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Benedito Bacurau - O pássaro que não nasceu de um ovo

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sonho que tive na noite anterior. Heureca! Assim como eu havia tido o

privilégio de ver a Terra nascendo a partir de um cais na Lua, eu precisava mais

era aproveitar aquela iluminação bacuralesca para estimular o Lucas, na

fantasia dos seus três e poucos anos, a participar diretamente da composição

da música de aniversário da escolinha.

Canta, canta, canta

Canta, cantador

Canta todo mundo

Canta meu amor

Perguntei: “Filho, se a gente fosse fazer uma música bem legal para o

aniversário da sua escola, o que você gostaria de colocar na letra?”. Ele disse:

“Casa de bebê...”. E comentou em seguida que se referia à parte de creche na

qual era acolhido o seu irmão Artur.Anotei no guardanapo e pronunciei um

“Ah, que bom. Essa música vai ficar linda!”. Ele foi falando, falando e eu

anotando, anotando... Alguns motivos eu captei na hora, como o que falava de

um sino suspenso na parte externa do restaurante situado nas proximidades da

escola e que ele costumava bater escondido para, em seguida, cheio de bemhumorada

inocência, ter o prazer de informar ao segurança que tinha sido

o vento. Teve outras imagens cuja origem demorei a encontrar, como a do

beija-flor de plástico que vive a dançar permanentemente pendurado pelo bico

em um nicho de jardim, localizado na entrada da escola. O certo é que tudo

o que o Lucas disse saiu, para virar música, como um entendimento espontâneo

da sua principiante vida escolar.

É difícil pensar como seria esse desfecho caso eu tivesse seguido por um

caminho diferente. Foi certamente a serenata de silêncio profundo, com a qual

através do sonho do bacurau venerei a Terra a partir de um pequeno cais

lunar, que me levou a perceber o tanto que cabe a uma criança a preferência

de compor a música da sua própria escola. Sinto-me feliz por ter descoberto

o prazer de participar da aventura galante de compor uma música assim, tão

largada, tão simples e poética na expressão dos sentimentos infantis. Digo isso,

porque no dia da festa, ao observar as crianças cantando o nosso xote

romanesco, tive a sensação de estar revendo o mesmo bando de bacuraus que

lá da Lua pude ver rondando a Terra. E certamente estava.

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