os executivos das grandes companhias, há a necessidade de distanciamento de suas culturas<br />
particulares e o comprometimento se volta para a competição global. A busca por eficiência e<br />
produtividade se torna uma obsessão social (ORTIZ, 1994).<br />
O sistema financeiro global passou por uma reorganização. Ao lado da acelerada mobilidade geográfica<br />
de fundos, os mercados futuros, de ações e de acordos de compensação recíproca de taxas de juros e<br />
moedas significaram a criação de um único mercado mundial de dinheiro e crédito (HARVEY, 2005).<br />
Desse modo, o sistema financeiro mundial fugiu do controle coletivo, o que levou ao fortalecimento do<br />
capital financeiro.<br />
72
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Figura 39 – Operadores da Bolsa de Valores de São Paulo<br />
Observação<br />
O número de fusões e aquisições envolvendo empresas de várias partes<br />
do mundo está crescendo. Elas procuram conquistar um mercado cada vez<br />
mais amplo.<br />
Por não estarem concluídas, há a dificuldade de captar-se a natureza das mudanças que estamos<br />
vivenciando. Há tanto análises que enfatizam os elementos positivos quanto outras que se voltam para<br />
os aspectos negativos desse processo.<br />
5.2 As novas tecnologias<br />
No final do século passado, houve uma verdadeira revolução tecnológica em diversas áreas, como,<br />
por exemplo, a microeletrônica, a microbiologia e a engenharia genética.<br />
Lembrete<br />
A utilização de tecnologias modernas tem contribuído para o aumento<br />
da produtividade e possibilitado mudanças com gigantesca velocidade. As<br />
tecnologias já são superadas antes mesmo de cair no domínio público.<br />
As novas tecnologias possibilitaram a estruturação do processo produtivo. Em consequência da revolução<br />
tecnocientífica, o trabalho exige níveis cada vez mais elevados de instrução e maior emprego da inteligência.<br />
De acordo com Barbosa.<br />
As novas tecnologias são responsáveis por um novo estilo de produção,<br />
comunicação, gerenciamento, consumo, enfim, por um novo estilo de vida.<br />
Elas assumiram a dimensão de instrumentos de uma transformação social,<br />
econômica e cultural (BARBOSA, 2003, p. 79).<br />
73
Unidade II<br />
5.3 A globalização cultural<br />
As novas tecnologias têm contribuído para que as fronteiras culturais e linguísticas percam o sentido<br />
e para que se adote o inglês como língua oficial dos negócios internacionais. Os meios de comunicação<br />
baseados na eletrônica têm contribuído para agilizar o mundo dos negócios em uma escala jamais vista.<br />
A cultura encontra horizontes de universalização: o que era local e nacional pode tornar-se mundial.<br />
Essa cultura global conduz a um processo de homogeneização dos hábitos de consumo na medida em<br />
que os meios de comunicação difundem um número cada vez mais restrito de modelos de organização<br />
do modo de vida. Como afirma Ortiz (1994):<br />
A seguir, algumas características culturais da atualidade:<br />
A convergência de comportamento de consumidores é uma tendência<br />
dominante dos últimos 30 anos. Chocava a Europa do pós-guerra a grande<br />
diversidade de comportamentos e a abundância de pluralismos locais e<br />
regionais. Mas em 30 anos, em todos os lugares, uma parcela cada vez maior<br />
da população distanciou-se da sociedade tradicional, de seus valores, para<br />
entrar na modernidade, criadora de novos valores. Essa evolução aproximou<br />
os comportamentos, sobretudo os de consumo (ORTIZ, 1994, p. 173).<br />
• Forte presença da moda, do efêmero, do espetáculo e do consumismo;<br />
• A publicidade assume papel maior nas práticas culturais;<br />
• A publicidade manipula desejos sem relação com os produtos.<br />
Nesse novo contexto, a produção e a difusão de bens culturais ocupam um lugar central<br />
que, no passado, pertenceu aos bens industriais. Haja vista que, entre as maiores empresas do<br />
mundo contemporâneo, há uma presença significativa de empresas ligadas à comunicação e ao<br />
entretenimento.<br />
74<br />
Figura 40 – Loja da rede Mc Donald’s no Japão
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Saiba mais<br />
Saiba mais sobre o que é globalização a partir dos textos e filmes<br />
indicados a seguir:<br />
Textos:<br />
IANNI, O. (org.) Desafios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 2002.<br />
GUIMARÃES, M. Aos 60 anos, a ONU resiste a reformas. ComCiência,<br />
Campinas, n. 75, abr. 2004. Seção Reportagens. Disponível em .<br />
Acesso em: 01 mar. 2011.<br />
PENA, F. M. Democracia, direitos humanos e globalização. Revista Espaço<br />
Acadêmico, Maringá, ano 6, n. 64, set. 2006. Disponível em . Acesso em: 13 jan. 2011.<br />
Filmes:<br />
ADEUS Lênin. Dir. Wolfgang Becker. Alemanha. 2002. 117 min.<br />
BABEL. Dir. Alejandro G. Iñarritu. Estados Unidos/México. 2006. 143 min.<br />
ENCONTRO com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá.<br />
Dir. Silvio Tendler. Brasil. 2006. 90 min.<br />
O JARDINEIRO fiel. Dir. Fernando Meirelles. Estados Unidos/Inglaterra.<br />
2005. 129 min.<br />
A CORPORAÇÃO. Dir. Mark Akbar. Canadá. 2002. 145 min.<br />
6 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO<br />
Neste tópico, nossa reflexão se voltará para a análise das transformações no mundo do trabalho<br />
no contexto da globalização e da reestruturação do sistema produtivo. As mudanças na organização<br />
dos processos de trabalho, já mencionadas em tópico anterior, conduziram a uma nítida redução do<br />
trabalhador fabril em função da automação, da robótica e da microeletrônica.<br />
Tanto no campo quanto na cidade, houve o crescimento da presença feminina no mercado de<br />
trabalho. Segundo pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos<br />
75
Unidade II<br />
Socioeconômicos (Dieese), entre 2009 e 2010, as mulheres ganharam em média 76% do salário pago<br />
aos homens. 12 Figura 41 – Trabalhador cortando madeira na Alemanha nos anos 1960<br />
76<br />
Tendo em vista a crescente mecanização das atividades agrárias, houve redução do número de<br />
empregos oferecidos na área rural, o que tem conduzido a um crescimento sem precedentes da população<br />
nas áreas urbanas.<br />
Considerando-se que as relações de trabalho constituem parte essencial das relações sociais na<br />
atualidade, pergunta-se: com o crescimento vertiginoso do desemprego, como viverá a classe que<br />
necessita do trabalho para sobreviver?<br />
6.1 Precarização das relações de trabalho<br />
A análise das transformações no mundo do trabalho remonta ao início dos anos 1970, quando o<br />
modelo fordista de produção começou a apresentar declínio com a queda da taxa de lucro intensificada<br />
pelo aumento do preço da mão de obra e pelas lutas sociais ocorridas nos anos 1960. A partir disso, teve<br />
início o processo de flexibilização da produção, o toyotismo, modelo de organização da produção que<br />
abrange o sistema just in time, o controle de qualidade da produção e a polivalência de tarefas, com<br />
terceirização e subcontratação de trabalhadores.<br />
12<br />
Os dados da pesquisa são apresentados em: DE LORENZO, F. Mulheres ganham 76% do salário pago aos homens,<br />
aponta Dieese. Valor Online, 02 mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 04 mar. 2011.
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Figura 42 – Cortador de cana de Porto Rico<br />
Em análise pioneira sobre as transformações sociais que ocorreram no mundo desde os anos 1980,<br />
Harvey (2005) coloca que o desencadeamento de um processo de reestruturação produtiva gerou um<br />
novo modelo de acumulação de riquezas, no qual se excluiu a verticalização da produção. Assim, um<br />
novo processo de terceirização e subcontratação de mão de obra teve início.<br />
Nessa nova estrutura, na qual não há a certeza do lucro, todos têm acesso às tecnologias, o que<br />
torna a concorrência agressiva e avançada. Surge então a necessidade da redução de gastos e de uma<br />
gestão mais enxuta. Por fim, os investimentos se voltam para inovações tecnológicas que tenham efeitos<br />
racionalizadores, contribuindo, consequentemente, para o aumento do desemprego.<br />
Observação<br />
Com o advento da terceira revolução industrial e com o crescimento<br />
da utilização da Internet, a demanda e o fluxo de informação aumentaram<br />
exponencialmente. O conhecimento, a prestação de serviços e a mão de<br />
obra altamente especializada tornaram-se os novos focos do que hoje<br />
chamamos de pós-industrialismo.<br />
Segundo Castells (1999), os teóricos do pós-industrialismo afirmam que atualmente há:<br />
(...) a formação de uma nova estrutura social caracterizada pela mudança<br />
de produtos para serviços, pelo surgimento de profissões administrativas e<br />
especializadas, fim do emprego rural e industrial e pelo crescente conteúdo de<br />
informação do trabalho nas economias avançadas (CASTELLS, 1999, p. 224).<br />
Observação<br />
A precarização do trabalho pode ser entendida como o processo que envolve<br />
a degradação das condições de trabalho e emprego, sejam elas do trabalhador<br />
formal, informal, em tempo parcial ou temporário. O extremo da precarização é a<br />
própria ausência de trabalho vivenciada por aqueles que estão desempregados.<br />
77
Unidade II<br />
Desse modo, a fonte de produtividade e crescimento econômico se transfere da produção de<br />
mercadorias para a produção de conhecimentos. Quanto mais a economia de um país cresce, mais ela<br />
se volta para a prestação de serviços e, assim, a economia global aumenta a importância das profissões<br />
com grande conteúdo de informações e conhecimentos (CASTELLS, 1999).<br />
Para visualizar as transformações do setor produtivo e refletir sobre os impactos no mercado de<br />
trabalho, analisem os dados a seguir sobre a produção industrial brasileira:<br />
Tabela 02<br />
Período<br />
Dezembro 09/Novembro 09<br />
Dezembro 09/Dezembro 08<br />
Média móvel trimestral<br />
4º tri 2009/4º tri 2008<br />
Acumulado 2009<br />
Acumulado 2008<br />
Produção industrial<br />
-0,3%<br />
18,9%<br />
0,5%<br />
5,8%<br />
-7,4%<br />
3,1%<br />
Fonte: IBGE.<br />
Essas transformações conduziram à flexibilização dos processos de trabalho (just in time) e dos contratos<br />
de trabalho (terceirização), além de provocarem a descentralização do processo produtivo. As empresas<br />
