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Flavio Paiva ao
lado de
cupinzeiro nas
barrancas do rio
Cupim.
Flávio
Paiva
As casas de cupim sempre me fasci -
naram. Quando era menino, olhava
aqueles mundurus de todos os tamanhos
espalhados no meio dos matos, no chão
e nos galhos das árvores, como quem
olha para um planeta distante, algo de
outra galáxia. Isso quando eu morava
em Independência, no interior do Ceará,
onde nasci no ano de 1959, e gostava de
brincar no rio Cupim, que é o nome do
rio da cidade. Depois, quando fiquei ado -
les cente, mudei-me para estudar e trabalhar
em Fortaleza. Os prédios e mais prédios,
com suas janelas e formas verticais,
pareciam cupinzeiros gigantes para mim,
com seus conjuntos arquitetônicos cheios
de furinhos. Notei que nós, humanos, e
os cupins temos muito em comum,
sobretudo quan do nos unimos em arte e
natureza. Alguns lugares do mundo têm
edificações or gânicas que comprovam o
que estou dizendo. É o caso da Grande
Mesquita de Djenné, no Mali; das casas
incrustadas nas rochas da Capadócia, na
Turquia; das pirâ mides de barro de
Trujillo, no Peru, e do Templo da Sagrada
Família, em Barcelona, na Espanha.
www.flaviopaiva.com.br
Foto: Lucas Paiva
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Flávio Paiva
A casa do
meu melhor
amigo
Tati Móes
ilustrações
1 a edição
2010
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© 2010 texto Flávio Paiva
ilustrações Tati Móes
© Direitos de publicação
CORTEZ EDITORA
Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes
05014-000 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290
cortez@cortezeditora.com.br
www.cortezeditora.com.br
Direção
José Xavier Cortez
Editor
Amir Piedade
Preparação
Alessandra Biral
Revisão
Alessandra Biral
Fábio Justino de Souza
Rodrigo da Silva Lima
Edição de arte
Mauricio Rindeika Seolin
Assistente de arte
Carolina Regonha Suster
Impressão
EGB – Editora Gráfica Bernardi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Paiva, Flávio
A casa do meu melhor amigo / Flávio Paiva; Tati Móes, ilustrações. –
1. ed. – São Paulo: Cortez, 2010.
ISBN 978-85-249-1661-8
1. Literatura infantojuvenil I. Móes, Tati. II. Título.
10-10887 CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infantil 028.5
2. Literatura infantojuvenil 028.5
Impresso no Brasil – outubro de 2010
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À minha família,
por essa incrível aventura.
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Sumário
I – A casa de comer ....................................................................................... 6
II – O silêncio do olho mágico ................................................ 15
III – Boa noite, nuvem .............................................................................. 21
IV – Beco dos manos ................................................................................ 30
V – Tudo é música ............................................................................................ 44
VI – Tempo ...................................................................................................................... 52
VII – MultiPower ................................................................................................... 58
VIII – Basta .......................................................................................................................... 66
IX – A relíquia de pano .............................................................................. 76
X – Os amigos alados ................................................................................ 84
Sobre as músicas e o CD ............................................................................. 94
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I
A casa de comer
Todos os meninos da minha idade já tinham dormido
pelo menos uma vez na casa de um amigo. Era
comum ouvir suas histórias. Ainda hoje me recordo das
mais curiosas e das mais engraçadas, aquelas que falavam
de famílias bem diferentes da minha e aquelas que faziam
referência a situações de medo.
Eu tinha quase 12 anos e também já havia passado
tanto pela experiência de dormir fora quanto pela de ter recebido
o meu melhor amigo para dormir na minha casa,
6
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mas nunca tinha tido a coragem de contar minhas aventuras.
É que não havia sido uma experiência muito comum e
eu tinha receio de que ninguém fosse acreditar.
E realmente ninguém acreditou no dia em que resolvi
contar da minha amizade com o Rhino, um cupim
que virava menino, e de como eu também virei cupim e
convivi com uma família que comia a própria casa. A vida
é assim, cada um de nós tem a sua história e eu não podia
negar a minha.
Tudo começou no dia em que, ao chegar bem cedo à
escola, como eu sempre chegava, antes de ir para a sala de
aula, passei na biblioteca para deixar uns livros e pegar outros.
Notei que ao lado da minha estante favorita havia um
montinho de grãos no chão, que davam a impressão de
terem caído de uma ampulheta invisível. Abaixei-me e comecei
a pegar aquele material granulado com as mãos,
quando escutei uma voz:
– Gosta de brincar com cocô, meu caro?
– Como? – respondi com uma pergunta, para ganhar
tempo.
Assustado, olhei para todos os lados e não vi nenhuma
pessoa perto de mim. Encarei a tela que estava na parede,
com a sensação de que a voz tinha saído de dentro dela. Era
um quadro de natureza, com a imagem de um robusto
tronco de árvore sustentando leves folhas lilases e azuis, que
fosforesciam entre réstias de luz solar.
Por alguns segundos observei aquele quadro e só descobri
que ele me impunha um silêncio enigmático. Passou.
7
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Peguei um livro e, enquanto o folheava, ouvi novamente a
estranha voz:
– Esse livro é bom, tem uma lagarta que tem filhos que
são borboletas... ou é uma borboleta que tem filhos que são
lagartas? Não lembro bem.
– Como você sabe? – indaguei, olhando para o quadro.
– Li tudo. E gostei – respondeu a voz sinistra, sem titubear.
Bom, eu já estava me atrasando. Aceitei a sugestão e
fui para a sala de aula. No caminho, encontrei a sra. Nair,
a infalível caçadora de todo tipo de praga que pudesse
aparecer na escola. Ela vinha com um aspirador em uma
mão e uma bomba de inseticida na outra. Passou por mim
falando sozinha:
– Vou descobrir de onde vem aquele pó de cupim ou
não me chamo Nair.
Essas palavras aguçaram a minha curiosidade e eu resolvi
seguir a sra. Nair para verificar se aquele resmungado
tinha a ver com o que eu estava pensando. Ela entrou na biblioteca
e foi direto para o lugar onde eu havia visto o montinho
de grãos. Aspirou tudo e borrifou veneno por toda a
estante. Em seguida, colocou um aviso: “Interditada”. E saiu,
com a mesma pressa que tinha chegado.
Senti que não ficara sozinho na sala. E realmente eu
não tinha ficado só. Logo atrás de mim, o Mané, que era
um garoto fortão, que só falava em jogos eletrônicos chapa
quente e que perseguia quem gostava de ler, me abordou:
– E aí, Bento, continua com essa besteira de ler livros?
Não viu que a estante está interditada?
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– Estou vendo, sim, mas quando eu peguei o livro a
sra. Nair ainda não tinha colocado o veneno.
– É você quem está dizendo. Eu não acredito. Acho
melhor você devolver o livro para a prateleira. Ele vai fazer
mal a você.
– Não precisa, Mané, obrigado.
– Não interessa se precisa ou não precisa, seu lesado,
eu estou dizendo para você colocar essa porcaria na estante
e você vai colocar. Entendido?
– Desculpa, Mané, mas eu não vou fazer isso.
O Mané era bem maior que eu. Todo mundo dizia que
ele tinha um soco potente. E era verdade. Ele partiu para
cima de mim e me bateu. Reagi como pude, mas na nossa
luta ele rasgou o livro todinho. Por fim, bateu as mãos uma
na outra, me deu um chute nas costas e saiu.
– Você foi corajoso, garoto. Não podemos deixar que
os mais fortes, apenas por serem mais fortes, mandem em
nós – voltou a se pronunciar a voz misteriosa do quadro.
– Obrigado, mas quem está falando? – procurei saber.
No que me virei na direção do quadro, vi um pequenino
cupim saltando em minha direção. À medida que ele se aproximava
de mim, ia ficando do meu tamanho e tomando forma
de humano. E ficou exatamente da minha altura.
Antes mesmo que ele me ajudasse a ficar em pé, perguntei
o seu nome e ele me disse que era Rhino. Eu estava
cheio de indagações. Entretanto, não deu para querer
saber mais nada naquele momento porque ouvimos passos
no corredor e poderia ser a sra. Nair, com sua fúria de
dizimar pragas.
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Por um instante tive muito receio de que ela matasse
o Rhino e eu nem sabia ainda quem era ele de verdade.
Tive receio também de que ela me visse com o livro rasgado
e quisesse me esganar por isso. Olhamos um para o
outro e o Rhino fez um sinal com a cabeça para entrarmos
no quadro.
Não consegui acreditar direito no que ele estava propondo,
mas não tive outra escolha. Subimos como se fôssemos
dois bonecos de silicone em forma de gênio retornando
para alguma lâmpada maravilhosa. Zupt! E eu fiquei do tamanho
do Rhino e, pelo jeito, um tanto parecido com um
cupim. Digo assim porque, na colônia de cupins, não há espelhos
para que cada um aprecie a própria imagem; uns são
a imagem do outro, mesmo os que, por determinação natural,
têm missões diferentes na comunidade.
Passamos por um buraquinho minúsculo, existente na
moldura do quadro, e caímos em um sistema de túneis. Caminhamos
por dentro da madeira. Ao ladearmos um pequeno
orifício circular, ele me mostrou que era por ali que
a família dele jogava fora os grânulos fecais que produziam.
E brincou:
– Lembra daquele montinho de cocô que você estava
pegando com as mãos?
Eca! Acabara de descobrir que aquele pozinho de
cupim que a gente encontra no chão são as fezes deles. E
descobri mais: eles fazem tanto cocô assim porque comem
a própria casa. É como se, para eles, madeira fosse chocolate.
Passam um período fazendo isso e depois vão embora.
O Rhino me explicou também que é por aqueles furinhos
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que os cupins alados partem em revoada, quando saem pelo
mundo em busca de novos lugares para a construção de
mais cupinzeiros.
O Rhino me contou que a família dele é a própria comunidade;
que na casa dos cupins todos são pais, todos são
mães. Como insetos, eles têm uma diferença social dos humanos,
que aparece no corpo (e não na mente, como para
muitos de nós): os reprodutores são os reis e as rainhas, com
direito até a ter asas quando adultos. Os que não se reproduzem,
e muitos são até cegos, fazem a limpeza, conseguem
alimentos e guardam os ovos e as ninfas. Ninfa é como se
chama um cupim criança, seja macho, seja fêmea.
Rhino me levou a uma galeria para dizer que se eu quisesse
poderia ter um cantinho para mim, toda vez que eu
fosse brincar na casa dele. Agradeci, disse que voltaria outras
vezes, mas precisava ir para a aula. E fui. Saí pelo pequeno
orifício na madeira da moldura e desci como se tivesse
sendo expelido por um tubo de gel, até chegar ao chão, já
do meu tamanho e na minha forma original.
Quando entrei na sala de aula, o Mané, não sei como,
estava acabando de entrar também. Vinha da biblioteca e estava
todo sujo da nossa luta. Eu estava com o uniforme bem
ajeitado, bem limpinho e com o livro intacto na mão. Na
parede atrás da mesa da professora, o relógio avisava que
eu não estava atrasado.
Quando cheguei em casa fui para o quarto de dormir.
Encostei a porta, deitei na cama e comecei a ouvir um reggae
de xote que tocava dentro da minha cabeça, como se eu quisesse
tomar consciência da minha extraordinária descoberta:
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Que casa estranha
Essa casa de comer
Argila, madeiras mortas
Casa sem portas
Com tantos túneis
E galerias tão tortas
Ninho das ninfas
Dos cupins pequenininhos
Soldados e operários
Reis e rainhas de asa
Todos habitam a casa
Onde tudo é diferente
Diferente é a casa dos outros
Diferente é a família dos outros
Diferente é a história dos outros
Porém tem um porém
Se temos um lugarzinho lá
É nossa casa também.
Ainda bem!
(aprox.)
3
& b 4 2 ‰ œ œ .
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3 3
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Que ca-saes
- tra -nha Es -sa ca -sa de co - mer Ar - gi-la, ma-dei -ras
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mor-tas
Ca-sa sem por-tas
Com tan-tos
tú-neis E ga-le-ri-as tão tor-tas
Que ca-saes
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tor-tas
Ni-nho das nin-fas Dos cu-pins pe-que-ni
- ni-nhos Sol-da-dos e o-pe
- rá-rios Reis e ra -i-nhas de
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asa - To-dos ha-bi-tam
a ca-sa
On-de tu-doé di-fe
- ren-te
ren-te Di - fe-
1.
2.
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ren - teé a ca-sa dos ou -tros
Di -fe
- ren - te é a fa - mí-lia dos ou -tros
Di -fe-
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ren-te é a hi-stó-ria dos ou -tros Po-rém tem um po - rém Se te-mos um lu-gar
- zi-nho lá
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É nos-sa ca -sa tam - bém. A - in - da bem!
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Fim 4 D.C. ad Lib.
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13
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Meu irmão, Soarim, entrou no quarto e pulou em
cima de mim. Estava supercontente porque havia conseguido
passar uma fase do jogo eletrônico de lego que,
antes, havíamos tentado e não conseguíramos. Fui com ele
jogar. O bom desse jogo é que a gente joga de dois, um
ajudando o outro a vencer os desafios. Nenhum pode se
afastar tanto do outro, ambos devem estar na mesma tela,
senão o monitor trava. E, quando enfrentamos os personagens
que querem nos impedir de avançar, podemos
bater neles sem pena, pois são apenas bonecos que se desmontam
com os nossos ataques fulminantes.
