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Revista Dr Plinio 278

Maio de 2021

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>278</strong> Maio de 2021<br />

Medianeira e<br />

Auxiliadora dos Cristãos


João C. V. Villa Mateus S.<br />

Rosa Mística<br />

iz-se que a rosa é a rainha das flores, e<br />

é mesmo. Entretanto, ao contemplarmos<br />

certos cravos, tulipas, orquídeas, somos levados<br />

a perguntar: “Oh, rosa, o que foi feito de ti?”<br />

Contudo, há na rosa algo de acabado, de perfeitamente<br />

harmônico, de uma beleza mais feita de<br />

charme do que de pulchrum propriamente dito, por<br />

onde ela afasta todo o resto com naturalidade, com<br />

cordialidade, com estima por aquilo que ela está<br />

afastando. Mas, por outro lado, ela é tão perfeita e<br />

de tal maneira é natural que seja a rainha, que ela<br />

não empurra para longe, mas quase atrai em torno<br />

de si as outras flores e sorri. Essa é a rosa!<br />

Tanto é assim, que Nossa Senhora é invocada<br />

como “Rosa Mística”. Não teria sentido chamá-La<br />

de “Tulipa Mística”, “Cravo Místico” ou “Orquídea<br />

Mística”… Mas invocando-A como “Rosa Mística”<br />

está evocada como deve ser.<br />

(Extraído de conferência de 30/5/1987)<br />

Maria Santíssima - Igreja de Santo<br />

Agostinho, Santiago do Chile


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>278</strong> Maio de 2021<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>278</strong> Maio de 2021<br />

Medianeira e<br />

Auxiliadora dos Cristãos<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em 1982.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 Rosa Mística<br />

Editorial<br />

4 Maria Santíssima Medianeira<br />

Piedade pliniana<br />

5 Para pedir o socorro dos<br />

Anjos e Santos nas tentações<br />

Dona Lucilia<br />

6 Ideia de patriotismo<br />

muito marcada<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

9 Processo de desenvolvimento<br />

da Revolução tendenciosa<br />

De Maria nunquam satis<br />

16 Auxilium Christianorum na<br />

via gloriosa dos becos sem saída<br />

Reflexões teológicas<br />

22 A procura universal do sublime<br />

Calendário dos Santos<br />

26 Santos de Maio<br />

Hagiografia<br />

28 Contemplar o mundo<br />

maravilhoso das almas<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Entusiasmo e alegria<br />

pela alma guerreira<br />

Última página<br />

36 Filha, Mãe e Esposa de Deus<br />

3


Editorial<br />

Maria Santíssima Medianeira<br />

Não há como negar que na economia da Redenção do gênero humano a Virgem Maria ocupa um<br />

lugar especial. Como afirma Santo Efrém, Deus quis que, assim como o gênero humano caiu por<br />

meio de Eva, a primeira mulher, por meio de Maria, a nova mulher, tivesse o homem a graça da<br />

salvação.<br />

Nos Evangelhos, em toda a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, os fatos mais importantes, aqueles que<br />

mais de perto se relacionavam com a restauração da humanidade, não se fizeram sem a intervenção de<br />

Nossa Senhora.<br />

Nas bodas de Caná, o milagre que determinou a Fé dos Apóstolos, não se fez sem a intercessão de Maria.<br />

Ora, os Apóstolos foram as primícias da obra de Jesus Cristo e os fundamentos da evangelização do<br />

mundo todo.<br />

Mais tarde, quando se consumou, na Cruz, a obra da Redenção, lá estava a “Mulher” a cuja guarda, na<br />

pessoa de São João, confiava Jesus Cristo todos os homens.<br />

Estes fatos levaram os Santos Padres e os Doutores da Igreja a bem considerarem em Nossa Senhora<br />

a Maternidade Divina e as consequências que daí decorrem. Se realmente Maria foi especialmente escolhida<br />

por Deus para Mãe de seu Divino Filho, se para esse fim a Bondade Divina preparou-A com privilégios<br />

inefáveis, como o singularíssimo da Imaculada Conceição, era natural que à Virgem Maria reservasse<br />

o Altíssimo uma situação especial e profunda na restauração do gênero humano.<br />

Eco de todos os Santos Padres e do sentimento comum dos católicos, o Bem-aventurado Grignion de<br />

Montfort escrevia: “Toda a Terra está cheia de sua (de Maria) glória, especialmente entre os povos cristãos,<br />

muitos dos quais A tomam por tutelar e protetora nos seus reinos, províncias, dioceses e cidades;<br />

muitas igrejas consagradas a Deus o são em seu nome; nenhuma igreja sem um altar em sua honra; nenhuma<br />

nação em que não haja um lugar com uma de suas imagens milagrosas, no qual todos os males são<br />

curados e obtida toda sorte de bens; tantas congregações e confrarias em sua honra; tantas Ordens religiosas<br />

com seu nome e sob sua proteção; tantos religiosos e sorores de todas as Congregações que publicam<br />

seus louvores e anunciam suas misericórdias. Não há criança que não A louve balbuciando a Ave-Maria;<br />

não há pecador que, por mais endurecido, não tenha n’Ela uma cintila de confiança; não há mesmo diabo<br />

nos infernos que, temendo-A, não A respeite.” 1<br />

De fato, não há graça concedida pela Misericórdia de Deus que não o seja através das mãos de Maria.<br />

No Antigo Testamento eram os merecimentos de Nossa Senhora que, previstos, moviam a Bondade Divina<br />

a distribuir suas graças aos patriarcas e aos fiéis do povo eleito. Hoje, no Céu, é Ela a dispensadora dos<br />

benefícios que de lá descem para este vale de lágrimas. É precisamente neste fato que se encerra a mediação<br />

de todas as graças, consagrada pela Igreja a 31 de maio.<br />

O domínio, pois, da Mediação de Maria Santíssima se estende a todas as graças conquistadas por Jesus<br />

Cristo. Segue-se desse fato toda a importância e moral necessidade da devoção à Virgem Santíssima para<br />

o fiel no difícil caminho do Paraíso. Se é verdade que a Virgem Maria, nos extremos de seu carinho maternal,<br />

intercede junto a seu Divino Filho por todos os homens, não há a menor dúvida de que sua proteção<br />

se exerce de modo tanto mais especial quanto mais terna for a devoção que o fiel alimente para com a<br />

Virgem Santíssima.<br />

Aliás, que nome mereceria o cristão que não tivesse para com a Mãe de Jesus Cristo acendrado amor e<br />

filial ternura? Seria verdadeiro católico quem não desse a Maria o culto a que tem direito pela excelência<br />

singular com que A distinguiu a omnipotência da graça de Deus? 2<br />

1) Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 9.<br />

2) O Legionário n. 350, 28/5/1939.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

GAP (CC3.0)<br />

A Virgem com o Menino - Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona<br />

Para pedir o socorro dos<br />

Anjos e Santos nas tentações<br />

Anjos e Santos, todo o Céu, vinde em meu socorro nesta tentação e enxotai<br />

o demônio que procura separar-me de nossa Mãe e Rainha, Maria<br />

Santíssima.<br />

Santo Anjo do Senhor, que precipitastes no Inferno o demônio que agora me<br />

tenta, acorrei em meu auxílio e expulsai-o para longe de mim. Dizei à minha alma<br />

palavras de repulsa altaneira, de rejeição cheia de santa indignação, de intransigência<br />

completa contra tudo quanto ele me sugere.<br />

São Miguel, modelo perfeito de obediência a Deus Nosso Senhor, vencei<br />

quanto antes o poder das trevas aqui e no mundo inteiro. Amém.<br />

5


Dona Lucilia<br />

Ideia de patriotismo<br />

muito marcada<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Da. Lucilia<br />

em junho<br />

de 1906<br />

Ademais de paulista típica, Dona<br />

Lucilia era também uma brasileira<br />

no sentido próprio do termo e<br />

tinha uma ideia de patriotismo<br />

muito marcada. Não obstante,<br />

os dois polos do espírito dela<br />

eram Portugal e França. Seus<br />

antepassados eram originários de<br />

uma família muito respeitada do<br />

Porto; e pela França ela possuía<br />

uma admiração especialíssima.<br />

Dona Lucilia era uma paulista<br />

característica, mas muito<br />

aberta, muito afetiva para<br />

todos os outros Estados do Brasil, ela<br />

não tinha exclusivismos. Aliás, casou-<br />

-se com um pernambucano. E quando<br />

ela notava em mim ou na minha<br />

irmã traços de alma pernambucana,<br />

muito combativa, achava graça.<br />

Brasileira no sentido<br />

próprio do termo<br />

Minha irmã, por exemplo, era de<br />

um feitio muito combativo: o que ela<br />

queria, queria e não cedia. Em geral<br />

as meninas de São Paulo são mais<br />

flexíveis, mais harmoniosas. Ela não.<br />

Certa vez mamãe perguntou ao meu<br />

pai:<br />

— Mas a quem puxou essa menina<br />

com esse temperamento assim?<br />

Ele respondeu:<br />

— À tia Memela.<br />

Minha mãe perguntou quem era<br />

tia Memela. Tratava-se de uma tia<br />

de meu pai, famosa em Pernambuco<br />

pela sua força de vontade. Quando<br />

ela queria uma coisa, tinha que se<br />

fazer. Tia Memela usava até um porrete.<br />

Se alguém resistia mesmo, ia<br />

o porrete nos escravos e nos filhos,<br />

pois ela era ainda do tempo da escravidão.<br />

Quando minha irmã estava<br />

muito recalcitrante, mamãe sorria<br />

e dizia:<br />

— Olha lá a tia Memela!<br />

Ademais de paulista típica, minha<br />

mãe era também uma brasileira<br />

no sentido próprio do termo.<br />

Possuía uma ideia de patriotismo<br />

muito marcada. Portanto, não era<br />

uma pessoa de admitir de bom grado<br />

que algum país estivesse acima<br />

do Brasil.<br />

Às vezes, minha irmã e eu caçoávamos<br />

dela, afetuosamente. Há alguns<br />

bichos aqui no Brasil que são muito<br />

feios. Em certa ocasião fizemos uma<br />

viagem pelo interior do Brasil, de automóvel,<br />

e víamos passar uns pássa-<br />

6


Leoadec (CC3.0)<br />

ros enormes chamados seriemas.<br />

São uns monstros! Eu vi aquela<br />

quantidade de seriemas e perguntei<br />

a mamãe:<br />

— Mãezinha, o que são<br />

aqueles bichos ali?<br />

Ela, sem perceber que eu<br />

os estava achando horrorosos,<br />

disse:<br />

— Seriema.<br />

E eu, para amuá-la, disse:<br />

— Olha lá o que o Brasil<br />

produz... é a terra da seriema.<br />

Ela não gostava disso. Achava<br />

que o Brasil devia ser tratado com<br />

todo respeito.<br />

Dois polos de seu espírito:<br />

Portugal e França<br />

Não obstante, os dois polos do espírito<br />

dela eram Portugal e França.<br />

Ela gostava muito de contar que a<br />

família dela era originária do Porto,<br />

quais foram os acontecimentos dramáticos<br />

que levaram seu antepassado<br />

português a fugir para o Brasil,<br />

em que condições se deu a fuga, como<br />

ele se instalou em São Paulo...<br />

Minha mãe se comprazia muito<br />

em mostrar essa ligação com Portugal.<br />

Certa ocasião, ela conheceu um<br />

padre que veio perguntar-lhe se era<br />

de tal família do Porto. Ela disse:<br />

— Muito remotamente, sim. Um<br />

de meus antepassados descende dessa<br />

família.<br />

<strong>Dr</strong>. João Paulo,<br />

pai de <strong>Plinio</strong><br />

— Ah, porque é<br />

uma família muito<br />

respeitada no<br />

Porto, eu conheço<br />

muito.<br />

Então minha<br />

mãe mandou lembranças<br />

para eles.<br />

Dessas coisas assim<br />

ela gostava<br />

muito.<br />

O outro polo – não é preciso dizer<br />

que especialissimamente – era la<br />

douce France.<br />

Cirurgião de fama mundial<br />

e médico do Kaiser<br />

Mas para verem como era o patriotismo<br />

de Dona Lucilia, conto o<br />

seguinte episódio.<br />

<strong>Plinio</strong> e sua irmã Rosée em Paris, em 1912<br />

Quando minha mãe tinha pouco<br />

mais de trinta anos, esteve doentíssima.<br />

Os médicos em São Paulo disseram-lhe<br />

que ela precisava extrair a<br />

vesícula biliar. Mas até aquele momento<br />

não se fazia este tipo de operação<br />

no Brasil. Havia um grande<br />

médico alemão, <strong>Dr</strong>. Bier, cirurgião<br />

de fama mundial, que tinha extraído<br />

a vesícula biliar de uma senhora<br />

da Índia. Foi o primeiro caso na História.<br />

Dona Lucilia seria o segundo<br />

caso a submeter-se a esse risco. Mas<br />

não havendo outro remédio, ela quis<br />

se dispor.<br />

Foi para a Europa e submeteu-<br />

-se à cirurgia. O médico ia todos os<br />

dias vê-la; gostava muito de conversar<br />

com ela e, embora mamãe não<br />

falasse alemão, conversava com ele<br />

em francês.<br />

<strong>Dr</strong>. Bier era também o médico<br />

do Kaiser Guilherme II. Certo dia,<br />

ele chegou junto ao pé da cama dela<br />

e, não sem uma certa ingenuida-<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

7


Dona Lucilia<br />

de espantosa – como médico, ele tinha<br />

a obrigação de evitar qualquer<br />

coisa que contrariasse a paciente dele,<br />

mas acho que não percebeu o que<br />

estava fazendo –, disse:<br />

— Senhora, eu tenho que contar-<br />

-lhe uma coisa que vai animá-la.<br />

Mamãe, perguntou amavelmente:<br />

— O que é, Doutor Bier?<br />

— Eu estive hoje cedo com o Im-<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Guilherme II e seus generais<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