passam a investir em automação e em redução de chefias intermediárias, o que resulta em redução de<br />
pessoal. Desse modo, o regime de trabalho é marcado pela instabilidade no posto, pelos baixos níveis<br />
salariais e pelo desemprego estrutural, considerado hoje um dos principais problemas sociais.<br />
Diante desse panorama, as empresas mudam o perfil do trabalhador desejado. O novo quadro do<br />
mercado de trabalho requer um funcionário de perfil polivalente, altamente qualificado e com maior grau de<br />
responsabilidade e de autonomia. O trabalhador necessário no mercado deve desenvolver sua criatividade, reciclarse<br />
permanentemente, possuir flexibilidade intelectual nas situações de constante mudança, ter capacidade de<br />
análise e comunicação e, ainda, priorizar atitudes de participação, cooperação e multifuncionalidade.<br />
6.2 Desemprego estrutural e informalidade<br />
As transformações ocorridas no trabalho não são consequências apenas dos novos padrões<br />
tecnológicos, mas são determinadas também através das mudanças ocorridas na política, na economia<br />
e na sociedade. Ao atingir os trabalhadores, essa reconfiguração traz a diminuição do operariado, o<br />
crescimento dos postos no setor de serviços e a terceirização, produzindo uma maior segmentação e<br />
pulverização dos trabalhadores (ANTUNES, 2002).<br />
Observação<br />
A classe que vive do trabalho é composta por todos aqueles que vendem<br />
sua força de trabalho em troca de salário. São eles:<br />
78
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
• Trabalhadores industriais;<br />
• Trabalhadores rurais;<br />
• Trabalhadores da área de serviços;<br />
• Trabalhadores terceirizados;<br />
• Trabalhadores temporários;<br />
• Trabalhadores em tempo parcial;<br />
• Trabalhadores informais;<br />
• Desempregados.<br />
Entre as ocupações não organizadas, destaca-se a crescente quantidade de trabalhadores temporários,<br />
de meio período, freelancers, autônomos, via correio eletrônico (e-mails), contratados e representantes<br />
independentes, além daquelas ocupações com ganhos flutuantes atrelados aos índices de desempenho.<br />
Nesse cenário, a ideia de um futuro previsível assentado em um emprego estável desaparece.<br />
Gráfico 01<br />
60<br />
Milhões<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Empregado<br />
Trabalhador<br />
doméstico<br />
Conta própria Empregador Não<br />
remunerado<br />
2006 2007 2008<br />
Trabalhador<br />
na produção<br />
para o próprio<br />
consumo<br />
Trabalhador<br />
na construção<br />
para o próprio<br />
uso<br />
Fonte: IBGE.<br />
Antunes (2002) considera que a precarização do trabalho levou a mutações nas quais poucos se<br />
especializaram e muitos ficaram sem qualificação suficiente para introduzir-se no mercado. Isso acabou por<br />
aumentar a fila dos desempregados e gerar uma classe de trabalhadores fragmentada entre trabalhadores<br />
qualificados e desqualificados, trabalhadores do mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e<br />
mulheres, estáveis e precários, imigrantes e nacionais etc., isso sem mencionar as divisões que decorrem da<br />
inserção diferenciada dos países e de seus trabalhadores na nova divisão internacional do trabalho. Todo<br />
esse processo conduziu a uma destruição e/ou precarização sem precedentes em toda a era moderna.<br />
79
Unidade II<br />
Figura 43 – Carteira de Trabalho e Previdência Social<br />
Em expansão, o trabalho no setor informal conduz os trabalhadores a uma tarefa isolada. Muitas<br />
vezes, eles mesmos criam seu próprio trabalho, com possibilidade de mobilidade de atividades e<br />
de horários flexíveis. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que o setor informal já<br />
atinge cerca de 40% do mercado de trabalho na América Latina. A taxa de informalidade tem tido um<br />
crescimento superior ao do setor formal. Os processos de terceirização e a informalidade crescem sob a<br />
forma do trabalho por conta própria em microempresas e/ou em domicílio e esse fator tem obscurecido<br />
o desemprego. A economia informal é o destino de um grande contingente de trabalhadores que não<br />
conseguem inserção na pirâmide do mercado de trabalho formal 13 .<br />
A tendência geral de hierarquização do trabalho, fragilização dos vínculos e ascendente desigualdade<br />
remuneratória é colocada em evidência, o que aprofunda a fratura social, traz insegurança e torna a<br />
economia ineficiente, transformando-a num ciclo de desorganização social (DOWBOR, 2001).<br />
Antunes ressalta que vivemos o fim da centralidade do trabalho no mundo contemporâneo. A<br />
classe trabalhadora não é mais vista com uma potencialidade contestadora capaz de transformar o<br />
capitalismo e, além disso, há uma ampliação do contingente populacional excluído da produção de<br />
bens e serviços.<br />
A informalidade é apenas uma das formas de precarização: atualmente, ganha importância a<br />
escravidão contemporânea. A alta incidência de trabalho em condição análoga à escravidão conduziu a<br />
OIT a pronunciar que:<br />
A escravidão no Brasil contemporâneo existe. Apresenta-se de maneira<br />
mais sutil do que no século passado e, por isso mesmo, com características<br />
perversas. A característica mais visível do trabalho escravo é a falta de<br />
liberdade. As quatro formas mais comuns de cercear essa liberdade são:<br />
13<br />
No topo da pirâmide do mercado de trabalho está o emprego nobre no setor formal. Na parte intermediária,<br />
estão os trabalhadores que atuam em atividades terceirizadas mais ou menos instáveis e, na base da pirâmide, há uma<br />
massa de mão de obra que cai na economia ilegal ou subterrânea.<br />
80
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
servidão por dívida, retenção de documentos, dificuldade de acesso ao local<br />
e presença de guardas armados. Essas características são frequentemente<br />
acompanhadas de condições subumanas de vida e de trabalho e de absoluto<br />
desrespeito à dignidade de uma pessoa (OIT, 2003).<br />
Para refletir: com a crise estrutural do mercado de trabalho, como a classe social que necessita<br />
do trabalho sobreviverá? Que relação há entre a crise do emprego e o crescimento dos movimentos<br />
xenofóbicos pelo mundo?<br />
A xenofobia diz respeito ao medo natural (fobia, aversão) que o ser humano normalmente tem ao<br />
que lhe é diferente. Quando a economia vai bem, os migrantes são tolerados por serem necessários<br />
à reprodução do capital. Mas, aos primeiros sinais de crise econômica, são também os migrantes os<br />
primeiros a sentir as consequências. A crise mundial do mercado de trabalho, por exemplo, reflete o<br />
aumento dos movimentos xenofóbicos na Europa e nos Estados Unidos.<br />
Saiba mais<br />
Para saber mais sobre a configuração atual do trabalho no Brasil, acesse<br />
o site da sede brasileira da Organização Internacional do Trabalho (OIT),<br />
, e a página do Ministério do Trabalho e Emprego,<br />
que traz dados estatísticos sobre o emprego no país: .<br />
Além disso, leia o texto e assista aos filmes indicados a seguir para<br />
aprimorar ainda mais seus conhecimentos sobre o assunto:<br />
Texto:<br />
ROCHA, M. Mais comum nas áreas rurais, trabalho degradante cresce<br />
em obras. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 mar. 2011. Disponível em .<br />
Acesso em: 23 mar. 2011.<br />
Filmes:<br />
AS LOUCURAS de Dick e Jane. Dir. Dean Parisot. Estados Unidos. 2005. 90 min.<br />
O CORTE. Dir. Costa-Gravas. Bélgica/França/Espanha. 2005. 122 min.<br />
PÃO e Rosas. Dir. Kean Loach. Reino Unido/França/Espanha/Alemanha/<br />
Suécia. 2000. 120 min.<br />
81
Unidade II<br />
7 POLÍTICA E RELAÇÕES DE PODER: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DIREITOS DO<br />
CIDADÃO<br />
Neste capítulo, discutiremos política, pois o Estado é uma instituição que tem forte presença na vida<br />
dos cidadãos comuns e, de um modo geral, é a ele que são dirigidas as críticas das mazelas produzidas<br />
pela sociedade. Nosso objetivo será o de possibilitar ao estudante uma reflexão sobre a complexidade do<br />
sistema político, discutindo seus fundamentos e pensando a política como prática social.<br />
7.1 Política, poder e Estado<br />
A palavra política entrou para o vocabulário do homem comum designando a atividade de um grupo<br />
social pouco confiável: os políticos profissionais. Porém, é preciso esclarecer que todos nós somos seres<br />
políticos e que política diz respeito a uma comunidade organizada e formada por cidadãos.<br />
Segundo Arendt (2003, p. 21): “a política trata da convivência entre diferentes”. Dessa maneira, todos<br />
estão envolvidos na política, mesmo aqueles que não se interessam ou preferem ignorar as decisões que<br />
são tomadas e interferem em suas vidas.<br />
O exercício do poder envolve uma relação de mando e obediência e se fundamenta na imposição<br />
de uma vontade sobre as outras vontades. O poder não está circunscrito somente no âmbito do Estado.<br />
As relações de poder estão presentes em todas as relações sociais. Por exemplo, na família, sempre<br />
existe a figura de alguém que exerce o poder e, nas empresas, todas as relações são marcadas por uma<br />
hierarquia.<br />
O Estado é uma instituição criada pelo homem com o intuito de proteger os seres humanos uns<br />
dos outros. Ele exerce seu poder através do uso das armas e das leis. Max Weber o define como uma<br />
estrutura política que tem o monopólio do uso legítimo da força física em determinado território. O<br />
Estado é visto como uma relação de homens dominando homens por meio de uma violência que é<br />
considerada legítima.<br />
Para que o Estado cumpra suas funções de garantir a ordem e proteger a sociedade para que esta<br />
não se desfaça, é necessário não apenas o exercício do poder, mas sua legitimidade. Essa legitimidade<br />
provém da aceitação desse poder pela sociedade.<br />
Para refletir: para que servem os partidos políticos? Haveria partidos se a sociedade não fosse<br />
partida? Os partidos políticos defendem interesses particulares, grupais ou gerais? Se os partidos políticos<br />
defendem somente os interesses de partes da sociedade, como alguns deles conseguem obter votos de<br />
toda a sociedade?<br />
Um partido político é uma associação de indivíduos que compartilham de interesses semelhantes e,<br />
