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Revista Dr Plinio 285

Dezembro de 2021

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>285</strong> Dezembro de 2021<br />

Alegria, confiança e<br />

reparação no Santo Natal


Flávio Aliança<br />

Vítima do ódio ao<br />

Bem e à Verdade<br />

Martírio de Santo Estêvão<br />

Igreja de Santo Estêvão, Nova Jersey<br />

Àmedida que Santo Estêvão mani-<br />

festava as maravilhas que trazia<br />

em seu interior, o ódio contra ele<br />

ia aumentando.<br />

Primeiro, à vista dos milagres que<br />

operava, os inimigos se levantaram para<br />

disputar com ele. Depois, tendo o san-<br />

to diácono discutido maravilhosamente,<br />

reduzindo-os ao silêncio, aumentou-lhes<br />

o ódio a ponto de fazê-los ranger os den-<br />

tes. Ao vê-lo num êxtase, transbordando<br />

de sobrenatural, resolveram matá-lo.<br />

Ódio ao quê? Não pensemos que Santo<br />

Estêvão foi inábil, imprudente, de maneira<br />

a não se fazer entender por aque-<br />

la gente. Entenderam-no com perfeição.<br />

Mas está na essência da iniquidade e<br />

perfídia dos filhos das trevas odiar o bem<br />

e a verdade, que, quanto mais vão se ma-<br />

nifestando, tanto mais são odiados.<br />

Por fim, o ódio culminou na lapidação,<br />

e então se passou esta cena maravilhosa:<br />

Santo Estêvão, qual outro Cor-<br />

deiro de Deus, com os olhos voltados<br />

para o céu, todo ferido, pronunciou es-<br />

ta oração: “Senhor Jesus, recebei o meu<br />

espírito!” Em seguida, vergado pelas pe-<br />

dradas, caiu de joelhos e disse: “Senhor,<br />

não lhes imputeis este pecado!”<br />

Um suspiro... e aquele homem todo<br />

ensanguentado dormiu no Senhor. A<br />

tormenta se tinha transformado num<br />

sono, na morte plácida dos justos; o<br />

martírio estava consumado e sua alma<br />

subia ao Céu.<br />

(Extraído de conferência de 26/12/1966)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>285</strong> Dezembro de 2021<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>285</strong> Dezembro de 2021<br />

Alegria, confiança e<br />

reparação no Santo Natal<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em<br />

dezembro de 1989.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 Vítima do ódio ao<br />

Bem e à Verdade<br />

Editorial<br />

4 Venti et mare<br />

obœdiunt ei<br />

Piedade pliniana<br />

5 Oração para a noite<br />

de Natal<br />

Dona Lucilia<br />

6 Giro pelas lojas de<br />

brinquedos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

8 Presença régia e vitoriosa<br />

do Divino Infante<br />

Denúncia profética<br />

12 Luta perpétua entre<br />

bons e maus<br />

Hagiografia<br />

15 Um dos primeiros lutadores<br />

contra a heresia<br />

Calendário dos Santos<br />

18 Santos de Dezembro<br />

Perspectiva pliniana da História<br />

20 Revolução tendenciosa e<br />

Revolução sofística<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

28 Beleza e praticidade que<br />

conduzem a Deus<br />

Última página<br />

36 Primeiro lance da Contra-Revolução<br />

3


Editorial<br />

Venti et mare obœdiunt ei<br />

Na noite de Natal é normal que, reunidas junto ao Santo Presépio, as famílias pensem nas<br />

graças recebidas ao longo do ano que vai findando e nas perspectivas descortinadas diante<br />

delas para o ano novo que se aproxima.<br />

Cristo Nosso Senhor é o centro da História. N’Ele se encontram o passado, o presente e o futuro.<br />

É, portanto, justo que essas cogitações aflorem, entre tantas outras, ao espírito daqueles que procuram<br />

ser fiéis à Santa Igreja Católica Apostólica Romana nesta nossa sociedade tão conturbada.<br />

De todo lado vemos corrupção, confusão e ruína, no que há matéria abundante para nos sentirmos<br />

carentes da proteção divina e a peçamos com toda devoção ao Menino Jesus, por meio de José e de<br />

Maria Santíssima, cuja intercessão junto a Ele tem um valor tão decisivo.<br />

Contudo, não podemos celebrar esta magna Festa como se fosse um ano qualquer. Nosso Natal<br />

deve ser como numa casa de família onde a mãe encontra-se gravemente enferma e padecendo dores<br />

atrozes. Compreende-se que se monte uma árvore de Natal, e haja um movimento de piedade e de<br />

alegria a propósito de data tão augusta. Mas isso tudo deve ser dominado pela lembrança da mãe doente,<br />

projetando uma espécie de luz violácea sobre as festividades.<br />

É bem essa a atmosfera que deve haver em nossas comemorações natalinas, por razões tão bem<br />

conhecidas por todos nós. Devemos, pois, carregar a dor de nossa Santa Mãe, a Igreja, durante este<br />

Natal, e sabermos ter um espírito de reparação nos atos de piedade oferecidos por nós nesta ocasião.<br />

Nossa Senhora, com certeza, desde o primeiro instante reparava junto ao Menino Jesus todos os<br />

sofrimentos que Ele haveria de padecer. Ao contrário do que se costuma pensar – ou seja, que as tristezas<br />

são inconvenientes para o Natal –, aquela noite sacrossanta teve tristezas.<br />

Ora, nas atuais circunstâncias não ter esse pesar pela situação da Santa Igreja é inconcebível. Então,<br />

o cálice da dor está sendo sorvido até a última gota, e nós, em vez de meditarmos nos cálices com<br />

fel, pensamos apenas nas taças com champanhe? Como uma alma verdadeiramente católica pode ser<br />

assim?!<br />

Porém, uma confiança inabalável deve acompanhar essa tristeza. Não nos deixemos apavorar pelos<br />

vagalhões que sacodem o mundo moderno. Uma palavra do Divino Mestre pode impor limites à<br />

tormenta e salvar os que estão com Ele na barca.<br />

Depois de ter ordenado aos ventos e às águas revoltas do Lago de Genesaré que se aplacassem,<br />

por certo Jesus pôde ouvir de seus discípulos este comentário que terá alegrado o seu Sagrado Coração:<br />

“Qualis est hic, quia et venti et mare obœdiunt ei?” – “Quem é este a quem até os ventos e os mares<br />

obedecem?” (Mt 8, 27).<br />

Não haverá ventos que a Providência Divina não reduza ao silêncio, nem mares que Ela não contenha<br />

nos devidos limites, na medida em que isto seja para a maior glória de Deus e salvação das almas.<br />

De nossa parte, devemos pedir ao Menino Jesus a graça de prestarmos à Causa da Civilização<br />

Cristã todos os serviços necessários para conter os vagalhões da imoralidade e da corrupção contemporânea.<br />

*<br />

* Cf. Conferências de 20/12/1965 e 30/11/1990.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Oração para a noite<br />

de Natal<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

ÓDivino Infante, eis ajoelhado diante de Vós mais um militante trazido<br />

pela graça obtida por vossa divina e celeste Mãe. Aqui está este<br />

batalhador, antes de tudo, para vos agradecer.<br />

Agradeço-vos a vida que destes ao meu corpo, o momento em que insuflastes<br />

minha alma e o vosso plano eterno a meu respeito, segundo o qual eu<br />

deveria ocupar, por desígnio divino, um determinado lugar, mínimo que fosse,<br />

dentro da coleção dos homens para compor o enorme mosaico de criaturas<br />

humanas destinadas a subir até o Céu.<br />

Agradeço-vos por terdes posto a luta no meu caminho, para que eu pudesse<br />

ser herói; todos os anos de minha vida passados na vossa graça, como também<br />

aqueles vividos fora dela, mas que foram encerrados por Vós num determinado<br />

momento em que abandonei o caminho do pecado.<br />

Agradeço-vos, Menino Jesus, tudo quanto por vosso auxílio fiz de difícil<br />

para combater os meus defeitos, e por não vos terdes impacientado comigo,<br />

conservando-me vivo para que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los até a hora<br />

de morrer.<br />

Nesta noite de Natal, dirijo-vos esta prece, adaptando o Salmo que diz:<br />

“Não tireis a minha vida na metade de meus dias!” Não me tireis os dias<br />

na metade da minha obra, que meus olhos<br />

não se cerrem pela morte, meus músculos<br />

não percam seu vigor, minha<br />

alma não perca a sua força e agilidade,<br />

antes que eu tenha, por<br />

vossa graça, vencido todos os<br />

meus defeitos, atingido todas<br />

as alturas interiores que me<br />

destinastes a galgar e, por<br />

feitos heroicos realizados no<br />

vosso campo de batalha, vos<br />

tenha prestado toda a glória<br />

que de mim esperáveis<br />

ao me criardes!<br />

(Composta em<br />

23/12/1988)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em<br />

dezembro de 1988<br />

5


Dona Lucilia<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Rosée e <strong>Plinio</strong><br />

