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Felipa de Sousa, algarvia condenada na Inquisição pelo “pecado nefando da sodomia”
José Carlos Vilhena Mesquita
Os “Sambenitos”, eram os condenados pela Inquisição, que vestidos deste modo peculiar, empunhando uma enorme vela acesa, dirigiam-se em
procissão para o suplício em auto-de-fé.
natura, que ofendia a boa moral cristã, equiparável ao
delito da heresia e do sacrilégio mais execrável. É claro
que o grande foco da Igreja era a sodomia masculina,
mal compreendendo o prazer da cópula feminina por
não existir um elemento andrógeno de penetração que
veicule a obtenção do prazer.
Abolição do pecado da “sodomia foeminarium”
pela Inquisição
Após a restauração da nacionalidade, no século XVII, a
Inquisição renegou das suas competências a jurisdição
sobre este tipo de comportamento sexual, considerando
que por razões anatómicas as mulheres eram incapazes
de se sodomizarem, por falta de meio natural de
penetração. Esta decisão era aliás decorrente da praxis
jurídica europeia, onde era tolerada a prática
homoerótica feminina. De facto, o Conselho Geral da
Inquisição, quando foi questionado numa consulta do
Tribunal do Santo Ofício de Goa, teve de dar uma
decisão conclusiva sobre a sodomia foeminarium, que
discutiu cuidadosamente entre 1644 e 1646, optando
por rejeitar a alçada inquisitorial sobre este tipo de
comportamento sexual. As altas dignidades eclesiásticas
decidiram que não havendo penetração nem desperdício
de sémen, não poderia ser considerado sacrilégio,
blasfémia ou heresia, mas tão só uma atitude recreativa
muito peculiar ao espírito infantil das mulheres. Apenas
a sodomia masculina e a cópula heterossexual
perpetrada “no vaso traseiro da mulher com pulsão”,
por ser “suja” e desperdiçar a semente da vida, é que
continuava a ser ponderada como pecado nefando,
REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE LOULÉ
n.º 20 2018
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