nas democracias modernas, organizam-se para a disputa do controle do aparato de Estado, ou seja, do<br />
governo. Essa disputa é feita mediante processos eleitorais e o controle do governo permitirá que esses<br />
grupos de indivíduos atinjam seus objetivos.<br />
82
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Para o sociólogo alemão Karl Marx, os partidos políticos estão intimamente relacionados às lutas<br />
de classe. Nas sociedades capitalistas, o contexto de exploração econômica cria antagonismos entre a<br />
burguesia e o proletariado. Ao se organizarem para a luta, as classes sociais formam partidos políticos e<br />
elegem líderes como seus porta-vozes. Muitos desses líderes são intelectuais e se inserem numa posição<br />
ambígua entre os dominantes e os dominados.<br />
Segundo o sociólogo e economista alemão Max Weber, o partido político é um dos fatores que<br />
modelam a estratificação nas sociedades (juntamente com as classes e o status). Entretanto, os partidos<br />
podem basear suas estratégias e propostas em preocupações que são transversais aos interesses das<br />
classes. Com isso, eles conseguem obter uma quantidade superior de votos de outras classes sociais que<br />
não a sua própria.<br />
Observação<br />
O que é esquerda e o que é direita?<br />
A origem dos termos esquerda (para representar partidos que propõem<br />
mudanças sociais radicais) e direita (para representar partidos que desejam<br />
a manutenção da situação social presente) remonta à Revolução Francesa:<br />
à época, os termos definiam as posições defendidas respectivamente pelos<br />
jacobinos e pelos girondinos.<br />
7.1.1 Interesses particulares, grupais e gerais<br />
Os partidos políticos nascem para defender interesses grupais, que são menores que os interesses<br />
gerais e maiores que os interesses pessoais. Contudo, como mencionado anteriormente, para ampliarem<br />
sua base de apoio eleitoral, os partidos políticos devem apelar para os interesses gerais da sociedade,<br />
incorporando demandas transversais. Por outro lado, como são dirigidos por elites políticas, é frequente<br />
os partidos tornarem-se instrumentos dos interesses pessoais de seus “caciques” ou “coronéis”.<br />
Para atingir o poder do Estado, uma classe social precisa apresentar seus interesses particulares<br />
de classe como se fossem os interesses de toda a sociedade. Com isso, um simples aumento salarial<br />
transforma-se numa luta pela democracia, a defesa de um monopólio comercial torna-se uma luta<br />
nacionalista pela soberania do país e assim por diante.<br />
Além da falta de consciência e politização dos eleitores, o uso dessas “máscaras políticas” pelos<br />
partidos é um dos fatores que explicam o motivo pelo qual um trabalhador pode votar num partido<br />
elitista e vice-versa.<br />
7.2 Democracia e cidadania<br />
O conceito de democracia surgiu na Grécia antiga e significa que todo o poder deve emanar do cidadão,<br />
ou seja, é um tipo de governo que nasce do povo e tem como objetivo atender aos interesses do povo.<br />
83
Unidade II<br />
Figura 44 – Manifestação política pela democracia nos Estados Unidos<br />
De uma forma mais específica, em nossa sociedade a democracia se manifesta através de um sistema<br />
eleitoral onde o povo escolhe seus representantes. Outro elemento fundamental do regime democrático<br />
é a liberdade de ir e vir, a liberdade de expressão e a liberdade de organização.<br />
Vieira (2005) afirma que:<br />
A ideia republicana de cidadania se inspirou na democracia grega e na<br />
república romana, buscando a liberdade civil dos antigos: liberdade<br />
de opinião, de associação e também de decisão política (VIEIRA, 2005,<br />
p. 29).<br />
Dessa forma, os direitos civis são direitos de todos, pois, como consagrado pela Revolução Francesa,<br />
todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.<br />
Cidadania diz respeito ao direito de qualquer membro da sociedade de participar da vida pública.<br />
Segundo o artigo quinto da Constituição Brasileira, somos todos iguais perante a lei, sem distinção de<br />
qualquer natureza, sendo garantido a todos o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à<br />
propriedade.<br />
7.3 Participação política<br />
Ninguém escapa da política. Quem não se envolve diretamente nos acontecimentos são envolvidos<br />
indiretamente em suas consequências, pois todo ato humano em sociedade é político, inclusive o ato<br />
de omissão.<br />
A participação política não se restringe ao voto em período eleitoral. Existem outras formas de<br />
exercício político como, por exemplo, os sindicatos e os movimentos sociais.<br />
84
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Figura 45 – Urna eletrônica do Brasil<br />
Saiba mais<br />
A seguir, indicações de textos e filmes que aprimoram os conceitos de<br />
democracia, cidadania e participação política:<br />
Textos:<br />
CANTARINO, C. O que os brasileiros pensam sobre a democracia?.<br />
ComCiência, Campinas, n. 67, jul. 2005. Seção Reportagens. Disponível em<br />
. Acesso em:<br />
28 jan. 2011.<br />
MOURA, L. L. L. Democracia e sociedade civil no Brasil. Revista Urutágua:<br />
revista acadêmica multidisciplinar, Maringá, n. 21, maio/ago. 2010.<br />
Disponível em . Acesso em: 08 jan. 2011.<br />
Filmes:<br />
A REVOLUÇÃO dos bichos. Dir. John Stephenson. Inglaterra. 1999. 89 min.<br />
O ANO em que meus pais saíram de férias. Dir. Cão Hambúrger. Brasil.<br />
2006. 106 min.<br />
O GRANDE ditador. Dir. Charles Chaplin. Estados Unidos. 1940. 128 min.<br />
VOCAÇÃO para o poder. Dir. Eduardo Escorel. Brasil. 2004. 110 min.<br />
85
Unidade II<br />
8 AS QUESTÕES URBANAS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS<br />
A cidade é considerada um local privilegiado para análise da mudança social e revela<br />
o custo do desenvolvimento econômico. Como expressão das relações sociais, a cidade<br />
expressa as desigualdades, pois o lugar que o indivíduo ocupa nela é dado por sua condição<br />
econômica.<br />
A concentração da população pobre em bairros periféricos revela os efeitos devastadores<br />
da aglomeração urbana. A organização do espaço da cidade segue a lógica da valorização<br />
imobiliária, onde os mais pobres são encaminhados para bairros longínquos onde não há recursos<br />
de infraestrutura tais como água, saneamento básico, assistência médica pública e gratuita,<br />
educação e outros elementos necessários para a existência de qualidade de vida. A formação da<br />
multidão é um fenômeno das áreas urbanas que causa a exposição das necessidades das massas<br />
despossuídas.<br />
Atualmente, 80% da população vivem em áreas urbanas. Nos anos 1950, dois terços da população<br />
estavam no campo. Em termos de emprego, a mesma dinâmica que expulsou a mão de obra para<br />
as cidades, criando as imensas periferias caóticas e miseráveis, hoje reduz a própria base urbana de<br />
emprego.<br />
Verifiquem a seguir os dados referentes à distribuição da população brasileira entre as áreas rural e<br />
urbana:<br />
Gráfico 02 – Proporção da população por situação de domicílio (1980-2000)<br />
Fonte: IBGE.<br />
Quais são as consequências sociais da concentração da população nas áreas urbanas? A concentração<br />
de pessoas nessas áreas gera efeitos devastadores. A formação de bairros periféricos destaca a carência de<br />
serviços públicos de infraestrutura e coloca em evidência as duas faces do desenvolvimento econômico:<br />
a opulência e a miséria.<br />
86
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Segundo a ONU, em 2007 a população urbana se igualou à população rural no mundo. O processo<br />
de urbanização é visto por especialistas como inevitável e cabe às cidades o preparo para receber a<br />
população rural que cada vez mais tende a deixar o campo.<br />
Lembrete<br />
O processo de urbanização é uma manifestação da modernização da<br />
sociedade, que passa por uma transição do rural para o urbano-industrial.<br />
Os migrantes, de um modo geral, buscam progresso através da mobilidade social oferecida pela<br />
urbanização.<br />
8.1 A cidade e seus problemas<br />
Os problemas nas áreas urbanas são inúmeros. A ausência de um planejamento que permita receber<br />
os contingentes populacionais leva à formação de bairros periféricos onde os serviços públicos são<br />
ausentes, as condições de moradia são precárias e as distâncias dos bairros centrais são grandes.<br />
Para Araújo (2009), o grande êxodo rural das últimas décadas conduziu ao crescimento desordenado<br />
das cidades brasileiras, que não contavam com uma infraestrutura adequada para receber esse contingente<br />
vindo do campo. O geógrafo Milton Santos relata que “o problema crítico das cidades é que elas se tornam<br />
cidades sem cidadãos” (apud ARAÚJO, 2009, p. 190). As carências dos bairros periféricos das grandes cidades<br />
constituem um obstáculo para a participação da população pobre na vida pública. No texto supracitado,<br />
Araújo cita a autora Dowbor, que reconhece “ser pequeno o poder de pressão dos mais pobres, que não<br />
conseguem interferir nas prioridades estabelecidas pelo poder público” (apud ARAÚJO, 2009, p. 191).<br />
Figura 46 – Favela em Belo Horizonte, Minas Gerais<br />
8.2 Violência urbana<br />
A violência tem se constituído em um dos principais problemas das áreas urbanas. Assaltos, crimes<br />
e assassinatos, que apontam para as condições degradantes da vida urbana, têm sido frequentes em<br />
87
Unidade II<br />
muitas cidades. Essa situação provoca insegurança social, destruição e/ou depredação física e profundos<br />
abalos morais, além de gerar elevados custos com serviços policiais e equipamentos de segurança.<br />
Há um certo consenso entre sociólogos de que o crescimento desordenado das cidades está<br />
relacionado à violência. As condições precárias de moradia e a falta de acesso à educação de qualidade<br />
e à assistência médica estão entre as razões desse fenômeno social.<br />
Figura 47 – Mapa da violência<br />
8.3 Movimentos sociais<br />
Nos aproximamos do final deste trabalho e já é possível perceber que a sociedade capitalista é<br />
complexa e marcada por jogos de interesses entre classes sociais, crises morais, crescimento da burocracia,<br />
lutas pelo poder etc.<br />
Neste capítulo, analisaremos como a sociedade se organiza em movimentos coletivos com o intuito<br />
de promover ou resistir aos processos de mudança.<br />