Divulgação<br />

Divulgação<br />

Exterior da Casa Mappin<br />

Salão de chá, localizado no segundo<br />

andar da Casa Mappin<br />

Ao visitar as lojas de brinquedos<br />

por ocasião do Natal, sem<br />

distinguir com clareza desde<br />

o primeiro instante, duas<br />

tendências se colocavam ao<br />

menino <strong>Plinio</strong>: uma, a de gozar<br />

a vida; outra, a de carregar a<br />

cruz de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo. Com o tempo, os fatos se<br />

impuseram, começou a batalha e<br />

ele passou a desenvolver uma luta<br />

raciocinada contra a Revolução.<br />

Nas proximidades do Natal,<br />

Dona Lucilia levava minha<br />

irmã e eu, juntamente com<br />

a Fräulein Mathilde, para tomar lanche<br />

na Casa Mappin 1 .<br />

Um mistério do Natal...<br />

Era chá no sistema inglês, com bolos,<br />

sorvete – criança gosta de sorvete<br />

superlativamente – e sanduíches com<br />

presunto estrangeiro. Havia também<br />

uma coisa bastante simples da qual gos-<br />

to muito e que era preparada com esmero<br />

no Mappin: pão torrado com<br />

manteiga, feito de maneira ao pão estar<br />

ainda mole e a manteiga derreter-se<br />

toda e penetrar nele, dando um sabor<br />

especial ao conjunto; e música tocando.<br />

Nós nos sentávamos, em geral,<br />

num lugar de onde podíamos contemplar<br />

a vista ao fundo, com as janelas<br />

grandes abertas, pelas quais<br />

entrava uma ventania forte. E eu era<br />

um entusiasta da ventania!<br />

Dias depois desse chá vinha o giro<br />

pelas lojas de brinquedos, para minha<br />

irmã e eu escolhermos os presentes.<br />

Já estávamos grandinhos, sabíamos<br />

que não existia Papai Noel.<br />

Então escolhíamos os nossos presentes,<br />

mas apesar de tudo não sei porque<br />

eles não nos eram dados no momento.<br />

Dona Lucilia mandava comprar<br />

os presentes e ficava acertado<br />

que seriam entregues em nossa casa.<br />

Fazia parte dos mistérios do Natal.<br />

6


É possível que mamãe os levasse<br />

sem eu perceber. Toda a vida fui<br />

muito distraído, sobretudo com as<br />

pessoas em quem confio. E com ela,<br />

oceanos de confiança!<br />

Desenvolvimento de<br />

um veio militarista<br />

Entre as lojas de brinquedos, havia<br />

uma de alemães chamada “Casa<br />

Fuchs” – Fuchs é uma palavra alemã<br />

que quer dizer raposa –, onde expunham<br />

presentes que me deixavam<br />

entusiasmados. Como já ia se desenvolvendo<br />

muito em mim um veio militarista,<br />

os soldadinhos de chumbo<br />

me encantavam.<br />

Mas eles tinham também caixas<br />

com certos materiais para “construir<br />

casas”. Creio que eram brinquedos<br />

norte-americanos. Tratava-<br />

-se de uma massa com várias cores,<br />

com a qual um menino podia imaginar<br />

e construir uma casa. O cheiro<br />

dessa massa e dos galhos de pinheiro,<br />

com que os Fuchs ornamentavam<br />

por dentro a loja, ficaram para mim<br />

dois aromas característicos de Natal.<br />

Essas coisas despertaram em mim<br />

um desejo debandado do gozo pela<br />

vida, de levar uma existência gostosa,<br />

com dinheiro, fazendo o que eu<br />

queria, sem sacrifício nenhum, sem<br />

pecado, mas deliciosa em tudo.<br />

E como exatamente não entrava<br />

ali nenhum consentimento ao<br />

pecado, eu achava que aquilo tudo<br />

era muito bom e podia me entregar<br />

àqueles prazeres como quisesse. De<br />

onde um desejo da vida luxuosa, mas<br />

não de luxinho qualquer; luxo de<br />

grão-duque!<br />

Bem entendido, nos meus projetos<br />

entravam viagens à Europa. Passava-me<br />

também a ideia de viajar aos<br />

Estados Unidos, mas devo confessar<br />

que a estátua da Liberdade me causava<br />

um horror pouco descritível. Ademais,<br />

eu fazia ideia dos Estados Unidos<br />

enquanto uma nação protestante,<br />

não tinha noção da existência de tantos<br />

católicos já naquele tempo, por<br />

causa da imigração italiana, irlandesa<br />

e uma série de outros fatores.<br />

Ora, perto de minha casa havia<br />

uma igreja protestante, e eu sonhava<br />

em dar um tiro de canhão e derrubar<br />

a torre daquele templo herético.<br />

Pode-se imaginar que nada disso aumentava<br />

em mim a vontade de ir aos<br />

Estados Unidos. Exceto duas coisas<br />

que sempre me fascinaram: as Cataratas<br />

do Niágara e os Grandes Lagos.<br />

O resto, muito menos. Dos arranha-céus<br />

eu sentia uma fobia que<br />

não tem palavras!<br />

Diante de dois caminhos<br />

Assim, eu via se abrirem diante de<br />

mim dois caminhos diferentes, fora<br />

do pecado: um, o de gozar a vida; outro,<br />

carregando a cruz de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, sofrendo perseguição,<br />

sendo detestado, odiado, ignorado,<br />

posto de lado pelos outros.<br />

Essas duas tendências não cheguei<br />

a distingui-las logo. Porém os<br />

fatos se impuseram para mim, porque<br />

começou a batalha dentro<br />

do colégio. Então, passei<br />

a desenvolver uma luta raciocinada,<br />

política, naquele<br />

ambiente para disputar um<br />

À direita, propaganda<br />

da Casa Fuchs.<br />

Abaixo, soldadinhos de<br />

chumbo de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

lugar ao sol, que o silêncio velhaco e<br />

o abandono me negavam.<br />

Iniciou-se, portanto, uma tática propriamente<br />

de um político, com habilidades<br />

maiores ou menores – não me<br />

tenho em conta de um grande político<br />

–, para, sozinho, virar de perna para o<br />

ar a política que se fazia contra mim.<br />

Entrava até um tanto de guerra<br />

psicológica, a qual eu nem sabia existir,<br />

mas que, apalpando, ia percebendo:<br />

tal coisa se faz assim, tal outra<br />

daquele jeito, etc.<br />

Então, alterei em parte a situação.<br />

Mas nessa ocasião tinha contra<br />

mim toda a Revolução e já formara<br />

o ideal da Contra-Revolução. Torci<br />

o pescoço da bruxa, não pensei mais<br />

na vida de grão-duque e tomei a cruz<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo! v<br />

(Extraído de conferência de<br />

5/6/1991)<br />

1) Situada no centro velho de São Paulo.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Divulgação<br />