O almoço estava pronto. A minha mãe disse que poderíamos
voltar a jogar depois de comer e de fazer as tarefas
da escola. É sempre assim, toda vez que o jogo ou o
filme está no momento do conflito principal temos de
parar para fazer alguma coisa mais importante. Meu pai
explicou que na vida temos de aprender a administrar o
nosso tempo para podermos fazer todas as coisas que gostamos
e as que temos de fazer por outros motivos. Que se
danem os outros motivos. Eles sempre aparecem nas horas
mais inoportunas. E isso é muito chato. E os meus motivos,
onde é que ficavam? Fui para a mesa disposto a resolver
essa questão.
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II
O silêncio do
olho mágico
Naquele dia fiquei totalmente em silêncio enquanto
almoçávamos. Podia ser que meu irmão, meu pai e minha
mãe estivessem pensando que era por causa do jogo que havíamos
sido obrigados a interromper. Mas eu estava calado
porque pensava no Rhino e só queria que respeitassem o
meu direito. Todos comiam e conversavam como se eu não
estivesse ali, cheio de interrogações. Bateu em mim uma
vontade de ir morar com a família do Rhino. Pelo menos
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na colônia de cupins eu certamente não iria ver menino
tendo de parar de jogar para comer.
O que me parecia perigoso em ir morar lá era a possibilidade
de a sra. Nair descobrir que a comunidade do
Rhino tinha ocupado a moldura do quadro e não a madeira
da estante, como até o momento ela pensava. Afinal,
ao entrar na madeira, eu viraria um cupim e poderia ser
assassinado, não como um humano, mas como um cupim.
O que eu necessitava fazer era orientá-los a não jogar mais
dejetos na sala da biblioteca ou talvez arranjar uma maneira
de alojá-los em um lugar mais seguro.
– Você quer sobremesa, Bento? – ouvi uma voz que
não consegui identificar, provavelmente da minha mãe.
– Não, obrigado – respondi sem me direcionar a
quem quer que fosse.
Meu irmão estava empolgado com o jogo e me apressou
em sair da mesa, para que fizéssemos logo a tarefa escolar.
Assim fizemos. Nossos pais saíram para trabalhar e
acertamos com eles que continuaríamos com a brincadeira.
No monitor eu não conseguia ver outra coisa senão galerias
e túneis feitos por cupins. Soarim estava vibrando porque
eu conseguia me safar de todas as encruzilhadas a que
a programação do jogo nos submetia. Eu estava indo além
do roteiro e pela primeira vez conseguia sentir que controlava
a máquina e não ela a mim.
Pelas galerias da casa de cupim aparecia todo tipo de
barreira, lavas incandescentes, passagens abismais, portais
bloqueados, campos de força, rampas escorregadias e chefões
com seus capangas lutadores. Aparecia também uma
série de instrumentos para superação dos obstáculos,
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como barras, cordas, pás, chaves e livros com enigmas,
além dos recursos de saltar, mudar de tamanho, de habilidade,
de personagem e de regeneração, que o comando
do jogo permite. A preservação das nossas vidas é acompanhada
por um painel de pequenos corações e a cada
fase que conseguimos avançar aparece um vídeo sobre a
nossa conquista.
Todos esses artifícios de teste de habilidade só passaram
mesmo a fazer sentido a partir daquele momento
porque no fundo, no fundo, eu me sentia salvando a família
do Rhino e, quem sabe, a caminho de ir morar com
ela. O Soarim nem acreditava na minha superagilidade e
vibrava tanto com cada conquista de fase que comecei a
ficar com vontade de chamá-lo para conhecer a colônia
de cupim, onde o meu amigo morava. Pensei nisso tão rápido
quanto esqueci. Não daria certo. Ele era muito pequeno
para me acompanhar na empreitada que eu tinha
pela frente.
Passamos a tarde toda jogando. Foi tudo tão intenso
que no fim do dia eu estava com o lábio marcado pela
pressão dos dentes e o meu irmão com um calo no dedo
de tanto colocar a mão na boca. A porta da sala se abriu e
o meu pai entrou, mas só nos demos conta de que ele
havia chegado quando nos cumprimentou com um beijo.
Quer dizer, com um beijo e uma reclamação:
– Vocês estão jogando mais do que o combinado. Por
que hoje não foram brincar de outra coisa? Os amigos de
vocês estão todos brincando lá embaixo.
– Ahã! – confirmei as palavras dele, sem interesse no
que elas queriam dizer.
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– Estou falando com você, Bento! E com você, Soarim!
– Ahã!
Meu pai ficou pê da vida com a nossa desatenção e
ameaçou desligar o monitor. Não demos a mínima. Ele
ameaçou novamente, disse para darmos uma pausa. Continuamos.
Sabe o que ele fez? Desligou tudo bem no momento
do conflito principal. Que droga! Saí para o quarto
e o meu irmão me seguiu. Deitamos cada qual na sua cama
e colocamos o travesseiro sobre a nossa cabeça. Meu pai
nos seguiu e disse que ia só trocar de roupa e tomar um
banho para conversarmos sobre o que estava acontecendo.
Para esses momentos eu tinha feito uma música que
gostava de cantar baixinho. Tão baixinho que nem o meu
irmão, ao lado, conseguia ouvir. E, para aliviar um pouco
a minha tensão, cantei o meu funk pop, imaginando que
estava frente a frente com o meu pai:
De olhos fechados
De cara fechada
Você não me vê
De mente fechada
De boca trancada
Não vejo você
Eu não sou espelho
Sou outra imagem
Que chega a você
Mas também não lhe vê
Pulsa o meu coração
Diante do seu nariz
E sou esta canção
Quando ela lhe diz:
Não olhe por mim
Olhe pra mim
Assim... assim...
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(aprox.)
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cê não me vê
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men-te fe-cha-da De bo-ca tran-ca-da Não ve-jo você -
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não sou es-pe-lho Sou ou-tra
i -ma-gem Que che-gaa vo-cê
Mas tam-bém não lhe vê
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Pulsao - meu co-ra-ção
Di - an-te do seu na-riz
E sou es-ta can-ção
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Quan-do e -la lhe diz:
Não o -lhe por mim O -lhe pra mim
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o-lhe por mim O-lhe pra mim As-sim... as - sim...
As-sim... as-
D.C. e segue 2
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sim...
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Não o-lhe por mim O-lhe pra mim
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Não o - lhe por mim O - lhe pra mim
Não o - lhe por mim
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O- lhe pra mim As-sim... as - sim...
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Mal comecei a cantarolar e já vi o meu pai na porta
do quarto, pronto para me dizer um monte de coisas. Mas
ele não disse nada. Ficou em pé por alguns instantes, apenas
olhando para mim e para o meu irmão, como se nos olhasse
por um olho mágico, desses que se colocam nas portas para
ver o que tem do outro lado. O Soarim perguntou:
– O que é? O que foi?
Ele não disse nada. Pegou um banquinho em que costuma
sentar para ler histórias para nós antes de dormirmos
e o colocou entre as nossas camas. Depois sentou. E ficou
sentado, sem dizer nada e sem nos olhar.
Ele não estava pensativo. Não dava nem para tentar
imaginar o que estaria pensando. Claro, se ele não estava
pensativo, não havia pensamento fácil de localizar na sua
cabeça. A cara dele ficou estranha como nunca eu tinha
visto. Era como se quisesse falar por telepatia. Eu não via
graça alguma naquela invencionice. O que estaria pensando
o meu irmão sobre aquilo? O desgramado poderia
muito bem dizer alguma coisa, fazer algum gesto numa
hora daquelas, mas não, ficou lá calado, parado, esperando
não sei o quê.
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III
Boa noite, nuvem
Comecei a ficar inquieto com o comportamento do
meu pai. Já estava entrando em desespero quando a minha
mãe chegou do trabalho. Ela entrou no nosso quarto, deu
um beijo em cada um de nós e percebeu que o clima não
estava muito bom. Ela e meu pai têm a mania de um não
interferir na situação quando o outro está dando uma dura
na gente. Uma vez eu os ouvi conversando sobre isso e fiquei
sabendo que é para a gente ter uma válvula de escape.
Quer dizer: se a coisa apertar demais com um, temos o
outro para pedir socorro.
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Pois bem, não parecia ser o caso naquela noite. A situação
estava tensa, embora sob controle. Meu pai viu que começávamos
a levantar a ponta do travesseiro e a olhar para
ele com a ponta do olho. Então, passou a mão sobre a capa
do livro que eu tomara emprestado na biblioteca e que estava
sobre a mesinha de apoio que fica entre as nossas camas, e
comentou que também tinha trazido um livro novo para a
nossa leitura antes de dormir.
O livro que o meu pai queria nos mostrar estava dentro
da camisa dele, que era branca e deixava transparecer
levemente o desenho da capa através do tecido. Fiquei curioso.
O Soarim também não resistiu.
– Vai, pai, mostra logo a capa pra gente – pediu o
meu irmão.
– É a história de quê? – eu também quis saber do que
se tratava.
– É a história de uma nuvenzinha que passou o dia
brincando ao vento e que atraía a atenção de muita gente
por tomar as mais diversas formas, enquanto estava exposta
à luz do sol.
– Então vamos ler logo, pai – tentei apressar a conversa.
– É, pai, vamos logo – insistiu meu irmão.
– Não, filhos, antes precisamos jantar e escovar os
dentes. Depois vocês escolhem o livro que vamos ler. E depois
cantarei uma canção que compus para vocês – argumentou,
atiçando a nossa curiosidade.
Fizemos tudo na maior rapidez, deitamos e ficamos bem
quietos. Ele leu o livro que tinha trazido, depois o livro que
eu pegara na biblioteca e em seguida adormecemos ouvindo-o
cantar uma valsa de sonhar, que se tornou a nossa
preferida das horas de dormir.
22
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Nuvem branca lá do céu
Com o vento a brincar
Chega a noite, parte o dia
Em que vais te transformar?
Pode ser em coelhinho
Tartaruga e gambá
Peixe-boi, um porco-espinho
Rastro de maracajá
Boa noite, nuvem amiga
Nuvem branca de algodão
Se lá fora é puro escuro
Não verei transformação
Boa noite, nuvem amiga
Nuvem branca de algodão
Vou dormir pensando em ti
Amanhã tem diversão.
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23
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Foi uma noite muito agradável. Sonhei que o Rhino
tinha dormido na nossa casa, que tinha escutado as histórias
da lagarta e da nuvem e dormido conosco embalado
pela canção de meu pai. Eu não via a hora de chegar à escola
e contar tudo para ele. Não deu outra. Antes mesmo
de passar na sala de aula, fui direto à biblioteca.
O montinho de dejetos de cupim disposto no chão
me dizia que a sra. Nair ainda não tinha passado por lá.
Arranquei uma folha do meu caderno, coloquei-a rente ao
piso e com muito cuidado recolhi todo o cocô dos cupins,
que joguei no saco de lixo. Em seguida, dei uns sopros bem
de pertinho para espalhar o que não deu para recolher, não
deixando qualquer vestígio.
– Oi, Bento – cumprimentou-me a voz do quadro.
– Oi, Rhino – respondi à saudação.
– Você não quer subir aqui um pouquinho? Tenho
uma novidade para contar.
– Quero sim, também tenho novidades para você.
Eu estava ansioso para convidá-lo a olhar as nuvens
que viram vários bichos e ele queria me apresentar a uns
amigos que moravam em um outro tipo de colônia de
cupim. No pátio poderíamos fazer as duas coisas ao
mesmo tempo. Decidimos que era melhor fazermos isso
como humanos e saltamos do quadro para o chão.
Tomamos um susto quando demos de cara com a sra.
Nair arrancando o aviso de “Interditada”, que colocara na
estante. Ela estava certa de que havia exterminado os cupins
da biblioteca, já que não encontrara sinal de grãos de
madeira no assoalho.
24
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– Pronto, Bento, agora você pode pegar livro à vontade.
Não há mais ameaça de cupim por aqui. Esses insetos
malditos têm mania de acabar com os móveis e, à falta do
que fazer, danificam também os livros.
– Obrigado, sra. Nair. Um bom-dia para a senhora.
Ela não desconfiou de nada e não fez nenhuma menção
à presença do Rhino. Isso me levou a pensar se ela não
o tinha visto, se o tinha ignorado ou se ele ficava invisível
quando virava humano.
Saímos para o pátio. No caminho encontramos a Celise.
Ela é legal, gosta de brincar, de conversar e de ler poesia.
Às vezes, quando não larga do meu pé, eu acho ela um
pouco chatinha. Fiquei sem saber se deveria ou não apresentar
o Rhino a ela, e ela ao Rhino. Entretanto, pelo jeito
como me cumprimentou, vi que não tinha notado a presença
do meu amigo. Deixei para lá. Acontece que ela ficou
me chamando para ir à sala de aula e eu não podia deixar
o Rhino sozinho em pleno pátio.