Os movimentos sociais expressam os conflitos existentes na sociedade e, assim, procuraremos<br />
explorar a partir de agora a dinâmica desses conflitos e as transformações ocorridas no final do século<br />
XX e início do XXI.<br />
Os movimentos sociais contribuem para que haja transformações na sociedade. Entre eles,<br />
podemos citar o movimento feminista, o movimento ambientalista e o movimento pacifista,<br />
88
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
que possuem ideais que contribuíram e contribuem para mudanças significativas nas relações<br />
sociais.<br />
Observação<br />
Por movimentos sociais entende-se as “ações de grupos sociais<br />
organizados que buscam determinados fins estabelecidos coletivamente e<br />
tem como objetivo mudar ou manter as relações sociais” (FERREIRA, 2001,<br />
p. 146).<br />
Os estudos sobre os movimentos sociais inserem-se na linha de reflexão sobre a possibilidade das<br />
mudanças sociais e a importância desses movimentos nesses processos transformadores deve ser<br />
analisada a partir de diferentes perspectivas.<br />
Os movimentos sociais podem ser divididos em dois tipos: os movimentos que buscam a emancipação<br />
e os movimentos que buscam a manutenção da ordem existente.<br />
Os estudos orientados por uma perspectiva de análise positivista tendem a considerar os movimentos<br />
sociais como evidência de uma situação de anomia, atribuindo ao Estado o papel de conter a ação<br />
dos grupos a fim de manter a ordem social. Para os analistas de inspiração marxista, os movimentos<br />
sociais são expressão das contradições presentes na sociedade e representam fator importante para as<br />
mudanças sociais.<br />
Em todas as sociedades e épocas, há registros de movimentos sociais. Isso indica que a existência<br />
desses movimentos é inerente ao fato de vivermos em sociedade e de nela haver lutas entre segmentos<br />
que buscam mudanças ou a manutenção da ordem.<br />
A origem e a natureza dos movimentos são muito diversificadas, entretanto, os membros do grupo<br />
costumam ser homogêneos. Eles podem ser compostos por um grande ou um pequeno número de<br />
pessoas e elas podem provir, por exemplo, de uma empresa, de um bairro, de uma religião, de uma etnia,<br />
de uma nação inteira ou até mesmo de todo o planeta.<br />
Geralmente, o que movimenta os grupos é a causa ou o objetivo em comum e, para tanto, realizam<br />
uma série de atividades organizadas por pessoas que trabalham em conjunto para alcançar um<br />
determinado fim. Portanto, o fato de existir um propósito em comum é o que dá sentido e coesão aos<br />
movimentos sociais.<br />
Há uma tendência em nossa sociedade de criminalizar os grupos que se organizam em defesa de seus<br />
interesses. Contudo, é preciso considerar que os movimentos sociais procuram interferir na elaboração<br />
das políticas públicas das áreas econômica, social e cultural, algo que o indivíduo isoladamente não<br />
conseguiria.<br />
89
Unidade II<br />
Para Manuel Castells (2001), todos os movimentos sociais refletem a sociedade e entram em choque<br />
com as estruturas sociais. O autor os define como:<br />
Chamamos de movimentos sociais a todas as formas de mobilização<br />
de membros da sociedade que têm um objetivo comum explícito. Os<br />
movimentos sociais são o objetivo por excelência da sociologia dinâmica,<br />
permitindo o estudo dos processos sociais e das mudanças (CASTELLS,<br />
2001, p. 400).<br />
Ou seja, as atividades exercidas pelos movimentos sociais servem como objeto de estudo para todas<br />
as áreas de conhecimento. Os sociólogos, em especial, através da realização de pesquisas e estudos,<br />
constataram que a existência ou ausência de dinamicidade em uma determinada sociedade é justamente<br />
gerada pelos movimentos sociais.<br />
A ideia de conflito associado à ação coletiva constitui um elemento importante para a compreensão<br />
dos movimentos sociais. Não se deve confundir um movimento social com turbas (ações de multidões<br />
voltadas para depredações e linchamentos), pois estas não possuem claramente objetivos em comum<br />
ou sistemas de organização.<br />
Os movimentos sociais expressam conflitos de classes, resistência à autoridade e pressão sobre o<br />
sistema institucional. Eles são consequência das tensões cotidianas e fruto de esforços coletivos para<br />
superar uma situação indesejada.<br />
8.3.1 Características dos movimentos sociais: identidade, oposição e totalidade<br />
Touraine (1977) expõe que:<br />
Um movimento social não é a expressão de uma intenção ou de uma<br />
concepção do mundo. Não é possível falar de um movimento social se não<br />
se pode, ao mesmo tempo, definir o contramovimento ao qual ele se opõe<br />
(apud FORACCHI e MARTINS, 1977, p. 344).<br />
Nesse sentido, o que define os movimentos sociais é a combinação entre os princípios de identidade,<br />
de oposição, de totalidade e de atuação coletiva nas ações da história.<br />
Segundo Touraine (apud FORACCHI e MARTINS, 1977, p. 345), o princípio de identidade “é a definição<br />
do ator por ele mesmo. Um movimento social só pode se organizar se esta definição é consciente”. Essa<br />
consciência geralmente precede a formação do movimento.<br />
A identidade refere-se à autoidentificação, ou seja, a quem fala e em nome de quem, ao que<br />
representa e significa o movimento perante a sociedade, qual é o problema a ser resolvido etc.<br />
90<br />
Portanto, a definição da identidade do movimento diz respeito ao grupo social<br />
que representa: estudantes? Mulheres? Sem terras? É preciso que as pessoas
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
se percebam enquanto oprimidos com interesses comuns. A identidade<br />
é elemento fundamental para que os indivíduos ajam coletivamente<br />
(FORACCHI e MARTINS, 1977, p. 345).<br />
O princípio de oposição é essencial no sentido de identificar o adversário, pois um movimento só se<br />
organiza caso o opositor possa ser apontado. Além disso, é somente a partir do conflito que o adversário<br />
surgirá e isso formará a consciência dos participantes do grupo.<br />
Assim, é necessário que o movimento saiba claramente contra quem e/ou o que se opõe e<br />
saiba também quais grupos sociais terá de enfrentar. Contra quem e/ou o que lutam o Movimento<br />
Sem Terra, o movimento sindical urbano, o movimento feminista e o movimento estudantil, por<br />
exemplo?<br />
O princípio de totalidade diz respeito ao caráter das reivindicações do grupo. Por exemplo, as<br />
reivindicações do movimento sindical vão além do aumento de salário, luta-se pelos direitos sociais. O<br />
movimento estudantil vai além das reivindicações específicas de um grupo, luta-se pela melhoria da<br />
qualidade de ensino para todos. Nesse sentido, as bandeiras de lutas adquirem conotação de defesa de<br />
princípios e valores básicos da sociedade.<br />
Todo movimento social está inserido num campo histórico, em um contexto social. Isso<br />
significa que tanto as pessoas que dele fazem parte como seus adversários tomam atitudes no<br />
decorrer do movimento que são parte de um todo. Nada ocorre de forma isolada, mas há uma<br />
dependência do outro que acaba por interferir no campo de ação histórica sob a forma de uma<br />
atuação coletiva.<br />
Alienação<br />
Touraine ainda relata que, nos movimentos sociais, a alienação está relacionada às chamadas classes<br />
sociais, isto é, àquelas que dominam e àquelas que são dominadas. Para o autor:<br />
Alienação seria como o desabrochar da consciência individual ou coletiva,<br />
submetida à atração contraditória da participação dependente e da<br />
consciência de classe. A primeira impede considerar a sociedade como<br />
um conjunto de relações sociais e impõe a imagem de uma ordem moral,<br />
à qual se deve adaptar para não se tornar culpado. A segunda impede<br />
esta adaptação e produz a recusa na falta de conflito. Isto envolve a<br />
consciência alienada em um isolamento que só pode ser destruído pela<br />
agressão contra a ordem estabelecida (apud FORACCHI e MARTINS, 1977,<br />
p. 357).<br />
A consciência do povo pode ser dominada pela alienação quando os movimentos sociais não são<br />
formados. Geralmente, a luta de um movimento não se dá somente contra seu adversário, mas antes de<br />
tudo se dá contra a própria apatia do grupo. É por isso que é normal encontrar grupos que são incapazes<br />
de lutar contra eles mesmos ou lutam de forma alienada.<br />
91
Unidade II<br />
Figura 48 – Multidão diante do palácio Quirinal, em Roma, entre 1910 e 1915<br />
Assim, há nas sociedades uma dialética entre as classes sociais. Touraine esclarece que:<br />
As formas de decomposição dos movimentos sociais<br />
A [classe] superior é dirigente e dominante ao mesmo tempo, ela cria modelos<br />
culturais e a organização social e também submete toda a sociedade aos<br />
seus interesses particulares. Já a classe popular é ao mesmo tempo defensiva<br />
e progressista. Defensiva porque participa de modo dependente da atividade<br />
econômica e progressista porque contesta a identificação do sistema de<br />
ação histórica com os interesses e a ideologia da classe dominante, ou seja,<br />
sem o progressismo, não poderia haver movimentos sociais (apud FORACCHI<br />
e MARTINS, 1977, p. 359).<br />
Um movimento social pode se transformar em um transmissor de valores ou em um transmissor de<br />
contradições.<br />
Todo movimento social deve ser portador de uma ideologia, de uma organização e de uma liderança.<br />
Eles podem ser constituídos por grupos que têm objetivos em comum e são minuciosamente organizados<br />
sob uma direção central, como o Movimento Sem Terra, por exemplo. O grau de organização de um<br />
movimento como o Movimento Sem Terra surgiu do próprio crescimento do número de adeptos da<br />
causa, espalhados por todo o país.<br />
8.4 A sociedade em movimento<br />
Entre 1850 e 1940, o movimento feminista lutou pelo direito ao voto, à educação e ao emprego. O<br />
código eleitoral de 1932 restringia o direito de voto às mulheres casadas que tivessem autorização dos<br />
maridos e a algumas solteiras ou viúvas com renda própria.<br />
Em 1934, o voto obrigatório foi limitado apenas às mulheres que exerciam cargo público<br />
em funções remuneradas. Nos anos 1960, o movimento feminista reivindicou direitos iguais aos<br />
92
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