7


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Presença régia<br />

e vitoriosa do<br />

Divino Infante<br />

Como o mundo atual é semelhante<br />

àquele no qual viveram os<br />

homens nas vésperas do Natal!<br />

Tudo parecia ruir, porém almas<br />

esparsas pela Terra esperavam por<br />

uma restauração. Não virá para<br />

nós também um acontecimento<br />

que nos liberte de todo o horror<br />

dentro do qual estamos?<br />

Um Menino está para nascer<br />

em Belém! O que dizer desse<br />

acontecimento?<br />

Quando o Verbo se encarnou e habitou<br />

entre nós, qual era a situação da<br />

humanidade? Com certeza, bastante<br />

parecida com a de nossos dias.<br />

Num mundo pagão<br />

algumas almas esperavam<br />

a restauração<br />

Apesar do pecado de Adão e Eva,<br />

havia uma como que inocência patriarcal<br />

das primeiras eras da humanidade,<br />

que foi deixando vestígios<br />

cada vez mais raros ao longo da História.<br />

E uma ou outra pessoa de cá,<br />

de lá ou de acolá, ainda refletia essa<br />

retidão primitiva. Homens esparsos<br />

que não se conheciam, pois não<br />

tinham contato entre si, e, em consequência,<br />

não formavam um todo,<br />

mas saudosos e pensando com nostalgia<br />

num passado tão longínquo<br />

que talvez nem sequer tivessem dele<br />

um conhecimento umbrático; olhavam<br />

o estado da humanidade do seu<br />

tempo representando uma decadência<br />

terrível, confirmada pelo que havia<br />

de poderoso e cheio de vitalidade:<br />

o Império Romano.<br />

Ele era o mais quintessenciado, o<br />

último e mais alto produto do progresso.<br />

Porém, não durou muito tempo,<br />

pois caiu por causa de sua devassidão.<br />

Assim, coube-lhe o fim inglório<br />

de ser calcado aos pés pelos bárbaros,<br />

aqueles a quem os próprios romanos<br />

desprezavam e consideravam feitos<br />

para serem seus escravos. Esses haveriam<br />

de tomar conta deles.<br />

Esse poderoso Império dominara<br />

um mundo podre. E se teve tanta facilidade<br />

para dominá-lo, em grande<br />

parte foi porque ainda era um pouco<br />

sadio. Devorando o mundo, o Império<br />

engoliu a podridão; e deglutindo a<br />

conquista, esta matou o conquistador.<br />

Todos os vícios do Oriente escorreram<br />

como torrentes em Roma e a tomaram.<br />

Assim, transformada numa cloaca,<br />

numa sentina, por sua vez, espalhava<br />

por toda parte – multiplicada e<br />

acrescida – aquela corrupção.<br />

Entretanto, algumas almas opressas<br />

por essa situação sentiam que algo<br />

estava por acontecer e compreendiam<br />

que, ou o mundo acabaria, ou a Providência<br />

de Deus interviria. Essas almas<br />

tinham a sua desventura e a sua angústia<br />

levadas ao máximo na véspera do<br />

dia de Natal. Vivia-se o fim de uma era<br />

8


Adoração dos Reis Magos<br />

Museu Nacional de Arte da<br />

Catalunha, Barcelona<br />

em seus estertores, mas na aparência<br />

da paz, e ninguém tinha ideia de qual<br />

poderia ser a saída.<br />

Eis que, naquela véspera de Natal,<br />

tão terrivelmente opressiva para<br />

todos, em Belém, numa gruta, havia<br />

um casal que possuía uma castidade<br />

ilibada, e a Virgem Esposa, entretanto,<br />

seria Mãe. E, nessa gruta, em<br />

determinado momento, enquanto se<br />

rezava em profundo recolhimento, o<br />

Menino Jesus estava na Terra!<br />

Autêntica adoração<br />

Os pastores, que relembravam<br />

a retidão antiga, vendo aparecer os<br />

Anjos cantando e anunciando-lhes<br />

a primeira notícia: “Glória a Deus<br />

no mais alto dos Céus e paz na Terra<br />

aos homens de boa vontade!”, encantaram-se<br />

e foram em direção<br />

Flávio Lourenço<br />

ao presépio, levando seus presentinhos<br />

ao Menino Jesus. Foi o primeiro<br />

magnífico ato de adoração, o qual<br />

bem poderíamos chamar de “ato de<br />

adoração da tradição”.<br />

Eles representavam a tradição da<br />

retidão pastoril, daquelas condições<br />

de vida puras, perdidas em meio ao<br />

mundo depravado e cuidando de pequenos<br />

animais. Pastores que, levando<br />

uma vida recatada à margem da podridão<br />

daquela civilização, foi-lhes anunciado<br />

em primeiro lugar o grande fato:<br />

“Puer natus est nobis, et filius datus<br />

est nobis” (Is 9, 5) – “Um Menino nasceu<br />

para nós, um Filho nos foi dado!”<br />

Pouco depois, no outro extremo<br />

da escala social, vinha também uma<br />

caravana, era outra maravilha. Uma<br />

estrela peregrina no horizonte... e,<br />

do fundo dos mistérios pútridos do<br />

Oriente, homens sábios, magos, cingindo<br />

a coroa real, deslocam-se de<br />

seus respectivos reinos.<br />

Imaginemos que, em determinado<br />

momento, esses grandes monarcas se<br />

encontraram e se veneraram reciprocamente.<br />

Sem dúvida, cada um contou<br />

para os outros de onde vinha, e os<br />

três se encantaram ao ver que os aliara<br />

a mesma convicção, a mesma esperança<br />

e o chamado para percorrer o<br />

mesmo itinerário. Por fim, chegaram<br />

juntos à gruta levando as três culminâncias<br />

dos respectivos países: ouro,<br />

incenso e mirra, e renderam outra<br />

adoração ao Menino Jesus. Aí já<br />

não era mais a tradição dos mais humildes,<br />

mas sim, a dos mais elevados.<br />

A tradição tem isso de interessante,<br />

de tal maneira ela é feita para todos,<br />

que possui um modo próprio de<br />

residir em todas as camadas sociais.<br />

Na burguesia ela se manifesta simplesmente<br />

na estabilidade. Na nobreza,<br />

pela continuidade na glória;<br />

enquanto no povinho, pela continuidade<br />

na inocência. Ora, esses reis,<br />

ápices da nobreza de seus respectivos<br />

países, traziam junto com a dignidade<br />

real, uma outra elevada honra:<br />

a de serem magos. Eram homens<br />

sábios, tinham estudado com espírito<br />

de sabedoria, pois no momento<br />

em que eles receberam a ordem:<br />

“Ide a Belém, e ali tereis as vossas<br />

esperanças realizadas”, seus espíritos<br />

encontravam-se preparados por<br />

tudo aquilo que conheciam e tinham<br />

estudado do passado.<br />

Logo irrompe a perseguição<br />

De imediato, desencadeou-se a<br />

perseguição. A meu ver, não seria<br />

razoável, nestas circunstâncias, meditarmos<br />

no Natal sem tomarmos<br />

em consideração a matança dos inocentes;<br />

essa tragédia que acompanha<br />

tão de perto a celeste paz, a serenidade<br />

magnífica e toda cheia de sobrenatural,<br />

do “Stille Nacht, Heilige<br />

Nacht”. Essa cruel matança tingiu de<br />

sangue a terra que mais tarde se tornaria<br />

sagrada, porque aquele Menino<br />

ali verteria seu Sangue Sacrossanto.<br />

Apenas Ele se manifestou, a espada<br />

assassina dos poderosos se moveu<br />

contra Ele. No momento em que<br />

essas maravilhas se afirmam, o ódio<br />

dos maus se levanta contra elas como<br />

uma corja.<br />

Com frequência, a matança dos<br />

inocentes é considerada de um modo<br />

humanitário. Não há dúvida de<br />

que essa ponderação tem algum cabimento,<br />

pois eles eram inocentes<br />

e foram mortos, crianças covardemente<br />

trucidadas. Porém, essa apreciação<br />

justa e de compaixão empana,<br />

no espírito moderno e naturalista,<br />

a consideração mais importante:<br />

aquele massacre era o prenúncio do<br />

deicídio, pois tendo recebido a informação<br />

de que ali nasceria o Messias,<br />

o rei dos judeus teve a intenção de<br />

matá-Lo, e para isso mandou assassinar<br />

todos os meninos!<br />

Embora não tivessem plena consciência<br />

de ser o Homem-Deus, de<br />

um modo ou de outro, a intenção era<br />

de atingir, senão Deus, pelo menos<br />

o enviado d’Ele. Daí uma série de<br />

outros fatos, e a História Sagrada se<br />

desenrola diante de nós.<br />

9


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Ontem e hoje o mundo agoniza<br />

Como a nossa vida é parecida com<br />

a dos homens que viveram na véspera<br />

do “Puer natus est nobis, et filius datus<br />

est nobis!” O mundo de hoje agoniza<br />

como agonizava o das vésperas do nascimento<br />

de Nosso Senhor. Tudo é desconcertante,<br />

loucura e delírio. Todos<br />

procuram aquilo que cada vez mais foge<br />

deles, como o bem-estar, a vidinha,<br />

o gozo infame, as trinta moedas com<br />

as quais cada um vende o Divino Mestre,<br />

que implora a defesa e o entusiasmo<br />

daqueles a quem Ele remiu.<br />

É muito provável que nestas condições<br />

haja algum homem, pela vastidão<br />

da Terra, a gemer por presenciar<br />

diante de si o mundo caindo em<br />

pedaços; é o descalabro da Cristandade<br />

ou, hélas, a terrível crise na<br />

Santa Igreja imortal, fundada e assistida<br />

por Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

de tal maneira em declive que se<br />

soubéssemos ser ela mortal, seríamos<br />

levados a dizer que está morta.<br />

Eu me pergunto: não virá para<br />

nós um acontecimento enorme,<br />

talvez dos maiores da História<br />

– embora infinitamente<br />

pequeno em comparação com<br />

o Santo Natal –, que nos liberte<br />

também de todo o horror dentro<br />

do qual estamos?<br />

O que dar e pedir<br />

ao Menino Jesus?<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

mo a Ele!” Não é verdade! Se Jesus<br />

nos receber em suas mãos divinas,<br />

nos transformará em vinho como a<br />

água nas bodas de Caná e seremos<br />

outros. Digamos a Ele: “Senhor, modificai-nos!<br />

Asperges me hyssopo et<br />

mundabor: lavabis me, et super nivem<br />

dealbabor. Senhor, aspergi-me com<br />

hissope e eu ficarei limpo; lavai-me e<br />

tornar-me-ei mais alvo do que a própria<br />

neve! (Sl 51, 7). Vosso presente,<br />

Senhor, é a criatura que vos pede:<br />

aspergi-me, purificai-me!”<br />

Ora, esse presente devemos oferecê-lo<br />

pela intercessão de Nossa Senhora,<br />

pois, como oferecer algo como<br />

nós, a não ser por meio d’Ela? E se<br />

tudo fazemos por seu intermédio, por<br />

que não pedir um presente a Nosso<br />

Senhor também através de sua Mãe?<br />

Sem dúvida, o dom fundamental que<br />

devemos implorar é o seguinte: “Senhor,<br />

mudai o mundo! Ou, se não há<br />

outro meio, abreviai os dias cumprindo<br />

as promessas e as ameaças de Fátima!<br />

Mas, para perseverar pelo me-<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em dezembro de 1983<br />

