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- Ótimo, agora senta-te, espera como os outros, ou
fica de pé, como quiseres, vão-te chamar pelo nome.
O jovem permaneceu no mesmo lugar, não havia
muito mais espaço mesmo para se mexer. A grávida
encolheu as pernas para lhe dar um pouco mais de espaço,
e isso foi apreciado. Sorriu-lhe e agradeceu baixinho. Ela
respondeu:
- Eu ainda não tenho nome, mas ela já tem, vai
chamar-se Maria. - Sorriu com uma boca de dentes
castanhos esburacados. Não parecia muito incomodada
com a dentição podre, mas àquela distância o jovem sentiu
o mau odor vindo daquela boca e conteve-se para não
demonstrar o incómodo. Afinal estavam todos ali pelo
mesmo, tinham sido reciclados, processados e iam refazer
a vida a partir do nada de consciência tranquila, diziam
eles.
Joshua, chamava-se Joshua, o nome parecia-lhe
estranho como tudo o resto. Tinha um vislumbre muito
ténue da sua vida passada. Em algum ponto do tempo
nasceu, teve uma mãe, um pai, uma irmã bebé, sim tinha
uma ideia de uma irmã, uma família e era amado. Depois
deixou de merecer o direito a ser amado. Sabia o que tinha
feito, do que era acusado, que tinha assinado um papel que
consentia em todo aquele procedimento invés de vinte e
cinco anos fechado num estabelecimento prisional. E
aquela mulher tão grávida, que teria ela feito? Parecia feliz,
cansada, mas feliz, seria a proximidade da maternidade?
Ele só tinha dúvidas, seu espírito permanecia num
estado geral de confusão, em que tudo lhe parecia
alienígena e ao mesmo tempo familiar, talvez fruto da sua
natureza ou de alguma estranha reação aos químicos com
que tinha sido processado. Seria isso, tinha que ser um
bom exemplo de processamento, para justificar o dinheiro
Estava ali sem nada, era um composto de nada a
aguardar para saber como ia pagar a sua dívida ao estado,
contudo perante aquela mulher, teve um vislumbre de
outra mulher assim tão grávida. Um vislumbre do que
perdera, de outra vida que já não era sua e foi invadido por
uma dor estranha, a dor da perda de algo que não recordava.
Uma porta abriu-se e um homem enorme e
volumoso saiu do seu interior, ao sair comprimiu dois
utentes, passou por sima de um terceiro e quase que o levou
com ele à frente. Estranhamente, o seu cheiro fresco foi
um alívio e um prazer para os seus sentidos. O homem
pousou-lhe uma mão enorme no ombro direito, pregoulhe
uma palmada valente nas costas, e soltou um: - Boa
sorte na próxima vida, Joshua!! - E o jovem já transpunha
em desequilíbrio a ombreira da porta agitando os braços
finos, quase caindo com aquele gesto de boa disposição.
Assim que recuperou o equilíbrio voltou para trás para
reclamar, mas encontrou apenas uma porta fechada, ele
trancado no seu interior, sem saber bem como aquilo
aconteceu
Ali no gabinete as paredes eram beges e havia
quadros a embelezar o espaço de jardins paradisíacos, o
chão estava coberto por uma carpete de pelo curto, e ao
fundo estava uma secretária longa com duas poltronas
confortáveis à frente. Atrás da secretária estava a sua agente
condicional sentada numa cadeira de costas altas que,
parecia, mexia-se com ela, acompanhando os movimentos
do seu ocupante.
- Joshua, podes avançar! Como te sentes hoje? –
Ela levantou-se e inclinou-se ligeiramente para lhe estender
uma mão que ele aceitou e apertou timidamente. Era uma
mulher ainda jovem, talvez uns quarenta e pouco anos,
uns quilos a mais, de rosto redondo e simpático. Depois
dos contribuintes na sua reabilitação.
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