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interpretação negaria muitas notáveis analogias e romperia certo número de sutis conexões que

pudemos demonstrar nesse caso. Nossos opositores dirão que essas analogias e conexões não

existem de fato, mas que as trouxemos para o caso com engenhosidade totalmente dispensável.

Não prefaciarei minha resposta com as palavras ‘para ser honesto’ ou ‘para ser sincero’,

porque ser um ou outro é sempre uma necessidade que dispensa quaisquer preliminares

especiais. Em vez disso, simplesmente direi saber muito bem que nenhum leitor que já não

acredite na justificabilidade do modo de pensamento psicanalítico adquirirá essa crença com o

caso do pintor do século XVII, Christoph Haizmann. Tampouco é minha intenção usar esse caso

como prova da validade da psicanálise. Pelo contrário, pressuponho sua validade e estou

empregando-a para lançar luz sobre a moléstia demoníaca do pintor. Minha justificação para assim

proceder reside no sucesso de nossas investigações da natureza das neuroses em geral.

Podemos dizer, com toda a modéstia, que hoje mesmo os mais obtusos de nossos colegas e

contemporâneos estão começando a entender que nenhuma compreensão dos estados neuróticos

pode ser alcançada sem o auxílio da psicanálise.

‘Estas lanças podem conquistar Tróia, estas lanças sozinhas’

como confessa Odisseu, no Filocteto, de Sófocles.

Se estamos com a razão em considerar o compromisso de nosso pintor com o Demônio

como uma fantasia neurótica, não há necessidade de novas escusas para considerá-la

psicanaliticamente. Mesmo pequenas indicações possuem significado e importância, e muito

especialmente quando se acham relacionadas às condições em que uma neurose se origina. Com

efeito, é tão possível supervalorizá-las quanto subvalorizá-las, sendo questão de julgamento saber

até onde se pode ir no explorá-las. Mas a todo aquele que não acredite na psicanálise - ou, a

propósito, nem mesmo no Diabo - deve-se deixar que faça o que puder do caso do pintor, seja ele

capaz de fornecer uma explicação própria, seja que nada veja ali que necessite de explicação.

Retornemos portanto à nossa hipótese de que o Demônio, com quem o pintor assinou o

compromisso, era um substituto direto de seu pai. E isso é confirmado pela forma sob a qual o

Diabo pela primeira vez lhe apareceu - como um honesto cidadão de idade, de barbas castanhas,

vestido com uma capa vermelha e apoiando-se com a mão direita numa bengala,com um cão

negro ao lado (cf. a primeira ilustração). Posteriormente, sua aparência torna-se cada vez mais

terrificante - mais mitológica, dir-se-ia. Está aparelhado com chifres, garras de água e asas de

morcego. Teremos de retornar mais tarde a um pormenor específico de sua forma corporal.

De fato, soa estranho que o Diabo seja escolhido como substituto para um amado pai.

Porém, só à primeira vista, pois sabemos de muitas coisas que irão abrandar nossa surpresa. Para

começar, sabemos que Deus é um substituto paterno, ou, mais corretamente, que ele é um pai

exalçado, ou, ainda, que constitui a cópia de um pai tal como este é visto e experimentado na

infância - pelos indivíduos em sua própria infância, e pela humanidade em sua pré-história, como

pai da horda primitiva e primeva. Posteriormente na vida, o indivíduo vê seu pai como algo

diferente e menor. Porém, a imagem ideativa que pertence à infância é preservada e se funde com

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