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dos cumprimentos, voltou para o seu lugar e Joshua
sentou-se numa das poltronas.
- Ansioso Senhora, cansado, mas aliviado.
- Mas é claro, é tudo normal nesta fase do
tratamento. E ainda deves estar confuso, talvez tenhas
recordações.
- Não senhora, nenhuma, estou totalmente
limpo.
- Não precisas de ter medo ou vergonha se tiveres
alguma recordação. Estamos aqui para te ajudar nesta fase
da tua vida, a transpor qualquer obstáculo para a tua
reabilitação. Vais continuar o tratamento durante mais
algum tempo e depois vais ver que gradualmente vais
compreender que não será mais necessário. Alguma
pergunta?
- Sim, há algo que me incomoda. Sou mesmo outra
pessoa? E se a minha natureza se revelar igual ou pior do
que a anterior? E se recordar que sou um homem mau?
- Não és um homem mau, acredito que nenhuma
criança nasce má, foste apenas vítima das circunstâncias,
por isso existe este programa, para pessoas como tu, que
querem mudar, que trabalham para isso e tu és um
excelente exemplo, não te esqueças que os candidatos são
rigorosamente escolhidos e a mudança tem que começar
antes do início dos tratamentos. Eles não funcionam com
resistência. Estamos muito felizes com o teu desempenho
Joshua, desde o início demonstraste que estás disposto a
mudar e transformares-te num membro útil da sociedade.
Estás pronto? Sentes realmente que estás pronto a voltar
lá para fora?
- Sim! – Respondeu com convicção, era isso que
sentia, mais do que tudo, naquele momento, queria viver,
estar integrado, fazer parte de algo, de um grupo, de uma
erguida, sem vergonha. Ter um emprego, comprar uma
casa, ter uma mulher e filhos. Sim, iria ter muitos filhos.
O seu rosto expressivo quase que revelava todos os
seus sonhos e isso pareceu agradar à Agente da
Condicional. Contudo, Mariane Shart não estava nada
agradada, fazia o seu trabalho como sabia, de forma
meticulosa e profissional, as suas perguntas eram iguais
para todos, o discurso idêntico e os medos e receios dos
reclusos processados eram todos os mesmos. Aquele caso
em especial parecia-lhe uma afronta, uma criança-soldado
transformada em assassino especialista em emboscadas.
Um criminoso de guerra sem remorsos responsável pela
morte de centenas de civis indefesos. Tinha lido o ser
processo e sim, se existiam homens maus ali estava um
homem mau a quem tinham dado a oportunidade de se
redimir. E ainda por cima com uma carta de recomendação
do presidente da Nova Aliança para um perdão total em
cinco anos de bons trabalhos efetivos. Sim, não podia ir
contra isso, a sentença já tinha sido emitida, ela estava ali
para lhe dizer isso, mas por que lhe facilitar a vida?
Porque ele tinha que ser beneficiado enquanto
outros tinham que cumprir todos os 25 anos de pena?
Porque os direitos eram mais direitos para uns do que para
outros? A eterna pergunta que ficou desde Antígona. E lá
fora à espera de ser chamada estava Isabel, uma mulher
que matou o marido abusivo apenas para proteger a filha
por nascer. Ia criar e educar uma criança nas mais duras
condições e nunca renunciou à sua carne.
A guerra tinha terminado, mas as injustiças eram
sempre as mesmas.
Mariane era uma profissional experiente e estava
preparada para algumas injustiças, acreditava no programa
e era uma das suas maiores defensoras. Contudo não ia
sociedade, onde fosse aceite e podia andar de cabeça
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