Aos pés do Presépio, se Deus<br />

quiser, vamos celebrar o Santo<br />

Natal, e devemos levar nossos<br />

presentes o Menino-Deus como<br />

fizeram os Reis Magos e os<br />

pastores. Entretanto, o que dar-<br />

-Lhe? O melhor presente que<br />

Ele quer de nós é a nossa própria<br />

alma, o nosso coração! O<br />

Divino Infante não deseja nenhum<br />

outro presente da nossa<br />

parte a não ser este.<br />

Alguém dirá: “Que pífio<br />

presente, eu dar a mim mesnos<br />

os que ainda perseveram, Senhor,<br />

tende pena deles, abreviai os dias de<br />

aflição e fazei vir o quanto antes o<br />

Reino de vossa Mãe.”<br />

Enquanto estivermos cantando o<br />

“Stille Nacht, Heilige Nacht” e as demais<br />

canções sagradas do Natal, devemos<br />

ter bem presente o seguinte:<br />

tudo é muito bonito e muito bom<br />

na lembrança do fato havido há dois<br />

mil anos, sobretudo porque temos a<br />

convicção de que Nosso Senhor continua<br />

presente na sua Santa Igreja<br />

e na Sagrada Eucaristia, e sua Mãe<br />

nos auxilia desde o Céu<br />

Na Terra, porém, é preciso pedir<br />

uma presença régia e vitoriosa do Divino<br />

Infante! Inclusive, podemos dar<br />

a esse pedido uma outra formulação:<br />

“Ut inimicos Sanctæ Matris Ecclesiæ<br />

humiliare digneris, te rogamos audi<br />

nos!” “Senhor recém-nascido, que repousais<br />

nos braços de vossa Mãe como<br />

no mais esplendoroso trono que<br />

jamais houve e haverá para um rei na<br />

Terra, nós vos suplicamos: dignai-vos<br />

humilhar, abaixar, castigar, tirar<br />

a influência, o prestígio, a quantidade<br />

e a capacidade de fazer<br />

mal, aos inimigos da Santa Igreja<br />

Católica Apostólica Romana,<br />

a começar pelos mais terríveis; e<br />

estes não são os externos, mas os<br />

internos!” Em suma, peçamos<br />

a forma mais requintada da vitória<br />

de Nosso Senhor: o esmagamento<br />

dos seus adversários e<br />

a vitória de sua Mãe Santíssima!<br />

Lembranças das<br />

noites de Natal<br />

As recordações dos natais da<br />

infância fixadas na minha memória<br />

se fundiram num só Natal.<br />

Todos se repetiram com muito<br />

encanto e agrado para mim,<br />

sem que eu os deixasse de achar<br />

sempre novos. Eu poderia tentar<br />

descrever as sucessivas impressões<br />

de como se comemorava<br />

o Natal na igreja e em casa.<br />

10


O Natal na igreja se celebrava com<br />

uma Missa, mas não era a do Galo.<br />

Nela se adorava a Nosso Senhor, enquanto<br />

recém-nascido em Belém, e<br />

em seguida, fazia-se uma consideração<br />

do Presépio. Por último, o sacerdote<br />

pronunciava a bênção.<br />

Eu tinha uma dupla impressão do<br />

Natal. Por um lado, chegava diante<br />

do Presépio e me comovia muito, me<br />

emocionava, pois me parecia que dele,<br />

de fato, emanava paz e tranquilidade.<br />

Vendo o Menino deitado de braços<br />

abertos, tinha a sensação de estarem<br />

abertos para mim e para todos os que<br />

O venerassem. Braços acolhedores,<br />

afáveis, cheios de simpatia e perdão.<br />

Assim, eu me tomava com aquela<br />

alegria do Natal, toda ela intensa e<br />

sobrenatural, mas, ao mesmo tempo,<br />

carregada de tristeza. Por quê? Vejam,<br />

por exemplo, a imagem do Sagrado<br />

Coração de Jesus que se encontra<br />

numa das capelas laterais da igreja<br />

dedicada a Ele, na cidade de São Paulo.<br />

Essa imagem é muito bondosa e vê-<br />

-se Nosso Senhor imerso na felicidade<br />

celeste, mas Ele aponta para o seu<br />

Coração num gesto de tristeza, como<br />

que repetindo as palavras ditas a Santa<br />

Margarida Maria Alacoque: “Eis aqui<br />

o Coração que tanto amou os homens<br />

e por eles foi tão pouco amado.” Por<br />

isso, a devoção ao Sagrado Coração<br />

de Jesus tem essa nota reparadora, em<br />

que nós devemos atenuar o sofrimento<br />

d’Ele pelos pecados dos homens.<br />

Então, essa serenidade da dor, misteriosamente<br />

ligada à alegria natalina,<br />

tinha para mim um sabor especial, que<br />

não sabia explicar, mas me parecia<br />

que a alegria perderia muito sua razão<br />

de ser se a dor ali não estivesse presente.<br />

Era, de fato o júbilo natalino, mas<br />

numa determinada forma que o Natal<br />

não apresenta de imediato, ou seja, a<br />

alegria da resignação para o que viria<br />

no futuro, aceitando-o com bondade e<br />

com abertura de alma para a dor.<br />

Assim como o Divino Redentor<br />

sofreu, todos os homens sofrerão. Então,<br />

aquele menino que estava feste-<br />

Nascimento de Jesus - Paróquia La Merced, Guatemala<br />

jando o Natal sofreria também. Mas,<br />

quando chegasse a hora da dor, ele já<br />

deveria ter conquistado uma certa serenidade<br />

tranquila, augusta, cheia de<br />

paz, a qual faria com que dentro da<br />

própria dor, ele tivesse alegria.<br />

Essa era a mensagem de Natal<br />

que se tornava tão clara, no seu sentido<br />

religioso, na Missa do dia celebrada<br />

na Igreja. Na véspera do Natal<br />

não tinha a mesma intensidade.<br />

O sentido religioso era claro, mas a<br />

festa era feita num ambiente temporal.<br />

Na família, célula da sociedade,<br />

vive-se o prazer lícito das coisas temporais<br />

inocentes, da boa diversão,<br />

das crianças contentes pelos dons recebidos<br />

de Deus; infantes que ainda<br />

não começaram a batalha contra o<br />

J. P. Braido<br />

pecado e se alegram por estarem vivos<br />

e existirem no mundo.<br />

É a alegria que teria uma borboleta<br />

ou um passarinho, se pudessem pensar,<br />

sentindo seu próprio voo de fruta em<br />

fruta ou de flor em flor, debaixo do Sol.<br />

Alegria muito boa, sem dúvida, que faz<br />

sentir à alma todos os prazeres da virtude,<br />

porque o verdadeiro prazer não<br />

provém do pecado. Assim, quando vier<br />

a tentação roncando, resfolegando e<br />

agitando o guizo, a alma humana compreenderá<br />

ser aquilo mentira do demônio,<br />

pois o que parece prazer é tristeza.<br />

Eis algumas lembranças da noite<br />

de Natal.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

23/12/1983)<br />

11


Denúncia profética<br />

Luta perpétua<br />

entre<br />

Flávio Lourenço<br />

bons e maus<br />

Existe um empenhado duelo<br />

pessoal entre Jesus Cristo e<br />

satanás, cujas origens explicam<br />

o estado de luta perpétua e<br />

incompatibilidade irredutível<br />

entre bons e maus em todos<br />

os períodos da História.<br />

Os historiadores nos<br />

dão um quadro do<br />

estado lastimável do<br />

mundo pagão, na ocasião<br />

do advento do Verbo Encarnado.<br />

Em resumo, havia no<br />

mundo romano uma classe<br />

de régulos totalitários, que fazia<br />

trabalhar um povo de escravos,<br />

e uma plebe de mendigos<br />

que não podia trabalhar,<br />

dada a concorrência do<br />

mesmo braço escravo.<br />

Um tal estado de coisas<br />

conduzia naturalmente<br />

ao socialismo, e foi no mais<br />

crasso socialismo do gênero<br />

demagógico que terminou o cesarismo<br />

pagão do Império Romano.<br />

Duas naturezas distintas<br />

se unem para formar<br />

uma única Pessoa<br />

Contra essa escravidão do pecado<br />

clamava a consciência dos homens<br />

que não se deixaram levar pelo pai<br />

da mentira. Em seu longo cativeiro,<br />

os justos suspiravam pelo dia da Redenção.<br />

E se elevavam aos Céus as<br />

suas vozes, bem como a dos profetas,<br />

suplicando e anunciando o advento<br />

do Esperado das nações, do Salvador<br />

que nasceria de uma Virgem,<br />

12<br />

A Virgem com o Menino triunfando<br />

sobre o demônio - Catedral de<br />

São Pedro, Vannes, França


Aquela que haveria de esmagar a cabeça<br />

da serpente infernal.<br />

A presença de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo enche toda a História da<br />

