Tribuna Pacense 27 de Dezembro de 2019 | Edição nº 1198
Destaques desta edição: - Nova Igreja de Freamunde já está aberta ao público - Reportagem: "Sem-abrigo, também os há na nossa terra" - Vento e chuva fazem estragos no concelho - F.C Paços de Ferreira em maré alta - Artigos de opinião: "2020, mais um ano de mixórdia política" e "Greta Thunberg".
Destaques desta edição:
- Nova Igreja de Freamunde já está aberta ao público
- Reportagem: "Sem-abrigo, também os há na nossa terra"
- Vento e chuva fazem estragos no concelho
- F.C Paços de Ferreira em maré alta
- Artigos de opinião: "2020, mais um ano de mixórdia política" e "Greta Thunberg".
- No tags were found...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
16
CYANMAGENTAYELLOWBLACK
OPINIÃO
TRIBUNA PACENSE 27 de Dezembro de 2019
Do meu galho em árvore podre
A SARA TRANSGREDIU - E A SOCIEDADE
QUE A PARIU E ATIROU AO LIXO, NÃO?
A Sara, aquela que
deitou o filho no contentor
do lixo, nasceu
selvagem como eu,
como você, como toda
a gente que nasceu e
anda por aí como o
Santana Lopes, como
todos nós. Esta é a mais
comezinha das verdades
e de tão comezinha
que é todos a rejeitam,
menos eu, que a última
coisa que farei será a
de me enganar a mim
próprio, que isto de curtir
a vaidade tola de me
considerar de origem
divina e de me considerar
superior às outras
espécies não entra na
minha cabeça. Tamanha
intrujice excede largamente
a capacidade
de alojamento do meu
crânio, não só pela sua
dimensão, mas também
pela baixa qualidade
dos pressupostos.
Ao parto natural
sucede o parto social.
Este é que vai definir
o que cada um representa
na vida. Somos o
que a sociedade faz de
nós, umas vezes amordaçando-nos
o instinto,
outras vezes exacerbando-lhe
a animalidade.
Vítimas de um cérebro
que evoluiu demasiado
rápido; vítimas de
uma prodigiosa imaginação,
capaz de ficções
que se transformam em
segundas realidades;
vítimas da inaptidão
para distinguir a realidade
da fantasia e da
mentira, a raça humana
transformou-se num
conjunto de animais
exóticos com um percurso
terrestre divergente
da restante natureza,
cujos resultados se
conjecturam complexos
e perigosos.
O caminho divergente
que tomamos iniciou-se
com a invenção
da multiplicação do alimento
há alguns milhares
de anos atrás.
A sociedade actual
começa com a agricultura.
Aí se inicia a propriedade
privada dos
meios de produção e
da terra e a divisão dos
homens em classes.
Patrões e trabalhadores,
na época esclavagistas e
escravos. Assim começou
a civilização, assim
continuou e assim continua.
Todo o desenvolvimento
moderno assenta
na expansão da base alimentar
primitiva.
Se limparmos o lixo
que o sistema que rege a
sociedade nos atira para
os olhos, observamos
com grande nitidez que
o actual sistema capitalista
é uma cópia a cores
do sistema esclavagista
a preto e branco de
antigamente. A base é
exactamente a mesma:
a propriedade privada
dos meios de produção
e a inerente sociedade
de classes, tal e qual
como há milhares de
anos lá para os lados
da selva. Onde está o
progresso no relacionamento
humano, este
sim, o mais importante
de todos?
Não existe, continuamos
os mesmos
animais, os mesmos
esclavagistas, as mesmas
bestas insensíveis,
os mesmos ditadores,
os mesmos ignorantes,
os mesmos escravos
obedientes ao poder da
riqueza. Houve, é facto,
uma mudança enorme
na multiplicação da
riqueza, na capacidade
de escravização da
natureza por meio da
tecnologia e da ciência,
mas não houve mudanças
fundamentais no
relacionamento entre os
homens. Pelo contrário,
a bestialidade acentuou-
-se, actualmente com
esmeros de sadismo
extraído do conhecimento
cada vez maior
do funcionamento da
natureza e da sociedade.
Na primeira escravatura,
o impulso era
dado pela necessidade
cega de aumentar os
bens necessários, agora,
o impulso é dado pelo
mais estulto egoísmo.
Nunca houve sociedade
mais burra que a actual.
O modo como se usa a
ciência e a tecnologia,
meios já capazes de instalar
na Terra o Paraíso
da fábula para muito
melhor, informa-nos
tragicamente sobre o
progresso zero na convivência
humana. É de
tragédia o facto incontroverso
de os seres
humanos não se reconhecerem
entre si como
iguais. O racismo, a
xenofobia, o classismo
e todo rol de discriminações
entre culturas e
países diferentes, também
entre os nacionais
de um país ao separarem-se
por uma quantidade
absurda de preconceitos
adquiridos
passivamente e transformados
em valores
de conduta ao serem
interiorizados como
verdades plenas, retira
toda a esperança numa
sociedade inteligente e
harmoniosa.
Aceitar a nossa natureza
animal é o primeiro
passo para olharmos o
mundo na sua realidade
material e o limparmos
das sujidades místicas
que lhe ocultam a verdade
e a beleza. Jamais
poderemos usufruir o
mundo real se continuarmos
a vê-lo pelos
olhos das ficções teológicas,
das perplexidades
dos nossos longínquos
antepassados e das
ideologias da desigualdade.
Impõe-se uma
revolução cultural planetária
que dê a volta ao
miolo da infeliz espécie
humana, se for possível
e houver tempo para
ela.
A Sara exerce clandestinamente
a profissão
de prostituta (puta
em português vernáculo)
em Lisboa, cidade
dirigida pelo autarquíssimo
Fernando Medina,
cuja elevação administrativa
fá-lo andar de
cabeça inclinada às alturas
por dever do cargo e
predisposição pessoal,
não lhe sobrando minutos
suficientes para dar
uma olhada ao chão da
cidade. Por tão ponderoso
motivo não viu as
condições de vida da
Sara e de milhares de
miseráveis desestruturados
que se arrastam
pelo piso mais à mão,
de corpo mal cheiroso e
subnutrido, asilo revestido
a farrapos de vidas
rejeitadas pela sociedade,
atiradas para as
bermas e valetas como
latas de cerveja. Por seu
turno, as excelências
ministeriais estão concentradas
na obediência
subserviente às ordens
de Bruxelas, não lhes
sobrando tempo para
minudências sem efeito
no PIB.
Nesta sociedade,
como acima se mostrou,
antiquada no relacionamento
humano, baseada
na propriedade privada
dos meios de produção
e nas subsequentes classes
sociais, que tem o
lucro económico acima
de todas as coisas, que
engendra desigualdades
abismais entre as
pessoas, que legitima
a existência de riquezas
incomensuráveis e
pobrezas calamitosas,
que fomenta o ódio e
desencadeia a violência,
que não respeita
nem dignifica o ser
humano, que continua
a praticar a escravatura,
agora paga em dinheiro
e não em espécie, forçosamente
produz distúrbios
psicológicos e
de carácter em muitos
seres. Esta sociedade,
nos moldes em que está
constituída, comete permanentemente
crimes
contra a maioria dos
seus membros. É uma
sociedade injusta, violenta,
criminosa.
A Sara errou. O seu
crime vai ser julgado
pela legislação de uma
sociedade criminosa
que a excluiu e atirou
para o lixo. Quem julga
a sociedade que a maltratou?
ORM
TRIBUNA
JORNAL