<strong>Dr</strong>. August Bier<br />

perador para examiná-lo e o encontrei<br />

com o seu Estado-Maior. A senhora<br />

não sabe o que tinham em cima<br />

da mesa e estavam analisando:<br />

era um mapa do Brasil e estudavam<br />

a possibilidade de uma esquadra alemã<br />

desembarcar para tomar um pedaço<br />

do país, estabelecendo lá uma<br />

colônia.<br />

É a última coisa que ele devia dizer<br />

para uma pessoa recém-operada!<br />

Mas acho que ele considerava<br />

tão grande honra para uma região<br />

ser colonizada pela Alemanha, que<br />

é a única explicação que encontro...<br />

Indignação e protesto<br />

de Dona Lucilia<br />

Então, ele explicou para ela que<br />

no Estado de Santa Catarina já havia<br />

muitos alemães e, portanto,<br />

podiam trazer para<br />

cá mais alemães. Por outro<br />

lado, a Alemanha tinha tais<br />

tropas, tais navios... e contou<br />

para ela toda a história.<br />

E minha mãe ouvindo aquilo<br />

com frieza.<br />

Ele perguntou para ela:<br />

— Mas por que a senhora está assim?<br />

— Naturalmente, doutor, o senhor<br />

está pensando o quê? O senhor<br />

está falando em cortar minha pátria,<br />

submeter uma parte dela à sua; o senhor<br />

pensa que eu estou contente<br />

com uma coisa dessas? Estou indignadíssima<br />

e protesto!<br />

— Mas seu país teria meios de se<br />

opor a isso?<br />

— Olhe, nós temos florestas muito<br />

densas, e dentro delas índios com<br />

flechas envenenadas. Eles fogem para<br />

o interior das florestas, os senhores<br />

vão atrás e recebem saraivadas<br />

de flechas envenenadas que vêm de<br />

todos os lados, e é bem merecido!<br />

Ele puxou um caderninho e tomou<br />

nota:<br />

— Eu vou contar isso para o Kaiser.<br />

Era um grande médico, fez uma<br />

ótima operação, ela queria muito<br />

bem a ele, mas <strong>Dr</strong>. Bier não realizou<br />

a situação psicológica de sua cliente.<br />

Um grande médico precisa ser um<br />

pouco um psicólogo, mas ele não se<br />

deu conta.<br />

No dia seguinte ele voltou para<br />

examiná-la e disse a ela:<br />

— Senhora Oliveira, eu tenho um<br />

recado do Kaiser para a senhora.<br />

Minha mãe pensou que ele nunca<br />

mais trataria dessa questão, e perguntou:<br />

— Mas o que é?<br />

— O Kaiser mandou-lhe os cumprimentos<br />

e a simpatia dele, porque<br />

aprecia muito as senhoras patriotas<br />

como a senhora se mostrou.<br />

Creio que o Kaiser percebeu que o<br />

médico dele tinha cometido um erro<br />

e quis consertar um pouco por essa<br />

forma. É um modo amável de tentar<br />

contornar o problema. Mas ela não<br />

estava para isso; fez uma fisionomia<br />

aborrecida e disse:<br />

— Olhe, diga ao Kaiser que eu<br />

não aceito os cumprimentos dele. Se<br />

for para visitar o Brasil com intuitos<br />

amistosos, está muito bem. Com a<br />

intenção de tomar... não cederemos<br />

nem uma polegada! v<br />

(Extraído de conferência de<br />

16/9/1985)<br />

8


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Processo de desenvolvimento<br />

da Revolução tendenciosa<br />

Os homens são influenciáveis pelas opiniões e pelos<br />

exemplos. No entanto, devido à desordem instaurada pelo<br />

pecado original, com frequência se torna necessário romper<br />

com a opinião pública a fim de se orientar por aquilo<br />

que, na ordem da graça e da Redenção, a substitui.<br />

Passemos a analisar estes mesmos<br />

princípios 1 com relação<br />

à sociedade humana. É possível<br />

estabelecer, a respeito da força da<br />

opinião pública, uma verdadeira doutrina.<br />

Inicialmente poderíamos nos<br />

perguntar em que deveria consistir a<br />

opinião pública no Paraíso terrestre,<br />

se Adão e Eva não tivessem pecado e<br />

se sua descendência lá houvesse continuado.<br />

Haveria uma opinião pública?<br />

Qual seria sua força e seu dinamismo?<br />

Como seria a opinião pública<br />

no Paraíso terrestre<br />

Flávio Lourenço<br />

Para responder a essas perguntas,<br />

algumas considerações tornam-<br />

-se necessárias. Como ponto de partida<br />

devemos ter presente que no Éden<br />

o homem não estava sujeito a erro.<br />

De onde se conclui que todas as opiniões<br />

seriam iguais. E isto porque se<br />

não fossem iguais seriam diferentes e,<br />

portanto, uma necessariamente deveria<br />

estar errada. Logo, precisaria haver,<br />

no Paraíso terrestre, uma uniformidade<br />

absoluta de pensamento.<br />

A Procissão - Museu dos<br />

Agostinianos, Toulouse, França<br />

9


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Uma análise mais profunda<br />