humanidade pelas promessas, pela<br />

união do povo fiel com o seu Criador,<br />

como domina o mundo depois<br />

de sua vinda através da Igreja, seu<br />

Corpo Místico. N’Ele, a Religião é<br />

uma através de todas as idades: “Jesus<br />

Cristo é o mesmo ontem, hoje e<br />

para todo o sempre” (Hb 13, 8).<br />

Nessa união substancial e indissolúvel<br />

das naturezas divina e humana<br />

em unidade de Pessoa divina vemos<br />

o cumprimento da promessa da Redenção.<br />

Eis a distinção bem marcada<br />

entre o infinito e o finito. Há em<br />

Jesus Cristo duas naturezas distintas:<br />

a divina e a humana. Como Filho<br />

de Deus, é consubstancial a Deus,<br />

e é Deus verdadeiro. Como Filho da<br />

Santíssima Virgem, é verdadeiro Homem.<br />

Mas essas duas naturezas distintas<br />

se unem, sem se confundir, para<br />

formar uma única Pessoa, o Verbo<br />

Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Eis o mistério da Encarnação, segundo<br />

o qual, como natureza, Jesus<br />

Cristo é Deus e Homem, e como Pessoa<br />

é inteira e inseparavelmente Filho<br />

de Deus, inteiramente e inseparavelmente<br />

Filho do homem.<br />

Diz Santo Agostinho que o homem<br />

estava duplamente morto com o pecado<br />

de Adão, pela morte do corpo,<br />

quando a alma o desampara, e pela<br />

morte da alma, quando Deus a<br />

desampara. É esta a “morte segunda”<br />

referida por São João no<br />

Apocalipse, que caberá “aos covardes,<br />

aos incrédulos, aos ímpios,<br />

aos homicidas, aos impuros,<br />

aos idólatras, e a todos os mentirosos”<br />

(cf. Ap 21, 8).<br />

E é dessa morte que nos<br />

veio salvar o “Primogênito<br />

dentre os mortos” (Cl 1, 18),<br />

no dizer de São Paulo, e “libertar<br />

os que, em virtude do<br />

terror à morte, passaram<br />

a vida toda como escra-<br />

vos”. “Convinha, portanto, que em<br />

tudo Se tornasse semelhante aos irmãos,<br />

a fim de ser junto de Deus um<br />

Pontífice misericordioso e fiel para<br />

expiar assim os pecados do povo.<br />

Pois tendo Ele mesmo padecido<br />

com as tentações, está em condições<br />

de valer aos que se acham tentados”<br />

(Hb 2, 15.17-18).<br />

Incompatibilidade<br />

irredutível entre bons e maus<br />

Dir-se-ia, portanto, que com a vinda<br />

do Messias e Redentor do mundo<br />

uma nova era de paz e de concórdia<br />

estaria reservada para a humanidade.<br />

E quem pode negar que na vigência<br />

do Novo Testamento, na Lei da graça,<br />

haja havido uma efusão muito maior<br />

da misericórdia divina, sobretudo pela<br />

ação dos Sacramentos da Nova Lei,<br />

num dos quais o Salvador do mundo<br />

Se oferece pessoalmente para a santificação<br />

das almas?<br />

Jesus sendo despojado de sua<br />

túnica - Museu da Semana Santa,<br />

Medina de Rioseco, Espanha<br />

13<br />

Flávio Lourenço


Denúncia profética<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1940<br />