Ah, que saco! Tive de inventar para ela que não estava
me sentindo bem e que precisava ir ao banheiro. O banheiro
era o único lugar em que conseguia me refugiar da Celise
quando ela estava com suas insistências. Deu certo. Ela foi
para a sala de aula e eu segui com o Rhino em direção à árvore
onde estavam morando os parentes do meu amigo.
No pátio da escola havia um cajueiro enorme, com um
tronco de casca grossa e folhas verdinhas e amareladas que
balançavam ao vento, com réstias de luz do sol ornamentando
a sombra espalhada pelo chão. Eu nunca tinha notado que a
pintura exposta na biblioteca poderia ser uma inspiração do
pé de caju existente no pátio. Que descoberta, meu Deus!
Ficamos de cócoras para observar a passagem de
cupim que se estendia por cima e por baixo da casca da
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árvore, ora lembrando os subterrâneos dos metrôs, ora
dando lembrança dos abrigos que protegem os trens de superfície.
Eu estava encantado com aquela obra de engenharia,
quando fomos interrompidos pelo Mané.
– O que você está fazendo aí sozinho, Bento?
– Nada.
– Como nada, cara?
– Nada.
Ele me empurrou e saiu com o peito inflado, sem olhar
para trás. Ao cair bati com o braço na passagem de cupim,
destruindo um trecho de uns dez centímetros mais ou
menos. Pedi desculpas ao Rhino por ter feito aquilo e ele
me disse que não tinha problema, pois a passagem seria
imediatamente restaurada.
Inacreditável. Inacreditável. Poucos instantes depois
do incidente apareceu um cupim-soldado, que andou por
toda a área atingida. Depois, o soldadinho entrou no túnel
e sumiu. Voltou com mais uns dois ou três guardiões, iguais
a ele, com corpo pequeno, esbelto e uma espécie de antena
em formato unicórneo. Andaram pelas imediações do trecho
danificado e retornaram ao túnel.
Inacreditável mesmo. Começaram a chegar uns cupins
mais fortinhos, que verificavam o local, e outros bem gordinhos,
que davam ré para derramar uma gosma pelo bumbum,
na borda do túnel construído na superfície da casca
do tronco do cajueiro. Então, outro e mais outro cupim
colocavam grãos de húmus na área atingida, calcando-os
levemente para solidificar. Esta cena da colocação de grãos
de terra e de madeira apodrecida foi repetida inúmeras vezes
até a restauração completa da parte destruída por mim.
A única diferença do trecho refeito para o restante do túnel
era a sua coloração, escurecida pelo material molhado utilizado
27
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na recomposição. Depois de enxuto, a diferença de tom se reduzia
a nuanças imperceptíveis para quem não observasse de
perto aquele eficiente trabalho de equipe dos cupins.
Revelei ao meu amigo a vontade que eu tinha de
andar por dentro daqueles túneis, de ir por eles até o cupinzeiro
formado no alto de um galho do pé de cajueiro.
Ele me disse que conhecia uma passagem secreta e que poderíamos,
sim, entrar por ela. Novamente passei pela sensação
de boneco de silicone chupado para dentro do tubo de
gel, até ficar do tamanho do Rhino.
O que achei mais incrível na caminhada que passamos
a fazer foi andar para cima, como se estivesse andando
em uma superfície plana. Quer dizer, o Rhino e eu
escalamos aquela enorme árvore, em subida totalmente
verticalizada, mas como se fosse horizontal. Pelo menos
não é assim que a gente vê quando está do lado de fora
do túnel dos cupins. Dentro, tudo é diferente, a natureza
muda a posição das coisas. Não consigo dizer como,
porém andamos sem qualquer dificuldade e por cavidades
irregulares até que chegamos ao centro do cupinzeiro.
O Rhino me apresentou aos primos dele. Estavam todos
fazendo suas tarefas. Diferentemente da família do Rhino, que
corroía a própria madeira da moldura do quadro onde estava
instalada, deixando intacta na superfície só a camada de tinta,
os cupins daquela colônia não comiam somente a própria
casa, considerando que o cupinzeiro fora construído por eles
em um galho morto daquela árvore que estava bem viva.
Em uma espécie de paiol eles arrumavam algumas folhas
secas e minúsculos pedaços de madeira que haviam sido alterados
pela ação dos fungos, uns seres microscópicos que eram
domesticados para produzir alimento de cupim. O Rhino me
falou que na casa de um amigo dele eram criados outros
28
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“bichinhos”, os protozoários, que liberavam uma baba
chamada de enzima. Era assim que acontecia o trabalho de
decomposição daquela parte da madeira que virava comida
de cupim, a que chamavam de celulose.
Enquanto eu olhava a preparação de um ninho de esponja
de fungos, passou pela minha cabeça a ideia de que eu
não estava correto por desenvolver uma convivência tão próxima
com aqueles insetos que devoram as árvores. Lembrei
dos esforços da sra. Nair para combater o avanço dos cupins
na nossa escola, enquanto eu estava ali sendo ou me tornando
um deles. Comentei sobre esse meu sentimento com o Rhino
e ele não gostou nada das minhas observações.
– Peraí, Bento! Você, que gosta de ler, sabe que aqui
na Terra os insetos, que são os mais numerosos de todos
os viventes que se locomovem sozinhos, têm grande importância
na busca do equilíbrio ambiental. Nós, cupins,
ajudamos na incorporação de nutrientes e na fertilização do
solo ao trabalharmos na decomposição de matéria orgânica.
– Sim, sei, vocês são pragas destruidoras que estão
sempre se adaptando para destruir os recursos naturais.
– Não é bem assim, Bento. Os cupins se reproduzem
muito porque são presas fáceis de tamanduás e passarinhos,
sem contar os répteis e os próprios humanos. Você precisa
entender que o mundo não é só dos humanos. Se você observar
bem, a grande praga destruidora do planeta são vocês.
– Muito engraçado, vocês podem e nós não.
– Não é uma questão de um poder e o outro não. O
que é completamente incompreensível para todos nós é
quanto os humanos destroem a fauna e a flora sem necessidade.
Quantos de vocês matam animais e cortam árvores
sem o menor escrúpulo e sem a menor precisão? – indagou
ele olhando para mim cheio de fúria.
29
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IV
Beco dos manos
A agressividade era tanta em nossas palavras que
eu estava vendo a hora de partirmos para uma luta. E o
pior, havia se formado a nosso redor uma plateia de cupins
com cara de poucos amigos. Eles haviam parado de preparar
um ninho-esponja de fungos e se mostravam prontos
para me atacarem. O Rhino virou-se para eles e disse que
não mexessem comigo, que éramos amigos.
Encorajado pela atitude do Rhino, encarei cada um
deles e resolvi pedir desculpas.
– Está bem, eu estou aqui na casa de vocês e não vou
desrespeitá-los. Sei que, humanos ou insetos, todos nós
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fazemos parte de algo maior, que é a natureza. Somos todos
parentes, embora muitas vezes nos incomodemos uns aos
outros por sermos inimigos naturais. Mas com certeza
vocês concordam comigo quando digo que os humanos têm
razão quando atacam os cupins que invadem as suas casas.
– Você não sabe o que está dizendo, Bento. Você precisa
colocar na cabeça que, para um cupim, a madeira de
uma mesa é madeira morta, que deve ser reintegrada à
vida. E, para isso, existem os cupins.
– Está bem, não quero tirar a razão de vocês. Acontece
que, para termos um mundo mais pacífico, os cupins poderiam
muito bem ser mais comedidos e atacarem menos
as nossas casas.
– Opa, opa, rapazinho! – bradou um cupim que era
conhecido na colônia por trocar folhas de árvores por folhas
de livros. E acrescentou: – Os humanos não têm moral
para criticar os insetos. Vocês estão destruindo os ecossistemas
terrestres, as comunidades viventes, matando a terra,
poluindo a água e o ar.
– Concordo com você com relação à destruição indesejável
que os humanos vêm causando – retruquei –, nós
temos estudado sobre isso na minha escola. Mas afirmo
para vocês que faço parte de um grupo já bem significativo
de humanos que está lutando para mudar esse comportamento.
A cada dia contamos com um número maior de
pessoas colaborando com o equilíbrio ambiental.
Notei que o meu discurso atraíra totalmente a atenção
no interior do cupinzeiro. Aquele silêncio me dava uma
responsabilidade enorme sobre o que eu havia dito. Entre
perplexo e feliz, comecei a inventar uma ciranda em valsa
de brincar, com a qual pudéssemos todos comemorar a
rica discussão que acabáramos de ter.
31
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Vejo em teus olhos
Um peixe que voa no céu
Um sorriso que nada no mar
Uma cidade, um carrossel
Uma bola que ri ao luar
Olha em meus olhos
Um sol que risca o muro
Um anjo verde, levado
Um brilho seco no escuro
Um espelho mudo, dourado
É inseto, é planta, é gente
Uma festa de roda contente
O mundo que se balança
No raio X da pista de dança
Vejo em teus olhos
Um mapa vestindo o mundo
Uma árvore cuidando do céu
Um poeta nascendo profundo
Uma flauta tocando o mel
Olha em meus olhos
Um túnel no rio do tempo
Uma voz no beco dos manos
Um grafite no muro de vento
Uma roda de bichos humanos
É inseto, é planta, é gente
Uma festa de roda contente
O mundo que se balança
No raio X da pista de dança
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(aprox.)
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33
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Em pouco tempo estava todo mundo cantando, fazendo
malabarismos, puxando estilo, dando passos espontâneos
e se abraçando. Rodávamos em torno de nós
mesmos e em torno uns dos outros, como os planetas em
rotação e translação. Naquela ocasião conheci um tipo de
família que existe também entre os humanos, que é a família
de agrupamentos por amizade.
Nunca vou esquecer o exemplo do Rhino, que me
protegeu, mesmo quando estávamos em vias de ir às tapas.
Também não me esquecerei do acolhimento que recebi daquela
turma de cupins, inicialmente hostil, mas plenamente
acolhedora, a partir do momento em que deixamos
as intrigas de lado e passamos a acreditar que temos um
destino comum.
Aprendi duas coisas importantes naquela visita. Uma,
que o equilíbrio do planeta deve estar acima das nossas diferenças,
a despeito das falsas memórias que podem nos
distanciar. A outra, que, cuidando uns dos outros, mesmo
tendo momentos adversários e conflitantes, a amizade verdadeira
gera um tipo de família muito especial e muito necessária
a nossas vidas. E onde tem família, tem comida
por perto. Resolvemos, então, fazer uma comemoração da
descoberta do nosso vínculo parental.
O que achei mais curioso naquela ceia foi a forma
como alguns cupins preparam o alimento para dar às ninfas
mais novinhas e aos reprodutores, alados ou não. Ofereceram-me
um alimento elaborado com mistura de saliva
e material armazenado no tubo digestivo daqueles cupins
tão gentis. Num primeiro momento eu quis recusar, engulhar,
ficar sem comer. Graças a Deus lembrei-me dos meus
34
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pais me dizendo que na casa dos outros a gente deve se
comportar bem e comer o que estiver à mesa. Mesmo com
nojo, resolvi aceitar. E, só para encurtar a conversa, pedi
para repetir, de tão bom que achei.
Prometi voltar outras vezes e, acompanhado pelo
Rhino, desci do alto do cajueiro pelo túnel vertical, repetindo
a fascinante sensação de estar caminhando em
plano horizontal. Ao chegarmos ao encontro da raiz com
o solo, por onde havia a saída secreta, ouvimos a voz da
sra. Nair, que vivia falando sozinha. Ela reclamava que a
situação dos cupins na biblioteca tinha chegado ao limite
da sua paciência. Ela iria jogar um veneno mais forte na
colônia de cupins instalada na biblioteca para acabar
com todos eles.
Trememos de medo. Tememos por toda a família do
Rhino, que estava lá sem saber do perigo que corria. No
que a sra. Nair se virou um pouco, inflamos novamente os
nossos corpos, fazendo a metamorfose de inseto para humano,
e saímos correndo para a biblioteca.
Os pais de Rhino eram o casal fundador da colônia,
que havia se instalado na moldura do quadro principal da
biblioteca. Eu gostava deles porque, além de pais do meu
melhor amigo, eles gostavam de contar histórias dos tantos
lugares do mundo que haviam conhecido, transportados
muitas vezes em móveis nas mudanças dos humanos.
Como humano eu sei que eles causam muitos danos
às madeiras que utilizamos para móveis e construções,
mas, como parente dos cupins por parte da natureza, sei
também que eles não fazem isso por desejarem o mal, apenas
por instinto. Inclusive quando estendem suas galerias
35
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pelas estantes das bibliotecas e afetam os livros. Onde tem
cupim é normal que encontremos livros perfurados em
suas caminhadas exploratórias. Depois do que aconteceu
comigo no cupinzeiro do pé de caju, quando encontro uma
página de livro com furinhos de cupim, fico imaginando
se eles gostaram ou não da história.
O certo é que, tendo ou não alguns cupins como familiares
e companheiros de aventuras, a sra. Nair estava cada vez
mais perto de descobrir a colônia da moldura do quadro e
acabar com tudo. Chamei o Rhino para rapidamente mudarmos
o montinho de grãos de lugar. Para essa operação eu fiquei
em forma humana e o Rhino em forma de cupim.