nos mostra que essa<br />

concepção é errônea. Uma<br />

vez que cada homem tem<br />

uma luz primordial 2 diferente,<br />

e vê na realidade algum<br />

aspecto de um modo<br />

mais completo do que<br />

os outros, sem ser necessário<br />

dizer-se que o próximo<br />

esteja errado, pode-se<br />

afirmar que cada homem<br />

é mais especialmente dotado<br />

para ver um determinado<br />

aspecto da Criação.<br />

Três ou quatro artistas<br />

que, diante do quadro de<br />

um grande pintor, passem<br />

a tecer considerações, embora<br />

vejam o mesmo quadro,<br />

cada qual, com a sensibilidade<br />

artística que lhe<br />

é peculiar, observa na tela<br />

um conjunto de aspectos<br />

que os outros não veem, e sente<br />

o que os outros não sentem.<br />

Assim, numa conversa que se realizasse<br />

antes do pecado original não<br />

haveria discussão, uma vez que ninguém<br />

estaria em erro, mas cada um<br />

opinaria para completar o pensamento<br />

do outro. A opinião pública<br />

sobre um determinado assunto antes<br />

do pecado original seria, portanto, o<br />

conjunto das impressões de todos os<br />

homens a respeito daquele problema.<br />

Em outras palavras, seria o máximo<br />

grau de verdade a que os seres<br />

humanos poderiam chegar a respeito<br />

de determinada coisa.<br />

É bem evidente que uma opinião<br />

pública assim concebida deveria<br />

constituir-se, para os homens, numa<br />

autoridade extraordinária e numa<br />

não menor satisfação. Segundo<br />

esta ordem de coisas o homem precisaria<br />

deixar-se ilustrar e guiar pela<br />

opinião pública, a qual seria dotada<br />

de uma força natural imensa. O homem,<br />

pela sua própria natureza, foi<br />

feito para pensar e agir em função<br />

de uma opinião pública.<br />

Cardeal Merry del Val em 24 de junho de 1914<br />

O magistério dos homens<br />

passou a pertencer à Igreja<br />

Giuseppe Felici (CC3.0)<br />

Com o pecado original os homens<br />

tornaram-se passíveis de erro, embora<br />

continuassem com a tendência a<br />

se deixar governar pela opinião pública.<br />

Esta, por sua vez, passou também<br />

a ser sujeita a erros, de maneira<br />

que a situação do homem se tornou<br />

dolorosa: de um lado permaneceu<br />

com uma vontade enorme de<br />

concordar com a opinião pública e,<br />

de outro, sentiu-se na obrigação de<br />

exercer um controle sobre ela.<br />

Discordar da opinião pública é<br />

uma das coisas mais desagradáveis a<br />

que o homem se submete. Suponhamos<br />

uma roda de pessoas onde cada<br />

uma se gaba de uma imoralidade<br />

que praticou. A certa altura perguntam<br />

para alguém da roda: “E você, o<br />

que fez ontem à noite?” Se o rapaz<br />

responde que foi dormir, há uma espécie<br />

de desapontamento geral. “Este<br />

sem graça dormiu; é um bobo!”<br />

E o rapaz, que era o único com razão<br />

naquela roda – e que bem poderia<br />

chamar a todos os outros<br />

de celerados –, não<br />

tem coragem de fazê-lo e<br />

fica quieto. Isto porque é<br />

terrível o peso da opinião<br />

pública.<br />

Situações destas são difíceis<br />

de enfrentar porque<br />

o homem é feito de maneira<br />

tal que a opinião de seus<br />

semelhantes a seu respeito<br />

tem um peso enorme. No<br />

entanto, devido à desordem<br />

instaurada pelo pecado<br />

original, o homem deve<br />

romper com a opinião pública,<br />

a fim de orientar-se<br />

por aquilo que, na ordem<br />

da graça e da Redenção,<br />

substitui a opinião pública:<br />

a infalibilidade pontifícia.<br />

O magistério dos homens<br />

no Paraíso era dado<br />

pela opinião pública; hoje,<br />

como esta perdeu o caráter infalível<br />

que possuía, aquele passou a pertencer<br />

unicamente à Igreja.<br />

Frequentemente, no entanto, encontramos<br />

uma oposição entre a<br />

Igreja e a opinião pública. Sempre<br />

que isto se dá, devemos, é evidente,<br />

ficar fiéis à Esposa de Cristo e contrários<br />

a todos os que pensarem de<br />

modo diferente. Esta ruptura com<br />

a opinião pública, para permanecer<br />

fiel à infalibilidade pontifícia, é<br />

um dos esforços mais violentos que<br />

o homem precisa fazer, uma vez que,<br />

em todas as ocasiões, ele tende a se<br />

imolar à opinião geral.<br />

“Contagiabilidade humana”<br />

Os homens são contagiáveis pelas<br />

opiniões e pelos exemplos. Daí podemos<br />

tirar um princípio que chamaríamos<br />

da “contagiabilidade humana”,<br />

o qual é corolário do princípio<br />

anterior.<br />

Imaginemos, a título de exemplo,<br />

que morássemos com o Cardeal<br />

Merry del Val, Secretário de Estado<br />

de São Pio X. É evidente que is-<br />

10


to exerceria um grande efeito sobre<br />

toda a residência em que habitássemos:<br />

um homem desse porte de alma<br />

enche uma casa. Na hora do jantar,<br />

ele toma a cabeceira; de modo<br />

instintivo desligamos o rádio que<br />

está dando o último noticiário. Ele<br />

passa a conversar. Evidentemente<br />

ninguém teria a coragem de lhe perguntar:<br />

“Eminência, soube da última<br />

anedota do português e do turco?”<br />

Ele nem entenderia alguma coisa<br />

nesse nível; daria uma tão gélida risada<br />

protocolar, que logo se compreenderia<br />

o erro cometido e elevar-se-<br />

-ia o nível da conversa. A este contágio<br />

de dignidade que se produziria<br />

com a simples presença do Cardeal<br />

Merry del Val poderíamos chamar<br />

de contágio no plano tendencioso.<br />

Há também o contágio no plano<br />

sofístico. Assim, se víssemos num livro<br />

um determinado argumento,<br />

acabaríamos por decorá-lo como se<br />

fosse matéria aprendida em uma aula.<br />

Mas se um colega, que tem sobre<br />

nós uma certa influência, sustentasse<br />

aquela mesma tese, o argumento<br />

pareceria tomar vida e passaríamos a<br />

achá-lo interessante. Ele se torna tão<br />

diferente do argumento lido no livro<br />

Adrien Marquette (CC3.0)<br />

Samuel Holanda<br />

O Santo Cura d’Ars - Catedral<br />

de Béziers, França<br />

como uma borboleta voando é distinta<br />

de uma morta num museu. Adquire<br />

outra vitalidade e outra capacidade<br />

de penetração. É a contagiabilidade.<br />

Daí se deduz não haver fato na vida<br />

social que não produza um efeito<br />

de opinião pública no plano Revolução<br />

e Contra-Revolução. Duas pessoas<br />

que conversam; se não tomarem<br />

cuidado, contagiar-se-ão mutuamente.<br />

É impossível dois homens se<br />

verem sem que produzam um sobre<br />

o outro uma influência, por mínima<br />

que seja, o que, de certo modo, representa<br />

um contágio.<br />

Como corolário da afirmação anterior,<br />

podemos dizer que um homem<br />

colocado em um determinado<br />

ambiente, ou exerce uma reação<br />

constante para não se deixar influenciar<br />

ou, mesmo contra sua vontade,<br />

se deixará contaminar por ele; a recíproca<br />

também é verdadeira, ou seja,<br />

o ambiente irá sofrer de sua parte<br />

uma certa influência.<br />

Como exemplo temos o rádio.<br />

Quem haveria de dizer, antes da sua<br />

invenção, que as ondas emitidas pela<br />

torre da BBC de Londres chegariam<br />

até nós e que seria possível ouvi-las<br />

somente apertando um botão?<br />

Isto é uma imagem do que se dá com<br />

o mundo das almas. Toda alma, por<br />

mais apagada e modesta que seja, é<br />

em proporções maiores ou menores<br />

uma como que torre da BBC, com<br />

ondas mais longas ou mais curtas,<br />

Desfile dos cadetes de Saint-Cyr na Avenida dos Campos Elísios, Paris<br />

11


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Divulgação (CC3.0)<br />

mas capazes de ir até muito longe. A<br />

questão é detectá-las.<br />

Homens-chave por<br />

vocação divina<br />

Isto nos leva a um outro princípio,<br />

o dos homens-chave. Temos, na<br />

sociedade, alguns homens nos quais<br />

esta função de irradiar é particularmente<br />

intensa. Isto se dá em três categorias<br />

de homens que exercem essa<br />

função por:<br />

1) vocação divina;<br />

2) seu estado;<br />

3) capacidade pessoal.<br />

Entre os primeiros, isto é, os que<br />

exercem essa função por vocação divina,<br />

temos, a título de exemplo, São<br />

Grão-duque Nikolai Nikolaevich<br />

Francisco de Assis. Há um fato de<br />

sua vida que, no terreno da Contra-<br />

-Revolução A tendencial, é verdadeiramente<br />

maravilhoso.<br />

Certa vez, São Francisco convidou<br />

Frei Leão para pregarem um<br />

sermão. Saíram do convento, foram<br />

à cidade, andaram por várias ruas<br />

e retornaram. Na volta, Frei Leão<br />

perguntou a São Francisco qual era<br />

o sermão que tinham ido pregar, o<br />

Santo respondeu: o andarmos pela<br />

rua foi o sermão que pregamos. É<br />

precisamente a aplicação do princípio<br />

acima enunciado. Ver um franciscano<br />

como São Francisco, tão pobre,<br />

tão humilde, tão recolhido, tão<br />

suave, tão profundo, tão enlevado,<br />

tão sobrenatural, é uma pregação. O<br />

simples fato de se ver<br />

um frade, compenetrado<br />

de sua vocação,<br />

passar pela rua, já é<br />

uma pregação.<br />

Por que para estimular<br />

o patriotismo<br />

fazem-se paradas? À<br />

primeira vista poderia<br />

parecer que um discurso<br />

seria mais eficiente,<br />

mas na verdade<br />

não é o que se dá.<br />

Os tanques de guerra<br />

que passam, a cavalaria<br />

com seus clarins,<br />

as legiões de infantaria<br />

rufando tambores, tudo<br />

isto atrai enormemente.<br />

Quando, então,<br />

troam os canhões<br />

e começam a tocar o<br />

hino do país todos ficam<br />

eletrizados.<br />

Dá-se o contágio<br />

pelo simples fato do<br />

exército que passa,<br />

do frade que caminha,<br />

da procissão que<br />

canta; impressões de<br />

poucos minutos, mas<br />

que marcam profundamente<br />

a alma.<br />

Outro exemplo de homem-chave<br />

por vocação divina é o Cura d’Ars.<br />

Era pouco inteligente e de personalidade<br />

pobre; mas só de vê-lo pregar<br />

no púlpito, de longe, embora mesmo<br />

sem o conseguir ouvir, muitos se convertiam.<br />

O Cura d’Ars pertence a essa<br />

categoria de homens a quem Deus<br />

deu a missão de tornar de algum modo<br />

translúcido o sobrenatural, de maneira<br />

que perto deles as pessoas sentem<br />

o que os Apóstolos sentiam no<br />

Tabor, junto a Nosso Senhor.<br />

Por estado ou por<br />

capacidade pessoal<br />

Ao lado daqueles que, por vocação<br />

divina, têm essa missão há outros<br />

que a possuem por seu estado.<br />

Os homens de uma alta categoria social,<br />

por exemplo, devem ser pessoas<br />

emblemáticas e que saibam irradiar,<br />

emitir determinadas verdades que<br />

conservem o corpo social.<br />

Podemos citar o famoso caso do<br />

Grão-duque Nicolau Nicolaievitch<br />

3 durante a Revolução comunista.<br />

Era um homem muito alto, de rosto<br />

comprido, longo nariz, e com a característica<br />

de ter as extremidades<br />

da testa, do queixo e do nariz terminados<br />

por uma barbicha branca. Era<br />

hercúleo, eslavo vigoroso, parecendo<br />

sair das florestas, mas bem penteado<br />

e disciplinado.<br />

Em sua época estourou a Revolução<br />

comunista; o fantasmático, fraco<br />

e tíbio Nicolau II abdicou; as vagas<br />

da Revolução estavam soltas por São<br />

Petersburgo, de modo que rapazes<br />

e moças estudantes, bêbados, carregando<br />

a bandeira comunista, clamavam<br />

a morte da era do trabalho intelectual;<br />

operários saqueavam por<br />

todos os lados. O Grão-duque Nicolaievitch,<br />

ao ter conhecimento dessa<br />

situação, resolveu sair de seu palácio<br />

para encontrar-se com o Czar e<br />

hipotecar-lhe sua solidariedade. Entrou,<br />

com seu ajudante de ordens,<br />

numa enorme limousine, sentou-se<br />

12


e, cheio de condecorações, com o<br />

quepe na cabeça, mandou caminhar.<br />

O inevitável aconteceu. A certa altura<br />

os revolucionários pararam o veículo<br />

e começaram a quebrar os vidros,<br />

tentando matar o Grão-duque.<br />

Este levantou-se e, em toda a sua estatura,<br />

olhou para os revolucionários<br />

e passou-lhes uma descompostura,<br />

intimando-os a que se retirassem.<br />

Todos se afastaram e o automóvel<br />

chegou ao palácio imperial!<br />

O Grão-duque era um homem<br />

que tinha por dever de estado espelhar<br />

a majestade real, e ele sabia fazê-lo.<br />

Como militar devia manter a<br />

disciplina, e sabia simbolizá-la; tanto<br />

assim que, sozinho, dispersou uma<br />

multidão furiosa.<br />

Nesse sentido, é preciso dizer que<br />

cada homem deve externamente espelhar<br />

o seu papel na sociedade. O<br />

que o francês chama le physique du<br />

rôle, isto é, o ter um físico de acordo<br />

com o papel que se desempenha<br />

é algo que se deve exigir de cada homem.<br />

Um magistrado não pode ter<br />

um ar brincalhão. Se o tiver, estará<br />

traindo sua missão. Além de conhecer<br />

muito bem as leis, deve ser um<br />

homem que tenha a dignidade de<br />

um magistrado. Um militar não pode<br />

ter o feitio de um janota. O sacerdote<br />

não pode ter aspecto de leigo,<br />

e nada pior do que um leigo com<br />

aspecto de padre. Cada papel social<br />

precisa ter o seu feitio próprio, e<br />

existe um feitio para cada papel.<br />

Há, finalmente, pessoas que têm<br />

esse dom de irradiação por capacidade<br />

pessoal. Muitas vezes somente<br />

pelo seu silêncio, pelo seu olhar,<br />

por uma meia-palavra, pela sua simples<br />

presença, esses homens criam<br />

uma série de estados de espírito. Outros<br />

têm a mesma qualidade no terreno<br />

da lógica ou do sofisma. Argumentam<br />

tão bem que o adversário<br />

fica esmagado pela argumentação.<br />

São pessoas a quem Deus deu a tarefa<br />

de guiar os outros para o bem,<br />

dentro da própria ordem natural. E<br />

se a pessoa tem essa<br />

capacidade fica obrigada<br />

a exercê-la.<br />

Instituições e<br />

nações-chave<br />

Essas considerações<br />

nos levam a outro<br />

princípio: além<br />

das pessoas-chave, há<br />

instituições e nações-<br />

-chave.<br />

Houve uma ilha na<br />

Oceania missionada<br />

por uns poucos padres<br />

e por uma Congregação<br />

religiosa feminina.<br />

A superiora, ao chegar<br />

à ilha, notou que a população<br />

nativa tinha já<br />

um certo grau de desenvolvimento;<br />

não<br />

eram, pois, completamente<br />

bárbaros. Colocou-se,<br />

então, para ela<br />

o problema de o que<br />

fazer. Se fundasse um<br />

orfanato poderia batizar<br />

todas as crianças<br />

que nele entrassem; se<br />

construísse um hospital ganharia a simpatia<br />

da população e conseguiria assim<br />

algumas conversões. Porém, após várias<br />

conjecturas, resolveu fundar uma<br />

escola para formação de professoras<br />

primárias que ensinassem a população<br />

a ler e a escrever. Em pouco tempo a<br />

escola estava repleta. As alunas do curso<br />

foram batizadas em grande quantidade,<br />

e se tornaram professoras primárias<br />

católicas. Todo o ensino fundamental<br />

da ilha caiu nas mãos dessas religiosas,<br />

e em vinte anos a Religião Católica<br />

estava solidamente estabelecida. Essa<br />

escola foi uma instituição-chave.<br />

Se aquela congregação tivesse se<br />

dedicado à fundação do orfanato, teria<br />

feito uma obra muito boa, mas<br />

não uma obra-chave.<br />

Pouquíssimas são as pessoas que<br />

têm a preocupação de se colocar nos<br />

pontos estratégicos. Em vez de procurarem<br />

ver qual é a obra-chave, realizam<br />

a primeira ideia agradável<br />

que lhes passa pela mente.<br />

O demônio sempre está<br />

rugindo ao redor do homem<br />

Após termos analisado os princípios<br />

das Revoluções A e B referentes<br />

ao indivíduo e à sociedade humana,<br />

passaremos a mostrar como<br />

a Revolução tendenciosa se processou<br />

através dos séculos, desde a Idade<br />

Média até nossos dias.<br />

Como uma Revolução tendenciosa<br />

se desenvolve no plano A?<br />

Quando consideramos os vários desenvolvimentos<br />

pelos quais ela passa<br />

em uma determinada sociedade,<br />

ao longo dos séculos, vemos que o<br />

Pensiero (CC3.0)<br />

13


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Flávio Lourenço<br />

Encontro de São Francisco com São Domingos<br />

Mosteiro de Santo Tomás, Ávila<br />

processo desse desenvolvimento é<br />

análogo ao do que se passa, em câmara<br />

menos lenta, numa alma humana.<br />

Em outras palavras, ao estudarmos<br />

a Revolução no plano A,<br />

notamos que ela se realizou segundo<br />

os mesmos processos psicológicos<br />

e lógicos através dos quais um<br />

homem vem a decair. Isto significa<br />

que a queda da Civilização Cristã se<br />

deu, através dos séculos, como um<br />

corpo único que pouco a pouco se<br />

deteriora.<br />

Vimos, anteriormente, que para<br />

incendiar uma floresta era necessário<br />

um trabalho preliminar que a tornasse<br />

combustível. Devemos perguntar-nos,<br />

pois, como se deu a combustibilidade<br />

da Civilização Cristã. Qual<br />

a natureza da injeção aplicada às árvores<br />

da verdejante floresta, a Civilização<br />

Cristã, para que elas se tornassem<br />

combustíveis? Respondendo a<br />

essas perguntas, compreenderemos<br />

como é que se processa o fenômeno<br />

da Revolução A.<br />

Imaginemos uma civilização completamente<br />

católica, na qual as pessoas<br />

sejam fiéis, piedosas, religiosas<br />

e vivam de acordo com a Lei de<br />

Deus. Qual é um dos primeiros passos<br />

para o início da derrocada?<br />

Numa aldeia, por exemplo, de uma<br />

sociedade inteiramente católica, a vida<br />

temporal se vai ordenando e tudo<br />

corre muito bem, porque todos seguem<br />

os Mandamentos da Lei de<br />

Deus. Nestas condições, o risco, a tentação<br />

própria a este estado tão regular<br />

e normal de uma sociedade é que, tendo<br />

ela ficado tão boa, o homem se esqueça<br />

do Céu e tenda a viver somente<br />

para ela. As pessoas são, então, tentadas<br />

a perder o espírito de sacrifício e a<br />

viver tão somente em função de uma<br />

pátria terrena agradável. É o que nos<br />

ensina Santo Agostinho numa frase lapidar:<br />

“Meu Deus, Vós criastes a Igreja<br />

para levar as almas para o Céu, mas<br />

ela organiza tão bem a vida na Terra<br />

que se teria a impressão de que só para<br />

isto a criastes.”<br />

Imaginemos, pois, a pequena aldeia<br />

católica num domingo de manhã,<br />

quando todos vestem seus trajes<br />

festivos e o sino da igreja bimbalha<br />

alegremente. Vão à Missa, comungam,<br />

o pároco faz um sermão, cumprimentam-se<br />

e se dirigem para suas<br />

casas onde os espera um lauto café;<br />

depois alguns descansam, outros<br />

saem à rua. Chega o almoço, mata-<br />

-se um peru, faz-se a sesta. À tarde<br />

há alguma inocente festa pública de<br />

danças regionais. À noite, bênção<br />

do Santíssimo Sacramento; em casa,<br />

conversas a respeito dos acontecimentos,<br />

e finalmente um profundo<br />

sono repousante.<br />

Vidinha tranquila, transcorrida<br />

alegremente ao som do bimbalhar<br />

dos sinos, ao toque do órgão, ao<br />

cheiro dos perus, ao riso das moças.<br />

Como tudo isto se torna delicioso no<br />

decorrer de uma vida humana cheia<br />

das bênçãos de Deus!<br />

Cheia das bênçãos de Deus? Eis a<br />

pergunta que se põe, porque tudo is-<br />

14


to abstrai de um fato que a Civilização<br />

Católica, por mais perfeita que<br />

seja, nunca elimina: o pecado original,<br />

de um lado, e o demônio, de outro,<br />

que sempre está rugindo ao redor<br />

do homem.<br />

Quando aquelas situações se<br />

consolidam, satanás passa a não<br />

mais tentar as almas, a fim de adormecê-las<br />

e conduzi-las a si mais facilmente.<br />

Duas grandes Contra-<br />

Revoluções feitas pela<br />

Ordem beneditina<br />

De quem é a missão de, em ápices<br />

de civilização como esse, manter os<br />

olhos de todos voltados para o Céu?<br />

Do clero, em primeiro lugar, e especialmente<br />

das Ordens religiosas, que<br />

representam, dentro da Igreja, o estado<br />

de perfeição, e a quem cabe incutir<br />

a ideia da oração, do recolhimento<br />

e da mortificação.<br />

A História da Revolução e da<br />

Contra-Revolução na Idade Média,<br />

no plano A, é a História das Ordens<br />

religiosas. Não houve maior Contra-Revolução<br />

na História do que as<br />

duas grandes feitas pela Ordem beneditina.<br />

A primeira delas foi a organização<br />

das missões, com o que se<br />

edificou a Idade Média; a segunda<br />

foi a grande reforma da Idade Média<br />

realizada pelos beneditinos de<br />

Cluny, elevando a sociedade a um<br />

ápice de civilização.<br />

Tivemos, além disso, as reformas<br />

de São Domingos e de São Francisco,<br />

as quais se interpenetraram e<br />

atestam, mais uma vez, o importante<br />

papel das Ordens religiosas. Realizou-se,<br />

assim, o famoso sonho do<br />

Papa Inocêncio III, em que ele viu<br />

a Basílica de São João de Latrão –<br />

que naquele tempo representava toda<br />

a Igreja Católica – rachada e sendo<br />

sustentada ora por São Domingos,<br />

ora por São Francisco. Essa<br />

igreja rachada era o começo da Revolução,<br />

a Cristandade tendendo para<br />

a moleza, o relaxamento, a perda<br />

do senso do sacrifício, do sobrenatural,<br />

inundada dos bens naturais da<br />

Civilização Cristã. São Francisco pela<br />

caridade e São Domingos pela lógica<br />

reergueram, juntamente, a Idade<br />

Média.<br />

Mas já nessa época tais Ordens<br />

religiosas apresentavam um início<br />

de decadência e, por desígnios misteriosos<br />

da Providência, não houve<br />

Ordem nova que restaurasse a<br />

sociedade em seu fervor primitivo.<br />

Então, as árvores começaram a se<br />

tornar combustíveis, isto é, os fiéis<br />

principiaram a voltar-se para o gozo<br />

da vida. De início, o gozo de uma vida<br />

honrada; porém, quando um homem<br />

se abandona ao gozo de uma<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1964<br />

vida honrada, estamos na véspera<br />

do dia em que ele começará a achá-<br />

-la maçante e preferirá a vida desonrada.<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de 1964)<br />

1) Ver <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 277 (abril de 2021),<br />

p. 15-23.<br />

2) Expressão cunhada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para<br />

indicar a aspiração existente na alma<br />

de cada pessoa para contemplar a<br />

Deus de um modo próprio. Ver <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 54 (setembro de 2002),<br />

p. 4.<br />

3) Nicolau Nicolaievitch (*1856 -<br />

†1929), foi Comandante supremo do<br />

Exército Imperial da Rússia.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

15


De Maria nunquam satis<br />

Samuel Moraes<br />

Auxilium Christianorum<br />

na via gloriosa dos<br />

becos sem saída<br />

Ao considerar a dolorida e gloriosa avenida<br />

dos becos sem saída por ele percorrida, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> se perguntava: “Se Nossa Senhora me<br />