Mas nem por isso deixou de existir<br />

a luta entre as duas cidades. Diz São<br />

Tomás que assim como Jesus Cristo é<br />

o superior e cabeça dos bons, satanás<br />

é o caudilho dos anjos rebeldes. Logo,<br />

acrescenta o Doutor Angélico, é<br />

certo que como consequência desta<br />

oposição existe um empenhado duelo<br />

pessoal entre Jesus Cristo, Chefe dos<br />

bons, e satanás, caudilho dos maus,<br />

cujas origens explicam o estado de luta<br />

perpétua e incompatibilidade irredutível<br />

entre bons e maus em todos<br />

os períodos da História.<br />

Por isso, afirma São João que o<br />

Verbo eterno “veio aos que eram<br />

seus, mas os seus não O receberam”<br />

(Jo 1, 11).<br />

Eis porque os sectários, representantes<br />

do pai da mentira, O perseguiram,<br />

O prenderam, O açoitaram, O<br />

coroaram de espinhos, O crucificaram.<br />

Eis porque a multidão de Jerusalém –<br />

essa mesma no meio da qual havia um<br />

grande número de beneficiados e testemunhas<br />

de seus milagres –, instigada<br />

pelos fariseus, herodianos e saduceus,<br />

prefere Barrabás a Jesus Cristo;<br />

ao Justo, o revolucionário, o sedicioso,<br />

o conspirador, o assassino. Eis porque,<br />

desde os seus primeiros dias de<br />

vida, a Igreja se vê a braços com as heresias<br />

e os cismas. E já São Pedro, em<br />

sua segunda epístola, se refere à abominação<br />

e dureza de coração daqueles<br />

que “melhor lhes fora não terem jamais<br />

conhecido o caminho da justiça,<br />

do que, depois de conhecê-lo, voltar as<br />

costas ao santo Mandamento que receberam”<br />

(2Pd 2, 21).<br />

Deus Se utiliza do mal para<br />

realizar seus desígnios<br />

Longe, porém, desta luta nos acabrunhar,<br />

deve ela servir de estímulo<br />

ao nosso zelo. Já dizia São Paulo<br />

aos Coríntios ser preciso que até haja<br />

heresias, para que os que são de<br />

uma virtude provada se manifestem<br />

(cf. 1Cor 11, 19).<br />

Aliás, ao mostrar como Deus Se utiliza<br />

do próprio mal para realizar seus<br />

desígnios, diz o autor da Cidade de<br />

Deus que muitas coisas pertencentes à<br />

Fé Católica, quando os hereges, com<br />

sua cautelosa e astuta inquietude, as<br />

perturbam, desassossegam, então, para<br />

poder defendê-las diante desses inimigos,<br />

os filhos de Deus as consideram<br />

com mais atenção, percebendo-as com<br />

mais claridade, pregando-as com maior<br />

vigor e constância, e a dúvida ou controvérsia<br />

que excita o contrário serve<br />

de ocasião propícia para aprender.<br />

Aí está a razão pela qual devemos<br />

enfrentar esses erros e evitar que se<br />

propaguem à custa de nossa passividade.<br />

Aí está porque os seus fomentadores<br />

detestam os debates à luz do<br />

dia, preferindo rastejar-se nas sombras.<br />

Aí está porque não nos abalamos<br />

com a exuberante coleção de apodos<br />

com que somos mimoseados. Acusados<br />

de comunistas quando está em<br />

prestígio o fascismo, acusados de fascistas<br />

quando o comunismo é o modelo<br />

do dia. Sejam nosso conforto as<br />

exortações do Apóstolo das gentes aos<br />

coríntios e nos mostremos “com as armas<br />

da justiça ofensivas e defensivas,<br />

entre a glória e a ignomínia, entre a infâmia<br />

e o bom nome; tidos como sedutores,<br />

embora homens de verdade; por<br />

desconhecidos, embora conhecidos;<br />

por moribundos, embora estejamos vivos;<br />

por castigados, mas não amortecidos;<br />

por tristes, estando sempre alegres;<br />

por pobres, mas enriquecendo a<br />

muitos; como não tendo nada, mas tudo<br />

possuindo” (Cf. 2Cor 6, 7-10). v<br />

(Extraído de O Legionário<br />

n. 700, 6/1/1946)<br />

14


Hagiografia<br />

Um dos<br />

primeiros<br />

lutadores<br />

Flávio Lourenço<br />

contra a<br />

heresia<br />

São João Evangelista,<br />

o Apóstolo virgem, que<br />

auscultou o Sagrado<br />

Coração de Jesus e<br />

recebeu Nossa Senhora<br />

como presente, foi<br />

também o precursor de<br />

todos os batalhadores da<br />

Fé até o fim do mundo.<br />

São João Evangelista - Igreja de Santiago, Tournai, Bélgica<br />

Arespeito de São João Evangelista,<br />

cuja festa a Igreja comemora<br />

no dia 27 de dezembro,<br />

temos a comentar uma ficha extraída<br />

de Dom Guéranger 1 .<br />

Águia que se eleva<br />

até ao Divino Sol<br />

Santo Estêvão é reconhecido como<br />

o protótipo dos mártires, mas São<br />

João nos aparece como o príncipe dos<br />

virgens. O martírio valeu a Estêvão a<br />

coroa e a palma; a virgindade mereceu<br />

a João prerrogativas sublimes que,<br />

ao mesmo tempo que demonstram o<br />

valor da castidade, colocam esse discípulo<br />

entre os principais membros da<br />

humanidade.<br />

Descendente de Davi, da família da<br />

Santíssima Virgem, São João era parente<br />

de Nosso Senhor segundo a carne.<br />

Enquanto outros foram Apóstolos<br />

e discípulos, ele foi amigo do Filho de<br />

Deus. Como proclama a Santa Igreja,<br />

essa predileção se deve ao sacrifício da<br />

virgindade oferecido por João ao Homem-Deus.<br />

Convém, pois, ressaltar<br />

no dia de sua festa as graças e prerrogativas<br />

que para ele decorrem dessa<br />

amizade celestial.<br />

Conforme o Evangelho, São João<br />

foi o discípulo que Jesus amava. Es-<br />

15


Hagiografia<br />

Flávio Lourenço<br />

discípulo virgem, cuja castidade o tornou<br />

digno de herdar esse tesouro tão<br />

valioso. Assim, segundo a bela frase<br />

de São Pedro Damião, Pedro recebeu<br />

em depósito a Igreja, a mãe dos homens,<br />

mas João recebeu Maria, a Mãe<br />

de Deus.<br />

A castidade enobrece e<br />

dignifica a criatura humana<br />

Última Ceia - Convento Mãe de Deus, Lisboa, Portugal<br />

sa simples frase basta por si mesma,<br />

mas esse amor deve ter sido para ele<br />

o princípio de dons assinalados, entre<br />

os quais destaca-se o fato de ter sido o<br />

primeiro defensor do Verbo Divino, do<br />

Filho consubstancial ao Pai, que a heresia<br />

já começava a negar. Nessa defesa,<br />

São João eleva-se como águia até<br />

ao Divino Sol em ensinamentos luminosos<br />

e límpidos.<br />

Se Moisés, após ter conversado<br />

com o Senhor, retira-se desse maravilhoso<br />

entretenimento com a fronte ornada<br />

de raios maravilhosos, quão radiosa<br />

deveria ser a face admirável de<br />

João que se apoiava sobre o Coração<br />

de Jesus, onde, como fala o Apóstolo,<br />

estão ocultos todos os tesouros da sabedoria<br />

e da ciência!<br />

Ademais, foi o filho de Maria! Ao<br />

morrer, Jesus deixava sua Mãe. Quem<br />

na Terra mereceria receber um tal legado?<br />

Por certo, o Salvador deveria<br />

enviar os seus Anjos para guardar e<br />

consolar a Santíssima Virgem. Mas,<br />

do alto da Cruz, o Salvador viu o seu<br />

Nesse texto pululam os pensamentos<br />

profundos e as considerações<br />

importantes, de maneira a não<br />

ser possível comentar tudo, mas alguma<br />

coisa pode ser considerada.<br />

Em primeiro lugar é a afirmação,<br />

muito verdadeira, de que o sacrifício<br />

da virgindade, a oblação da castidade,<br />

é tão grata a Deus que vem logo<br />

depois do martírio.<br />

A castidade é, sobretudo, uma<br />

virtude da alma a qual importa num<br />

abandono do que é baixo, sórdido,<br />

numa renúncia a tudo aquilo que<br />

tenderia a estabelecer o domínio da<br />

matéria sobre o espírito. A castidade<br />

enobrece e dignifica a criatura humana,<br />

tornando-a afim com Deus.<br />

Por isso Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

amava São João a ponto de ser – como<br />

está lembrado nesta ficha – o discípulo<br />

a quem Jesus amava.<br />

Está muito bem afirmado: se os<br />

outros foram Apóstolos e discípulos<br />

de Nosso Senhor, ele foi o amigo.<br />

Ele era o mais próximo de todos e a<br />

quem o Redentor tributava um sentimento<br />

acima do dado aos outros.<br />

Aquele pequeno episódio que se<br />

deu na Ceia é muito característico a<br />

esse respeito. São Pedro queria saber<br />

quem era a pessoa que iria trair<br />

Nosso Senhor, porque o Divino Salvador<br />

tinha dito que um deles trairia.<br />

Então São Pedro – notem, tratava-se<br />

do primeiro Papa –, querendo<br />

de todos os modos conhecer o nome<br />

dessa pessoa, pediu a São João para<br />

perguntar, e este, pousando a cabeça<br />

sobre o próprio peito de Nosso Senhor,<br />

perguntou.<br />

16


Temos aí uma maravilhosa evocação<br />

da devoção ao Sagrado Coração<br />

de Jesus. São João ficou ouvindo<br />

pulsar o Coração divino. Naquele<br />

momento suas pulsações eram de<br />

amor, mas também de angústia e de<br />

dor porque o abismo de sofrimento<br />

em que iria precipitar-Se estava chegando<br />

perto d’Ele.<br />

Vê-se nesse fato que São João –<br />

uma alma eminentemente virgem,<br />

mas também chegada a Nosso Senhor<br />

e devotíssima do Sagrado Coração<br />

de Jesus – tinha uma proximidade<br />

única em relação ao Redentor.<br />

Grandeza de São<br />

João Evangelista<br />

lo que recebeu Nossa Senhora como<br />

presente, foi também o precursor<br />

de todos os lutadores da Fé até<br />

o fim do mundo, até o momento no<br />

qual o Profeta Elias virá lutar contra<br />

o anticristo.<br />

Nestas considerações temos matéria<br />

ampla para nos recomendarmos<br />

a São João, pedindo que nos<br />

consiga as qualidades de alma que o<br />

fizeram digno deste prêmio de uma<br />

grandeza incomensurável: receber<br />

Nossa Senhora para tomar conta<br />

d’Ela.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de dezembro de 1964)<br />