Transportei todos os grânulos fecais em uma folha de papel
para a gaveta da mesa da coordenadora da biblioteca e o
Rhino tratou de empilhá-los em forma de morrote vulcânico.
Estávamos dando os últimos retoques quando a sra. Nair
chegou. Gritei para o Rhino fugir e a sra. Nair me perguntou
se eu estava ficando doido, berrando sozinho na biblioteca.
Brinquei com ela dizendo que não estava fazendo nada mais
do que falando alto, como ela costumava falar. Ela, que não
gostava muito de sorrir, deu um sorriso relâmpago e irônico
para mim e foi direto para a estante perto do quadro.
A sra. Nair não entendeu nada. Tinham lhe dito que
os cupins continuavam devorando a biblioteca, mas ela
não encontrou nenhum vestígio. Com a intenção de despiste,
resolvi dar uma mãozinha para ela e sugeri que na
minha casa era comum os cupins atacarem os móveis do
escritório. Ela olhou para mim e eu estava olhando para a
gaveta da mesa onde havíamos preparado o falso vestígio.
Seguiu o meu olhar, viu a gaveta aberta e exclamou:
36
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– Ahá, então vocês estão aqui, seus infestadores de
madeira!
Mandou-me sair dali e cobriu a mesa toda de veneno.
Depois colocou a placa “Interditada” e saiu com ar de
quem tinha um trunfo a comemorar.
Respirei aliviado, fui para a sala de aula e mais uma
vez observei que os meus colegas ainda estavam chegando,
como se o tempo não tivesse passado, enquanto fiz tanta
coisa. A Celise sentou a meu lado e perguntou se poderíamos
ir juntos para o pátio. Falei que sim. Ela estava com
alguns pacotes de figurinhas de um álbum com maravilhas
naturais dos principais biomas do mundo.
No intervalo da aula fomos para o pátio e ela me mostrou
página por página as mais distintas comunidades de
seres vivos do planeta, especialmente as que se desenvolveram
no Brasil, como a caatinga, o cerrado, a floresta
amazônica, a mata atlântica, os pampas e o pantanal.
Ao abrirmos os pacotes de figurinhas dei de cara com
uma que me fez lembrar demais da pintura existente na parede
da biblioteca. Fiquei pensativo e a Celise notou.
– O que foi, Bento?
– Esta figura...
– Não, não é repetida. Temos de colá-la no álbum.
– Mas...
– Vamos, tire logo a proteção do adesivo.
E assim perdi a oportunidade de ficar com a figurinha
para checar de perto se ela apresentava a mesma imagem
do quadro onde estava morando a família do Rhino. Tive
vontade de contar tudo para a Celise. Ela poderia me ajudar
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a salvar os meus amigos dos ataques da sra. Nair. Mas lembrei
que, se ela não conseguia ver o Rhino, dificilmente
acreditaria na minha história. Eu estava por demais pensativo
e ela notou.
– Bento, você está aí? – perguntou ela, passando a
mão diante dos meus olhos.
– Estou, estou... – respondi olhando para ela e voltando
a ajudá-la a colar figurinhas no álbum.
Naquele momento chegou o Mané. Ele só gostava de
álbum de figurinha se fosse de personagens de videogames
destroçadores. Com as costas da mão direita ele levantou
a capa do álbum que a Celise segurava e deu uma risada
de desdém.
– Pensei que fosse alguma coisa de futuro – provocou.
– Sai, Mané, se não é do seu interesse, deixa a gente
em paz – reagiu Celise.
– Sair? Olha só quem ousa me dar ordens, uma saradinha
metida, que nem peito tem, apaixonada por um medrosinho
tocador de violão.
A provocação de Mané fez Celise baixar a cabeça envergonhada.
Aquilo me deixou furioso. Não contei duas
vezes e levantei-me bruscamente para enfrentá-lo. Confiante
de que era intocável, ele nem sequer se afastou. Ficamos
cara a cara, olho no olho. Confesso que não sabia
como prosseguir. No nosso entorno se formava um círculo
cada vez maior de gente querendo ver confusão.
De repente, um punhado de pequenos grãos atingiu o
rosto do grandalhão e ele ficou desesperado, passando as
mãos nos olhos e gritando de dor. Quanto mais ele esfregava,
mais doía e mais ele chorava. Até que saiu correndo
39
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para lavar o rosto no bebedouro. Ninguém entendeu nada,
mas eu olhei discretamente para o alto do cajueiro e dei
uma piscada para os meus amigos cupins que tinham lançado
de forma tão certeira aquelas bolinhas de cocô nos
olhos do Mané.
Celise ficou de pé. Deu um leve sorriso para mim e foi
para a sala de aula. Demorei um pouco e resolvi ir compartilhar
o ocorrido com o meu melhor amigo. Precisava conversar
com alguém que soubesse me ouvir. A minha ansiedade me
fez cometer o erro de entrar na casa de cupim sem anunciar a
minha presença e me deparei com uma discussão do Rhino
com os pais dele. Cheguei bem no instante em que ele dizia
que ia se mudar para a minha casa, porque lá nós éramos estimulados
a estudar, a ir para a escola e a conviver com outras
crianças nas mais variadas atividades.
Rhino reclamava exatamente da ausência daquelas
coisas que eu costumava maldizer por tê-las em meu cotidiano.
Tentei chamar a atenção, mas nem ele nem seus pais
conseguiam se desligar da discussão. Pelo visto, o ponto
principal do desentendimento era o fato de os filhos de
cupim, depois de ninfa, supostamente não precisarem aprender
mais nada; estaria tudo muito certinho, com cada um
sabendo o que iria fazer.
– Não acredito que a cultura seja um privilégio dos
humanos – bradava Rhino, que continuava: – Por que nós,
os insetos, não assumimos de vez que também podemos
aperfeiçoar a comunicação dos sons que emitimos, dos
cheiros e dos movimentos do nosso corpo?
– Tenha calma, meu filho, essa sua amizade com o
Bento está mexendo com a sua cabeça – replicava a mãe.
40
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– Claro que está. Estou começando a perceber que,
assim como os humanos, nós também precisamos mudar,
evoluir culturalmente – argumentava Rhino.
Resolvi entrar no espaço onde eles discutiam. A
minha presença arrefeceu os ânimos. O Rhino se sentou e
os pais dele se dirigiram a mim.
– Bento, queremos que saiba que não desgostamos
de você, mas, depois que o nosso filho começou a sair
para brincar com você, ele está muito mudado – explicou
o pai.
– Eu também estou mudado. Rhino e eu estamos descobrindo
que está na hora de construir uma vida diferente
da que está aí e não ficar a reboque do que nos foi imposto –
tentei ponderar.
– Chega de respostas automáticas, garantidas pelas
antigas experiências da seleção natural. Salve os que sobreviveram
para nos passar os seus aprendizados, suas hierarquias,
mas nós queremos mais, nós queremos um
mundo melhor para viver, mais justo e menos ameaçado
de extinção – protestou Rhino, andando pela galeria de
um lado para outro.
A situação era complicada. Quanto mais os pais do
meu amigo procuravam contornar a questão, mais tenso
ficava o clima. Houve um momento em que a calma tomou
conta do ambiente. Foi quando todos chegamos ao consenso
de que os cupins são seres cosmopolitas e que são
capazes de criar todo tipo de solução para construir os
mais variados tipos de moradias.
– Isso é algo do qual temos de nos orgulhar – disse o
pai do Rhino.
41
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– Há muitas outras coisas das quais vocês podem se
orgulhar – acrescentei. – Hoje, por exemplo, uma amiga
minha e eu fomos socorridos por nossos parentes que
moram no cupinzeiro do pé de caju lá do pátio. E isso não
me parece atitude de quem vive apenas com o que é programado
geneticamente – reforcei.
– Concordo com você, Bento – falou Rhino. – No dia
em que fomos visitar o cupinzeiro você foi logo identificado
como um perseguidor de cupim. Só depois de muita discussão
é que todos compreenderam que não é bem assim – concluiu.
Tive de me despedir, pois meus pais tinham combinado
de me pegar mais cedo na escola para irmos visitar
a filha de uns amigos, que acabara de nascer. Rhino disse
que queria ir comigo. Revelou que tinha muita curiosidade
de ver um bebê sem ser em ninho coletivo, como o dos cupins.
Os pais dele não fizeram nenhuma objeção. Ainda na
biblioteca, enquanto eu fazia uma troca de livros, o Rhino
seguia comentando o motivo da discussão com os pais.
– Nada me tira mais do sério do que a dificuldade
que eles têm de entender que o mundo está precisando
de novos modos de vida. Eu gostaria que nós também
mudássemos o nosso.
– Concordo com você, Rhino, se queremos um planeta
que seja a casa de todos, temos de aprender a enfrentar
o desconhecido, o que ainda não foi experimentado.
Naquele momento chegamos à sala onde estudava o
meu irmão Soarim e sinalizei para nos encontrarmos no portão
da escola. Ele já estava pronto e resolveu nos acompanhar.
– Quem é este menino, Bento? – perguntou o Soarim,
apontando para o Rhino.
42
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– É o Rhino, um amigo meu – respondi.
– Então você é o campeão de jogos de lego que o
Bento tanto fala? – brincou Rhino.
– Mais ou menos – respondeu calangueando.
Foi tudo tão espontâneo que demorei a me tocar que
o Soarim estava vendo o Rhino. Era muito estranho saber
que para a sra. Nair, para a Celise e para os meus colegas
da escola ele era invisível e o mesmo não estava acontecendo
com o Soarim.
Nossos pais chegaram e entramos os três no banco
traseiro do carro. Eu numa porta e o Soarim na outra. A
nossa mãe perguntou se nenhum de nós queria ir no meio.
Procurei me antecipar a qualquer atitude do meu irmão,
sinalizando com um piscar de olhos para ele e ao mesmo
tempo falando em todas as direções que tínhamos combinado
de ir cada um em uma porta. O Soarim não sabia
que os nossos pais não estavam vendo o Rhino e ficou
pensando que era brincadeira minha aquela história de
combinado e ficou calado. Melhor assim, funcionou.
43
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V
Tudo é música
O casal amigo dos meus pais não sabia onde colocar
tanta alegria. A filhinha havia sido esperada com muito carinho.
Os detalhes de cada momento da gravidez, do parto e
da preparação do quarto dela eram contados com muito
amor. O berço, a cadeira de balanço para dar de mamar, o
móbile, tudo tinha um encanto particular.
Rhino estava maravilhado com tudo aquilo. Fiz-lhe um
sinal e fomos com Soarim para a sacada do quarto, que dava
para o lado do jardim. Quanta beleza e quanta vida. Desloquei-me
paisagem adentro em silenciosa contemplação.
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– O que você está fazendo, Bento? – perguntou Rhino
depois de alguns minutos sem palavras.
– Acho que ele está colhendo imagens para compor
uma música de presente para a menininha – interveio Soarim,
com um orgulho fraterno e companheiro.
– E como é que a gente faz uma música?
– Ora, a gente deixa o sentimento se expressar pelo
silêncio e pelo som. Deixa simplesmente a nossa alma soar
na sua emoção mais profunda, que a música se realiza em
nós – respondi ao Rhino como se eu fosse um cupim mais
velho, com a experiência de ter voado muito pelo mundo.
Foi uma conversa muito boa aquela. Cada comentário
que um de nós fazia fortalecia a nossa convicção de que
tudo é música e, assim, nós também somos música. O nosso
universo sonoro é composto de tudo o que está a nosso redor,
perto ou longe. Rhino nunca tinha pensado nisso. Se
havia cupins que percebiam isso nas colônias, ele não sabia
dizer, nunca ouvira falar.
– Para mim é difícil compor uma música, não sei
como me afinar para ser música – lamentou Rhino.
– Ora, meu amigo – repliquei –, basta lembrar do seu
discurso na conversa com os seus pais. Quando eu cheguei
a sua casa hoje, você estava dizendo que queria ver os cupins
assumindo de vez que também podem aperfeiçoar a
comunicação e evoluir culturalmente. Estou de acordo com
você, insetos ou humanos, somos todos bem menos do que
podemos imaginar.
Por um momento novo silêncio dominou o nosso encontro.
Durante essa parada espontânea percebemos que
45
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não havíamos cessado de conversar, que a nossa conversa
havia se estendido em diálogos de olhares pelo jardim.
– Parece que você está esperando que a música que
quer compor venha desse jardim. Estou certo? – indagou
Rhino.
– Isso mesmo – confirmei. – A música que lhe vamos
dar já está aí agora e vai estar aí também quando ela for
garotinha e sair para brincar.
– Pode perguntar aos passarinhos – completou Soarim.
– Se você prestar bem atenção, vai ver que a música
do jardim é uma música que mistura cores, perfumes e
sons com leves toques de brisa e de tudo o que está além,
muito além, do lugar mais distante que a nossa imaginação
possa alcançar – completei.
Escutamos uns sons de bebê acordando e nos dirigimos
ao quarto da menininha. Ela mexia todo o corpo
como quem já queria ir engatinhar lá fora, no meio da natureza.
Sentimos em sua agitação um sinal de que o momento
da música havia chegado. O Soarim pegou um lápis
e começou a escrever a letra no tempo em que eu dava
forma à melodia. O Rhino olhou para mim e fez um gesto
com a cabeça como se dissesse que não via a hora de começarmos
a cantar.