dos homens na educação e no emprego, a eliminação da violência sexual e o direito ao controle<br />
reprodutivo.<br />
As mudanças nos padrões culturais da sociedade industrial e o aumento da participação feminina<br />
no mercado de trabalho contribuíram para a eclosão do movimento feminista. A partir dos anos 1950,<br />
os jovens se rebelaram contra os padrões culturais vigentes, o que culminou com o movimento hippie e<br />
outros movimentos pacifistas. Ainda, o crescente processo de politização da juventude contribuiu para<br />
que o movimento estudantil ganhasse evidência.<br />
O crescimento da urbanização brasileira permitiu a eclosão dos movimentos sociais urbanos ligados<br />
à luta por saúde, habitação e educação. Esses movimentos são associados à luta dos setores populares<br />
pela sobrevivência.<br />
Em análise sobre os movimentos sociais urbanos surgidos no Brasil a partir dos anos de 1980, Cardoso<br />
(1984) indica que esses movimentos buscavam valorizar a autonomia, a ação direta e a igualdade entre<br />
seus membros.<br />
Santos (2001) chama atenção para o que denomina novos movimentos sociais, que identificam<br />
formas de opressão não baseadas exclusivamente nas relações econômicas. Esses novos movimentos<br />
podem ser exemplificados com as lutas sociais contra o machismo, o racismo etc. e, desse modo, sua<br />
atuação não está pautada somente na busca pelo bem-estar material.<br />
Os movimentos sociais contemporâneos podem ser divididos em movimentos de interesses<br />
específicos de um grupo social como, por exemplo, o movimento das mulheres e dos negros e, também,<br />
em movimentos de interesses difusos, como a ecologia e o pacifismo. Lutando por causas subjetivas,<br />
esses movimentos buscam emancipação pessoal e não social, por isso, verifica-se certo distanciamento<br />
desses grupos do Estado, dos partidos e dos sindicatos.<br />
Observação<br />
A luta pela reforma agrária sempre foi uma reivindicação que uniu<br />
camponeses. Desde os anos 1980, o Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
Sem Terra (MST) ocupa terras no campo e encontra adeptos em todo o país.<br />
8.4.1 O movimento feminista<br />
No Brasil, os movimentos sociais ganharam evidência no período crítico da ditadura militar, entre<br />
meados dos anos 1970 e 1980. Esses movimentos tiveram como característica a valorização das ações<br />
cotidianas, com forte influência de grupos ligados à igreja e à atuação de intelectuais.<br />
Os movimentos significativos desse período foram o movimento contra a carestia, o movimento<br />
contra o desemprego, o movimento popular de saúde e o movimento pela anistia.<br />
93
Unidade II<br />
94<br />
Há uma tendência em nossa sociedade de criminalizar, em termos éticos ou políticos, os grupos que<br />
se organizam em defesa de seus interesses. Porém, é preciso levar em consideração que esses grupos<br />
buscam transformar um contexto social que se mostra incoerente e opressor frente aos direitos que o<br />
cidadão tem.<br />
O movimento feminista gerou e ainda gera mudanças comportamentais. É um movimento que<br />
desde fins do século XIX apresenta lutas, dinâmicas e desafios e é reconhecido tanto nacional como<br />
internacionalmente por ajudar a mulher a ganhar espaço na sociedade.<br />
Claro está que esse movimento não se desenvolveu isoladamente, alheio ao contexto mundial, mas<br />
esteve presente nas relações com o feminismo latino-americano e com as novas dinâmicas em contextos<br />
mais amplos como o internacional.<br />
Segundo Céli Regina Jardim Pinto (2003), o feminismo teve inicialmente três vertentes:<br />
• A primeira vertente teve como foco o movimento sufragista e, por extensão, a luta pelos direitos<br />
políticos da mulher;<br />
• A segunda vertente do feminismo reuniu uma gama heterogênea de mulheres (intelectuais,<br />
anarquistas e líderes operárias) que, além do direito político, defenderam o direito à educação e<br />
falaram em dominação masculina, abordando temas que eram delicados para a época, tais como<br />
a sexualidade e o divórcio;<br />
• A terceira vertente se manifestou especificamente no movimento anarquista e no Partido<br />
Comunista.<br />
Com o golpe de 1937 no Brasil, houve um longo período de refluxo do movimento feminista que se<br />
estendeu até as primeiras manifestações nos anos 1970. No entanto, isso não significou que, durante<br />
esse longo período, as mulheres não tiveram nenhum papel no mundo público, pelo contrário, houve<br />
momentos importantes de participação da mulher como, por exemplo, o movimento no início da década<br />
de 1950 contra a alta do custo de vida.<br />
O novo feminismo nasceu da ditadura. A emergência do feminismo em pleno governo Médici<br />
determinou que ele surgisse dentro do país e também no exílio. O feminismo no Brasil se fortaleceu com<br />
o evento organizado para comemorar o Ano Internacional da Mulher. Realizado no Rio de Janeiro sob o<br />
título O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira, o evento teve criação do Centro de<br />
Desenvolvimento da Mulher Brasileira.<br />
O ano de 1975 foi também o da organização do Movimento Feminino pela Anistia, fundado por<br />
Terezinha Zerbini. As mulheres exiladas nos Estados Unidos e na Europa voltavam para o Brasil trazendo<br />
uma nova forma de pensar sua condição de mulher: os papéis de mãe, companheira e esposa submissa<br />
e dócil não mais serviam.<br />
Na década de 1980, o movimento feminista enfrentou a redemocratização. A partir de 1985, foram<br />
criadas as delegacias da mulher. Entretanto, o feminismo, as feministas e as delegacias da mulher não
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
resolveram a questão da violência, mas a criação das delegacias foi um avanço na medida em que a<br />
mulher passou a ser reconhecida como vítima de violência.<br />
Na década de 1990, um grande número de Organizações não Governamentais (ONGs) apareceu,<br />
profissionalizando o movimento feminista e marcando uma expressão mais pública do feminismo na<br />
virada do século.<br />
Para refletir: quais são as reivindicações ligadas ao movimento feminista atualmente? Essas<br />
reivindicações estão sendo discutidas pela sociedade? Quais foram as principais conquistas obtidas por<br />
esse movimento?<br />
Podemos afirmar que o movimento feminista desde seu início gerou mudanças<br />
comportamentais e a mulher conquistou espaço tanto em países desenvolvidos como<br />
nos subdesenvolvidos. Essas transformações têm sido objeto de estudo de várias áreas de<br />
conhecimento no mundo.<br />
Figura 49 – Entidades feministas promovem manifestação contra a CPI do Aborto em frente ao plenário da Câmara em Brasília (2008)<br />
Cabe destacar que, historicamente, o movimento feminista recebeu apoio das mulheres da classe<br />
média, pois as mulheres da classe trabalhadora sempre se encontraram submersas na luta pela<br />
sobrevivência. A grande contribuição do movimento feminista é a evocação a valores democráticos e<br />
igualitários.<br />
8.4.2 O movimento ambientalista<br />
Os movimentos sociais que defendem a preservação do meio ambiente ganharam projeção global<br />
no final do século XX. São inúmeros os grupos que se voltam para questões que envolvem toda a<br />
humanidade e atuam internacionalmente, já que as ameaças ao meio ambiente não têm fronteiras.<br />
A ação do movimento ambientalista nas últimas décadas deve-se à ampliação da consciência<br />
ecológica no planeta em meio aos efeitos adversos do desenvolvimento industrial e da sociedade voltada<br />
para o consumo.<br />
95
Unidade II<br />
96<br />
Esse movimento tem estimulado mudanças comportamentais e sociais na população não só no<br />
Brasil, mas no mundo todo. Seus objetivos são planetários, com foco principal na transformação das<br />
relações entre o homem e a natureza.<br />
O movimento ambientalista trabalha a partir da conscientização do homem frente aos prejuízos<br />
causados pela destruição da natureza e, ao mesmo tempo, busca mostrar as vantagens ao preservá-la.<br />
É um movimento que, através de atitudes culturais, tenta indicar os prejuízos causados, por exemplo,<br />
pelas queimadas das florestas e pela poluição dos rios e mares.<br />
Como se sabe, a natureza vem sendo devastada pelo homem há várias gerações. O<br />
capitalismo selvagem estimula o ser humano a praticar ações em nome da ganância pela<br />
riqueza e pelo poder. Essas ações deixam um rastro de destruição dos bens naturais. O<br />
homem passa a queimar florestas inteiras para transformá-las em pastagens, a cortar árvores<br />
para transformá-las em móveis, a transformar rios em depósitos de lixo. Essas atitudes se<br />
enraízam em determinadas culturas, principalmente nos países subdesenvolvidos, já que<br />
estes contam com a ausência de projetos adequados que informem e eduquem a população<br />
em relação à natureza.<br />
O movimento ambientalista faz denúncias em prol da preservação do meio ambiente e<br />
também luta pela manutenção de uma vida humana saudável. Uma das grandes bandeiras do<br />
movimento ambientalista é a luta contra a produção de alimentos transgênicos, por exemplo,<br />
já que considera importante que os consumidores tenham conhecimento sobre os produtos que<br />
compram.<br />
De acordo com a legislação vigente, todos os produtos fabricados com mais de 1% de<br />
organismos geneticamente modificados devem trazer essa informação no rótulo. Isso vale inclusive<br />
para produtos como o óleo, a maionese e a margarina, em que não é possível detectar o DNA<br />
transgênico.<br />
Desse modo, o que podemos afirmar é que determinados problemas sociais estão sendo<br />
apontados por diversos movimentos, com o objetivo de que sejam resolvidos e, assim, seja possível<br />
um melhor entendimento da sociedade, mesmo que seja necessário a mudança de algumas atitudes<br />
culturais.<br />
Castells coloca que:<br />
Estamos entrando em um novo estágio em que a cultura refere-se à<br />
cultura, tendo suplantado a natureza a ponto de a natureza ser renovada<br />
(“preservada”) artificialmente como uma forma cultural: de fato, este é o<br />
sentido do movimento ambiental, reconstruir a natureza como uma forma<br />
cultural ideal (CASTELLS, 1999, p. 573).<br />
Por fim, temos que entender que a preservação da natureza tem que se converter em um fator<br />
cultural e ser inserida no cotidiano até se tornar um hábito.