1) Cf. GUÉRANGER, Prosper. L’année<br />

liturgique. Paris: Librairie Religieuse<br />

H. Oudin. 1900. v. I, p. 326-331.<br />

Rodrigo C. B.<br />

Mas, como diz muito bem Dom<br />

Guéranger, pode-se afirmar que um<br />

dom o qual não ficava abaixo desse<br />

era o de receber Maria como Mãe.<br />

Nosso Senhor, ao morrer, deixou ao<br />

seu amigo, ao seu discípulo predileto<br />

mais do que a todos os outros, um<br />

tesouro de valor inestimável: Nossa<br />

Senhora, a Rainha do Céu e da Terra,<br />

o primeiro ser abaixo de Deus,<br />

tudo o que o Criador pode dar a um<br />

homem. Mais do que isto Deus não<br />

poderia conceder.<br />

Nisso há outra manifestação extraordinária<br />

do amor às almas virgens.<br />

Nossa Senhora, Virgem, foi<br />

dada pelo virginal Filho ao virginal<br />

amigo, ao virginal discípulo, São<br />

João. Eis mais alguns traços para<br />

considerar a grandeza desse Santo.<br />

Porém, o quadro não estaria completo<br />

se não fosse mencionado um<br />

outro aspecto da vida dele. Ele foi<br />

um dos primeiros lutadores contra<br />

a heresia. A primeiríssima heresia<br />

que nascia naquele tempo era a respeito<br />

das relações entre as naturezas<br />

humana e divina de Nosso Senhor, e<br />

São João começou a lutar contra essa<br />

heresia.<br />

Então o Apóstolo virgem, o Apóstolo<br />

do Coração de Jesus, o Apósto-<br />

Maria Santíssima e São João junto à Cruz<br />

Basílica de São João de Latrão, Roma<br />

17


C<br />

alendário<br />

1. Beata Clementina Nengapeta<br />

Anuarite, virgem e mártir (†1964).<br />

Religiosa da Congregação das Irmãs<br />

da Sagrada Família, aprisionada<br />

durante a perseguição<br />

desencadeada na República<br />

Popular do Congo.<br />

Resistiu heroicamente<br />

ao capitão dos<br />

soldados, que a assassinou<br />

por não conseguir<br />

atentar contra a<br />

virgindade dessa esposa<br />

de Cristo.<br />

2. Beato Ivan Slezak,<br />

bispo e mártir<br />

(†1973). Exerceu infatigavelmente<br />

seu ministério<br />

de forma clandestina<br />

na Eparquia de Stanislaviv,<br />

Ucrânia. Foi preso várias<br />

vezes e enviado a campos de trabalho<br />

forçado.<br />

3. São Francisco Xavier, presbítero<br />

(†1552).<br />

Beato Eduardo Coleman, mártir<br />

(†1678). Foi enforcado e esquartejado<br />

em Tyburn, Inglaterra, por ter abraçado<br />

a Fé Católica, falsamente acusado<br />

de conspiração contra o Rei Carlos II.<br />

4. São João Damasceno, presbítero<br />

e Doutor da Igreja (†c. 750).<br />

São João Calábria, presbítero<br />

(†1954). Fundador da Congregação<br />

dos Pobres Servos e Servas da Divina<br />

Providência, cujo carisma consiste na<br />

evangelização e no socorro material<br />

aos pobres.<br />

5. II Domingo do Advento.<br />

São João Almond, presbítero e mártir<br />

(†1612). Exerceu ocultamente a<br />

cura de almas durante dez anos na Inglaterra,<br />

até ser capturado e enforcado<br />

por sua fidelidade à Santa Igreja.<br />

6. São Nicolau, bispo (†s. IV).<br />

São José Nguyen Duy Khang, catequista<br />

e mártir (†1862). Executa-<br />

dos Santos – ––––––<br />

Ralph Hammann (CC3.0)<br />

Santa Adelaide<br />

do por ódio à Fé na cidade de Tonkin,<br />

Vietnã.<br />

7. Santo Ambrósio, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†397).<br />

8. Solenidade da Imaculada Conceição<br />

da Bem-Aventurada Virgem<br />

Maria.<br />

9. São João Diego Cuauhtlatoatzin<br />

(†1548). Índio vidente de Nossa Senhora<br />

de Guadalupe.<br />

Beatos Ricardo de los Ríos Fabregat,<br />

Julián Rodríguez Sánchez e José<br />

Giménez López, presbíteros e mártires<br />

(†1936). Salesianos assassinados<br />

durante a perseguição desencadeada<br />

contra a Fé Católica na Espanha.<br />

10. Bem-Aventurada Virgem Maria<br />

de Loreto.<br />

Beato Marcos Antônio Durando,<br />

presbítero (†1880). Fundou a<br />

Congregação das Irmãs de Jesus Nazareno,<br />

para prestar assistência aos<br />

enfermos e aos jovens abandonados.<br />

11. São Dâmaso I, Papa (†384).<br />

Beatos Martinho Lumbreras Peralta<br />

e Melchior Sánchez Pérez,<br />

presbíteros e mártires<br />

(†1632). Missionários agostinianos<br />

que tão logo chegaram<br />

Nagasaki, Japão,<br />

foram aprisionados,<br />

lançados numa cela<br />

obscura e finalmente<br />

queimados vivos.<br />

12. III Domingo<br />

do Advento.<br />

Nossa Senhora de<br />

Guadalupe.<br />

São Simão Phan<br />

Dac Hoa, mártir<br />

(†1840). Médico e pai de<br />

família no Vietnam. Aprisionado<br />

no tempo do Imperador<br />

Minh Mang por ter dado<br />

hospedagem aos missionários, após<br />

sofrer longo cativeiro e frequentes<br />

flagelações, foi degolado.<br />

13. Santa Luzia, virgem e mártir<br />

(†304/305).<br />

São Pedro Cho Hwa-so, pai de família,<br />

e companheiros, mártires<br />

(†1866). Tentados com promessas e<br />

tormentos para abandonar a Religião<br />

Beato Ricardo de los Ríos Fabregat<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

18


–––––––––––––– * Dezembro * ––––<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Cristã, resistiram até serem decapitados<br />

em Tjyen-Tiyou, na Coreia.<br />

14. São João da Cruz, presbítero<br />

(†1591).<br />

São Nimatullah al-Hardini (José<br />

Kassab), presbítero (†1858). Assistente<br />

Geral dos Maronitas, faleceu<br />

tendo nas mãos um ícone de Nossa<br />

Senhora. Suas últimas palavras foram:<br />

“Oh! Maria, eu Vos confio minha<br />

alma.”<br />

São João Calábria<br />

15. Santa Maria Crucificada (Paula<br />

Francisca Di Rosa), virgem (†1855).<br />

Entregou todas as suas riquezas e a si<br />

mesma pela salvação das almas e socorro<br />

dos desvalidos. Fundou o Instituto<br />

das Servas da Caridade.<br />

16. Santa Adelaide (†999). Esposa<br />

de Otão I, Imperador do Sacro Império.<br />

Exerceu o governo durante a minoridade<br />

de Otão III. Em seus últimos<br />

anos de vida recolheu-se no mosteiro<br />

beneditino de Selz, na Alsácia,<br />

que ela mesma fundara.<br />

17. Beata Matilde do Sagrado Coração<br />

de Jesus (Matilde Téllez Robles),<br />

virgem (†1902). Dedicou-se<br />

com grande solicitude à assistência<br />

material e espiritual dos indigentes,<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Beata Clementina<br />

Nengapeta Anuarite<br />

fundando a Congregação das Filhas<br />

de Maria, Mãe da Igreja.<br />

18. São Vinebaldo, abade (†761).<br />

De origem inglesa, com seu irmão<br />

São Vilibaldo, seguiu São Bonifácio e<br />

o ajudou na evangelização dos povos<br />

germânicos.<br />

19. IV Domingo de Advento.<br />

20. Beato Miguel Piaszczynski,<br />

presbítero e mártir (†1940). Natural<br />

da Polônia, foi encarcerado no campo<br />

de concentração de Sachsenhausen,<br />

Alemanha, por causa da Fé, e dali<br />

partiu para a glória celeste depois<br />

de terríveis suplícios.<br />

21. São Pedro Canísio, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1597).<br />

22. Beato Tomás Holland, presbítero<br />

e mártir (†1642). Por exercer clandestinamente<br />

o ministério pastoral,<br />

no reinado de Carlos I da Inglaterra,<br />

foi condenado à morte na forca.<br />

23. São João de Kenty, presbítero<br />

(†1473).<br />

São João Stone, presbítero e mártir<br />

(†1539). No reinado de Henrique VIII,<br />

defendeu valorosamente a Fé Católica<br />

e consumou o martírio no patíbulo da<br />

forca, em Cantuária, Inglaterra.<br />

24. Santa Paula Isabel (†1865).<br />

Constância Cerióli nasceu em Cremona,<br />

Itália e, ao ficar viúva, fundou<br />

o Instituto dos Irmãos e Irmãs da Sagrada<br />

Família.<br />

25. Natal do Senhor.<br />

26. Sagrada Família.<br />

Santo Estêvão, protomártir.<br />

27. São João, Apóstolo e Evangelista.<br />

28. Santos Inocentes, mártires.<br />

29. São Tomás Becket, bispo e mártir<br />

(†1170).<br />

30. Beata Eugênia Ravasco, virgem<br />

(†1900). Fundou o Instituto das Irmãs<br />

Filhas dos Sagrados Corações de Jesus<br />

e Maria, ao qual confiou a educação<br />

da juventude feminina e a dedicação<br />

às necessidades dos enfermos e<br />

das crianças.<br />

31. São Silvestre I, Papa (†335).<br />

Santa Catarina Labouré, virgem<br />

(†1876). Religiosa das Filhas da Caridade<br />

a quem a Santíssima Virgem<br />

apareceu, no convento da Rue du<br />

Bac, Paris, em 1830, ordenando-lhe a<br />

divulgação da Medalha Milagrosa.<br />

São Nimattullah al-Hardini<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

19


Perspectiva pliniana da História<br />

Gabriel K.<br />

Revolução tendenciosa<br />

e Revolução sofística<br />

São Tomás de Aquino<br />

Igreja de Santa Maria<br />

Novella, Florença<br />

Para ilustrar os aspectos tendenciais e sofísticos da<br />

Revolução, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> faz clarividente análise de um<br />