As cortinas, encrespadas ao sabor de um vento suave,
começaram a dançar como se o quarto fosse uma extensão
dos jardins. Do lado de fora da janela, depois da sacada,
pássaros, borboletas, plantas bailarinas e raios de sol em
tons amarelados olhavam para nós, prontos para o concerto.
Não faltava mais nada, a música tinha chegado para
a festa. Era uma agradável balada andina. E cantamos.
46
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A Nina chegou
Ouvi passarinho contar
A Nina chegou
E voou na canção de ninar
Olha, menina
Borboleta já vai se deitar
Dorme, menina
Ouvi pôr do sol sussurrar
Nina, Nina, tem plantinha querendo brincar
Dorme, Nina, amanhã você vai passear
Nina, Nina, vai com aquele vestido carmim
Dorme, Nina, ele vai combinar com o jardim
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(aprox.)
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Nem nós mesmos acreditáramos que sairia tão fácil.
Ueba, que felicidade! Pelos risos da neném, ela também
estava satisfeita. Virei para o Rhino e perguntei o que ele
tinha achado. Ele estava mudo. Não digo que havia lágrimas
rolando em sua cara porque posso estar enganado
com aquele brilho cintilante que ornamentava seu olhar.
– Estou pensando no pássaro que contou para vocês
da chegada da criança. Quando os cupins poderão cantar
e dizer coisas assim? – refletiu Rhino serenamente.
– Da mesma forma que os cupins, muitos pássaros não
sabem que podem dizer mais com o seu canto do que as mensagens
de suas programações genéticas – também filosofei.
– Os pássaros que cantam assim são como os meninos
que só querem brincar com brincadeiras que já vêm
com o enredo pronto – aloprou Soarim.
Seja como for, sou apaixonado pelo canto dos pássaros.
Aprecio os que cantam prolongado, os que trinam em
floreios, os de canto breve, os de curtos trilos e os que cantam
voando. Na mesinha ao lado do berço estava exposto
um livro de fábulas e de dentro dele escutei um faisão com
o seu mesmo repertório vocal repetido ao longo dos séculos.
Fiquei pensando se, por serem tão belos, os faisões haviam
esquecido, ou simplesmente não tinham querido,
variar o canto.
No mundo dos pássaros o que me chamava mais a
atenção eram aqueles que recebiam influência de aprendizagem
em seus cantos. Alguns aprendiam a cantar conforme
o meio. As graúnas e os corrupiões cantavam além de
si. As casacas-de-couro cantavam em duo, alternadas. Os papagaios
imitavam a voz humana. Até os pássaros precisavam
48
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49
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se escutar para cantar. Em muitos pássaros, uma parte do
canto era herança genética, mas outra parte era resultado de
experiência auditiva.
Utilizei-me de todos esses argumentos para dizer ao
Rhino que concordava com ele quando ele defendia o esforço
de todos os bichos vivos, vegetais, animais e micro-
-organismos, para mudar o mundo. Quem soubesse disso
deveria começar urgentemente. Era preciso acreditar. Da
parte dos humanos, eu entendia que tínhamos todo o interesse.
O mundo não iria acabar, mas, se não cuidássemos
de reverter os enormes danos que havíamos causado ao
meio ambiente, poderíamos nos tornar apenas uma experiência
da natureza a ser lembrada um dia por algum
cupim generoso.
O sol começava a se pôr por trás das plantas do jardim,
quando ouvimos a voz da minha mãe perguntando
por nós. Outra voz respondeu que brincáramos na sacada
e que agora deveríamos estar no quarto da menininha.
Antes que nos chamassem, fomos em direção à sala e descemos
as escadas da varanda para entrar no carro. O Soarim
conhecia o segredo do Rhino e tomara para si a
compreensão de não revelá-lo para ninguém. Mantivemos
o combinado da vinda na poltrona do carro.
No caminho de casa fomos parados por uma blitz que
investigava o nível de ingestão de álcool dos motoristas.
Quando o meu pai abriu a porta para sair e fazer o exame
do bafômetro, a luz interna do carro acendeu automaticamente
e descobrimos que, embora as outras pessoas não
conseguissem ver o Rhino, a sombra dele aparecia e poderia
denunciar sua presença. Entramos em pânico. O Soarim
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rapidamente tirou o cinto, levantou e apagou a luz. Ao retornar,
meu pai voltou a ligar a luz para pegar um documento
do carro no porta-luvas. O guarda examinou tudo
e estava tudo certo.
Pelo gesto atrapalhado que o guarda fez no instante
em que saímos, percebi que ele tinha visto a sombra do Rhino
no banco traseiro do carro, mas não tinha visto o Rhino. Acho
que ele só não nos parou novamente para verificar que
coisa estranha era aquela porque parar um carro por causa
da sombra de ninguém poderia ser ridículo, poderia parecer
coisa de bêbado. E ele não poderia correr o risco de
passar por um vexame desses.
Naquela noite o Rhino não voltou para a casa dele.
Foi a primeira vez que dormiu fora de casa. Por um bom
tempo ele ficou sentado no chão, esperando a nossa casa
adormecer. Pedimos ao papai e à mamãe para eles não
lerem historinha naquela noite. Dissemos que estávamos
muito cansados. Eles acharam a proposta inusitada, mas
concordaram em fazer apenas uma reza curta. Fingimos
dormir rápido e nossos pais foram para o quarto deles.
Levantamos com o maior cuidado para não fazer barulho
e armamos para o Rhino o colchão de visitas localizado
sob a minha cama.
No dia seguinte, encontrei a Celise logo no portão da
escola. Ela tinha mais pacotes de figurinhas e queria que
colássemos juntos. Pedi socorro ao Soarim e ele foi com
ela, enquanto levei o Rhino até sua casa. Limpamos um
pouquinho de grânulos fecais que estavam acumulados
embaixo do quadro e vimos que a sra. Nair havia tirado a
placa de “Interditada” da mesa da coordenadora da biblioteca.
51
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VI
Tempo
Na hora do recreio o Soarim me avisou que a Celise
não tinha aceitado colar as figurinhas com ele; queria
montar o álbum comigo. Encontrei-me com ela na arquibancada
da quadra de esportes. O Mané estava deitado no
meio da quadra, desafiando quem quisesse jogar. Ele nos
viu, mas não fez nenhum gesto que nos perturbasse.
Abrimos os envelopes, colamos figurinhas e separamos
as repetidas. No final a Celise disse que tinha uma
surpresa para mim e me deu de presente a figurinha com
a imagem que eu supunha ser do cajueiro. Ela olhou para
52
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mim com tanta ternura que perdi um pouco o fôlego. Tanto
que eu disse obrigado numa fala meio contida.
Ela continuou olhando nos meus olhos e sorriu para
mim. Quis saber por que aquela figurinha era tão importante.
Não consegui me conter e falei tudo. Ela pensou que
fosse brincadeira minha. Coloquei as mãos na cabeça. Estava
um pouco decepcionado. Eu queria que ela acreditasse
em mim, que pudesse ver o Rhino e se juntasse a nós, em
nosso segredo.
Levantei-me calmamente, desci os degraus da arquibancada
e fui para a biblioteca. Tirei a figurinha do bolso
e comparei com a tela exposta na parede. Lembrava alguma
coisa, havia alguma semelhança no tipo de tronco,
na disposição das folhas e nas cores, mas definitivamente
não era a mesma. Não sei como fui meter na cabeça aquela
ideia. Os álbuns que chegavam por ali nunca traziam imagens
do nosso meio, algo que fizesse referência ao lugar
onde morávamos.
Aproveitei que estava na biblioteca para checar se
não havia pozinho de cupim embaixo do quadro. No que
me abaixei, senti o toque de uma mão no meu ombro e fiquei
muito assustado. Olhei para trás e era a Celise. O
meu coração estava aos pulos do susto. Tentei controlar a
respiração. Ela me perguntou o que eu estava fazendo. Fiquei
calado. Ela insistiu e eu rudemente devolvi a figurinha
para ela.
– Tome, eu não preciso mais da sua figurinha.
– Como assim, Bento?
Não sei nem contar como foi que me senti quando
vi que ela estava chorando. Tive vontade de pegar em seus
cabelos, de acariciar seu rosto, e ao mesmo tempo achei
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que não devia. Pensei em virar cupim e entrar na moldura
do quadro para ela ver. Entretanto, decidi que a tentativa
não valeria a pena. Ela já tinha mostrado que não acreditava.
Procurei pelo menos arranjar um jeito de pedir desculpas.
Fiquei indeciso. Demorei muito e ela saiu. Pedi
que ela não fosse, pedi que ela voltasse, pedi que me escutasse.
De nada adiantou o meu apelo inseguro. Andando
de costas, ela se afastou voltada para mim, com o
olhar em meu olhar, e simplesmente entoou um canto de
afeição, enquanto se distanciava lentamente e me deixava
com o coração apertado.
Você me pede pra ficar
E sinto esse amor
Mas tendo tanto o que sonhar
Não posso parar
Os sonhos são meus passarinhos
Que cantam, voam, fazem ninhos
Nos telhados, campos, corações
Você precisa entender
Que eu sou assim
E ando louca sem saber
O que lhe dizer
Uns são bem grandes, coloridos
E outros pequenos, aguerridos
Neste mundo feito de emoções
Viver é um eterno renovar
De estações
E cada amor tem o seu tempo
Pra poder florar.
(aprox.)
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Que dia, meus Deus! As minhas forças estavam tão
fragilizadas que eu não conseguia energia para a metamorfose
e não subi para me encontrar com o Rhino na sua
casa. Eu sabia que lá teria o meu cantinho para descansar
e organizar a minha cabeça. Deitei-me no chão, ao lado
da estante. Ouvi passos, mas não dei a menor atenção. E
deveria ter dado, pois era o Mané.
– E aí, poeta mixuruca, o que foi que aconteceu?
– Nada não.
– Como nada não, se estou vendo um corpo desfalecido
no chão?
– Nada não.
– Se essa tua manha for um truque para borrifar em
mim novamente aquele spray de pimenta, que tu jogou
nos meus olhos e eu quase ceguei lá no pátio, pode mudar
de tática porque eu não estou para brincadeira.
– Não foi spray algum e não fui eu que ataquei seus olhos.
Ele queria que eu contasse que recurso secreto eu
tinha usado para humilhá-lo na frente de todo mundo no
dia da nossa desavença lá no pátio. Óbvio que eu não
podia contar. Primeiro porque realmente não tinha sido
eu e segundo porque meus amigos cupins não poderiam
ser descobertos, sob pena de serem dizimados.
– Eu poderia te bater até não querer mais – avisou o
Mané. – Mas decidi te dar uma chance. Nós vamos agora
para a lan house do Bolha e vamos jogar o game mais
barra-pesada que tiver lá. Se tu vencer, eu te liberto; se perder,
perde duas vezes porque vai apanhar. Tá ligado?
56
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57
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VII
MultiPower
O Mané tinha uma cópia não autorizada da chave
do portão da escola por onde o lixo era recolhido. Ainda
estava no horário da primeira aula e não havia ninguém na
biblioteca. O Rhino poderia até ter escutado tudo, mas imagino
que, como eu fiquei sem força para virar cupim, ele
também perdeu a força de virar humano. Nem a sra. Nair
apareceu na sua ânsia de matar cupim. O certo é que acabei
sendo levado pelo Mané para a lan house do Bolha.
Ele perguntou se eu tinha algum episódio preferido. Disse
que não, que não gostava de nenhum jogo que estimulasse a
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violência. Mané deu uma risada sarcástica e me sentou diante
de uma das máquinas.
– Tu agora vai ver o que é bom, ô, queridinho das meninas.
Nesse jogo a gente pode fazer tudo o que é proibido,
mano. Vou carregar a máquina e tu bota pra fora todo o ódio
reprimido que tu tem dentro de ti. Pode espancar, atropelar,
beber antes de dirigir e matar prostitutas e velhinhas. Depois
é só fugir da polícia e ganhar pontos – anunciou Mané.
– Não vou fazer isso não, cara – declinei do convite
sem encará-lo.
Ele deu um soco nas minhas costas. Puxou meu cabelo
e bateu na minha cabeça com o cotovelo. Eu estava mal,
mas lembrei do dia em que joguei com o meu irmão e avancei
uma fase difícil em nosso jogo eletrônico, imaginando
que estava no túnel dos cupins. Encarei o Mané e disse a ele
que podia passar o cartão e carregar a máquina, que eu estava
pronto para enfrentar o desafio.
Apertei o botão verde e o jogo começou. Acelerei. Potência
total. Não dei um só tiro e comecei a ouvir o Mané reclamar.
– Ai, porqueira, o que é isso? – começou a gritar e a
passar as mãos pelo corpo.
Procurei não perder a concentração e mantive a máquina
com potência total. Quanto mais eu acelerava, milhares
e milhares de cupins atacavam o corpo de Mané, pelas
axilas, pela garganta, entrando nos ouvidos, nas narinas e
até pelo bumbum. Enquanto Mané gritava sob o ataque
massivo dos cupins eu comecei a fazer uma música muito
doida, um heavy metal eletrônico que transfomou tudo em
som maciço, pesado, um som tão extremo que ninguém
sabia mais o que era game e o que era vida real. Parecia que
tínhamos caído todos dentro da máquina.
