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Felipa de Sousa, algarvia condenada na Inquisição pelo “pecado nefando da sodomia”
José Carlos Vilhena Mesquita
Reconstituição da tortura do Potro numa gravura do século XVI. Os
torcionários prendiam os braços e pernas da vítima a uma banca móvel
de madeira, esticando-lhe o corpo até à exaustão. A cedência das
articulações causava lesões irreparáveis para o resto da vida. O imortal
Camões, depois de sujeito a esta tortura ficou inutilizado dos membros
inferiores, usando muletas até ao fim da vida.
Réplica do manipulo da polé, exibido em exposições de tortura, e
existente em vários museus da Europa.
que compõem o arquivo da Inquisição. Segundo,
porque os interesses económicos envolvidos nos
processos de acusação eram avultados, visto que os
bens das vítimas eram confiscados e revertidos em
benefício do Santo Ofício e até da própria Coroa. Por
essa razão é que a esmagadora maioria desses
processos dizem respeito aos estratos sociais da
burguesia, sobretudo, mercadores, lavradores,
médicos, boticários, barbeiros, advogados, escrivães,
proprietários, alfaiates, sapateiros, tendeiros, trapeiros,
sirgueiros, ferreiros, almocreves, ourives, etc. Tudo
gente de porta aberta, isto é, com loja ou oficina de
trabalho, que produz, cria e transforma, lidando com
dinheiro vivo, que lhes permite poupar e investir,
nomeadamente na compra de terra, adquirindo
prestígio e importância social. Os seus descendentes
vão estudar para a universidade de onde regressam
para serem integrados num patamar superior da
sociedade. E isso era o que mais desagradava à fidalguia
de linhagem, e às dignidades religiosas do alto clero,
pois temiam que a ascensão social dos plebeus - mercê
da sua valorização por mérito intelectual ou por
acumulação financeira, resultante do trabalho e
transações mercantis – pudesse vir a provocar a
alteração das mentalidades, a renovação económica, e
a desagregação do antigo regime, estruturado em
ordens e castas familiares. Por isso, tentando obstar à
evolução mental do tempo, «é para a mercancia, é para
REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE LOULÉ
n.º 20 2018
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