MOSTRA MORTOS E A CAMERA
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Ressurreição em uma cópia 35mm. Em comunicação recente por WhatsApp, Omar me
enviou um trecho de uma entrevista de 2006 que compartilho com vocês: “Meus filmes
são como um fantasma que vêm do outro mundo para assombrar o documentário: eu
envolvo o filme com um lençol, desenho dois olhos arregalados, ponho uma máscara de
caveira, e faço Buuuuu!. Eles levam um susto e saem correndo. Aí eu chamo: — pessoal,
não tenha medo, é só a morte da linguagem!”.
cinema in the wake | cinema na vigília
Durante o ano de 2018, realizei um estágio pós-doutoral no Departamento de Performance
(Performance Department) e no Hemispheric Institute of Performance and Politics
da Universidade de Nova York (NYU). 2 Dentre as atividades realizadas naquele ano na
NYU, tive a chance de acompanhar um curso no Departamento de Cinema, intitulado
“Black Documentary”, do professor e crítico de cinema Michael Boyce Gillespie, já citado
nessa apresentação. Gillespie publicou, em 2016, um livro instigante, intitulado Film
Blackness – American Cinema and the Idea of Black Film. De um modo geral, seu esforço
tem sido explorar os significados da expressão blackness, muitas vezes traduzida para
o português como negritude, dentro do que ele chama de “black visual and expressive
culture”, sendo o cinema um dos principais campos de sua pesquisa. Vale destacar
que o que o autor chama de American Cinema and Black Film se restringe à produção
norte-americana.
Com esse escopo, o curso foi uma espécie de história do Cinema Negro produzido
nos Estados Unidos, desde suas experiências iniciais, na passagem do século XIX para o
XX, até a filmografia contemporânea. Destacou-se a variedade de formatos audiovisuais
dessa produção, de filmes documentários, ficção, doc-fic, experimentais, a programas
televisivos, passando por performances artísticas e televisivas, clipes de música, animações,
imagens de arquivo, além de filmes construídos especialmente para o circuito de
galerias de arte, entre outros. Desse modo, o curso contou com uma vasta filmografia e
bibliografia, tendo como espinha dorsal o livro Struggles for Representation – African
American Documentary Film and Video, de 1999, editado por Phyllis R. Klotman e Janet
K. Cutler e devotado ao exame de mais de 300 filmes não-ficcionais produzidos por mais
de 150 African American film/videomakers.
Dois aspectos dessa filmografia – a existência de um arquivo audiovisual fragmentário
e racista que limita e impõe uma certa forma ao “black documentary”, articulada aos
modos como a experiência de pessoas ou grupos de pessoas negras foi representada
pela “black experience on film” – são explorados de diferentes maneiras pelos autores
de Struggle for Representation, que buscam extrair “as consequências do material de
arquivo fragmentário para a prática documental negra e a relação entre a tecnologia
disponível e a representação histórica, traçando os esforços feitos pelos afro-americanos
2. Agradeço imensamente a equipe do Hemi, em especial, Diana Taylor e Marcial Godoy pela acolhida afetuosa e
troca de conhecimentos nesse período, sem o apoio de vocês boa parte da pesquisa realizada para essa mostra
não teria sido possível.