59
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Você controla
Você encara
Você se livra das pragas
Você conquista
Você confere
Você se perde nas valas
Superesperto
Supertudo
Super-radical
Superanimal
Você me ameaça
Eu jogo com raça
Você manda em tudo
E eu não tô nem aí.
(aprox.)
& # 15
# 4 .
1ª exposição: Repetir 4x (de modo a cantar estrofes 1-2-1-2)
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1. Vo-cê
con - tro -la
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en - ca-ra
Vo-cê
se
2. Vo-cê
con - quis-ta
Vo -cê
con - fe -re
Vo-cê
se
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li - vra das pra -
per - de nas va -
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Su-per-ra -di-cal Su-pe -ra -ni-mal
Su -pe -res-per - to Su-per -tu - do
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Su-per-ra-di -cal Su-pe-ra -ni -mal
Vo -cê me a - me -
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Eu jo-go com ra - ça
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1.
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2.
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Eeu nãotô nem aí. - Eeu não tô nem a-í.
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D.C.
60
casa_do_meu_melhor_amigo_miolo_Layout 1 19/10/2010 08:36 Page 61
O Mané desmaiou de tanto desespero. Os cupins, comandados
pelo Rhino, deixaram ele no chão e foram embora
em filas e mais filas até desaparecerem. Eu estava em
estado de choque. Não conseguia sequer entender direito
o que se passava. Acordei na enfermaria da escola, numa
cama ao lado da cama do Mané. Estava medicado. Meu
corpo ainda doía um pouco, mas tive alta logo. O Mané
não, ele precisava de oxigênio para poder respirar. Descobriu
que era alérgico, pois seu organismo ficou todo inflamado
com o ataque dos cupins.
Na primeira oportunidade que tive fui à biblioteca,
limpei os grãozinhos de madeira defecados pela família do
Rhino e subi para a moldura do quadro no alto da parede.
Agradeci o apoio que eles me deram.
– Sozinho, eu não tinha como me livrar daquela situação,
Rhino.
– Mas foi você quem se livrou dela, caro Bento.
– Como assim?
– Imaginando, ora! Você, mesmo maltratado e forçado
a cometer aquilo em que não acredita, não se deixou ser
dominado pela programação da máquina. Você foi além;
conseguiu ser criativo e só assim eu pude fazer a metamorfose
e correr a tempo de mobilizar a colônia do cajueiro
para salvá-lo – explicou.
O meu amigo explicou ainda que presenciou todas as
agressões que o Mané tinha feito comigo na biblioteca,
mas, como eu estava desesperançoso, sem força de acreditar
no nosso segredo, ele não tivera como agir. Disse-me
que sofreu por me ver apanhar estupidamente e não poder
fazer nada.
61
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62
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Diante do ocorrido, a direção da escola ligou para os
meus pais e eles foram me pegar mais cedo. Decidiram que
eu iria ficar em casa descansando. Achei uma boa medida.
Tomei um banho refrescante e contei resumidamente o
caso da lan house na hora do almoço. À mesa parece que
fica melhor para as pessoas escutarem o que as outras têm
a dizer. O que não significa que entendam ou que considerem
o que se diz.
Meus pais saíram para trabalhar e o Soarim foi fazer
a tarefa no escritório. Resolvi ligar a televisão para espairecer
um pouco e dei de cara com o comercial de um novo
videogame, que dizia mais ou menos assim:
“Seres que controlam a sua vida estão prontos para
entrar em ação. Desperte o seu poder de fazer o que quer.
Leve esse poder com você. Passe para o próximo nível.
Chegou o seu brinquedo preferido, a sua fantasia favorita.
Dos mesmos criadores de tudo o que você gosta. Você
nunca viu nada igual. Corra, compre, pressione seus pais,
faça qualquer coisa, mas seja o primeiro a ter um!” – esgoelava-se
a locução do comercial.
Sabe quando a gente fica com a televisão ligada porque
não está acreditando no que vê? Pois eu fiquei assim naquele
momento e deixei rolar o que quer que fosse. Queria
ter certeza de que não era nenhuma maluquice minha. E o
blá-blá-blá continuava:
“Milhões de crianças em todo o mundo estão querendo
fazer parte do seleto grupo dos que têm essa novidade.
O megabrinquedo agora está quase em suas mãos.
Você não imagina o poder que ele vai lhe dar. Chegou um
mundo novo, totalmente modificado, inédito. Não é todo
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dia que você tem a chance de fazer a maior descoberta da
sua vida. Não seja pego de surpresa. Não vale ficar parado.
É mais divertido do que festa de aniversário sem
adulto por perto. Junte as cartas, seja nosso aliado. Nada
acontece por acaso”.
Respirei fundo, sentei no sofá e continuei a ver aquilo
tudo descontraidamente, até não conseguir mais desviar a
minha atenção. A locução era insistente:
“Sua missão é ficar mais poderoso, é ser a estrela de
você mesmo e fazer as maiores descobertas. Longe dos
adultos chatos. Eles podem aparecer a qualquer momento,
mas sua inteligência acaba de ganhar um grande reforço
para se livrar desses alienígenas. Quem é vencedor faz
assim, atira primeiro para perguntar depois. O brinquedo
é show. Fique ligado. Imperdível. Será a melhor brincadeira
da sua vida. Não esqueça: este é o brinquedo que
tem a sua cara, a sua garra. Mantenha longe do alcance
dos adultos. Não deixe ninguém desconfiar de nada. É o
nosso segredo”.
Deu-me uma náusea horrível. Fui ao banheiro tentar
vomitar. Não consegui. Olhei para o espelho e me senti estranho.
Eu não estava me reconhecendo. Que tragédia era
aquela que caía sobre mim? Lembrei que eu já tinha conseguido
encarar o Mané, então resolvi encarar aquele comercial
também. A voz sedutora, combinada com imagens
bem editadas e cheias de efeitos especiais, não tinha limites
em sua provocação:
“Você não sabe se vai esfriar ou esquentar. Parece sua
mãe fazendo as malas para se mandar. Chega de ser o bebezinho
da mamãe. Pegue o seu passaporte e não caia mais
64
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nesse mico. Invente uma desculpa. E lembre-se: um novo
tipo de poder está chegando, o poder raro e lendário do
mutante indestrutível. O MultiPower está pertinho de você.
Ele tem potência máxima e você está precisando de um herói
imbatível. Dê um game over na chatice. O MultiPower é o
herói mais irado da Galáxia, não só da Terra, e ele é todo
seu. A brincadeira não termina aqui. Peça pelo site ou
vá à loja mais perto de você. Faça parte desta aventura.
Prepare-se para ser feliz todos os dias” – dizia o pregador.
65
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VIII
Basta
Quis mudar de canal para procurar algo mais amigável,
mas decidi desligar o aparelho. Repassei na memória
tudo o que ocorrera comigo. Eu precisava mesmo de
repouso. Antes, porém, resolvi fazer uma música para desabafar
e relaxar ao mesmo tempo. Fiz um rhythm and
blues funkeado, para tentar me livrar de alguns sentimentos
que me levaram à exaustão.
66
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Quando estou muito cansado
Fico raivoso, confuso
Arde a minha cabeça
Queimo meus pés no deserto
Sou nuvem perdida sobre o mar
Seguindo a vontade do vento
Sou lamparina acesa ao sol
Esperando que a luz se vá
Quando fico assim
Não é legal
Quando fico assim
Só me faz mal
E digo: basta!
Não quero saber notícias do vento
E digo: basta!
Não quero saber notícias do Sol
Só quero mesmo me encontrar
Chegar a mim
E chegar já.
67
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& # # # (aprox.)
# # 4 8
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Quan - do es-tou mui - to can-sa
- do Fi - co rai-vo
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Sou lam - pa -
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me faz
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bas - ta! Não que-ro sa-ber
no - tí-cias do ven - to
68
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E di-go:
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che - gar já.
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69
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Dormi como havia tempos não dormia. Entrei pela
noite. Meus pais não me acordaram nem para o jantar. De
madrugada sonhei com o Mané. Sonho não, pesadelo. Ele me
pedia socorro dentro de um túnel gigante de cupim. Estava
sufocado. Os cupins gordinhos passavam o bumbum nos lábios
dele soltando uma gosma e os outros cupins colocavam
grãos de húmus e de terra na boca dele. Para completar, centenas
deles faziam cocô nos seus olhos. Com tantas cenas horríveis,
eu acordei e não consegui mais dormir.
O dia nasceu e, apesar da noite maldormida, eu estava me
sentindo bem e fui à escola normalmente. Como sempre, passei
primeiro na biblioteca, recolhi os grânulos expelidos pela família
do Rhino e fui para a sala de aula. O Mané não foi. A professora
disse que ele estava muito doente. Durante o recreio fui
até a secretaria, peguei o telefone da casa dele e liguei.
– Quem está ligando para a casa dos outros a essa
hora da manhã? – atendeu uma voz áspera de um
homem intranquilo.
– Meu nome é Bento, sou colega do Mané e queria
saber como ele está – ao me identificar o homem mudou
logo o tom e foi mais receptivo.
– Que bom que você ligou. Ninguém nunca liga para
o Manoel Filho. Espere um pouco, vou ver se ele pode atender
– e demorou, demorou...
A linha caiu e eu tive de retornar para a sala de aula.
Não consegui me concentrar. Havia algo que não estava
sendo contado e eu precisava descobrir. Chamei o Soarim
e o Rhino e quando fomos para casa pedi ao meu pai para
que déssemos uma passada na casa do Mané. Ele aceitou a
ideia, embora sem muita convicção.
70
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71
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Toquei a campainha e um homem roendo as unhas e
piscando muito veio abrir a porta. Ele estava com cara de
quem tinha chorado. Na sala, havia uma pessoa sentada
no sofá, escrevendo algo como se fosse um relatório. Depois
descobri que era mesmo um relatório. Aquela pessoa
era supervisora dos momentos que o Mané passava com
o pai dele.
O pai e a mãe do Mané eram separados. Nos últimos
anos o meu colega morava com a mãe e vez por outra o
pai passava por lá para pegá-lo. Ele precisava de supervisão
porque vivia se recuperando de problemas de dependência
química, de vício com drogas, e às vezes tinha
recaídas temerárias. E, quando isso ocorria, ele ficava
muito violento. Maltratava inclusive o Mané.
Naquele dia, a situação parecia mais complicada. A
mãe do Mané tinha ido embora, sem dar notícias, e o pai
estava tentando convencer as autoridades que podia cuidar
do filho. O risco que o Mané corria era de ser colocado
em um orfanato. Eu estava perplexo com todas essas
informações e fiquei mais chocado quando entrei no
quarto dele.
O Mané estava com febre e desfalecido. Cumprimentamo-nos
com oi e oi e seguimos calados. Nada vinha à
minha cabeça que me desse coragem de quebrar o silêncio.
Acho que ficamos trocando ideias sem gestos, sem palavras.
O Soarim olhava para mim e o Rhino também.
Não sei se eles esperavam que eu fizesse alguma coisa.
Meu pai ficara na sala, conversando com a acompanhante
do pai do Mané.
72
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O Mané não gostava do pai. Ele culpava a fraqueza
de ele ter aceitado ser vítima das drogas por todos os infortúnios
que vivia. Além disso, o Mané tinha sido usado
pela mãe como joguete emocional. Ela incentivava a raiva
do filho contra o pai. O pior de tudo é que a mãe dele
tinha arranjado um namorado que alimentava no Mané a
ideia de que o pai dele realmente não valia nada. Houve
um tempo em que eles faziam de tudo para não deixar o
Mané sequer ver o pai.
A supervisora disse ao meu pai que a mãe do Mané
tinha ido embora com o namorado, logo após a morte da
mãe dela, que era de fato a única pessoa que cuidava do
Mané, que o protegia. Antes de morrer, a avó tinha deixado
uma caixinha com uma mensagem para o neto, mas
o pai se recusava a abri-la e ela estava respeitando a vontade
dele.
Ao nos despedirmos, meu pai passou o número do
nosso telefone e disse ao pai do Mané que se eles precisassem
de qualquer apoio era só avisar. E, como que para descontrair,
disse em tom amigável que ele deveria abrir a
caixa deixada pela avó do Mané. Ele reagiu bem ao toque
do meu pai, dizendo que talvez tivesse precisando fazer
isso mesmo.
Saímos um a um e, como fiquei por último, percebi
que o pai do Mané tinha visto o Rhino. Ele passara a mão
na cabeça do meu amigo cupim como quem sabia o que
estava fazendo. Já no carro, fixei o cinto de segurança, coloquei
o rosto entre as mãos próximo ao vidro e fiquei
olhando para a casa do Mané até ela desaparecer. A cena
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do pai do Mané passando a mão na cabeça do Rhino não
me saiu da mente durante todo o percurso até a nossa casa.
Tudo o que ouvi da história do Mané e sua família
me deixou muito abalado, mas nada me deixou mais inquieto
do que o pai dele ter notado a presença do Rhino.
Uma coisa não sugeria vínculo com a outra. Quer dizer, de
um lado, o Mané tinha um pai perdido, dependente de drogas
e que só podia ficar com o filho se fosse acompanhado
por uma pessoa da Justiça, mas de outro era um humano
que se mostrava capaz de enxergar o meu amigo cupim.