desse a escolher esta via ou outra qualquer,<br />

qual eu preferiria?” E sua resposta seria:<br />

“Minha Mãe, se Vós me derdes força, escolho<br />

a avenida dos becos sem saída!” Avenida<br />

do inexplicável, da aparente catástrofe, da<br />

derrota, do arrasamento, mas da vitória<br />

que se afirma. Porque todo caso tem saída.<br />

Às vezes não vemos a solução, mas Ela<br />

está dando uma saída monumental.<br />

Há uma pequena imagem<br />

de Nossa Senhora Auxiliadora<br />

que nos acompanha<br />

desde há muito tempo. Eu a<br />

deixava na sede da Ação Católica<br />

de São Paulo, enquanto afiávamos<br />

os instrumentos para desferir o “Em<br />

Defesa da Ação Católica”.<br />

Conduzida à Sede do<br />

“Legionário” para que<br />

lutasse dentro da trincheira<br />

Não posso me esquecer do salão<br />

onde a Ação Católica, a dois passos<br />

do meu escritório de advocacia no<br />

mesmo prédio, tinha a sua sede. Ali,<br />

numa peanha, estava essa imagem a<br />

qual eu mesmo comprei e instalei, e<br />

que, com minhas próprias mãos, levei<br />

depois para a sede do Legionário<br />

quando tivemos de entregar a Ação<br />

Católica ao adversário, para que a<br />

Rainha, saída de seu trono, lutasse<br />

dentro da trincheira. Lembro-me, e<br />

com quanta emoção, de que, entregue<br />

o Legionário, essa imagem foi levada<br />

para nossa sede da Rua Martim<br />

Francisco, 669, onde ocupávamos exclusivamente<br />

o andar térreo e tínhamos<br />

no fundo um oratoriozinho, no<br />

qual a imagenzinha possuía o seu al-


tar; ali nós rezamos a Nossa Senhora<br />

de um modo ininterrupto até que a<br />

hora da reconquista começasse.<br />

Tendo sido acrescido o nosso contingente,<br />

passamos a ocupar uma sede<br />

no sexto andar da Rua Vieira de<br />

Carvalho; para lá levamos a imagem,<br />

e obtivemos um retábulo que se encontra<br />

hoje na capela da Sede do<br />

Reino de Maria 1 . Na sede da Vieira<br />

de Carvalho a imagem foi entronizada<br />

e diante dela foram rezadas inúmeras<br />

Missas, distribuídas Comunhões,<br />

num movimento intenso de<br />

piedade, até que a reconquista marcou<br />

um outro passo.<br />

Deixando dois andares num prédio<br />

de apartamentos, passamos para um<br />

palacete da Rua Pará. Para essa nova<br />

sede, nós mesmos levamos a imagem,<br />

à noite, num automóvel, rezando durante<br />

todo o tempo do percurso, e a<br />

instalamos no seu altar, o mesmo que<br />

ela ocupava na Rua Vieira de Carvalho.<br />

Ali esteve ela até o momento<br />

em que passou para a maior das sedes,<br />

até agora, do nosso Movimento,<br />

a da Rua Maranhão. Ali ela é objeto<br />

de nossa contínua veneração.<br />

Não é uma obra de arte, mas uma<br />

imagenzinha de gesso dessas fabricadas<br />

em série e que se encontram por<br />

toda parte, de um tipo religioso chamado<br />

sulpiciano, que é bem conhecido<br />

e não vou descrever aqui.<br />

Por que motivo eu julguei fazer<br />

um achado encontrando essa imagem?<br />

Pareceu-me de uma expressão<br />

de fisionomia, de uma serenidade interior<br />

toda ela decorrente da temperança.<br />

A temperança é a virtude cardeal<br />

pela qual se tem por cada coisa<br />

o grau de apreço ou de repúdio que<br />

é proporcional a todas as circunstâncias.<br />

Nunca se quer uma coisa exageradamente<br />

nem menos do que merece,<br />

e jamais se detesta algo exageradamente<br />

nem menos do que merece.<br />

A completa execração para com<br />

as coisas inteiramente execráveis faz<br />

parte da virtude da temperança.<br />

Essa disposição de alma me pareceu<br />

reluzir muito nesta imagem. Discretamente,<br />

ela é tão calma, tão senhora<br />

de si, está de tal maneira pronta<br />

a tomar atitude diante de qualquer<br />

coisa de modo inteiramente proporcionado,<br />

é tão desapegada de si que<br />

me pareceu o próprio símbolo do<br />

equilíbrio que é o corolário da virtude<br />

da temperança. E por isso mesmo com<br />

algo de virginal. Ela tem qualquer coisa<br />

de puro, de virginal, que me encantou,<br />

e ao mesmo tempo algo de materno<br />

por onde parece estar olhando para<br />

o filho, sorrindo e pronta a acionar<br />

o cetro de Rainha decisivo, segundo o<br />

pedido que se faça.<br />

Auxílio dos cristãos verdadeiramente<br />

e com esta simbologia: Nossa Senhora<br />

com a coroa aberta porque em presença<br />

do rei ninguém usa coroa fechada.<br />

O Menino Jesus está de coroa aberta,<br />

mas deveria ser fechada! Ele Se encontra<br />

no braço d’Ela com os bracinhos<br />

abertos, sorrindo. Vê-se que Maria<br />

Santíssima pediu e Ele sorriu, os braços<br />

abertos são fruto da prece de sua Mãe.<br />

Nossa Senhora está olhando comprazida<br />

por ver como o pobre filho d’Ela,<br />

ajoelhado ali, se encanta observando o<br />

Filho d’Ela por excelência sorrir e abrir<br />

os braços. É o auxílio: Aquela que nos<br />

consegue d’Aquele que é o Autor, a<br />

fonte última de todas as graças, tudo<br />

aquilo que nós pedimos. Ela pareceu-<br />

-me ao mesmo tempo muito régia, mas<br />

muito simples. E tudo isto junto de tal<br />

maneira que a expressão global da imagem<br />

me agradou enormemente.<br />

Lírio nascido do lodo<br />

que floresce à noite,<br />

durante a tempestade<br />

Por que, falando da devoção a Nossa<br />

Senhora Auxiliadora in genere, eu passei,<br />

de repente, para as várias etapas<br />

dos atos de piedade realizados em função<br />

ou em presença desta imagem e, de<br />

algum modo, para a história da TFP?<br />

A fim de marcar que o sentido profundo<br />

de todas as nossas derrotas era um<br />

recuo da devoção a Maria Santíssima<br />

como fato que se exprimia por todo<br />

o Brasil, mas também que a nossa reconquista<br />

era uma reconquista da devoção<br />

a Nossa Senhora. E temos a alegria<br />

de poder afirmar que todo o terreno<br />

por nós reconquistado pelo Brasil,<br />

passo a passo, foi reconquistado para<br />

Ela. Reconquistado para Ela é dizer<br />

pouco! Foi reconquistado por Ela! Se<br />

a todo momento a Virgem Maria não<br />

nos tivesse ajudado, não houvéssemos<br />

recorrido a Ela, sentindo o seu apoio<br />

Algo de virginal e ao<br />

mesmo tempo materno<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência em 1985<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

17


De Maria nunquam satis<br />

maternal, não teríamos feito coisa alguma.<br />

Quando a TFP chega aos seus<br />

píncaros e, por exemplo, considera os<br />

belos resultados que aqui nesta noite<br />

foram proclamados, ela deveria dizer<br />

que esses são os feitos de Nossa<br />

Senhora nas regiões sertanejas<br />

do Brasil.<br />

Que espécie de feitos?<br />

Sobretudo, e antes de tudo,<br />

os realizados nas nossas próprias<br />

almas. Quer dizer, que<br />

haja uma organização como<br />

a TFP, com um número de<br />

membros absolutamente falando<br />

reduzido, mas proporcionalmente<br />

enorme de sócios<br />

e cooperadores, e agora<br />

nesta semana a nova onda<br />

de correspondentes com esta<br />

mentalidade, estes costumes,<br />

este estilo de piedade, em toda<br />

a borrasca que existe em torno de<br />

nós, isto é bem o lírio nascido do<br />

lodo que floresce à noite, durante<br />

a tempestade. Mas quando se diz “lírio<br />

nascido do lodo”, não se recorre à<br />

metáfora senão para afirmar que está<br />

acontecendo algo de inteiramente inverossímil,<br />

inexplicável como a edelvais<br />

que brotou no Deserto do Saara.<br />

Foi, portanto, a Mãe de Misericórdia,<br />

a Medianeira de todos os favores que<br />

apresentou nossa prece ao seu Divino<br />

Filho e obteve que fosse atendida.<br />

Co-Redentora do<br />

gênero humano<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Qual prece? Antes de tudo a oração<br />

pela qual nós Lhe pedimos que<br />

nos dê a graça de cada vez mais amá-<br />

-La, sermos d’Ela, confiarmos n’Ela,<br />

nos unirmos a Ela e que Ela se una a<br />

nós. A grande e fundamental prece é<br />

que Maria nos torne devotos d’Ela.<br />

Vejo alguém que poderia dizer:<br />

“Mas então fica encaminhado para<br />

segundo plano a devoção suprema, o<br />

culto de latria a Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo? Que revolta é esta: o culto de<br />

dulia substituindo o culto de latria?”<br />

Fico com vontade de responder:<br />

“Que asneira é essa?” Nossa Senhora<br />

é o canal necessário, único, para<br />

chegar a Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

E se nós de tal maneira aplaudimos<br />

e veneramos a Santíssima Virgem<br />

é porque adoramos Aquele<br />

a Quem Ela conduz. Ela é o caminho<br />

pelo qual Ele veio a nós. N’Ela<br />

Jesus Cristo Se encarnou para depois<br />

remir o gênero humano; Ela é<br />

a Co-Redentora do gênero humano.<br />

Quando subiu ao Céu, Ele deixou<br />

sua Mãe para atenuar um pouco<br />

a tristeza e o imenso vazio que ficara<br />

na Terra. Tendo tudo isto em<br />

vista, se nos agarrarmos bem a Nossa<br />

Senhora, iremos até Ele; se não<br />

nos agarrarmos à Santíssima Virgem<br />

com todas as forças de nossa alma,<br />

aonde iremos? Para baixo! E nós sabemos<br />

bem quem está embaixo…<br />

Carta de um sacerdote jesuíta<br />

Lembro-me que nosso Grupo estava<br />

num de seus momentos mais cruéis,<br />

na luta do “Em Defesa”. Eu tinha tido<br />

uma pequena esperança de que<br />

uma editora de Montevidéu, de<br />

grande expressão naquele tempo,<br />

publicasse o “Em Defesa”<br />

em espanhol. Ela me enviou<br />

uma carta, pedindo licença a<br />

fim de traduzir a obra para<br />

o espanhol, e eu tinha concordado.<br />

Mas a editora me<br />

remeteu outra missiva, dizendo<br />

que não se interessava<br />

mais pela publicação; era<br />

naturalmente a “máfia” que<br />

havia chegado até lá. Pouco<br />

depois recebo outra carta de<br />

Montevidéu. Abro-a pensando:<br />

Que novo dissabor será esse?<br />

Era escrita com uma letra<br />

tremida de alguém que parecia<br />

enxergar pouco e empunhava<br />

mal a caneta.<br />

Tratava-se de um velho sacerdote<br />

jesuíta que eu não conhecia, o qual dizia<br />

na sua carta, resumidamente, o seguinte:<br />

“Por mais que os senhores sejam<br />

combatidos, eu os prezo muito e<br />

por causa disso lhes dou aquilo que<br />

posso conceder: as minhas orações,<br />

em primeiro lugar; em segundo lugar,<br />

um conselho: Os senhores valem<br />

o que valem porque são muito devotos<br />

de Nossa Senhora. Sejam cada vez<br />

mais devotos e não há bem que não<br />

lhes acontecerá; não diminuam jamais<br />

em um grau que seja essa devoção,<br />

porque do contrário todo o mal poderá<br />

vir sobre os senhores!” Eu dobrei a<br />

carta e pensei: “Este velho moribundo<br />

regou com um pouco de consolo a alma<br />

daquele que está em plena luta.”<br />

Quero crer que a piedosa alma<br />

desse verdadeiro filho de Santo Inácio<br />

esteja aos pés de seu Fundador<br />

no Céu, gozando da visão beatífica e<br />

olhando para Nossa Senhora. Peço a<br />

ele que reze por todos nós, para que<br />

sigamos esse conselho. Mas para isso,<br />

meus caros, é capital um ponto: não<br />

18


Gabriel K.<br />

basta não decair na devoção a Nossa<br />

Senhora; ou se sobe cada dia mais, ou<br />

se para, e aquilo que para decai. Não<br />

tenhamos medo de exagerar, desde<br />

que fiquemos fiéis à Doutrina Católica<br />

em matéria de culto a Santíssima<br />

Virgem, porque De Maria nunquam<br />

satis, diz São Bernardo: sobre Nossa<br />

Senhora jamais há o que baste. Ela<br />

saberá depois premiar.<br />

Se Judas tivesse procurado<br />

Nossa Senhora, Ela o<br />

receberia com bondade<br />

Nossa Senhora Auxiliadora dos<br />

Cristãos… Para Maria Santíssima<br />

não é glória maior ser Mãe de Deus,<br />

Co-Redentora do gênero humano,<br />

concebida sem pecado original? É<br />

claro! Por que, então, tanta insistência<br />

em torno desta invocação Nossa<br />

Senhora Auxiliadora?<br />

Compreende-se. Como Ela é Mãe<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo e é nossa<br />