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
8.5 Movimentos da sociedade em rede<br />
O fenômeno da globalização trouxe para as sociedades contemporâneas a expansão das novas<br />
tecnologias, que influenciaram radicalmente na redefinição dos conceitos entre as fronteiras<br />
espaço-tempo, das formas de ação e de interação e dos formatos de relações sociais com as pessoas<br />
e consigo próprio, o que fez com que se ampliassem as relações dos membros dos movimentos<br />
sociais e fossem amenizados os limites geográficos existentes antes do surgimento dessas novas<br />
mídias.<br />
Hoje, as alternativas com relação à forma de obtenção de informação aumentaram. É possível<br />
acessar qualquer tipo de conteúdo de qualquer lugar do planeta com apenas um pequeno aparelho<br />
celular que cabe em nossas mãos. Atualmente, podemos facilmente adquirir qualquer tipo de<br />
informação que antes era controlada e limitada aos canais tradicionais e às grandes corporações e<br />
instituições.<br />
As novas tecnologias trazem consigo um espaço público que permite novos caminhos para a<br />
interação política, social e econômica, principalmente pelo fato de que, a partir delas, qualquer cidadão<br />
pode assumir simultaneamente uma variedade enorme de papéis – como cidadão, militante, editor,<br />
distribuidor, consumidor etc. –, superando as barreiras geográficas e, até certo ponto, as limitações<br />
econômicas (MACHADO, 2004).<br />
As atuais tecnologias inovadoras possibilitam a ampliação dos modelos com os quais se constroem<br />
as experiências humanas, se percebe a realidade e se organiza um movimento social.<br />
A seguir, algumas características dos movimentos sociais diante das novas tecnologias:<br />
• Proliferação e ramificação: a rapidez e o acesso às novas tecnologias de informação geraram<br />
uma proliferação e uma integração estratégica e eficiente. Novas formas de alianças se basearam<br />
no desejo de participação da comunidade e foram incentivadas pela relação custo-benefício<br />
impostas pelas grandes corporações. Isso fez com que as formas de mobilização, participação<br />
e acesso à informação aumentassem, crescendo inclusive as ramificações dos movimentos<br />
sociais.<br />
• Horizontalidade e flexibilidade: as novas tecnologias promovem maior horizontalidade, na medida<br />
em que diminuem-se as hierarquias, e flexibilidade, pois se produzem nós conectados a um número<br />
imenso de microrredes e eles podem ser instantaneamente ativados.<br />
• Tendência crescentemente em forma de redes: gira em torno de interesses comuns e de alcance<br />
mundial.<br />
• Existência dinâmica ou segundo os fatos: os movimentos que se organizam em torno de<br />
reivindicações específicas e se utilizam das novas tecnologias possuem grande dinamismo, ou<br />
seja, podem se transformar e se expandir a fatos políticos.<br />
• Local físico do movimento: não existe um lugar físico, próprio para encontros ou discussões. Os<br />
encontros geralmente acontecem na rede.<br />
97
Unidade II<br />
98<br />
• Universalismo e particularismo das causas: as causas podem ser universais ou particulares<br />
dentro de um grupo, assim, grupos grandes ou pequenos podem lutar por um mesmo<br />
objetivo.<br />
Podemos afirmar que o uso das novas tecnologias de informação e de comunicação proporciona a<br />
circulação de um grande número de informação. Isso ocasiona grandes mobilizações a partir de centenas<br />
de ligações que vão sendo realizadas na rede.<br />
Novos relacionamentos foram constituídos. Os meios possibilitaram a interação de pessoas em<br />
âmbito local, nacional ou internacional, o que não quer dizer que houve uma unificação dos movimentos<br />
sociais. Segundo Castells:<br />
Os movimentos sociais tendem a ser fragmentados, locais, com objetivo<br />
único e efêmero, encolhido em seus mundos interiores ou brilhando por<br />
apenas um instante em um símbolo da mídia. Nesse mundo de mudanças<br />
confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno<br />
de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais. O<br />
fundamentalismo religioso – cristão, islâmico, judeu, hindu e até budista (o<br />
que parece uma contradição de termos) – provavelmente é a maior força<br />
de segurança pessoal e mobilização coletiva nestes tempos conturbados.<br />
Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca de<br />
identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte<br />
básica de significado social (CASTELLS, 1999, p. 41).<br />
Esses meios de comunicação podem contribuir para a articulação de grupos que portam as mesmas<br />
ideologias e se encontram dispersos pelo planeta, surgindo daí a potencialidade de movimentos sociais<br />
com estruturas globais.<br />
Outra coisa que esses novos meios têm proporcionado é a desterritorialização do espaço público.<br />
Quem trata desse assunto é o pesquisador e filósofo Pierry Lévy (2003). Ele afirma que:<br />
A emergência das comunidades virtuais – gerais ou específicas, comerciais<br />
ou militares, ocasionais ou duráveis – constitui um dos maiores<br />
acontecimentos sociológicos dos cinco últimos anos. Essas comunidades<br />
virtuais podem duplicar comunidades já existentes, tais como empresas,<br />
cidades ou associações, mas podem também se constituir de maneira<br />
original no ciberespaço a partir de uma vontade de comunicação em torno<br />
de “pontos comuns”, quaisquer que sejam, entre internautas (LÉVY, 2003,<br />
p. 372).<br />
Assim, não precisamos mais de um espaço físico definido ou um território, os novos meios permitem<br />
o rompimento de fronteiras e tabus. Já é possível encontrarmos na rede os mais variados assuntos<br />
possíveis: religião, feminismo, homossexualismo, pobreza, exclusão social, abandono, crianças de rua,<br />
deficiência física, meio ambiente, reciclagem, sexo etc. Tornou-se difícil acompanhar o crescimento
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
do fluxo dessas informações, tendo em vista que a cada momento surge um novo grupo, um novo<br />
movimento, uma nova comunidade virtual.<br />
Os movimentos sociais ganharam com as novas tecnologias potencialidades de organização e<br />
mobilização jamais vistas, podendo unir forças, pressionar governos e partidos políticos etc. Ao mesmo<br />
tempo em que conseguem realizar essa pressão, se projetam no espaço social e, ao mostrar maior<br />
transparência, ganham credibilidade.<br />
Maria da Glória Gohn (1997) identifica essa realidade em sua teoria dos movimentos sociais:<br />
O tempo se altera em função dos novos meios de comunicação. A mídia,<br />
principalmente a TV e os jornais da grande imprensa, passa a ser um grande<br />
agente de pressão social, uma espécie de quarto poder, que funciona como<br />
termômetro do poder de pressão dos grupos que têm acesso àqueles meios.<br />
As Organizações Não Governamentais, por sua vez, ganham proeminência<br />
sobre as instituições oficiais quanto à confiabilidade na gerência dos recursos<br />
públicos (GOHN, 1997, p. 296).<br />
Sem dúvida, a grande mídia (rádio, jornal e TV) sempre fez e continua a fazer pressões em relação<br />
aos movimentos sociais, pois existe um dono da emissora e é ele quem disponibiliza a informação<br />
para seu público. Isso ocorre ao passo que a procura pela informação na internet acontece de forma<br />
diferenciada: é o sujeito que vai à informação. Assim, verifica-se a existência de um diálogo entre o<br />
sujeito e o meio de comunicação, ou seja, há uma interatividade, o que não acontece com os meios de<br />
comunicação de massa. A Internet não é mais um meio de comunicação dirigindo-se a muitos, mas<br />
sim a uma comunidade distribuída por toda parte num mundo de ouvintes, espectadores, leitores e<br />
contribuintes.<br />
Podemos afirmar ainda que esse fato se torna mais evidente com o desenvolvimento das mídias<br />
móveis, nas quais as pessoas se comunicam através de dispositivos com sistema de computação e rede<br />
sem fio.<br />
Para refletir: o uso de novas tecnologias de informação pode fortalecer o potencial de globalização<br />
dos movimentos sociais?<br />
Uma das primeiras manifestações proporcionadas pelo avanço das tecnologias de comunicação<br />
ocorreu em 2001, quando o então presidente das Filipinas, Joseph Estrada, foi o primeiro chefe de estado<br />
na história a perder o poder por uma “pequena multidão”.<br />
Mais de um milhão de moradores de Manila, mobilizados e coordenados por uma onda de<br />
mensagens de texto disparadas pelo site People Power, afrontaram o regime com manifestações<br />
pacíficas. Dezenas de milhares de filipinos convergiram para a avenida Epifanio de Los Santos,<br />
conhecida como Edsa, uma hora após a primeira mensagem de texto ter sido lançada com os dizeres:<br />
“Vá para Edsa. Use preto”.<br />
99
Unidade II<br />
Durante quatro dias, mais de um milhão de cidadãos apareceram vestidos de preto na avenida.<br />
Estrada caiu. A lenda da “geração txt” tinha nascido. Derrubar um governo sem disparar um único tiro<br />
era uma demonstração prematura e momentânea do surgimento do comportamento smart mobs.<br />
Outra demonstração da força dessa mobilização foi em 2004, na cidade de Madri, depois da explosão<br />
de uma bomba no metrô espanhol. Mais de 5 mil pessoas reuniram-se espontaneamente às 6h da tarde<br />
de sábado em frente ao quartel general do Partido Popular, do governo, protestando contra o que eles<br />
achavam ser uma falta de transparência na investigação sobre o bombardeio nos trens na estação de<br />
Atocha. Como é muito comum hoje em dia, o protesto foi mobilizado em questão de horas usando SMS<br />
e e-mails.<br />
Para André Lemos (2004), as tecnologias móveis de comunicação são fenômenos de massa e se<br />
caracterizam por serem:<br />
• Abertas: tendem a crescer e nelas reina a igualdade;<br />
• Rítmicas: acontecem por convocação via SMS, e-mails, blogs, Internet sem fio etc.;<br />
• Rápidas: para o autor, o uso das novas tecnologias de conexão sem fio tende a aumentar a<br />
formação de massas ou multidões abertas.<br />
Outro elemento favorável à formação de movimentos sociais via rede fixa ou móvel é a oportunidade<br />
de compartilhar recursos e conhecimentos entre os vários membros ou entre os grupos ao redor do<br />
mundo. Dessa forma, as pessoas podem estar em qualquer lugar do mundo e participar de conferências<br />
e reuniões e discutir assuntos com vários grupos, o que facilita a comunicação entre os membros dos<br />
movimentos e agiliza as reivindicações.<br />
Observação<br />
A ATACC, associação francesa que defende a cobrança de impostos<br />
sobre a movimentação de capitais — já que estes entram e saem livremente<br />
dos países e causam instabilidades econômicas —, ganhou projeção global<br />
divulgando sua causa pela Internet e angariando adeptos do mundo<br />
inteiro.<br />
O uso e a apropriação da rede para fins sociais têm trazido grandes benefícios aos movimentos<br />
sociais, tais como quebra do isolamento, propagação de lutas particulares, maior presença através da<br />
rede e maior interação e coordenação tanto entre seus membros como com outras redes e movimentos<br />
sociais. Isso gerou a universalização de singularidades.<br />
Segundo Lévy:<br />
100<br />
(...) as singularidades locais universalizam-se e todos os pontos de vista<br />
estão virtualmente presentes em cada ponto da rede. O novo espaço público
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
constrói um território de natureza semântica. A “posição” neste território<br />
virtual vai se tornar determinante, relativizando progressivamente o papel<br />
da situação ou da proveniente geografia. As distâncias e proximidades<br />
semânticas marcam-se através de senhas, de laços hipertextuais, de conexões<br />
entre comunidades virtuais, de trocas de informações, de densidades de<br />
inteligência coletiva (LÉVY, 2003, p. 373).<br />
Podemos dizer que esses novos meios de comunicação se converteram em um espaço público<br />
fundamental para uma nova socialização, espaço este que fundamenta caminhos inovadores para as<br />
interações, especialmente entre os membros dos grupos sociais.<br />
Professor da Escola de Artes, <strong>Ciências</strong> e Humanidades (EACH) da USP, Jorge Alberto S. Machado<br />
(2004) afirma que está se formando um espaço público importantíssimo que propicia a interação<br />
política:<br />
8.6 Os novos movimentos sociais<br />
A rede converteu-se em um espaço público fundamental para o<br />
fortalecimento das demandas dos atores da sociedade civil, que<br />
conseguem contornar a desigualdade de recursos para ampliar o alcance<br />
de suas ações e desenvolver estratégias de luta mais eficazes (MACHADO,<br />
2004, s. p.).<br />
Nos séculos XIX e XX, os movimentos sociais estavam ligados à ideologia marxista que propunha<br />
a ação da classe trabalhadora em sindicatos e partidos políticos empenhados na transformação das<br />
relações capitalistas de produção.<br />
Com o crescente processo de internacionalização das sociedades a partir da segunda metade do<br />
século XX, os valores de diferentes grupos se interpenetraram e o resultado foi a organização de novos<br />
movimentos sociais.<br />
A variedade de movimentos e de orientações indica a tendência de proliferação de movimentos<br />
voltados para a mudança de valores, como os movimentos homossexuais, antirracistas e<br />
pacifistas.<br />
Com a divisão dos movimentos sociais entre os que querem manter a ordem e os que buscam a<br />
emancipação, verifica-se que estes exercem maior influência na sociedade. Como exemplo, citamos o<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Comitê em Defesa dos Direitos Humanos, o<br />
Fórum Social Mundial, o movimento hippie e o movimento estudantil.<br />
Santos (2001) analisa que os novos movimentos sociais atuam em estruturas descentralizadas, não<br />
hierárquicas e fluídas. Daí a preferência por uma ação política não institucional e dirigida à opinião<br />
pública com vigorosa utilização dos meios de comunicação de massa.<br />
101
Unidade II<br />
Para refletir: qual é o principal alvo dos novos movimentos sociais? As utopias sociais de “preparar<br />
o amanhã da felicidade” acabaram?<br />
Características dos novos movimentos sociais:<br />
• Direito à identidade;<br />
• Democratização de acesso aos mecanismos decisórios da política;<br />
• Autonomia e autogestão das unidades sociais de base;<br />
• Atuação independente dos partidos políticos.<br />
Temos exemplos recentes de movimentos que agem em busca da emancipação pessoal, como é o caso da<br />
mobilização de homossexuais na cidade de São Paulo. Desse modo, ao terem a luta cultural como primazia,<br />
os novos movimentos sociais se voltam para a sociedade como um todo e adquirem um caráter difuso.<br />
Figura 50 – Manifestantes reivindicam a aprovação do projeto que criminaliza a homofobia durante a Parada Gay de Brasília (2008)<br />
102<br />
Resumo<br />
A globalização é um fenômeno contemporâneo que possibilita diversos<br />
ângulos de análise: social, econômico, político, cultural e tecnológico.<br />
Sob a perspectiva tecnológica, ocorreram transformações de grande<br />
alcance nas áreas de microeletrônica e microbiologia, por exemplo, e esse<br />
desenvolvimento possibilitou mudanças significativas na área educacional<br />
e cultural e também na organização do trabalho nas organizações.<br />
A cultura encontrou horizontes de universalização: o que era local se<br />
tornou global e o que era nacional pôde tornar-se mundial.