Entrei em parafuso. Nada fazia ligação com nada em
meus pensamentos. Resolvi telefonar para o pai do Mané.
Queria ouvir a voz do homem que notara a presença do
meu amigo Rhino. E liguei. Ele atendeu.
– Quem está ligando para a casa dos outros bem na
hora do almoço? – perguntou o sr. Manoel, com voz ríspida
e intolerante.
– É o Bento, colega do Mané – e, como da outra vez,
o pai dele se tornou imediatamente mais ameno.
– Diga, Bento, vocês esqueceram alguma coisa aqui
em casa? – perguntou com jeito de quem nunca espera um
telefonema que não seja utilitário.
– Não, sr. Manoel, é que... é que... – eu não sabia o
que dizer.
– Diga, Bento – ele insistiu interessado.
– É que... é que eu fiquei com vontade de lhe mostrar
uma oração que o senhor poderia ler para o Mané na hora
em que ele fosse dormir.
Há muito tempo o pai do Mané não lia nada para o
filho. Desde que entrara para o mundo dos viciados em
74
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drogas que ele não tinha essa satisfação. Conhecia a “Oração
do Anjo da Guarda”, da qual eu falava, mas não estava
bem lembrado de como eram os dizeres. Entretanto, lembrou
que a mãe dele gostava dessa reza. Falei que na nossa
casa tínhamos feito uma música a partir dessa oração e que
era muito bom dormir ao canto de algo tão confortante.
Quando a conversa estava tomando jeito, ele me avisou
que teria de desligar o telefone porque precisava dar
os remédios do Mané e não podia atrasar nem um pouquinho
senão a supervisora colocava a falha como ponto
negativo no relatório, o que aumentava a ameaça de ele
perder a guarda do filho.
75
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IX
A relíquia de pano
Eram umas nove horas da noite quando o telefone
tocou em nossa casa. Eu já estava quase dormindo e despertei
com o toque do aparelho. Minha mãe atendeu falando
baixinho para não nos acordar. Ouvi-a dizer que eu
já estava deitado e que a pessoa que estava do outro lado
da linha poderia deixar recado ou ligar no dia seguinte.
Pelo jeito houve uma insistência. Levantei-me e fui até a
porta do escritório onde estava a minha mãe.
– Mãe, é o sr. Manoel?
– Sim, como você sabe?
76
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– Eu quero falar com ele.
– Pensei que você estivesse dormindo, filho.
– Eu acho que estava, mas agora quero falar com ele.
A mamãe me passou o telefone e do outro lado da
linha o sr. Manoel começou a chorar. Ele não falava nada,
nem eu. Comecei a pensar em um monte de asneiras. Dúvidas
e mais dúvidas passavam pela minha cabeça. Será
que o Mané morreu? Será que o juiz sentenciou que o
Mané ia morar no orfanato? Entre uma interrogação e
outra, controlei a respiração e perguntei.
– Posso ajudar em alguma coisa, sr. Manoel?
– Eu abri a caixa, Bento. E sabe o que encontrei dentro
dela? – Antes de me deixar dar qualquer palpite, completou:
– Dentro dela tem um bordado com a “Oração do
Anjo da Guarda”, igual à que você me falou hoje – foi dizer
isso e voltar a soluçar intensamente.
Outro momento de mudez passou a fazer parte da
nossa comunicação. Pensei comigo que, assim como a música
é feita de silêncio e som, as conversas mais intensas
também devem ter seus momentos de ficarmos calados.
Até que decidi falar.
– Sr. Manoel, o Manoel Filho está bem?
– Está... está me esperando para ler alguma coisa para
ele dormir. Mas eu estou querendo fazer muito mais do
que isso. Lembrei que você tinha me dito que na casa de
vocês a “Oração do Anjo da Guarda” é cantada. É verdade?
– Isso mesmo, sr. Manoel, nós a transformamos em
uma oração de ninar.
– E você pode me ensinar essa música para que eu
cante para o Manoel Filho?
77
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– Claro que posso.
– Espere um momento – pediu-me com certo nervosismo
e a nossa comunicação voltou à mudez.
Com muito esforço percebi que ele estava se deslocando
dentro de casa. Pelos sons que me chegavam, eu ia
imaginando o que ele estaria fazendo. Depois de ouvir passos
rápidos, não foi difícil saber que ele havia parado em
algum lugar. Escutei o som de uma gaveta sendo aberta;
com gesto tenso, não dava para negar. Novamente os ruídos
de pisadas tomaram conta da transmissão. Uma cadeira
foi arrastada. Ao fundo, escutei a voz do Mané.
– O que você está fazendo, papai?
– Tenho uma coisa muito importante para lhe dar de
presente hoje à noite, meu filho.
– Que paninho é esse?
– Não é só um paninho, meu filho, é uma oração que
a sua vovó bordou e deixou de presente para você, antes
de partir.
Não dava para pegar tudo o que eles falavam, mas para
mim já era de grande alegria notar que eles estavam conversando
e que a história de que o Mané estava esperando o
pai para um momento de leitura antes de dormir era verdadeira.
Enquanto a minha cabeça se agitava fora do meu controle,
eu procurava exercitar ao máximo a paciência.
A informação sonora que me chegava dizia que o aparelho
telefônico estava novamente no ouvido do pai do
Mané, com sons de pequenos esfregados que revelavam
sua sustentação entre o ombro e a orelha. Dirigindo-se a
mim, ele me pediu para cantar a oração de ninar. E eu fui
cantarolando a música lentamente pelo telefone e o sr. Manoel
repetia aos prantos para o filho.
78
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Meu menino lindo
Trouxe essa oração
Que a vovó mandou
Foi de coração
Que ela bordou
Só para você
Essa oração
Do Anjo da Guarda
Pede um sono bom
Um sono tranquilo
E reparador
Só para você
Amém.
(aprox.)
& bb b b b b 4 4
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Meu me - ni - no lin - do Trou -xees-sao - ra - ção
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œ œ œ œ ˙
Quea Vo - vó man-dou
Foi de co - ra -ção
Que e - la bor -dou
& bb b b b b œ œ œ œ ˙
2
œ œ œ œ ˙
Só pa - ra vo - cê
Es - sa o - ra - ção
& bb b b b b œ œ œ œ œ
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œ œ œ œ ˙
œ œ œ œ œ œ
Do an - jo da guar - da Pe-deum so - no bom Um so - no tran-qüi - lo
& bb b b b b œ œ œ œ ˙
œ œ œ œ ˙
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Œ
E re - pa - ra - dor
Só pa - ra vo - cê
& bb b b b b Ó
poco rall.
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U
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A
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mém.
79
casa_do_meu_melhor_amigo_miolo_Layout 1 19/10/2010 08:36 Page 80
Senti que o sr. Manoel queria repetir várias vezes a
oração cantada, que eu transmitia para ele por telefone, no
entanto ele ficara engasgado com o próprio pranto. Parou
no amém. Depois que desligamos, eu estava sem sono.
Acordei o Rhino e disse que gostaria de ir para a casa dele.
Disse que não estava conseguindo entender os humanos.
Surpreendi-me quando o Rhino não se pôs de acordo comigo,
sob o argumento de que estava com dificuldade de
entender os cupins. Contou-me angustiado que no dia seguinte
a sua família iria criar asas e voar em busca de outras
madeiras para fazer novas colônias.
Nunca fiquei tão confuso em minha vida. De qualquer
maneira, eu estava aliviado com os sinais de reconciliação
do Mané com o pai dele. Meus pais apareceram na porta
do quarto para ver se eu estava dormindo e preferi demonstrar
para eles que estava tudo bem. Talvez estivesse
mesmo. Tanto que dali em diante consegui dormir por
toda a noite.
Dei trabalho para acordar no dia seguinte. Minha
mãe ficou irritada e o meu pai levou-nos à escola com cara
de chateado. Ele não gosta que a gente chegue atrasado,
diz que é um desrespeito a quem chega na hora. Concordo
com ele, e sei que ele também concorda comigo que há
dias em que as coisas não acontecem como a gente quer.
Porém, naquele dia, não havia clima para conversarmos
sobre isso. O jeito foi seguir todo mundo calado.
Pedi licença e entrei na sala de aula. Sentei ao lado
de Celise. Ela quis saber por que eu estava com o semblante
tão diferente. Não lhe dei atenção, embora ela tivesse procurado
me confortar mostrando que tinha vários pacotes
80
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81
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de figurinhas para colarmos no álbum. Entendi o seu gesto
como um sinal de reaproximação e apenas balancei positivamente
a cabeça, afirmando que poderíamos, sim, voltar
a colocar juntos as figurinhas no álbum.
Pouco tempo depois a Celise me tocou o braço e, mal-
-humorado, puxei o ombro para a frente, procurando revelar
minha inquietação com sua insistência em me abordar,
quando eu não estava com vontade de conversar com ninguém.
Ela insistiu e acabei olhando para ela com cara de
reprovação. Notei, porém, que ela estava querendo me passar
um papel dobrado e com a ponta colada, protegendo
alguma mensagem.
Pensei logo que se tratava de um bilhete dela para
mim. Como eu já tinha sugerido com um balançar positivo
de cabeça que poderíamos ir colar figurinhas juntos
na hora do pátio, evitei receber o papel, para a situação
não parecer melosa demais. Ela insistiu. Virei-me novamente
com cara de mau e ela me mostrou que na parte
externa do bilhete estava escrito: “Para Bento”, “De Manoel
Filho”.
Peguei o bilhete com pressa e somente naquele instante
vi que o Mané estava na sala. Se ele tinha retornado
à escola isso queria dizer que a supervisora da Justiça tinha
recomendado que ele poderia viver com o pai. Meu coração
começou a bater forte. Tentei controlar a respiração
para não passar vexame. Mas tudo se tornou vão quando
abri o bilhete do Mané e li no centro da página: “Obrigado,
meu amigo!”
Entrei em estado de choro e, de repente, notei que
dos meus ombros começavam a sair duas pontas de asas.
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Elas aumentavam rapidamente e começaram a furar a
blusa do meu uniforme. Tive de sair da sala às pressas,
saindo e pedindo licença ao mesmo tempo. Corri o mais
rápido que pude. Quanto mais eu corria em direção à biblioteca,
menor eu ficava.
No caminho, passei pela sra. Nair, que exibia a moldura
do quadro se desmanchando em suas mãos. Pensei
em muitas desgraças. Será que o meu amigo tinha conseguido
chegar em casa a tempo de ver os pais? Será que a
sra. Nair conseguira eliminar a família do Rhino? Enquanto
uma porção de indagações indesejáveis chegava a
mim, senti-me leve, cada vez mais leve, leve, muito leve...
Eu estava voando.
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X
Os amigos alados
Eu voava como se fosse um cupim adulto. Em pleno
ar, encontrei o Rhino com seus pais e os amigos da colônia
do pé de cajueiro. O Rhino, sim, já era um adulto e estava
com uma companheira seguindo um caminho aleatório para
formar uma nova colônia. A revoada existe para que os cupins
escolham outra morada, escavem novas galerias e
façam novos ninhos.
Naquele fim de tarde morna, descobri quanto é bom ter
amigos alados. Nem dava para acreditar. Distante do chão,
o cajueiro tinha as cores da tela que havia na biblioteca, com
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animadas folhas lilases e azuis, a fosforescer entre réstias de
luz solar.
Olhei para o Rhino e disse que queria ir embora com
eles. Disse que nunca mais voltaria a viver sem asas. Meu
destino era ser cupim para sempre. Viver mudando de casa
e conhecendo outros mundos.
– Nossa vida não é bem assim, amigo Bento – advertiu
Rhino enquanto rodopiava.
– Como não, se estamos voando? – questionei fazendo
uma acrobacia.
– É que logo, logo, perderemos as nossas asas. Elas
não são permanentes. Só duram até aterrissarmos na madeira
onde construiremos a nossa nova colônia.
– Então, eu também vou deixar de ter asas novamente?
– Claro que sim, você vai deixar de ter asas daqui a
pouco. É da natureza dos cupins criar e perder asas, e você
está em forma de cupim, esqueceu?
Que chato saber dessa condição em pleno voo. Se eu
estivesse lendo um livro ou vendo um filme e fosse interrompido
naquele momento, diria que tinha sido obrigado
a parar bem na hora do conflito. Pois bem, já que era a
hora do meu conflito, eu não poderia deixar que ninguém
desligasse a minha história.
Voltei a me aproximar do Rhino e perguntei como ele
imaginava que eu ficaria quando ficasse sozinho, sem asas e
tendo de voltar para casa. Ele me disse que eu não me preocupasse,
porque eu tinha uma família que me amava muito e
que estava sempre perto de mim, fazendo as coisas junto.
– E é só para isso que servem as famílias? – perguntei
com certo ar de desprezo.
85
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– Não, as famílias servem para nos ajudar a ser livres,
e só é livre quem aprende a viver em movimento.
– Você diz isso porque os cupins vivem comendo a própria
casa, depois se mandam em busca de outra casa para
comer e, assim, faz até sentido o que você está dizendo.
– Com você não é tão diferente, Bento.