Mãe, está permanentemente disposta<br />

a nos ajudar em tudo aquilo que<br />

precisamos. São Luís Maria Grignion<br />

de Montfort tem uma expressão que<br />

parece exagerada, mas está absolutamente<br />

dentro da verdade: ele diz que<br />

se houvesse no mundo uma só mãe<br />

reunindo em seu coração todas as<br />

formas e graus de ternura que todas<br />

as mães do mundo teriam por um filho<br />

único, e essa mãe tivesse um só filho<br />

para amar, ela o amaria menos do<br />

que Nossa Senhora ama todos e cada<br />

um dos homens. De maneira que Ela<br />

é de tal modo Mãe de cada um de nós,<br />

quer-nos tanto por desvalido, desencaminhado,<br />

espiritualmente trôpego que<br />

seja e nada valha, que se nos voltarmos<br />

para Ela seu primeiro movimento<br />

é de amor e de auxílio. Maria Santíssima<br />

nos acompanha antes mesmo de<br />

nos voltarmos para Ela, pois tem ciência<br />

do que acontece com todos os homens,<br />

em todos os lugares. Ela me vê<br />

aqui falando d’Ela, e eu ouso esperar<br />

que, pela intercessão de nossos Anjos<br />

no Céu, Ela sorria. Ela conhece, portanto,<br />

nossas necessidades e é por intercessão<br />

d’Ela que temos a graça de<br />

nos voltarmos para Ela. É Ela que pede<br />

a Deus que tenhamos essa graça, e<br />

Deus no-la concede. Nós nos voltamos<br />

e a primeira pergunta que Ela faz é:<br />

“Meu filho, o que queres?”<br />

Já vi uma afirmação que não era de<br />

um grande teólogo, mas tenho a impressão<br />

de que é verdadeira: se o próprio<br />

Judas Iscariotes, depois de haver<br />

vendido a Nosso Senhor e estar caminhando<br />

para o lugar maldito onde ele<br />

se enforcou, tivesse tido um momento<br />

de devoção para com a Santíssima<br />

Virgem e rezado a Ela, teria recebido<br />

um apoio. Se houvesse procurado<br />

por Ela e dito: “Eu não sou digno de<br />

chegar próximo de Vós, de Vos olhar,<br />

nem de me dirigir a Vós, sou Judas, o<br />

imundo… Mas Vós sois minha Mãe,<br />

tende pena de mim!”, Ela teria recebido<br />

com bondade o homem cujo nome<br />

é sinônimo de torpeza mais baixa<br />

e mais asquerosa, e que ninguém pronuncia<br />

sem extremos de nojo, por assim<br />

dizer, sem esgares de nojo: Judas<br />

Iscariotes… Até este!<br />

A bela avenida dos<br />

becos sem saída<br />

Mas nós sentimos dificuldade em<br />

ter isto sempre em vista. Por quê?<br />

Porque não vemos e, na nossa miséria,<br />

muitas vezes somos daqueles que<br />

não creem porque não veem. Nós não<br />

duvidamos, mas esquecemos. Sentimo-nos<br />

tão deslocados que dizemos:<br />

“Mas será mesmo? Aconteceu-me isto,<br />

aquilo, aquilo outro. Eu pedi a Ela<br />

e não fui socorrido; por que vou crer<br />

que agora serei ajudado? Mãe de misericórdia…<br />

para mim, às vezes sim,<br />

mas às vezes não…”<br />

É nessas horas que se deve dizer:<br />

“Auxilium Christianorum, ora<br />

pro nobis!” Nos momentos em que<br />

não compreendemos, não temos noção<br />

de como será a saída do caso, do<br />

que vai acontecer, precisamos repetir<br />

com insistência: “Auxilium Chris-<br />

Gabriel K.<br />

19


De Maria nunquam satis<br />

Rodrigo C. B.<br />

tianorum! Auxilium Christianorum!<br />

Auxilium Christianorum!” Porque todo<br />

caso tem saída. Nós às vezes não<br />

vemos a solução, mas Ela está dando<br />

ao assunto uma saída monumental.<br />

Quando lembro a história de nossas<br />

catástrofes, nossos reerguimentos,<br />

nossa dolorida e gloriosa avenida<br />

de becos sem saída, voltando-me para<br />

trás eu me pergunto: “Se Ela me<br />

desse para escolher esta via dos becos<br />

sem saída ou outra qualquer das<br />

que eu imaginava, qual preferiria?”<br />

Eu teria respondido: “Minha Mãe, se<br />

Vós me derdes força, escolho a avenida<br />

dos becos sem saída!” Avenida do<br />

inexplicável, da aparente catástrofe,<br />

da derrota, do arrasamento, mas<br />

da vitória que se afirma. Como<br />

é bela a avenida dos becos sem<br />

saída! Por quê? Porque é a<br />

avenida triunfal de Nossa Senhora.<br />

Ela abre os becos sem<br />

saída, transforma esta coisa<br />

monstruosa – uma avenida<br />

esquartejada em becos – e faz<br />

disso uma avenida. Compreende-se<br />

a providência de Maria<br />

Santíssima. É uma verdadeira<br />

maravilha!<br />

São Pio V - Igreja de Nossa<br />

Senhora do Rosário, Roma<br />

Portanto, a esse título muito especial,<br />

devemos repetir sempre: “Auxilium<br />

Christianorum!” Somos tão<br />

poucos, tão perseguidos, tão isolados,<br />

muitas vezes tão provados interiormente,<br />

há tanta coisa que se passa<br />

dentro de nós mesmos, em torno<br />

de nós, sentimos tanto adversário<br />

que ruge, há toda espécie de distâncias,<br />

que precisamos dizer constantemente:<br />

“Auxilium Christianorum!<br />

Auxilium Christianorum! Auxilium<br />

Christianorum!”, para ficar claro que<br />

Batalha de Lepanto - Mosteiro<br />

da Visitação, Jerusalém<br />

a vitória foi de Nossa Senhora. Nossa<br />

insuficiência proclama a vitória<br />

d’Ela, canta a glória d’Ela. Como<br />

não poderemos ficar entusiasmados<br />

com a ideia de que Ela nos fez<br />

tão poucos para que Ela fosse tão<br />

largamente glorificada? É evidente!<br />

Esta prece deve estar nos nossos<br />

lábios em todos os momentos: “Auxilium<br />

Christianorum, ora pro nobis!<br />

Auxilium Christianorum, ora pro nobis!<br />

Auxilium Christianorum, ora pro<br />

nobis!”<br />

Batalha de Lepanto<br />

Temos um exemplo disso na Batalha<br />

de Lepanto, tão ligada à festa<br />

de hoje, na qual se deu isto: a esquadra<br />

católica estava enormemente<br />

desproporcionada em relação à esquadra<br />

maometana. Já era uma coisa<br />

para não se entender. Não seria mais<br />

compreensível que Nossa Senhora tivesse<br />

reunido uma esquadra católica<br />

potente, magnífica, para esmagar<br />

aqueles ímpios seguidores<br />

de Mafoma? Porém Ela<br />

não fez isso. Era uma esquadra<br />

pequena, talvez quase se<br />

pudesse dizer raquítica.<br />

Surge a esquadra muçulmana<br />

que forma a meia-lua<br />

e vai apertando os católicos.<br />

A batalha se inicia e há vários<br />

reveses dos católicos.<br />

Em certo momento, estes<br />

pulam para a nau capitânia<br />

inimiga e começam a atacar.<br />

Há alguns êxitos, a esquadra<br />

maometana foge. Eles mesmos<br />

não compreendem bem<br />

por que fugiam. Mas em<br />

anais dos próprios maometanos,<br />

que foram encontrados,<br />

está escrito: “A esquadra<br />

fugiu porque uma Dama<br />

terrível apareceu no céu<br />

e nos olhava com ar de ameaça<br />

tal que…” Não foi bom<br />

que os católicos fossem tão<br />

poucos, passassem por tantos<br />

riscos, lutassem como<br />

heróis de um modo mais ou menos<br />

inútil porque os outros eram muito<br />

mais fortes? Mas eles não deixaram<br />

de confiar em Nossa Senhora. E o<br />

resultado é que a Virgem Maria apareceu<br />

e afugentou os inimigos. Não<br />

há nada mais belo.<br />

Gabriel K.<br />

20


Vicente Torres<br />

Sepultura de Dom João<br />

d’Áustria - Mosteiro do<br />

Escorial, Espanha<br />

Meus caros: rezemos, portanto,<br />

“Auxilium Christianorum! Auxilium<br />

Christianorum! Auxilium<br />

Christianorum!” em todas as circunstâncias<br />

de nossa vida. E na<br />

hora de morrer, quando estivermos<br />

no último alento e ainda<br />

dissermos “Auxilium Christianorum”,<br />

daí a pouco o Céu se abre<br />

para nós.<br />

v<br />

“Houve um homem<br />

enviado por Deus, cujo<br />

nome era João”<br />

Encerremos com um dado final.<br />

Desviemos nossos olhares de Lepanto<br />

e os voltemos para os esplendores<br />

do Vaticano. Numa sala, um Papa santo<br />

– São Pio V – preside uma reunião<br />

de cardeais. Mas o melhor de sua atenção<br />

está posto naquela esquadra que,<br />

com uma dificuldade diplomática enorme,<br />

ele conseguiu reunir. O grosso da<br />

esquadra era de naus espanholas, mas<br />

que o Filipão 2 levou demais tempo em<br />

mandar. De outro lado, um pouquinho<br />

de navios venezianos, da Sereníssima<br />

República de Veneza, e alguns naviozinhos<br />

da Santa Sé. Tudo junto colocado<br />

sob o comando de Dom João<br />

d’Áustria. Os navios da Santa Sé eram<br />

comandados pelo Príncipe de Colonna.<br />

A esquadra vai para aquelas regiões e<br />

o Papa pensa, pensa… Em certo momento,<br />

ele se afasta de sua sala aonde<br />

estava havendo a reunião dos cardeais<br />

e se põe junto à janela, e se vê um tercinho<br />

que desce de suas mãos. Ele reza o<br />

terço inteiro, volta e diz: “Uma grande<br />

vitória foi ganha por Dom João; a esquadra<br />

cristã está vencedora!”<br />

Dom João combateu, foi um grande<br />

guerreiro, um herói. Em sua sepultura,<br />

no Escorial, que eu tive a alegria<br />

de ver, está escrita como<br />

epitáfio uma frase<br />

que São Pio V disse<br />

dele: “Fuit homo missus<br />

a Deo, cui nomen erat<br />

Iohannes!” O que o Evangelho<br />

diz de São João Batista,<br />

ele aplicou a Dom João d’Áustria:<br />

“Houve um homem enviado por Deus,<br />

cujo nome era João (Jo 1, 6).”<br />

Mas quem obteve que a Rainha<br />

do Céu cortasse as imensidões vazias<br />

e com o olhar ganhasse a batalha?<br />

O Rosário rezado por São Pio<br />

V, que dizia a Nossa Senhora, “Auxilium<br />

Christianorum!”<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1984<br />

(Extraído de<br />

conferência de 23/5/1984)<br />

1) Situada em São Paulo, na Rua Maranhão,<br />

341, Bairro Higienópolis.<br />

2) Filipe II, Rei de Espanha.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Vicente Torres<br />

21


Reflexões teológicas<br />

A procura universal<br />

do sublime<br />

O verdadeiro sublime só existe em Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo e na Religião Católica. Procurálo<br />

em tudo e amar as coisas na medida em que<br />

são sublimes é uma flor do espírito católico, que<br />

encontrava nos cruzados a sua realização. Quem,<br />

hoje em dia, não possui esse ideal de cruzado<br />

não tem meios de se manter, salvo situações<br />

muito raras, na posse do estado de graça.<br />

Gabriel K.<br />

Jesus Cristo e na Religião<br />

d’Ele. Procurar o sublime em<br />

tudo e amar as coisas na medida<br />

em que são sublimes é uma flor do<br />

espírito católico, que encontrava<br />

nos cruzados a sua realização. De<br />

fato, com o ideal do cruzado a meta<br />

sublime era confiada ao homem<br />

sublime para emprego das atividades<br />

e dos esforços sublimes a fim<br />

de se realizar.<br />

Conta-se que São Francisco de<br />

Assis era um verdadeiro entusiasta<br />

da Cavalaria e que, antes de fundar<br />

a Ordem franciscana, teve uma dúvida<br />

se devia abraçar a vida monástica<br />

ou ser cavaleiro. Para seus noviços,<br />

ele recomendava leituras de<br />

vidas de Santos e histórias de Cavalaria.<br />

Em nossos dias procura-se apresentar<br />

São Francisco de Assis como<br />

tendo um delírio de amor pela natu-<br />

Na adolescência, talvez mais do<br />

que na infância, ao menos sob<br />

certo ponto de vista, há um<br />

período em que a alma, sobretudo do<br />

menino, é levada por entusiasmo pelo<br />

sublime e a procurá-lo. Mas não encontrando<br />

uma justificação intelectual<br />

para o sublime, nem alguém em torno<br />

de si amando o sublime, falando sobre<br />

ele, nem o buscando, surge uma espécie<br />

de bloqueio e de solidão que reduz<br />

ao silêncio esta sede do sublime do<br />

adolescente. Reduzindo-a ao silêncio,<br />

acaba extinguindo-a. O sujeito então<br />

fica prático, um espírito que se preocupa<br />

com os tipos de êxito dos homens<br />

que não têm sublimidade.<br />

São Francisco de Assis tinha<br />

uma alma de cruzado<br />

Na realidade, o verdadeiro sublime<br />

só existe em Nosso Senhor<br />

22


Defesa de Salerno contra<br />

o ataque dos mouros<br />

Catedral de Salerno, Itália<br />

reza, subtraindo da personalidade<br />

deste grande Santo o aspecto<br />

de cavaleiro. Ora, São Francisco<br />

tinha uma alma de cruzado!<br />

O espírito de Cavalaria gerava o<br />

gosto da sublimidade em tudo. Donde<br />

a presença do sublime na Idade<br />

Média, mesmo naqueles que eram<br />

chamados a realizar tarefas não propriamente<br />

sublimes. Um padeiro<br />

chamado Mestre João, por exemplo,<br />

dono de uma padaria muito boa, no<br />

físico dele e em tudo o mais não tinha<br />

nada de sublime, exceto isto: a<br />

tendência constante em dar ao pão<br />

que ele fizesse o sabor espiritualmente<br />

mais elevado e, portanto,<br />

mais delicioso. A procura do sabor<br />

perfeito estava presente numa ideia<br />

do pão sublime que fazia o progresso<br />

da arte do padeiro. Ele era um<br />

homem cujo gosto na vida estava em<br />

contemplar a sublimidade.<br />

Flávio Lourenço<br />

Devemos ser a<br />

contraofensiva do sublime<br />

Disto vivia a Idade Média: da paz<br />

daqueles que não estavam destinados<br />

à sublimidade como atividade,<br />

mas procuravam importá-la para irrigar<br />

esse campo não sublime. Então,<br />

a rosa sublime, o pão sublime, o<br />

traje sublime, a canção sublime, a sublimidade<br />

em tudo. Propriamente, a<br />

Idade Média é essa omnipresença da<br />

sublimidade e, volto a insistir, inclusive<br />

nos que não eram sublimes.<br />

Eu li uma obra de um historiador<br />

da Idade Média que tratava de um aspecto<br />

curioso. Ele perguntava, entre<br />

outras coisas, qual a distração que podia<br />

haver em um castelo para o povinho<br />

que vivia em torno dele. Em geral,<br />

num vilarejo, a igreja ficava dentro<br />

do pátio do castelo, porque não<br />

queriam que ela fosse assaltada por<br />

adversários. Portanto, o melhor das<br />

muralhas era para proteger a igreja.<br />

Mas em período de paz os portões<br />

estavam abertos e as pessoas iam rezar<br />

na capela, no pátio do senhor feudal.<br />

E a distração delas era ver desenvolver-se<br />

a vida do pessoal do castelo,<br />

que comunicava uma certa sublimidade<br />

a tudo que fazia. Aliás, o conceito<br />

de aristocracia ia nascendo daí como<br />

um perfume se evola de uma flor.<br />

Essa procura universal do sublime<br />

nascia, em última análise, do espírito<br />

católico levado, no que ele tem de<br />

apetência do sublime, ao seu auge pela<br />

Cruzada, em que um ideal altíssimo<br />

induzia ao sacrifício da vida. Nosso Senhor<br />

disse que ninguém pode ser mais<br />

amigo de outrem do que oferecendo<br />

por ele a sua vida (cf. Jo 15, 13). Então,<br />

diante da sublimidade do Divino<br />

Redentor uma pessoa, por amor a essa<br />

sublimidade, oferece sua vida e eleva-se<br />

a si própria a um grau sublime.<br />

O progresso da espiritualidade<br />

católica ao longo dos séculos deveria<br />

conduzir a esse ponto. Porém, não<br />

podia deixar de ser que o demônio<br />

quisesse cortar o desenvolvimento<br />

Flávio Lourenço<br />

Cristo Salvador - Igreja da Conceição<br />

Real de Calatrava, Madri<br />

23


Reflexões teológicas<br />

William Hamilton (CC3.0)<br />

Maria Antonieta sendo levada para sua execução, 16 de outubro de 1793<br />

Museu da Revolução Francesa, Vizille, França<br />

Há pouco vi com tristeza, numa<br />

revista, diversas fotografias de príncipes<br />

aparecendo só de camiseta nas<br />

mais variadas ocasiões, e as rainhas<br />

ou princesas, esposas deles, mais ou<br />

menos na mesma situação. É de cortar<br />

a alma...<br />

Por exemplo, a Rainha da Dinamarca<br />

é uma pessoa bem apresentadessa<br />

espiritualidade. Logo, era preciso<br />

que a Revolução fosse a contracruzada,<br />

primeiro do banal, depois<br />

do vulgar, do vil e, por fim, do infame.<br />

Vistos debaixo desse ponto de<br />

vista, os movimentos mais avançados<br />

da Revolução tendem à infâmia, já<br />

de uma vez. É a eliminação de toda<br />

a cultura, de toda a civilização, que<br />

ainda são os restos da sublimidade<br />

que houve em determinado momento.<br />

Por essa razão devemos ser a contraofensiva<br />

do sublime. É este amor<br />

à sublimidade que nos explica.<br />

Matar uma princesa como<br />

Maria Antonieta só foi<br />

possível porque o espírito de<br />

Cavalaria havia cessado<br />

O Burke 1 tem um trecho muito<br />

bonito, onde diz mais ou menos o seguinte:<br />

“Que tenha sido possível matar<br />

uma princesa como Maria Antonieta,<br />

sem que cruzados da Europa<br />

inteira se levantassem para impedir<br />

que este fato se desse, ou para punir<br />

os que o praticaram, era bem a prova<br />

de que os séculos grandiosos da Cavalaria<br />

tinham passado.”<br />

Durante sua agonia moral, em que<br />

ela passou provavelmente acordada a<br />

noite inteira, na véspera da guilhotinação,<br />

e tendo ouvido, de manhã, os<br />

tambores soando em todas as distâncias<br />

de Paris, convocando aqueles celerados,<br />

sem-vergonhas, para comparecerem<br />

e assistirem a sua execução,<br />

Maria Antonieta ainda esperava que<br />

um tal Cavaleiro do Cravo – um anônimo<br />

que mandava cartas para ela,<br />

dentro da prisão da Conciergerie, e<br />

que afirmou que ele estaria na passagem<br />

dela para libertá-la em certo momento<br />

– haveria de estar presente.<br />

De fato, houve um avanço por cima<br />

do cortejo que a conduzia para a<br />

morte, e ela deve ter sentido ali que<br />

o Cavaleiro do Cravo estava se aproximando.<br />

Mas ele não teve a coragem<br />

de levar o risco até o fim, e fugiu<br />

com o grupo de asseclas que ele<br />

arranjou. O que parecia ainda mais<br />

confirmar o Burke... Até os que tentaram<br />

ser cavaleiros não o foram até<br />

o fim e, colocados diante do perigo,<br />

não tiveram coragem.<br />

É verdade, o espírito de Cavalaria<br />

estava morrendo, mas Nossa Senhora<br />

não permitiria que ele morresse<br />

inteiramente, e proporcionou que<br />

renascesse na parte católica de um<br />

continente sem grande êxito industrial,<br />

nem grandes triunfos econômicos,<br />

o qual vivia de admirar e imitar<br />

a América do Norte e a Europa, sem<br />

ter conhecido aqueles valores.<br />

Quem, hoje em dia, não possui esse<br />

ideal de cruzado não tem meios<br />

de se manter, salvo situações muito<br />

raras, na posse do estado de graça.<br />

Por isso, a meu ver, esse espírito de<br />

Cavalaria deveria ter modelado toda<br />

a sociedade civil até o mais ínfimo.<br />

Porém, ele foi se evanescendo.<br />

Apostolado da sublimidade<br />

24


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

da, uma princesa condigna do cargo<br />

que ocupa. Mas, visitando sua cidade<br />

natal, na França, para onde ela vai todos<br />

os anos passar férias com o marido,<br />

estava vestida com uma roupeta<br />

qualquer e tomando o aspecto de<br />

uma professora de piano, como se<br />

apresentava em meu tempo de menino,<br />

que ia de casa em casa lecionar<br />

para meninas, a maioria das quais não<br />

tinham talento para tocar esse instrumento;<br />

iam datilografar o piano. Pois<br />

bem, essa era a atitude da Rainha, na<br />

qual ela estava contente. Quer dizer,<br />

é o sublime que se evanesce.<br />

Por outro lado, a sociedade civil,<br />

se degenerando muito, cria uma situação<br />

na qual torna-se difícil, senão<br />

dificílimo, a sociedade espiritual<br />

manter-se incontaminada da “peste”<br />

proveniente da ordem temporal.<br />

Assim, ou a sociedade civil vive no<br />

enlevo do sublime em todas as matérias,<br />

ou ela mesma apodrece. Ora,<br />

esse enlevo encontra sua expressão<br />

mais alta na Cavalaria.<br />

Eis a razão pela qual a vida do homem<br />

na sociedade temporal passa a<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em setembro de 1989<br />