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
A globalização se manifesta em várias frentes, afetando as grandes e<br />
pequenas empresas, os indivíduos e os movimentos sociais.<br />
Vimos que as relações de trabalho sofreram profundas alterações a<br />
partir dos anos 1980 do século XX. Ocorreram mudanças na composição<br />
da classe trabalhadora urbana e rural, houve considerável aumento<br />
da participação feminina no mercado de trabalho e se manteve a<br />
continuidade dos fluxos migratórios, que fazem do camponês um<br />
trabalhador urbano.<br />
As grandes inovações tecnológicas conduziram a modificações<br />
dos padrões de gestão das organizações, o que gerou como<br />
consequência o crescimento do número de trabalhadores<br />
terceirizados, freelancers e outros. Desse modo, houve a ampliação<br />
do trabalho informal, ou seja, do trabalho sem registro e sem<br />
direitos trabalhistas reconhecidos.<br />
Como aponta a OIT, as transformações mencionadas anteriormente<br />
contribuíram para o aumento do trabalho precário e da incidência da<br />
escravidão contemporânea.<br />
Os conflitos sociais e xenofóbicos se intensificaram e expuseram à<br />
sociedade os problemas do desenvolvimento econômico sem a geração de<br />
empregos.<br />
A concentração populacional nas áreas urbanas formou os bairros<br />
periféricos nas grandes cidades, o que conduziu à perda da qualidade de<br />
vida da população mais pobre e propiciou, também, a organização dos<br />
movimentos sociais.<br />
Os movimentos sociais foram aqui compreendidos como todos<br />
aqueles com um projeto, objetivos e metas. Uma das características<br />
dos movimentos sociais é que seus membros partilham uma mesma<br />
visão de mundo, o que define o sentido de suas lutas. Assim, todo<br />
movimento social pressupõe certa organização.<br />
Na atualidade, os chamados novos movimentos sociais possuem<br />
caráter difuso e reivindicações de âmbito cultural. Do ponto de vista<br />
político, eles se afastam dos partidos e lutam pela transparência na<br />
gestão pública, pela autonomia e pela autogestão.<br />
103
Unidade II<br />
Saiba mais<br />
O site do Observatório das Metrópoles é interessante para pesquisar as<br />
configurações atuais dos grandes conglomerados urbanos. Acesse: .<br />
Ainda, o texto e os filmes indicados a seguir servem de maior<br />
aprofundamento para seus estudos:<br />
Texto:<br />
PAIÃO, C. Quando a cidade é mais que inspiração, é ação. ComCiência.<br />
Campinas, n. 125, fev. 2011. Seção Reportagens. Disponível em . Acesso em: 15 mar. 2011.<br />
Filmes:<br />
CIDADE de Deus. Dir. Fernando Meireles. Brasil/Alemanha/França. 2002.<br />
130 min.<br />
EM NOME do Pai. Dir. Jim Sheridan. Irlanda/Inglaterra/Estados Unidos.<br />
1992. 123 min.<br />
MISSISSIPI em Chamas. Dir. Alan Parker. Estados Unidos. 1988. 128<br />
min.<br />
NOTÍCIAS de uma guerra particular. Dir. João Moreira Sales. Brasil. 1999.<br />
56 min.<br />
O SIGNO da cidade. Dir. Carlos Alberto Ricelli. Brasil. 2007. 95 min.<br />
104<br />
Exercícios<br />
Questão 01. Eric Hobsbawn (2007) afirma que:<br />
“A globalização de estilo laissez-faire dos últimos 20 anos cometeu o mesmo erro. Ela foi obra de<br />
governos que sistematicamente removeram todos os obstáculos que se lhe antepunham, seguindo os<br />
conselhos dos economistas mais influentes, autorizados e tecnicamente competentes. Depois de 20<br />
anos sem prestar atenção nas consequências sociais e humanas de um capitalismo global incontido, o
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
presidente do Banco Mundial chegou à conclusão de que, para a maior parte da população mundial, a<br />
palavra “globalização” sugere medo e insegurança em vez de oportunidade e inclusão. Até Alan Greenspan<br />
e o secretário do Tesouro Nacional dos Estados Unidos, Larry Summers, concordam em que a “antipatia<br />
à globalização é tão profunda” que o recuo das políticas de mercado e o retorno ao protecionismo são<br />
possibilidades reais” (HOBSBAWN, 2007, pp. 110-111).<br />
A partir da leitura feita, considere as afirmativas abaixo:<br />
I – Em alguns países, a globalização pode provocar a perda de postos de trabalho porque os produtos<br />
industrializados vindos de outros países são mais baratos do que os produzidos no próprio país.<br />
II – A globalização é sempre um momento de impulso econômico e cultural, já que vários povos<br />
diferentes podem compartilhar seus meios de produção e suas formas de expressão artística.<br />
III – A globalização enfraquece o Estado, pois este passa a ter importância secundária perante o<br />
poder e perante os interesses econômicos de grandes corporações empresariais que realizam<br />
negócios em muitos países do mundo.<br />
IV – A globalização é um fenômeno que marca o fim da produção nacionalizada e a busca por total<br />
integração econômica e política entre as diversas nações.<br />
V – A globalização econômica repercute apenas em países industrializados que necessitam da<br />
exportação como meio de obtenção de recursos. Os países de produção agrícola muito forte,<br />
como o Brasil e a China, sentem menos os impactos desse processo.<br />
Assinale a alternativa que contém a(s) afirmativa(s) correta(s):<br />
A) II e IV.<br />
B) I e II.<br />
C) I e IV.<br />
D) III e V.<br />
E) I e III.<br />
Resposta correta: alternativa E.<br />
Análise das alternativas:<br />
A) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: a alternativa II está incorreta porque a globalização nem sempre se forma em um<br />
momento de impulso econômico e cultural, até porque os aspectos culturais dificilmente estão em<br />
questão: o importa são os aspectos econômicos. A alternativa IV, por sua vez, está incorreta porque todos<br />
105
Unidade II<br />
106<br />
os países do mundo sofrem as consequências da globalização, ou seja, tanto os países que têm economia<br />
fortemente ancorada na produção agrícola como aqueles que têm sua economia baseada principalmente<br />
na produção industrial sofrem em maior ou em menor escala os efeitos da globalização.<br />
B) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: a alternativa B apresenta a afirmativa II como correta.<br />
C) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: a alternativa C apresenta a afirmativa IV como correta.<br />
D) Alternativa incorreta.<br />
Justificativa: a alternativa V está incorreta porque, independentemente de uma economia agrícola<br />
ou industrializada, os países lidam com os resquícios da globalização.<br />
E) Alternativa correta.<br />
Justificativa: a afirmação I está correta porque há diferenças de domínio tecnológico entre os<br />
diferentes países do mundo, o que permite que a produção de alguns bens seja feita de forma mais<br />
barata em um lugar do que em outro, provocando, portanto, maior facilidade de exportação e importação<br />
e, consequentemente, menor número de postos de trabalho nos países importadores de produtos<br />
industrializados. A afirmação III está correta porque o Estado sofre um decréscimo em sua importância<br />
com a globalização, isso porque as empresas de projeção internacional passam a ser protagonistas de<br />
importantes decisões econômicas, principalmente no que diz respeito à geração de emprego e renda,<br />
deixando, assim, um papel menor para o Estado, que passa a se ocupar apenas da regulação da ordem<br />
econômica.<br />
Questão 02. Em artigo publicado na revista Filosofia, o professor Renato Janine Ribeiro afirma<br />
que:<br />
“O que é então a democracia? Qual a sua vantagem? A vantagem é a transparência. Vários já disseram<br />
que o melhor detergente para a corrupção é tornar transparentes os atos do governo. Quando vieram a<br />
público os gastos indevidos com cartões corporativos, vários detentores de cargos tiveram de se demitir.<br />
Mas, essencialmente, a democracia é o poder do povo. O povo somos todos nós, virtuosos ou não,<br />
competentes ou não. Parodiando o título do romance de Robert Musil, na democracia cada eleitor é um<br />
“homem sem qualidades” – negativas ou positivas. Eu não preciso passar por nenhuma prova para votar.<br />
Posso, claro, ser privado do voto se cometer crimes, como sucede em muitos países – mas, para adquirir<br />
o direito de votar, nada se exige, além da nacionalidade e da idade. Todos somos iguais, portanto, na<br />
urna” (RIBEIRO, 2010).<br />
A partir do trecho, podemos afirmar que, para ser forte e efetiva e, com isso, angariar a credibilidade<br />
da população, uma democracia precisa de:
CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
A) Partidos políticos bem estruturados que façam a mediação política entre o Estado e a sociedade.<br />
B) Candidatos com alto grau de carisma que possam levar a população a acreditar em suas propostas<br />
de atuação legislativa ou executiva.<br />
C) Grande quantidade de partidos políticos que representem todas as diferenças existentes na<br />
sociedade.<br />
D) Um governo executivo composto por ministros que tenham credibilidade internacional para que<br />
as relações brasileiras com os demais países do mundo se façam de forma igualitária.<br />
E) Pessoas capazes de orientar o povo para decidir como votar, de modo a garantir que sejam eleitos<br />
aqueles cujas campanhas sejam as mais bem preparadas.<br />
Resolução desta questão na Plataforma.<br />
107
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES<br />
Figura 01<br />