– Como não, Rhino, se sempre volto para a mesma casa?
A conversa foi longe, nos seguiu em nossas piruetas. Lá
pelas tantas fiquei convencido de que uma casa não serve apenas
para morar. Pensei na nossa casa, no meu irmão, nos meus
pais, no ritmo que damos às nossas vidas, fazendo umas coisas
e outras não. Convenci-me de que as nossas casas não são
apenas as instalações onde moramos; é a partir delas que regressamos
sempre ao mundo, como a lição que aprendi ao
frequentar a casa do meu melhor amigo.
Mesmo que muito do que fazemos na vida seja fora
de casa, com as pessoas mais diferentes, umas amigas e outras
nem tanto, a parte que fazemos com a nossa família é
a mais importante da nossa vida. Seja que tipo de família
for, família com base em pais casados, pais separados, mãe
ou pai solteiro, casais que romperam com exigências religiosas
de não se apaixonar, casais que têm filhos adotivos,
casais sem filhos e pessoas que vivem juntas porque se
amam, independentemente de sexo e de idade.
Após pensar na forte relação que existe entre a família
e os amigos, os insetos e os humanos, a cultura e a natureza,
comecei a desconfiar que eu estava com vontade de
voltar para casa. O Rhino acabara de pousar em uma madeira
velha, largada em um terreno baldio, onde iniciaria
uma nova colônia com a sua companheira. Colocariam
ovos que virariam larvas, depois ninfas e, finalmente, uma
porção de cupinzinhos.
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87
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O que eu precisava saber eu já sabia, que era onde o
meu melhor amigo ia morar. Ao lembrar da minha família,
do tanto de aventuras que vivemos juntos e comparar com
as minhas idas à casa do Rhino, compreendi que a casa
do melhor amigo não é lugar para morar, mas sim para
passear. Comentei sobre a minha dedução com o Rhino e
ele concordou plenamente.
Como não poderia deixar de ser, fiz um samba de
partido-livre, uma variação espontânea do que os sambistas
chamam de partido-alto, para comemorar o nosso
até logo.
Até já, meu amigo
Sei que um dia a gente vai se encontrar
Até já, meu amigo
Estou com você em qualquer lugar
É bom ter amigo alado
Pois quem voa não diz adeus
Quem voa é sempre convidado
A estar junto dos seus
Por isso já marquei no calendário
Qualquer dia pra gente comemorar
No campo ou na cidade
O aniversário da nossa felicidade
Estou aqui, você também.
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(Repetir várias vezes,
sempre decrescendo, até o nada)
89
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Assim que parei de cantar, percebi que meu corpo estava
em forma de menino, que a blusa do meu uniforme
não estava rasgada e que não havia asas nos meus ombros.
Ouvi uma gritaria no pátio da escola. Era a sra. Nair comemorando
que, além da descoberta da casa de cupim
existente na moldura do quadro da biblioteca, tinha desvendado
também uma passagem de cupim que levava a um
cupinzeiro enorme, fixado nos galhos secos do pé de caju.
Com um pano úmido e sabão neutro, ela limpava a
tela com a imagem de suaves folhas lilases e azuis em alaranjadas
réstias de luz solar. Com uma vassoura de piaçava
e um aspirador, ela apanhou os restos da casa de cupim
que tinha derrubado do galho do cajueiro. Com o borrifador,
espalhou veneno em tudo o que lembrasse a existência
de cupim.
Repetia sem parar, para quem quisesse ou não quisesse
ouvir, que ela não se chamaria Nair se não tivesse
acabado com aquela praga. Falando alto e esbanjando orgulho
por sua eficiência, ela fixou com elástico o aviso de
“Interditado” no tronco da árvore, que normalmente servia
de ponto de contagem para as nossas brincadeiras de esconde-esconde.
Do jeito contemplativo que eu estava, dificilmente
outra voz, que não a da sra. Nair, conseguiria chamar a
minha atenção. Tanto que foi preciso a Celise tocar em meu
ombro para que eu percebesse sua presença.
– Você está se sentindo bem, Bento?
– Como assim?
– É que você saiu da sala às pressas, parecia que estava
voando...
90
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– Estou me sentindo bem, sim. Obrigado, Celise.
– Então, vamos voltar para a aula.
– Não, vou ligar para os meus pais me pegarem, estou
precisando ir para casa.
Pedi a Celise que pegasse o meu material na sala e
avisasse que eu estava indo para casa. A professora veio
falar comigo para saber o que estava acontecendo. Não
consegui explicar. De qualquer forma ela foi muito atenciosa
e me passou uma tarefa para ser feita na biblioteca
enquanto meus pais não chegassem. Eu ainda não tinha
ido lá depois que o Rhino e a família dele tinham partido.
Na parede ao lado da estante, sem o quadro do pé de
caju com suas cores crepusculares, só não estava um vazio
entristecedor por causa do aviso de “Interditada”, colocado
pela sra. Nair.
Comecei a rir um estranho riso, provocado simultaneamente
pelo lado cômico da figura da sra. Nair e por
meu contentamento de ter conseguido apoiar o Rhino e a
sua família durante o tempo que foi preciso para eles criarem
asas e irem embora sem serem descobertos por ela.
Sabia que qualquer dia desses iria encontrá-los novamente,
mas naquele momento a minha vontade era que o
tempo passasse bem rápido para que meus pais viessem
logo me pegar.
No caminho de casa o meu pai e a minha mãe perguntaram
a mim e ao meu irmão como havia sido a nossa
manhã na escola.
O Soarim disse que a professora havia passado uma
tarefa de pesquisa sobre a vida dos insetos e que ele tinha
escolhido fazer sobre os cupins. Piscou o olho para mim e
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fez um gesto entortando a cabeça como se pedisse aprovação.
Pisquei para ele também, em sinal de cumplicidade.
A resposta do meu irmão induziu a minha. Eu não
sabia como dizer que tinha aprendido a amar a minha família,
porque era a partir dela que eu me aventurava. Sem
encontrar as palavras para dizer isso, falei que tinha aprendido
na escola a valorizar mais a vida quando a pomos
em movimento.
Então, começamos uma brincadeira sobre as coisas
que passam a ter vida quando damos vida a elas. Nossos
pais citavam nomes de objetos e nós dizíamos por que eles
se mexiam:
– A pipa? – perguntou minha mãe.
– Voa porque a empinamos – respondeu Soarim.
– A bicicleta? – perguntou meu pai.
– Roda porque a pedalamos – respondi.
– O computador?
– Funciona quando nós o ligamos – disse meu irmão.
– A bola?
– Entra no gol porque a chutamos – respondi e, por
um instante, me dei conta de que todos ficamos em silêncio,
olhando uns para os outros, até que completei: – Quer dizer,
muitas vezes ela entra no gol porque o goleiro é frangueiro.
E caímos na risada.
92
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93
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Sobre as músicas e o CD
Interpretação dos personagens
Lucas Espíndola e Rodolfo Rodrigues
– vozes e vocais do Bento e do Rhino
André Abujamra – voz e vocais
da consciência do Bento
Sérgio Espíndola – voz do pai
do Bento e do Soarim
Ná Ozzetti – voz da Celise
Edvaldo Santana – voz do pai
do Mané
Capítulo I – A casa de comer
Música – Casa de comer (2’33’’
BR-PPC 10-00010)
Autores – Orlângelo Leal
e Flávio Paiva
André Abujamra – voz e vocais
Luiz Waack – guitarras
Reinaldo Chulapa – baixo
Kuki Stolarski – bateria
Capítulo II – O silêncio do
olho mágico
Música – Olho mágico (2’16’’
BR-PPC 10-00007)
Autores – Anna Torres
e Flávio Paiva
Rodolfo Rodrigues – voz e vocal
Luiz Waack – violões de aço e guitarra
Reinaldo Chulapa – baixo
Kuki Stolarski – bateria
Capítulo III – Boa noite, nuvem
Música – Boa noite nuvem (2’46’’
BR-PPC 10-00004)
Autor – Flávio Paiva
Sérgio Espíndola – voz
Daniel Szafran – piano
Luiz Waack – guitarra
Amilcar Rodrigues – trompete
Capítulo IV – Beco dos manos
Música – Beco dos manos (4’06’’
BR-PPC 10-00003)
Autores – Rebeca Matta, Boeing,
Rukah, Lucas Paiva
e Flávio Paiva
Lucas Espíndola – voz
Rodolfo Rodrigues – vocal
Luiza Waack – vocal
Luiz Waack – violão, guitarra
e vocal
Ricardo Garcia – percussão
Antonio Bombarda – sanfona
Capítulo V – Tudo é música
Música – Nina no jardim de Lucas
e Artur (2’50’’
BR-PPC 10-00006)
Autor – Flávio Paiva
Lucas Espíndola – voz e vocal
Rodolfo Rodrigues – vocal e voz
Luiz Waack – violão e cavaco
Ricardo Garcia – percussão
Capítulo VI – Tempo
Música – Tempo (2’33’’
BR-PPC 10-00009)
Autores – Vicky Verônica
e Flávio Paiva
Ná Ozzetti – voz
Luiz Waack – violões, guitarra e efeito
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Capítulo VII – MultiPower
Música – MultiPower (2’58’’
BR-PPC 10-00005)
Autores – Carol Damasceno,
Hérlon Robson,
Artur Paiva e Flávio Paiva
Rodolfo Rodrigues – voz e vocais
Lucas Espíndola – vocais
Luiz Waack – guitarras, programação
eletrônica e efeitos
Dani Krotoszynski – programação
eletrônica
e efeitos
Capítulo VIII – Basta
Música – Basta (3’30’’
BR-PPC 10-00002)
Autores – Vicky Verônica
e Flávio Paiva
Lucas Espíndola – voz e vocais
Rodolfo Rodrigues – vocais
Luiz Waack – violão e guitarra
Reinaldo Chulapa – baixo
Kuki Stolarski – bateria
Mauricio Pereira – sax soprano e
sax tenor
Amilcar Rodrigues – trompete
Capítulo IX – A relíquia de pano
Música – A oração que a vovó bordou
(1’14’’ BR-PPC 10-00001)
Autor – Flávio Paiva
Edvaldo Santana – voz
Daniel Szafran – piano
Luiz Waack – violão de aço e guitarra
Capítulo X – Os amigos alados
Música – Revoada (3’22’’
BR-PPC 10-00008)
Autores – Abidoral Jamacaru
e Flávio Paiva
Lucas Espíndola – voz
Rodolfo Rodrigues – vocal
Luiz Waack – violões e cavaco
Ricardo Garcia – percussão
Dani Krotoszynski – programação
eletrônica
Produção, arranjos e direção musical –
Luiz Waack
Pré-arranjos – Orlângelo Leal (Casa de
comer), Anna Torres (Olho mágico),
Hérlon Robson (Boa noite nuvem e
MultiPower), Rebeca Matta, Boeing,
RuKah e Carla Suzart (Beco dos
manos), Angelita Ribeiro, Erwin
Schrader e Tarcísio José de Lima (Nina
no jardim de Lucas e Artur), Bocato e
Paulo Lepetit (Basta) e Abidoral
Jamacaru (Revoada)
Editoração da escrita musical – Tarcísio
José de Lima
Coprodução – Daniel Krotoszynski
Mixagem – Daniel Krotoszynski
e Luiz Waack
Produzido no H. Studio Waack (São
Paulo) entre abril e maio de 2010
Masterizado por Homero Lotito, no
Reference Mastering Studio (São Paulo),
em maio de 2010
Produção fonográfica – Plural de
Cultura (filiada à Amar Sombrás)
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casa_do_meu_melhor_amigo_miolo_Layout 1 19/10/2010 08:37 Page 96
Agradeço aos amigos alados, Abidoral Jamacaru,
André Abujamra, Anna Torres, Carol Damasceno,
Edvaldo Santana, Hérlon Robson, Lucas Espíndola,
Luiz Waack, Ná Ozzetti, Orlângelo Leal, Rebeca Matta,
Rodolfo Rodrigues, Sérgio Espíndola, Vicky Verônica e a
todos os músicos, que me ajudaram a contar essa história
em sua dimensão musical, em voos de aconchego das
nossas casas em Crato, Curitiba, Fortaleza, Itapipoca,
Madri, Salvador, São Paulo e Paris.
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Tati
Móes
Nas ci e passei
minha infância no
Recife. Nunca parei
de estudar pintura e desenho,
nem quan do terminei a Escola
de Belas Artes e o curso de
Design Gráfico. Assim que me
formei, estudei Artes com um
professor japonês. Foi durante esse
curso, quase meio sem querer, que
entrei no universo das histórias de
fantasias e lendas. Atualmente moro
em São Paulo, numa casa com
janelas largas que deixam o sol
entrar, iluminando as histórias.
Se você tiver vontade de conhecer
um pouco mais do meu trabalho,
dê uma passadinha em meu blog:
http://tatimoes.blogspot.com;
sempre se pode con ver sar
sobre arte.
No momento de transição da
infância para a adolescência,
dois amigos descobrem
que a amizade tem asas.
Mas o quanto essa descoberta
vai alterar suas vidas?
Neste livro-CD, Flávio Paiva
abre uma passagem secreta
entre a literatura e a música,
que pode levar o leitor
a respostas inesperadas.