Rainha Margrethe II da Dinamarca em 1990<br />

ser de um apostolado constante, com<br />

a necessidade de lutar, não mais apenas<br />

para se santificar, mas a fim de fazer<br />

esse apostolado da sublimidade.<br />

Trata-se de uma militância católica<br />

habitual, normal, estável, contínua,<br />

por causa do conceito de guerra psicológica<br />

que acrescenta à Cavalaria algo<br />

que é a forma de mentalidade pela<br />

qual se trava essa guerra<br />

a favor do sublime.<br />

Idade Média:<br />

ponto de referência<br />

para o Reino<br />

de Maria<br />

O verdadeiro católico<br />

deve ser, antes e por<br />

cima do guerreiro que<br />

luta na batalha convencional,<br />

o homem que<br />

combate na guerra psicológica<br />

contrarrevolucionária,<br />

continuamente,<br />

sem fadiga, porque<br />

tem noção de que,<br />

depois de instaurado o<br />

processo da Revolução,<br />

nunca mais o demônio<br />

deixará de promover a<br />

guerra psicológica revolucionária.<br />

Portanto, os católicos jamais<br />

poderão deixar de fazer a guerra<br />

psicológica contrarrevolucionária.<br />

Temos nisso o ideal para o qual tende<br />

verdadeiramente a nossa vida espiritual.<br />

A teoria de Dom Chautard, segundo<br />

a qual a fecundidade da vida interior<br />

é condição para a fecundidade<br />

do apostolado, continua inteiramente<br />

verdadeira, mas toma uma riqueza de<br />

conteúdo ou de clave especial.<br />

Isso leva as coisas a termos tão<br />

mais altos do que houve na Idade<br />

Média, nem sei o que dizer... É o<br />

Reino de Maria para o qual a Idade<br />

Média nos serve de ponto de referência.<br />

Aliás, tudo quanto digo da Santa<br />

Igreja é uma explosão de amor à<br />

sublimidade dela. Nunca me refiro<br />

à Igreja a não ser em termos de sumo<br />

enlevo por sua sublimidade, por<br />

mais que as circunstâncias atuais<br />

possam ser dolorosas... Isso é conatural<br />

a mim, de maneira que, se eu<br />

perdesse esse amor, morreria. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

9/9/1989)<br />

1) Edmund Burke (*1729 - †1797), filósofo,<br />

teórico político e orador irlandês.<br />

Maersk Line (CC3.0)<br />

25


Helio G.K.<br />

C<br />

alendário<br />

1. São José Operário.<br />

São Jeremias, profeta. Prenunciou<br />

a destruição da Cidade Santa e a deportação<br />

do povo israelita, e sofreu<br />

por isso muitas perseguições.<br />

2. V Domingo da Páscoa.<br />

Santo Atanásio, bispo e Doutor da<br />

Igreja (†373).<br />

São José Nguyen Van Luu, mártir<br />

(†1854). Agricultor e catequista vietnamita,<br />

entregou-se no lugar do presbítero<br />

Pedro Luu, e morreu no cárcere,<br />

no tempo do imperador Tự Đức.<br />

3. São Filipe e São Tiago Menor,<br />

Apóstolos.<br />

Santo Estanislau Kazimierczyk,<br />

(†1489). Cônego regular em Kasimierz,<br />

na Polônia, foi diligente ministro<br />

da Palavra, mestre de vida espiritual<br />

e assíduo na audição das Confissões.<br />

São Domingos da Calçada<br />

dos Santos – ––––––<br />

4. Santa Antonina, mártir (†s. III/IV).<br />

Por ordem do governador Prisciliano,<br />

foi suspensa num cavalete e entregue às<br />

chamas, em Niceia da Bitínia, atual Turquia.<br />

5. Santo Hilário de Arles, bispo<br />

(†449).<br />

São Sacerdote, bispo e monge<br />

(†s. VIII). Foi eleito Bispo de Limoges,<br />

França, mas no fim de sua vida<br />

quis voltar à vida monástica.<br />

6. São Francisco de Montmorency-<br />

-Laval, bispo (†1708). Primeiro Bispo<br />

de Quebec, Canadá, dedicou-se durante<br />

cinquenta anos a consolidar e<br />

aumentar a Igreja em toda a América<br />

do Norte.<br />

7. Santa Domitila, mártir (†s. I/II).<br />

Sobrinha do cônsul Flávio Clemente,<br />

foi acusada de ter renegado os deuses<br />

pagãos e deportada à ilha de Ponza,<br />

onde padeceu longo martírio.<br />

8. São Vítor, mártir (†c. 304). Soldado<br />

das tropas imperiais de origem<br />

mauritana, recusou-se a sacrificar aos<br />

deuses pagãos e por isso sofreu vários<br />

tormentos, sendo por fim decapitado.<br />

9. VI Domingo da Páscoa.<br />

Santo Isaías, Profeta.<br />

São Pacômio, abade (†347/348).<br />

Após receber o hábito monástico das<br />

mãos do anacoreta Palémon, fundou<br />

numerosos cenóbios na Tebaida, Egito.<br />

Escreveu uma famosa regra monástica.<br />

10. Santa Solange (ou Solângia),<br />

virgem e mártir (†c. séc. IX). Aos 16<br />

anos, sujeitou-se ao martírio em Bourges,<br />

França, para conservar a castidade.<br />

11. Santo Inácio de Láconi, religioso<br />

(†1781). Capuchinho da Sardenha<br />

que, percorrendo as praças da cidade e<br />

as estalagens do porto, pedia esmolas<br />

para socorrer as misérias dos pobres.<br />

12. São Nereu e Santo Aquiles,<br />

mártires (†s. III).<br />

Santo Estanislau Kazimierczyk<br />

São Pancrácio, mártir (†s. IV).<br />

São Domingos da Calçada, presbítero<br />

(†1060/1109). Providenciou a<br />

construção de pontes e caminhos, e<br />

preparou celas e estalagens para facilitar<br />

aos peregrinos percorrerem o<br />

Caminho de Santiago.<br />

13. Nossa Senhora de Fátima.<br />

Santo André Hubert Fournet, presbítero<br />

(†1834). Sendo pároco de Le<br />

Puy-en-Velay durante o período do<br />

Terror, não deixou de fortalecer os fiéis<br />

na Fé. Restituída a paz, fundou o<br />

Instituto das Filhas da Cruz.<br />

14. São Matias, Apóstolo.<br />

Santa Maria Domingas Mazzarello,<br />

virgem (†1881). Fundou com São<br />

João Bosco em Mornese, Itália, o Instituto<br />

das Filhas de Maria Auxiliadora.<br />

15. São Caleb (ou Elésban), monge<br />

(†c. 535). Rei etíope que para desagravar<br />

os mártires de Nagran, empreendeu<br />

o combate contra os inimigos<br />

de Cristo. Mais tarde enviou o seu<br />

diadema régio para Jerusalém e abraçou<br />

a vida monástica.<br />

Gabriel K.<br />

26


––––––––––––––––––– * Maio * ––––<br />

Flávio Lourenço<br />

16. Solenidade da Ascensão do Senhor.<br />

São Simão Stock, presbítero (†1265).<br />

Depois de ser eremita na Inglaterra, ingressou<br />

na Ordem Carmelitana, da qual<br />

foi superior, tornando-se célebre pela<br />

sua singular devoção à Virgem Maria.<br />

17. São Pascoal Bailão, religioso<br />

(†1592).<br />

18. São João I, Papa e mártir<br />

(†526).<br />

Beata Blandina do Sagrado Coração<br />

(Maria Madalena Merten), virgem<br />

(†1918). Religiosa ursulina alemã<br />

que associou sabiamente à vida<br />

contemplativa o cuidado da formação<br />

cristã das jovens.<br />

19. São Crispim de Viterbo, religioso<br />

(†1750).<br />

20. São Bernardino de Sena, presbítero<br />

(†1444).<br />

Beata Maria Crescência Pérez, virgem<br />

(†1932). Religiosa da Congregação<br />

das Filhas de Maria do Santíssimo<br />

do Horto, falecida em Vallenar, Chile.<br />

21. São Cristóvão de Magallanes,<br />

presbítero, e companheiros, mártires<br />

São Félix<br />

Flávio Lourenço<br />

(†1927). Ufanos de terem professado<br />

a Fé por Cristo Rei, sucumbiram gloriosamente<br />

sob a ferocidade dos inimigos<br />

da Igreja, no México.<br />

22. Santa Rita de Cássia, religiosa<br />

(†c. 1457).<br />

23. Solenidade de Pentecostes.<br />

Santo Atão, bispo (†c. 1153). Depois<br />

de ter sido abade da Ordem de<br />

Valumbrosa, foi eleito para a sede<br />

episcopal de Pistoia, Itália.<br />

24. Nossa Senhora Auxiliadora.<br />

São Crispim de Viterbo<br />

São Vicente de Lérins, presbítero e<br />

monge (†c. 450). Religioso do mosteiro<br />

de Lérins, França, ilustre pela doutrina<br />

e santidade de vida.<br />

25. São Beda, o Venerável, presbítero<br />

e Doutor da Igreja (†735).<br />

São Gregório VII, Papa (†1085).<br />

26. São Filipe Néri, presbítero (†1595).<br />

Santa Mariana de Jesus de Paredes,<br />

virgem (†1645). Terciária franciscana,<br />

dedicou-se a socorrer os pobres<br />

indígenas e negros de Quito, Equador.<br />

27. Santo Agostinho de Cantuária,<br />

bispo (†604/605). Monge bene-<br />

Flávio Lourenço<br />

Santo Inácio de Láconi<br />

ditino enviado pelo Papa São Gregório<br />

Magno para converter a Inglaterra.<br />

Foi o primeiro Bispo de Cantúaria.<br />

28. São Guilherme, monge (†812).<br />

Abandonando a vida da corte imperial,<br />

fundou o mosteiro de Gellone,<br />

perto de Narbona, França.<br />

29. São Maximino de Trèves, bispo<br />

(†c. 346). Intrépido defensor da Fé<br />

contra os arianos, acolheu Santo Atanásio<br />

de Alexandria em sua diocese, e<br />

foi expulso dela pelo imperador.<br />

30. Solenidade da Santíssima Trindade.<br />

Santa Joana d’Arc, virgem (†1431).<br />

São Lucas Kirby, presbítero e mártir<br />

(†1582). Após sofrer muitos tormentos,<br />

foi suspenso na forca em Tyburn,<br />

Londres, durante o reinado de<br />

Elizabeth I.<br />

31. Visitação de Nossa Senhora.<br />

São Félix, religioso (†1787). Depois<br />

de ter sido recusado durante dez<br />

anos, ingressou finalmente nos capuchinhos<br />

de Nicosia, Itália. Destacou-<br />

-se pela humildade e inocência de coração.<br />

27


Hagiografia<br />

Contemplar o mundo<br />

maravilhoso das almas<br />

Comentando alguns aspectos da vida de Santo<br />

Ampélio, o Ferreiro, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mostra a importância<br />

