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Felipa de Sousa, algarvia condenada na Inquisição

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Felipa de Sousa, algarvia condenada na Inquisição pelo “pecado nefando da sodomia”

José Carlos Vilhena Mesquita

APÊNDICE

[Sentença da Mesa da Santa Inquisição, em Salvador

da Baía, condenando Felipa de Sousa à pena de açoites

e degredo perpéctuo, 4 de Janeiro de 1592]

Sentença

Recreação artística da presença de Filipa de Sousa perante a Mesa da

Inquisição, de peito desnudado sob o estigma da humilhação, ouvindo

a sentença vexatória do açoite e do degredo perpétuo. Ilustração de

Carlos Fonseca, um prestigiado artista-plástico brasileiro.

horrendo Tribunal do Santo Ofício, não podem ser

esquecidos, merecendo ser sempre rememorados

como algo que avilta e indigna a liberdade de género,

que oblitera a opção sexual, que agride a tolerância e

impede a integração social, que, em suma, impossibilita

o direito à diferença. Foi através do sacrifício de muitas

mulheres que, como Felipa de Sousa, sofreram a

opressão sexista e foram ostracizadas ou

estigmatizadas devido às suas opções sexuais, que as

mentalidades avançaram no sentido da tolerância, da

integração e do reformismo no mundo.

Felizmente, na civilização ocidental o processo histórico

avançou no sentido da conquista das liberdades e

direitos individuais – desde a luta do sufragismo e do

feminismo até à igualdade plena de género. Todavia, é

de todos sabido que ainda existem por esse mundo

muitas centenas de milhões de mulheres, que se

sentem privadas da sua liberdade sexual e da sua opção

de género. É para essas mulheres, que nunca puderam

revelar o seu desejo nem expressar livremente a sua

preferência sexual, que escrevi este artigo,

personificando na memória de Felipa de Sousa, uma

homenagem a todas as mulheres dos cinco continentes

que ainda não desfrutam do direito de poderem

expressar livremente as suas afeições, as suas

preferências sexuais e o livre arbítrio no amor.

Acordão o Visitador do Sancto Officio, o Ordinario, e

assessores, que uistos estes autos, proua de test.as

[testemunhas] e comfissão que fez despois de pressa

[presa] a Ree que prezente esta Felipa de Sousa cristãa

uelha custureira natural de Tauira do algarue filha de

Manoel de Sousa e de Sua molher môr Gllz [Maria

Gonçalves] defuntos de idade de trinta e cinquo annos,

casada cõ frco piz [Francisco Pires] pedreiro, moradora

nesta cidade, consta a dicta Ree Felipa de Sousa peccar

O horrendo e nefando crime, de sodomia, peccado

contra natura, cõ muitas molheres assim casadas como

Solteiras per muitas uezes, em diuersos tempos sendo

ella Ree ora agente Incuba, ora paciente Sucuba,

comssumando alguas uezes o ditto pecado nefando

com o comprimento natural de semelhantes actos como

se fossem naturais, ajuntando ella com as outras

molheres compliçes seus uasos dianteiros e tendo

Ssuas deleitaçois abominaueis ella cõ as outras

molheres; E Consta a Ree Ser costumada a namorar

moçheres, requestandoas, com cartas de amores e cõ

recados, e prezentes, e as prouocar ao ditto abominauel

peccado, e dar lhes abraços e beijos contenção torpe, e

desonesta, e abominauel, e gabarse de tam horrendos

peccados que cometia, nomeando as molheres com

quem os cometia, os quais horrendos peccados de

sodomia cometeo ajuntandosse com as outras molheres

Sem auer outro algum Instromento penetrante, o que

tudo fez com pouco temor de deos, esquecida da

Saluação de Sua alma. E Posto que comforme o dereito

Ciuil, a pena dos dictos Crimes he de morte natural, e

de confiscação Uniuersal de todos os bens, Contudo a

Sancta Igreja como mãi piadossa não dá morte corporal,

mas deixa a uida aos delinquentes, pera que nella fação

obras de pinitencia, com que escapem á morte spiritual,

pello que tudo uisto e o mais que destes autos consta

uisto outrossim o breue de Sua Sanctidade e a ordem

que el Rey noso sõr deu pera se proceder contra os

REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE LOULÉ

n.º 20 2018

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