J0234687.GIF. Largura: 126 pixels. Altura: 76 pixels. 3,33 KB. Formato: GIF. Disponível em . Acesso em: 27 jun. 2011.<br />
Figura 02<br />
APPLE.GIF. Largura: 138 pixels. Altura: 133 pixels. 1,19 KB. Formato: GIF. Disponível em . Acesso em: 27 jun. 2011.<br />
Figura 03<br />
IMGP2000.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 04<br />
TIZIANO, V. G. Adán y Eva (1628-1629). 1 pintura (óleo sobre tela). Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2011.<br />
Figura 05<br />
MICROSCOPE-FREE-MICROSOFT-CLIPART.JPG. Largura: 160 pixels. Altura: 256 pixels. 23 KB. Formato:<br />
JPEG. Disponível em . Acesso em: 27 jun. 2011.<br />
Figura 06<br />
MB900229913.JPG. Largura: 192 pixels. Altura: 192 pixels. 6,88 KB. Formato: JPEG. Disponível em<br />
. Acesso em: 28 fev. 2011.<br />
Figura 08<br />
54550FCA671F8050A14B66DEEF7D.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 09<br />
3C00795R.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
108
Figura 10<br />
FREEDOM_1_70106.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 11<br />
X-RAY.JPG. Largura: 225 pixels. Altura: 193 pixels. 9,13 KB. Formato: JPEG. Disponível em . Acesso em: 27 jun. 2011.<br />
Figura 12<br />
BANDEIRA DO BRASIL.JPG. Largura: 900 pixels. Altura: 630 pixels. 39,97 KB. Formato: JPEG. Disponível<br />
em . Acesso em: 18 mar. 2011.<br />
Figura 13<br />
JONES, A. Patrick Henry before the Virginia House of Burgesses May 30. Formato: JPEG. Disponível em:<br />
. Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 14<br />
3C17942R.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 15<br />
MED_1133404853-316.JPG. Largura: 640 Altura: 480 pixels. 73,4 KB. Formato: JPEG. Disponível em<br />
. Acesso em: 08 maio 2011.<br />
Figura 16<br />
CHIMNEYS-SKYLINE-POLLUTION-439221-L.JPG. Largura: 1.024 pixels. Altura: 719 pixels. 1,8 MB.<br />
Formato: JPEG. Disponível em .<br />
Acesso em: 08 maio 2011.<br />
Figura 18<br />
DURKHEIM.JPG. Largura: 150 pixels. Altura: 200 pixels. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
109
Figura 19<br />
DARWIN_EVOLUCAO_2.JPG. Largura: 351 pixels. Altura: 248 pixels. 11,17 KB. Formato: JPEG. Disponível<br />
em . Acesso em:<br />
27 jun. 2011.<br />
Figura 20<br />
DIAS, W. As Forças Armadas ocupam o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, para garantir a<br />
segurança durante as eleições municipais. 2008. 1 fotografia, color. Agência Brasil. Disponível em:<br />
. Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 22<br />
TOMPKINS-SQUARE-PARK-440839-O.JPG. Largura: 1.024 pixels. Altura: 745 pixels. 181,33 KB.<br />
Formato: JPEG. Disponível em .<br />
Acesso em: 08 maio 2011.<br />
Figura 23<br />
DELANO, J. Working with a small steam drop hammer at the blacksmith shop in the Santa Fe R.R.<br />
shops, Topeka, Kansas. 1943. 1 transparência, color. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011.<br />
Figura 24<br />
LIFEBOAT-SHIP-DECK-440101-O.JPG. Largura: 1.024 pixels. Altura: 745 pixels. 125,87 KB. Formato:<br />
JPEG. Disponível em . Acesso em: 08.maio 2011.<br />
Figura 25<br />
82KM1.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 3 mai. 2011.<br />
Figura 26<br />
ATHENE-5J44W6VDRJ82DVWTD0W_LAYOUT.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: .<br />
Acesso em: 9 mai. 2011.<br />
110
Figura 28<br />
HINE, L. W. Twister in Weave Room - arranging threads. Thomas Burns, 14 years, 447 Kilburn St. Not<br />
a minor’s occupation. Occupation usually done by adult. Boy was taught by his father. Wage $8.71.<br />
1916. 1 fotografia, colorida (sépia). Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 3 mai. 2011.<br />
Figura 29<br />
CASAL JR, M. Antigo gueto negro na época do apartheid, Soweto é exemplo de desigualdades sociais<br />
na África do Sul. 2010. 1 fotografia, color. Disponível em: . Acesso<br />
em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 30<br />
ITALY-ITALIA-QUIRINAL-440191-O.JPG. Largura: 1024 pixels. Altura: 749 pixels. 240,53 KB. Formato:<br />
JPEG. Disponível em . Acesso em: 12 maio 2011.<br />
Figura 31<br />
MH900433107.JPG. Largura: 325 pixels. Altura: 325 pixels. 8,96 KB. Formato: JPEG. Disponível em<br />
. Acesso em: 03 fev. 2011.<br />
Figura 32<br />
BOOKS2_XENIA.JPG. Formato: JPEG. 1 fotografia, color. Disponível em: .<br />
Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 33<br />
CRUZ, A. Cerca de 20 mil trabalhadores, estudantes e integrantes de movimentos populares de todo<br />
o País realizam protestos contra a política econômica do governo. Brasília, 2011. 1 fotografia, color.<br />
Disponível em: . Acesso em: 9 set. 2011.<br />
Figura 34<br />
BAIN NEWS SERVICE. Geneva, St. Pierre Cathedral. Formato: JPEG. 1 fotografia (negativo), p&b.<br />
Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
111
Figura 35<br />
CAMPANATO, V. Funcionários da Calçados Pricawi trabalham na linha de produção. 2006. 1 fotografia,<br />
color. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 36<br />
MAYFACTORYWORKERSTHS.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 37<br />
CASAL JR, M. Marcha de abertura do 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. 2005. 1 fotografia,<br />
color. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 38<br />
MPR.JPG. Largura: 1.050 pixels. Altura: 619 pixels. 378,23 KB. Formato: JPEG. Disponível em . Acesso em: 22 fev. 2011.<br />
Figura 39<br />
POZZEBOM, F. R. Operadores da bolsa de valores num dia de forte queda no mercado de ações do<br />
Brasil e do mundo. 2008. 1 fotografia, color. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 40<br />
SHINJUKU060730DYSN59.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 3<br />
jul. 2011.<br />
Figura 41<br />
PALMER, A. T. Dina Hotard operating mortice machine in joiner shop. 1943. 1 fotografia, p&b. Disponível<br />
em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Figura 42<br />
SUGARCANE-CROPS-FARMER-439405-O.JPG. Largura: 1024 pixels. Altura: 728 pixels. 237,59 KB.<br />
Formato: JPEG. Disponível em .<br />
Acesso em: 03 maio 2011.<br />
112
Figura 43<br />
IMAGE_12. Largura: 221 pixels. Altura: 336 pixels. 16,2 KB. Formato: JPEG. Disponível em . Acesso em:<br />
28 fev. 2011.<br />
Figura 44<br />
POLITICS_PROTEST_CORPORATION_17507_L.JPG. Largura: 1.024 pixels. Altura: 844 pixels.<br />
253,74 KB. Formato: JPEG. Disponível em . Acesso em: 03 maio<br />
2011.<br />
Figura 45<br />
URNA-ELETRONICA-MAO-407.JPG. Largura: 407 pixels. Altura: 276 pixels. 34 KB. Formato: JPEG.<br />
Disponível em .<br />
Acesso em: 08 mar. 2011.<br />
Figura 46<br />
BHZ_SLUM_QUARTER_01.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 3<br />
jul. 2011.<br />
Figura 47<br />
MULTIMÍDIA/AGÊNCIA BRASIL. Mapa da violência no Brasil. Formato: JPEG. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2010.<br />
Figura 48<br />
ITALY-ITALIA-QUIRINAL-440191-O.JPG. Largura: 1.024 pixels. Altura: 749 pixels. 240,53 KB. Formato:<br />
JPEG. Disponível em . Acesso em: 03 maio 2011.<br />
Figura 49<br />
CRUZ, J. Entidades feministas promovem manifestação contra a CPI do Aborto, em frente ao<br />
plenário da Câmara. 2009. 1 fotografia, color. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
113
114<br />
Figura 50<br />
POZZEBOM, F. R. Manifestantes protestam, durante a Parada Gay de Brasília, contra a prisão, pelo<br />
Exército, do sargento Lacy Araújo e pedem a aprovação do projeto que criminaliza a homofobia. 2008.<br />
1 fotografia, color. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2011.<br />
Audiovisuais<br />
REFERÊNCIAS<br />
1492 – A conquista do Paraíso. Dir. Ridley Scott. Espanha/França/Inglaterra. 1992. 150 min.<br />
A CLASSE operária vai ao Paraíso. Dir. Elio Petri. Itália. 1971. 126 min.<br />
A CORPORAÇÃO. Dir. Mark Akbar. Canadá. 2002. 145 min.<br />
A ILHA das flores. Dir. Jorge Furtado. Brasil. 1989. 13 min.<br />
A REVOLUÇÃO dos bichos. Dir. John Stephenson. Inglaterra. 1999. 89 min.<br />
ADEUS Lênin. Dir. Wolfgang Becker. Alemanha. 2002. 117 min.<br />
AS LOUCURAS de Dick e Jane. Dir. Dean Parisot. Estados Unidos. 2005. 90 min.<br />
BABEL. Dir. Alejandro G. Iñarritu. Estados Unidos/México. 2006. 143 min.<br />
BRAZIL, o filme. Dir. Terry Gilliam. Inglaterra. 1985. 124 min.<br />
CASANOVA e a revolução. Dir. Ettore Scola. Itália. 1982. 121 min.<br />
CIDADE de Deus. Dir. Fernando Meireles. Brasil/Alemanha/França. 2002. 130 min.<br />
CORONEL Delmiro Gouveia. Dir. Geraldo Sarno. Brasil. 1978. 90 min.<br />
DAENS: um grito de justiça. Dir. Stinjn Coninx. Holanda/França/Bélgica. 1992. 138 min.<br />
DANTON: o processo da revolução. Dir. Andrzej Wajda. França. 1982. 131 min.<br />
EM NOME de Deus. Dir. Stealin Heaven. Estados Unidos. 1988. 108 min.<br />
EM NOME do Pai. Dir. Jim Sheridan. Irlanda/Inglaterra/Estados Unidos. 1992. 123 min.<br />
ENCONTRO com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá. Dir. Silvio Tendler. Brasil. 2006. 90 min.
GERMINAL. Dir. Claude Berri. França. 1983. 158 min.<br />
JOANA D’Arc. Dir. Luc Besson. França. 1999. 158 min.<br />
LADRÕES de bicicleta. Dir. Vitório de Sica. Itália. 1948. 90 min.<br />
MARIA Antonieta. Dir. Sofia Coppola. Estados Unidos/França. 2006. 123 min.<br />
MISSISSIPI em Chamas. Dir. Alan Parker. Estados Unidos. 1988. 128 min.<br />
NOTÍCIAS de uma guerra particular. Dir. João Moreira Sales. Brasil. 1999. 56 min.<br />
O ANO em que meus pais saíram de férias. Dir. Cão Hambúrger. Brasil. 2006. 106 min.<br />
O CHEIRO do ralo. Dir. Heitor Dahlia. Brasil. 2007. 112 min.<br />
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