de se conhecer as almas para admirar em cada uma<br />

aquilo que é reto, segundo Deus, o que ela seria se fosse<br />

inteiramente fiel, e o grau de fidelidade que dentro<br />

dela existe e a torna um reflexo especial do Criador.<br />

No dia 14 de maio celebra-se<br />

a memória de Santo Ampélio,<br />

o Ferreiro. Temos para<br />

comentar uma ficha sobre a biografia<br />

desse Santo 1 .<br />

Bettylella (CC3.0)<br />

Com um ferro em brasa<br />

expulsou o demônio<br />

Santo Ampélio, o Ferreiro, século V.<br />

A vida de Santo Ampélio, apelidado<br />

“o Ferreiro”, é toda lendária. Conta-se<br />

que era originário do Egito, ferreiro<br />

de profissão. Desejando a perfeição,<br />

procurou os solitários da Tebaida,<br />

a eles prestando serviços variados,<br />

inclusive de sua profissão.<br />

Certa vez, o demônio transformou-<br />

-se numa jovem impudica e foi tentá-<br />

-lo. O ferreiro com um ferro em brasa<br />

nas mãos avançou para queimá-la,<br />

espantou-a para sempre.<br />

Já velho, deixou a Tebaida e foi para<br />

as imediações de Gênova, onde levou vi-<br />

da de santificação e contemplação. Santo<br />

Ampélio é o padroeiro dos ferreiros.<br />

Bem entendido, afirmar ser a vida<br />

dele toda lendária é um modo de dizer…<br />

Se está canonizado pela Igreja,<br />

tem-se a certeza de que ele existiu e<br />

de fato foi Santo. Muitas vezes aquelas<br />

canonizações primeiras não eram feitas<br />

regularmente. Havia uma inspiração<br />

do Espírito Santo a todos, a qual<br />

fazia com que a voz do povo considerasse<br />

alguém como santo. E então era<br />

de fato santo. Mas aí estava também<br />

engajada a autoridade da Igreja, embora<br />

sem o processo regular de canonização<br />

que se faz hoje em dia.<br />

Isolamento, silêncio e<br />

estranhos visitantes<br />

Santo Ampélio - Igreja de Santa Maria Madalena, Bordighera, Itália<br />

Nós podemos imaginar mais ou<br />

menos o que seria a vida de Santo<br />

Ampélio, como ferreiro ambulante<br />

na Tebaida do século V.<br />

Nesse século precisamente a instituição<br />

eremítica estava ganhando<br />

o seu verdadeiro feitio. Porque durante<br />

os séculos anteriores, sobretudo<br />

o III e o IV, nos Impérios Ro-<br />

28


manos do Ocidente e do Oriente se<br />

perseguiam muito os católicos. A vida<br />

deles era extremamente difícil. E<br />

muitos fugiam para o deserto a fim<br />

de não serem presos, torturados. Ali<br />

eles passavam, às vezes, uma vida<br />

longa, até noventa anos ou mais, na<br />

tranquilidade absoluta do ermo, rezando<br />

a Deus e pedindo pela Igreja<br />

Católica de tal maneira perseguida.<br />

Mas nesta Terra o Criador não<br />

permite que a vida de ninguém seja<br />

sem provações grandes. E até provações<br />

heroicas, sofridas por pessoas<br />

que Deus ama mais e destina a prestarem<br />

um serviço especial à Igreja.<br />

Não devemos supor que o único martírio<br />

que esses eremitas, indo para a<br />

Tebaida, sofriam era o do isolamento<br />

e do silêncio, o que constituía um<br />

martírio. Pode-se imaginar, no homem<br />

com instinto de sociabilidade e,<br />

portanto, tendência a comunicar-se,<br />

o que representa de sofrimento passar<br />

quarenta, cinquenta anos sem ver<br />

absolutamente ninguém, a não ser<br />

um ou outro raro visitante que aparecia<br />

de vez em quando, e que não se<br />

sabia bem quem era. Às vezes tratava-se<br />

de uma alma necessitada que<br />

ouvia falar daquele eremita e, então,<br />

empreendia uma viagem arriscada<br />

para lhe pedir orações. Porém muitas<br />

vezes era algum bandido ou criminoso<br />

político que estava fugindo da polícia<br />

ou das autoridades, algum lunático,<br />

algum maníaco ou até um possesso<br />

do demônio que estava correndo<br />

por aquelas zonas.<br />

O homem é feito para<br />

a luta e para a dor<br />

É preciso acrescentar esta coisa<br />

curiosa e real. Os lugares muito ermos,<br />

isolados, se não são bastante<br />

abençoados, às vezes são especialmente<br />

infestados pelos demônios.<br />

Por exemplo, certos baixios, certas<br />

grutas muito profundas, lugares aonde<br />

nunca vai ninguém, pântanos, locais<br />

malcheirosos, etc., são lugares<br />

Luis C.R. Abreu<br />

Mosteiro da Luz em São Paulo. Em destaque,<br />

Santo Antônio de Sant’Ana Galvão<br />

No século V, o número de eremitas<br />

era muito grande, já não causado pelo<br />

medo das perseguições – que acabaram<br />

com Constantino, com a invasão<br />

de Roma pelos bárbaros –, mas<br />

determinado pelo temor de se perderem<br />

nas cidades e pela vontade de oferecerem<br />

a Deus o holocausto da sua<br />

solidão. E houve tantos e tantos nessa<br />

época que se chegou a dizer que o deserto<br />

estava formigando de eremitas.<br />

Em todas as épocas da Civilização<br />

Cristã houve eremitas em grande<br />

quantidade. A nossa é a infeliz época<br />

sem verdadeiros eremitas.<br />

Costumo ir com frequência, à tarde,<br />

na Igreja da Luz, fazendo minhas<br />

orações na ida e na volta. E nunca<br />

deixo de me lembrar que, nas histórias<br />

de São Paulo, se conta ter sido<br />

o bairro da Luz povoado por eremitas,<br />

que moravam nas voltas e contornos<br />

do Rio Tietê, tornadas particularmente<br />

poéticas pela névoa que,<br />

em certas épocas do ano, existia naque<br />

facilmente os demônios procuram<br />

como permanência habitual, de<br />

onde eles saem para fazer infestações.<br />

Esses eremitas se situavam onde<br />

podiam. Às vezes lugares lindos,<br />

às vezes feios, comuns. Eles estavam<br />

ali, portanto, sofrendo todos os inconvenientes<br />

do isolamento, inclusive<br />

certa presença preternatural.<br />

Mas isso não é nada. O homem é<br />

de tal maneira feito para a luta e para<br />

a dor que quando ele foge delas e<br />

se põe no deserto, dentro de sua alma<br />

surgem os problemas, nascem a<br />

luta e a dor. E acaba, então, havendo<br />

as provações interiores que são, muitas<br />

vezes, mais terríveis que as provações<br />

exteriores.<br />

O que é uma provação interior?<br />

Um eremita vai para o ermo; nos<br />

primeiros tempos uma alegria, uma<br />

consolação, as graças de Deus inundam<br />

sua alma. Aos poucos aquilo vai<br />

se afastando e perde toda a unção<br />

primeira, ele se sente isolado, triste,<br />

deprimido, abatido e com mal-estar.<br />

De repente, começam as tentações a<br />

zumbir dentro de sua alma. E com as<br />

tentações iniciam-se, às vezes, as infestações<br />

diabólicas.<br />

A pior de todas as tentações é a<br />

tentação contra a Fé. Ele é convidado<br />

pelo demônio a pôr em dúvida<br />

a própria Religião Católica. Os de-<br />

mônios aparecem, às vezes, aos eremitas<br />

e fingem festins de Roma, de<br />

Alexandria e de outros lugares onde<br />

eles estão. Os eremitas têm alucinações.<br />

Tudo acontece.<br />

Desejo de oferecer a Deus<br />

o holocausto e a solidão<br />

J.P.Ramos<br />

29


Hagiografia<br />

Luis Samuel<br />

quela zona mais úmida, e pela quantidade<br />

enorme de garças que voavam<br />

de um lado para outro e encantavam<br />

Frei Galvão, quando ele passava<br />

por lá. Quão diferente é o bairro<br />

da Luz de hoje em dia!<br />

Conhecedor dos esplendores<br />

espirituais do deserto<br />

Os eremitas, tão numerosos no século<br />

V, eram servidos, às vezes, por<br />

ambulantes que iam levar-lhes coisas,<br />

faziam caridade para eles, etc.<br />

E Santo Ampélio, levava uma vida<br />

curiosa, com esta forma única de<br />

turismo: o das almas. Um homem<br />

que é ferreiro de profissão vai gratuitamente<br />

ajudar tal eremita;<br />

mais adiante há um que fez<br />

tal milagre, mais além um<br />

outro que se destaca por<br />

tal virtude. Assim ele vai<br />

conhecendo alma por alma,<br />

revisitando os itinerários conhecidos<br />

e prestando serviços<br />

de bater ferro, ou fazer<br />

alguma peça de que eles precisavam<br />

para facilitar sua vida material, etc.<br />

Provavelmente sem falar, recebendo<br />

apenas do eremita algum conselho<br />

– se ele pedisse – para sua própria vida<br />

espiritual. E depois seguia adiante.<br />

Esse é um verdadeiro Guide Bleu<br />

– o grande guia de turismo da Europa<br />

– dos esplendores espirituais do deserto.<br />

“Se quer conhecer alguém que<br />

tem o dom da profecia, vire por ali e<br />

desça lá, naquela gruta há um velho<br />

que possui esse dom; se deseja conhecer<br />

um que é heroico nas penitências,<br />

suba até o alto daquele morro onde vive<br />

um jovem que se flagela de um modo<br />

admirável. Mais adiante um eremita<br />

que se levanta do solo, quando saúda<br />

Nossa Senhora, ao meio-dia. E ao<br />

chegar a noite, vai ver tal eremita dormir<br />

na serenidade, enquanto uivam as<br />

feras lá fora; trata-se do grande eremita<br />

tal, cujo sono é edificante e traz paz<br />

a todo mundo que o contempla.”<br />

Os verdadeiros monumentos<br />

deste mundo são as almas<br />

Provavelmente Santo Ampélio,<br />

com seus dons de ferreiro,<br />

foi um visitador, um turista<br />

da santidade pelos desertos.<br />

E era movido, com certeza,<br />

pelo encanto, pelo entusiasmo<br />

que lhe causava o contato<br />

com almas tão extraordinárias.<br />

Se essa hipótese – perfeitamente<br />

plausível – é verdadeira, então nós sabemos<br />

qual virtude podemos imitar<br />

de um Santo tão desconhecido<br />

no geral de sua biografia.<br />

Devemos pedir-lhe que nos<br />

obtenha uma dupla graça:<br />

termos discernimento para<br />

perceber como são as almas,<br />

e admirar em cada alma<br />

aquilo que é reto, segundo<br />

Deus, o que ela seria se fosse<br />

inteiramente fiel e o grau de<br />

fidelidade que dentro dela existe<br />

e a torna um reflexo especial<br />

do Criador. Saber também dis-<br />

cernir nas almas o que é ruim e, a contrario<br />

sensu, ficar amando o que é bom.<br />

Eu lhes garanto que se uma pessoa<br />

passasse sua vida apenas estudando e<br />

conhecendo as almas, levaria uma vida<br />

muito mais entretida do que se fizesse<br />

qualquer outra coisa. Certamente<br />

mais do que tomar um avião e<br />

ir para Nova Deli, de lá para Xangai,<br />

depois a algum ponto da América do<br />

Sul, do Norte ou da Suécia, entrando<br />

em aeroportos, hospedando-se em<br />

hotéis, vendo monumentos e ficando<br />

com a alma vazia. Os verdadeiros monumentos<br />

deste mundo são as almas<br />

dos homens. E não há nada mais belo,<br />

mais interessante, mais atraente<br />

do que conhecer as almas.<br />

Conhecer os homens<br />

“sem alma”<br />

Confesso que o pouquinho que a<br />

experiência do contato com as almas<br />

me tem proporcionado faz com que,<br />

nas poucas viagens que fiz, o que me<br />

interessa mais é conhecer as almas;<br />

inclusive as almas dos homens “sem<br />

alma”, pois até essas são interessantes<br />

de conhecer, a contrario sensu.<br />

Lembro-me que uma vez viajei do<br />

Rio para Paris, ao lado de um holandês<br />

que vinha da Indonésia e ia descer<br />

em Londres, e que não tinha alma.<br />

Olhei para ele de soslaio e pensei:<br />

“Mas que horrível. Isso é uma longilínea<br />

posta de carne, ele não tem alma!<br />

O que é esse homem?!”<br />

Deve ser interessante conversar<br />

para conhecer a alma de um homem<br />

“sem alma”. Então eu fiz um comentário<br />

com ele a respeito de qualquer<br />

coisa sobre a rapidez do avião, e conversamos<br />

em alguns trechos da viagem.<br />

Fiquei vendo o vazio de um homem<br />

completamente sem alma que<br />

se sentia bem no corpo – porque era<br />

evidente que ele tinha uma invejável<br />

saúde, e fazia disso sua alegria<br />

–, mas ficava sempre comprimindo<br />

uma alma que persistia em voltar e<br />

dizer-lhe que não estava satisfeita.<br />

30<br />

La Virgen Blanca (acervo particular)


De maneira que havia nele, ao lado<br />

de muita saúde, horas de tanta tristeza,<br />

de tanta amargura e de tanto vazio,<br />

que disso fiz para mim um tema<br />

de meditação e – eu lhes garanto –<br />

entretenimento.<br />

Mais ainda, quando converso<br />

com uma pessoa, com duas, às vezes<br />

com duzentas, eu me entretenho em<br />

olhar para as almas. Sempre aprendo<br />

alguma coisa e saio com melhor<br />

capacidade de conhecer a minha alma,<br />

conhecendo a alma dos outros.<br />

Então, aqui está um convite para todos<br />

começarem a ser amatoris animarum,<br />

da categoria de gente que ama as<br />

almas, gostando de conhecê-las.<br />

Alegria de Nosso Senhor<br />

quando olhava para a<br />

Santíssima Virgem<br />

Haveria algo na vida de Nosso Senhor<br />

que seria um exemplo adequado<br />

para isso?<br />

Toda a vida do Redentor é isso.<br />

Em todas as coisas que fazia, nota-<br />

-se um conhecimento perfeito das almas<br />

com as quais Ele tratava, e tudo<br />

ajustado às condições e às necessidades<br />

dessas almas.<br />

Quer dizer, Ele estava continuamente<br />

com a mente posta no Padre<br />

Eterno e nas almas com as quais tratava,<br />

considerando-as logo no primeiro<br />

olhar, como, por exemplo,<br />

aquele moço rico. Diz o Evangelho<br />

que Nosso Senhor o olhou e o amou.<br />

Quer dizer, viu a alma dele e o amou<br />

por causa da sua fidelidade. Quando<br />

Jesus tratava com os fariseus, era<br />

a alma que Ele via e conhecia até o<br />

fundo. E por isso, com sua sabedoria,<br />

sua santidade infinita, remexia<br />

até o fundo os acontecimentos dos<br />

povos com que Ele tomava contato.<br />

Podemos imaginar qual era a alegria<br />

de Nosso Senhor quando olhava<br />

para Nossa Senhora e via a alma perfeitíssima<br />

d’Ela. Não conseguimos<br />

ter ideia do gáudio que Ele tinha<br />

com isto. Entretanto, podemos ter<br />

uma noção indireta ao ver a imagem<br />

de Nossa Senhora de Fátima peregrina<br />

na Sede de seu Reino, quando<br />

reflete algo da alma da Santíssima<br />

Virgem. De tal maneira ela encanta<br />

que atrai multidões. Na Venezuela,<br />

quarenta mil pessoas foram ver a<br />

imagem, não certamente para olhá-<br />

-la na sua materialidade, mas para<br />

observarem uma expressão de alma<br />

numa imagem.<br />

Devemos amar as almas<br />

desinteressadamente e<br />

acabar com o “eu, eu, eu”<br />

Se víssemos Nossa Senhora pessoalmente,<br />

qual seria nossa impressão,<br />

nossa sensação? É algo simplesmente<br />

incalculável!<br />

Isso – num grau levado a que auge?<br />

– Nosso Senhor tinha quando<br />

olhava para a Santíssima Virgem. E<br />

Nossa Senhora tinha<br />

também quando<br />

olhava para Ele.<br />

E quando os olhares<br />

se encontravam,<br />

Ele dizia: “Minha<br />

Mãe!” e Ela: “Meu<br />

Filho!” O que entrava<br />

ali de comércio<br />

de almas! É a relação<br />

mais nobre,<br />

mais alta, mais perfeita<br />

havida em toda<br />

a História. Foi<br />

essencialmente uma<br />

relação de almas.<br />

Então, procurem<br />

conhecer as almas,<br />

interessar-se por<br />

elas.<br />

Existe um obstáculo<br />

para isto? Existe.<br />

É quando estamos<br />

tratando com<br />

os outros e não pensamos<br />

nas almas<br />

deles, mas em nós<br />

mesmos; aí ficamos<br />

incapazes de conhecê-los.<br />

Quando a pessoa analisa os outros,<br />

não para ver como são, mas para<br />

observar que efeito está produzindo<br />

neles, se a estão considerando prestigiosa,<br />

fina, inteligente, enfim a cavalcata<br />

das vaidades, ela desce um véu, só<br />

olha para si e não conhece ninguém.<br />

É preciso amar as almas desinteressadamente,<br />

querer conhecê-las<br />

como reflexo de Deus, acabar com<br />

o “eu, eu, eu”, com a ideia fixa de si<br />

mesmo. Contemplar esse maravilhoso<br />

mundo das almas, do qual Santo<br />

Ampélio, o Ferreiro, foi muito presumivelmente<br />

um modelo, é o tema<br />

da meditação de hoje. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

14/5/1976)<br />

1) Cf. ROHRBACHER, René-François.<br />

Vida dos Santos. São Paulo: Editora das<br />

Américas, 1959. v. VIII, p. 358-362.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1976<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Entusiasmo e alegria<br />

pela alma guerreira<br />

Na Idade Média se entendeu que na sociedade temporal a<br />

mais alta carreira era a militar. Exatamente por causa do<br />

princípio enunciado por Nosso Senhor: “Ninguém tem maior<br />

amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos.”<br />

Por essa razão, as mais belas guerras da História foram<br />

aquelas que tomaram todo o seu sentido no ideal religioso.<br />

Anação alemã é tão militarista que o estilo militar<br />

invadiu a vida civil. Os estudantes tinham<br />

várias associações, muitas delas fundadas há<br />

séculos. Cada um possuía um uniforme próprio e usava<br />

uma espada para esgrima, que era o esporte preferido<br />

por eles.<br />

O que a alma militar tem de mais belo<br />

Vemos em uma das fotografias uma cerimônia na corte.<br />

O Imperador fardado, de pé sobre o estrado junto a dois tronos<br />

com um dossel. De tal maneira o feitio militar impregnou<br />

a vida alemã que até as velhas senhoras são tesas e hir-<br />

Anton von Werner (CC3.0)<br />

Inauguração do Reichstag no Salão Branco<br />

do Palácio de Berlim por Guilherme II (25 de<br />

junho de 1888) - Museu Histórico Alemão<br />

32


tas como dragão de cavalaria. A<br />

Imperatriz, pessoa aliás muito<br />

afável e simpática, tem um pouco<br />

a postura de uma “generala”.<br />

Mas tudo se passava de um<br />

modo meio militaresco na corte<br />

alemã, sempre impregnada pela<br />

ideia de que o valor supremo da<br />

existência humana é a luta, portanto<br />

a guerra, a imolação da vida ou a<br />

destruição de vidas.<br />

Na música militar alemã as notas saem<br />

como se fossem batalhões, arrasando no ar<br />

um inimigo imaginário. Silêncios preguiçosos se rasgam<br />

diante deles, e vão batendo, cutucando, combatendo,<br />

de maneira a se ter a impressão de que acabam<br />

tomando a cidadela. É a descrição magnífica de<br />

um combate ou a sonorização de uma parada. Quando<br />

determinados instrumentos dão uma nota, tem-se<br />

a sensação de estar vendo o passo do soldado alemão,<br />

moverem-se capacetes, elmos, estandartes... É toda a epopeia<br />

da Alemanha imperial que passa diante de nós.<br />

Por detrás do aparato militar muito bonito e da sonorização<br />

que combina tanto com esse aparato, percebemos<br />

algo mais belo: é a alma militar. O que esta, por sua<br />

vez, tem de mais belo é a decisão decorrente da profundidade<br />

da alma humana de entregar a vida por um determinado<br />

ideal. Não é entregar a vida deixando-se matar,<br />

mas é destruindo algo que não tem o direito de existir,<br />

organizando contra um ilegítimo agressor uma força<br />

metódica, implacável e disposta a tudo.<br />

A vida humana não é o valor supremo<br />

O bonito, então, não é só esta resolução, mas, acima<br />

dela, o idealismo. Se algo fere o Direito, a Lei, a Moral,<br />

não tem a faculdade de ser; e em nome da Lei, do Direito e<br />

da Moral é preciso tomar a iniciativa de lutar contra isso.<br />

Trata-se de uma resolução tomada à luz de um princípio<br />

superior, determinando no homem uma verdadeira<br />

sublevação no sentido etimológico da palavra, um surto<br />

de toda a personalidade, uma mobilização completa.<br />

Não uma mobilização sem distância psíquica, neurótica,<br />

de um gagá que toma um remédio qualquer para ficar<br />

meio alucinado e vai como uma besta se meter em cima<br />

das baionetas dos outros, mas de um homem inteiramente<br />

lúcido, senhor de si, que apela para sua própria personalidade<br />

e a coloca na luta. E o faz numa espécie de ato de<br />

holocausto, que é o seguinte: Se eu devo morrer, a minha<br />

vida teve pleno sentido porque me realizei por inteiro.<br />

O homem se realiza por inteiro quando se dá a algo<br />

que vale completamente. Então ele chegou à sua própria<br />

plenitude. Sobretudo, quando se dá totalmente com<br />

Jesus indicando o caminho<br />

aos cruzados - Igreja Sainte-<br />

Ségolène, Metz, França<br />

o risco de, após a guerra, ficar estropiado, cego, arrastar-se<br />

como um inválido, às vezes um pobre mendigo, ou<br />

morrer na flor da idade, tornar-se prisioneiro, ser maltratado.<br />

Seja qual for o risco, ele resolveu e fará. Executa<br />

e sofre, mas nesse sofrimento o homem se une com<br />

seu ideal e, por assim dizer, se realiza com seu ideal.<br />

Isto, no fundo, tem o sentido seguinte: a vida humana<br />

não é o valor supremo. A comodidade, a prosperidade,<br />

o conforto, o próprio prazer nobre e elevado de ter<br />

uma cultura, uma instrução, a familiaridade com altas<br />

cogitações do espírito, nada disto constitui o fim da vida.<br />

Sua finalidade consiste em algo que é mais alto do que a<br />

vida: o Direito considerado em si, a Moral considerada<br />

em si, o Bem considerado em si, em holocausto do qual o<br />

homem se imola.<br />

A mais perfeita das guerras em todos<br />

os tempos foi a das Cruzadas<br />

Mas, por sua vez, o que é o Direito, o Bem, a Moral<br />

considerados em si? A Doutrina Católica ensina: só<br />

existe um Deus supremo, perfeito, santíssimo, Criador<br />

de todas as coisas, a cuja Lei todos devem obedecer, Ele<br />

é o Bem, o Direito. Deus premia o herói e castiga o injusto<br />

agressor ou o poltrão que não soube resistir a este<br />

último. Quer dizer, ou esses princípios se personificam<br />

num Ser espiritual vivo, perfeito e infinito, ou não<br />

têm sentido.<br />

Flávio Lourenço<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Flávio Lourenço<br />

Porque o Direito em si… é o que os latinos chamam<br />

flatus vocis, uma palavra vácua, um som emitido pela<br />

voz. Moral em si… que sentido tem o vocábulo “moral”<br />

se não há um Deus que me premia e me castiga, o<br />

Qual eu preciso amar porque Ele é Ele? E ainda mesmo<br />

que não me premiasse e não me castigasse, eu O<br />

deveria amar porque Ele é perfeitíssimo e digno de todo<br />

amor.<br />

Isto dá o último sentido da imolação, do senso militar.<br />

Por essa razão a mais bela e nobre forma de guerra que<br />

se possa imaginar é a guerra religiosa.<br />

A guerra das guerras em todos os tempos e a mais perfeita<br />

foi a das Cruzadas para libertar o Santo Sepulcro e<br />

as populações dos católicos do Oriente próximo, que estavam<br />

opressas pelos maometanos. A Cruzada contra os<br />

cátaros e albigenses, as guerras de Religião da Liga Católica<br />

da França, as dos chouans, dos carlistas, dos cristeros<br />

são as mais belas guerras da História, porque tomam<br />

todo o seu sentido no ideal religioso.<br />

E agora vem a mais alta consideração que podemos<br />

fazer: a alma desses guerreiros que morrem pensando<br />

em Deus. De um Roland, par de Carlos Magno, que expira<br />

em Roncesvales, entregando sua alma ao Criador. Essa<br />

alma que O ama tanto é, ela mesma, um reflexo d’Ele,<br />

parecida com Ele, criada à sua imagem. Deus Se espelha<br />

nela e esse heroísmo que há nela é o reflexo de uma<br />

virtude divina. Um reflexo muito mais próximo do que o<br />

leão, o qual é um animal irracional. O herói é um ente<br />

racional e, na sua alma espiritual, o heroísmo já é um reflexo<br />

muito mais próximo de Deus. Porque a alma se parece<br />

muito mais com o espírito do que matéria.<br />

Vitória de São Miguel e seus Anjos contra os demônios - Igreja<br />

de São Lourenço, São Lourenço de Morunys, Espanha<br />

A primeira guerra santa da História<br />

Quantas atitudes de Deus no-Lo mostram como guerreiro!<br />

Ele ordenando a São Miguel Arcanjo que elimine<br />

os demônios que se revoltaram no Céu e os precipite<br />

no Inferno. Que ato supremamente majestoso! Deus,<br />

no fundo de todos os séculos, levantando-Se na sua indignação<br />

e dando a ordem a São Miguel Arcanjo para<br />

expulsar os demônios. Pode-se imaginar esta manifestação<br />

da cólera divina, do desagrado de Deus, da repulsa,<br />

da rejeição, do asco e, depois, o castigo eterno, completo:<br />

“Contra eles o meu ódio implacável. Eu os cancelarei<br />

do local glorioso, a perpétua e feliz permanência na minha<br />

presença, e os atirarei para todo o sempre numa dor<br />

sem remédio, nem diminuição, nem consolação no lugar<br />

do fogo, das imundícies, do asco, da blasfêmia, da tortura,<br />

detestados por Mim por toda a eternidade.”<br />

Imaginem a majestade dessa sentença! A beleza do<br />

triunfo de São Miguel Arcanjo e de todos os Anjos fiéis que,<br />

no Céu, resistiram à prova e, por assim dizer, desfilaram<br />

diante de Deus, recebendo – eles, os bons guerreiros que<br />

empurraram os demônios para o Inferno – o prêmio pela<br />

guerra santa, a primeira da História, que tinham travado.<br />

Que resplendores no Paraíso! Que “paradas”, que “marchas”!<br />

Se, como sabemos, os Anjos entoam um canto espiritual,<br />

o que terão sido os cânticos deles durante a guerra<br />

contra os demônios, e o que poderia ser o cântico de triunfo<br />

dos Anjos fiéis no Céu, mostrando a Deus os demônios derrotados?<br />

Ninguém pode ter ideia da beleza disto!<br />

Mas, com o favor de Nossa Senhora, nós vamos ter<br />

esta ideia. Quando sobre o mundo desolado, devastado,<br />

escangalhado, quase todos ou todos os homens mortos,<br />

a tuba do julgamento final tocar e os corpos<br />

começarem a ressuscitar, e o Verbo de Deus<br />

encarnado baixar à Terra em pompa e majestade,<br />

veremos o Criador dando o final<br />

também da grande batalha da Criação. Ele<br />

vai chamar a Si todos os eleitos que se unirão<br />

a Ele num desfile processional garboso e<br />

marcial. E vai mandar para o Inferno, para<br />

o lugar dos derrotados, os maus que foram<br />

esmagados na luta.<br />

A alma guerreira, santíssima<br />

e perfeitíssima de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo<br />

Então, nós teremos o último cântico de<br />

triunfo da Criação que vai celebrar a alegria<br />

e a majestade da vitória de Deus. Nossa<br />

Senhora vai brilhar com toda sua refulgência,<br />

Ela a Quem a Escritura compara textualmente<br />

a um exército em ordem de batalha,<br />

34


Gabriel K.<br />

classe social que seguia essa carreira era a mais alta, ou<br />

seja, a nobreza. Exatamente por causa daquele princípio<br />

enunciado por Nosso Senhor: Ninguém pode amar mais<br />

seu amigo do que dando a vida por ele (cf. Jo 15, 13). Então<br />

é aquele ato de suprema identificação com os mais<br />

nobres ideais, pelos quais alguém se oferece num holocausto<br />

cruento. Eis porque a Igreja tem canonizado homens<br />

em todos os estados de vida, desde príncipes até lixeiros,<br />

desde Papas até humildes sacristães, de todas as<br />

idades, etc., mas quando ela fala dos mártires tem um<br />

tremor na voz e um enlevo especial nos olhos. Nada mais<br />

belo do que oferecer a sua vida. São Paulo já disse: Cristo<br />

crucificado excede a tudo (1Cor 1, 23-25).<br />

O bonito é que Nosso Senhor aceita, mais do que os<br />

nossos atos, os nossos desejos. Se tivéssemos o desejo intensíssimo<br />

e cotidiano de viver e morrer numa guerra<br />

santa, ainda que não fôssemos capazes de lutar durante<br />

ela, quando morrêssemos teríamos a glória do guerreiro.<br />

Mas para isso seria preciso nós termos um espírito tal<br />

que, a qualquer momento em que a guerra santa arrebentasse,<br />

nós entrássemos para ela como Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo tomou sua Cruz: com entusiasmo, com alegria,<br />

osculando-a de satisfação.<br />

v<br />

Juízo Final - Museu Metropolitano<br />

de Arte, Nova Iorque<br />

e que sozinha esmagou todas as heresias no mundo inteiro.<br />

Nós vamos ver Nosso Senhor Jesus Cristo erguer-<br />

-Se com aquela majestade que Ele tem no Santo Sudário,<br />

no furor de sua indignação contra os maus e no esplendor<br />

de seu amor aos bons, e veremos a separação feita. O<br />

exército dos bons vai ficar para todo o sempre no Céu e<br />

o dos maus para todo o sempre no Inferno. Será o fim da<br />

batalha e a vitória permanente dos bons.<br />

Nesse momento nós teremos refulgências de Deus e<br />

veremos aquilo que poderíamos chamar a Alma guerreira,<br />

santíssima e perfeitíssima de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, chamado pela Escritura o Leão de Judá, e de<br />

Nossa Senhora, a Rainha de todos os exércitos.<br />

São Paulo diz que ele só sabia pregar a Jesus Cristo.<br />

E depois acrescentou: a Jesus Cristo crucificado (1Cor 2,<br />

2), entendendo que todas as coisas perfeitíssimas, santíssimas<br />

e insondavelmente sábias que Nosso Senhor fez<br />

em sua vida, sendo elas todas objeto de enlevo constante<br />

dos homens, entretanto como que se compendiavam<br />

no ato em que Ele deu a vida na Cruz. Quer dizer, no<br />

momento em que o homem se imola por algo, ele dá tudo<br />

quanto poderia dar. O holocausto, o sacrifício cruento<br />

contém todo o resto. É um ápice.<br />

Por causa disto, na Idade Média se entendeu que na<br />

sociedade temporal a mais alta carreira era a militar; e a<br />

(Extraído de conferência de 12/1/1973)<br />

Jesus carregando a Cruz - Basílica de<br />

Nossa Senhora do Rosário, Guatemala<br />

J. P. Braido<br />

35


Daiane Amaral<br />

Coroação de<br />

Maria Santíssima<br />

Universidade Nossa<br />

Senhora do Lago,<br />

Texas, Estados Unidos<br />

Filha, Mãe e Esposa de Deus<br />

Os três principais títulos de Nossa Senhora se referem à relação d’Ela com a Santíssima<br />

Trindade: Filha do Padre Eterno, Mãe do Verbo e Esposa do Espírito Santo.<br />

É compreensível que esses três títulos sejam recitados juntos por causa da unidade da<br />

Santíssima Trindade, e nesta ordem, por ser a que corresponde às Pessoas Divinas.<br />

É também muito adequado rezar uma Ave-Maria em louvor de cada um desses atributos, pois<br />

é a saudação a Nossa Senhora por excelência.<br />

O fato de Maria Santíssima ser simultaneamente Filha, Mãe e Esposa de Deus cria n’Ela uma situação<br />

única, que é um relacionamento individual com cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade.<br />

Um místico, no mais alto estado da Mística, ou até mesmo o mais elevado Anjo jamais teria com<br />

qualquer das três Pessoas o relacionamento que a Santíssima Virgem possui, porque aqueles estabeleceriam<br />

um relacionamento na ordem da graça, enquanto o de Nossa Senhora transcende esta ordem.<br />

(Extraído de conferências de 29/10/1963 e 18/11/1976)

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