quadro representando um belo salão de conversa do Ancien<br />

Régime. O ambiente é muito bonito, os personagens ali<br />

presentes são rutilantes, bem vestidos, finos, mas todos<br />

faziam parte do séquito enorme da nobreza podre que<br />

apoiava a Revolução Francesa nos seus primórdios.<br />

T<br />

anto a Revolução quanto a<br />

Contra-Revolução avançam<br />

percorrendo simultaneamente<br />

duas pistas – a tendencial e a sofística<br />

–, embora em rumos contrários.<br />

A Revolução tendencial trabalha<br />

as tendências do homem levando-o<br />

para o mal; em sentido opos-<br />

to, a Contra-Revolução o conduz<br />

para o bem. Depois, na linha sofística,<br />

a Revolução atua com base no<br />

raciocínio humano: sobe ao mundo<br />

das ideias, das doutrinas e da teoria.<br />

A Contra-Revolução não é sofística,<br />

ela é a verdade. Se se desse um nome<br />

adequado a essa Contra-Revo-<br />

lução no campo das ideias, da doutrina<br />

e do raciocínio, talvez fosse o<br />

da Contra-Revolução escolástica.<br />

Isto é, segundo o método filosófico<br />

e a Teologia de São Tomás de Aquino,<br />

que dão o arcabouço do sistema<br />

oposto aos sofismas da Revolução<br />

sofística.<br />

20


Aspecto tendencial<br />

da Revolução<br />

Por que insistir no aspecto tendencial<br />

da Revolução?<br />

Em primeiro lugar porque, conforme<br />

afirmo em minha obra Revolução<br />

e Contra-Revolução, uma das partes<br />

mais originais e menos tratadas noutros<br />

livros é a Revolução tendencial.<br />

É natural que conheçamos mais aquilo<br />

que é o produto original da casa.<br />

Em segundo lugar porque a guerra<br />

psicológica revolucionária, quer<br />

dizer, o conjunto de truques usados<br />

por um partido ou por uma nação<br />

para levar o outro partido, nação<br />

ou a outra corrente ideológica a perder<br />

a vontade de lutar e, portanto, a<br />

entregar-se, a produzir a capitulação<br />

do espírito da outra parte, é muito<br />

mais tendencial do que sofística. E<br />

com o passar do tempo, ela vai ficando<br />

mais tendencial e menos sofística<br />

pela imbecilização dos homens.<br />

Temos que aprender, aos poucos,<br />

a ensinar o homem atual para conduzi-lo<br />

à temperança, à fortaleza, à<br />

justiça, à prudência, que ordenam<br />

suas tendências, e à lógica do pensamento.<br />

O homem é completo desde<br />

que tenha tudo isso, não por vaidade<br />

ou egoísmo, mas para servir a Nossa<br />

Senhora, a Causa Católica, a Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo.<br />

Por outro lado, uma pessoa percebe<br />

facilmente estar sendo objeto de<br />

uma persuasão por meio de raciocínio.<br />

Mas a manobra psicológica tendencial<br />

poucos indivíduos notam.<br />

Por causa disso é necessário que saibamos<br />

nos defender contra ela. Precisamos,<br />

em consequência, conhecê-<br />

-la bem e saber fazer a manobra tendencial<br />

para o bem a fim de levar as<br />

pessoas para a virtude, conceituada<br />

como a Igreja Católica ensina. Para<br />

isso, vamos conhecer o mundo de<br />

coisas complexas e delicadas situado<br />

no terreno do tendencial. Com este<br />

objetivo, pretendo apresentar alguns<br />

exemplos históricos.<br />

Batalha cujo centro<br />

é a Igreja Católica<br />

A História da humanidade divide-se<br />

em dois grandes períodos: antes<br />

e depois de Cristo, divisão esta ligada<br />

às mais altas razões. Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo é o Homem-Deus,<br />

e o acontecimento mais alto da História<br />

é que o Verbo Se tenha encarnando<br />

nas entranhas puríssimas da<br />

Bem-aventurada Virgem Maria e<br />

habitado entre nós. Ademais, Ele<br />

morreu na Cruz para obter o perdão<br />

de nossos pecados.<br />

Nenhum outro fato histórico que<br />

não diga respeito a Ele próprio pode<br />

ser considerado comparável a isso.<br />

Alexandre Magno invadiu a Pérsia;<br />

o Império Romano tomou conta<br />

do Mediterrâneo; os bárbaros invadiram<br />

a Europa… Podemos enumerar<br />

esses acontecimentos, mas o<br />

que é isso em comparação com o fato<br />

de o Filho de Deus ter morrido na<br />

Cruz para nos salvar? E a sua gloriosíssima<br />

Ressurreição e Ascensão aos<br />

Céus! Depois, com um brilho mais<br />

doce, mas quão brilhante, a Assunção<br />

de Nossa Senhora ao Céu! Fica<br />

fundada a Igreja Católica, fonte de<br />

paz que, enquanto Igreja militante,<br />

está permanentemente em guerra<br />

contra o mal.<br />

Começa entre os homens uma batalha<br />

cujo centro é a Igreja Católica,<br />

a qual tende a espraiar-se pelo mundo<br />

inteiro levando esta Boa Nova a<br />

todos os povos.<br />

Os demônios e os homens maus<br />

que dão azo a seus defeitos constituem<br />

um exército contra a Igreja:<br />

são os cismáticos, os hereges,<br />

os ateus, e também os maus católicos<br />

que trabalham dentro da Igreja<br />

contra ela.<br />

A época cristã, portanto depois<br />

do nascimento de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, divide-se em: Antiguidade,<br />

Idade Média, Tempos<br />

Modernos e Tempos Contemporâneos.<br />

Simplificando muito, o território<br />

europeu era ocupado por dois impérios.<br />

O Romano do Ocidente, com a<br />

capital em Roma, depois em Milão<br />

ou em Ravena, e abrangendo, em linhas<br />

gerais, todo o território da Europa<br />

Ocidental de hoje. E nos Balcãs,<br />

espraiando-se por toda a bacia<br />

do Mediterrâneo, grande parte<br />

do Norte da África rumo ao Oriente<br />

Médio, havia o Império Romano<br />

do Oriente com a capital em Constantinopla.<br />

Durante esse período a civilização,<br />

a língua, as tradições, a cultura<br />

eram a romana, com fortes contribuições<br />

da Grécia. O Mediterrâneo<br />

era o eixo do mundo.<br />

Victoria F. G.<br />

A Virgem e o Menino<br />

(acervo particular)<br />

21


Perspectiva pliniana da História<br />

Flávio Lourenço<br />

Distanciamento e ruptura<br />

dos povos com a Igreja<br />

Começam as invasões nos séculos<br />

IV e V. Os bárbaros invadiram toda<br />

a Europa, destruíram o Império Romano,<br />

encheram o território europeu;<br />

muitos deles eram pagãos, outros,<br />

adeptos de uma heresia chamada<br />

arianismo. Com a conversão profunda<br />

dessa gente, inicia-se a época<br />

de ouro da Igreja: a Idade Média.<br />

A Igreja já tivera uma época de<br />

ouro no tempo dos mártires e das catacumbas,<br />

entretanto era perseguida.<br />

Pelo contrário, na Idade Média ela<br />

não é perseguida, mas a senhora da<br />

situação. O Papa reúne sob seu cajado<br />

todo o Ocidente cristão. Os esla-<br />

vos vivem dormitando lá em suas terras,<br />

quase sem contato com o Ocidente,<br />

o qual fica todo ele unido à Igreja.<br />

Por outro lado, a ordem temporal, civil,<br />

é organizada segundo os ditames<br />

do Evangelho e dos Dez Mandamentos,<br />

revelados por Deus a Moisés, os<br />

quais são a Lei que inspira e norteia<br />

o pensamento de toda a vida e cultura<br />

do Ocidente.<br />

A Europa vai se dilatando e enfrenta<br />

inimigos. Novas invasões dos<br />

bárbaros, ela repele; rechaça também<br />

a invasão dos maometanos. Está<br />

no fastígio de seu poder quando,<br />

no século XV, começa uma Revolução<br />

metafísica e tendencial chamada<br />

Renascença, que abre uma esfera<br />

cultural na qual a admiração fa-<br />

Natal - Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona<br />

nática pelos clássicos, pagãos antigos,<br />

impõe padrões alheios à Igreja.<br />

E se forma um campo da cultura e<br />

do pensamento que, mesmo quando<br />

não é contrário à Igreja, se esquece<br />

de sua existência e se desenvolve à<br />

margem dela. É o primeiro passo do<br />

divórcio entre o Ocidente e a Esposa<br />

de Cristo, completado por uma Revolução<br />

religiosa: o Protestantismo.<br />

Com isso, as nações escandinavas,<br />

dois terços da Alemanha ou do mundo<br />

de língua germânica, quase toda<br />

a Holanda, a Inglaterra, a Escócia e<br />

uma parte da Irlanda se separam da<br />

Igreja. A Polônia e a Irlanda continuam<br />

católicas. O Ocidente europeu,<br />

sobretudo o mundo latino, permanece<br />

fiel à Igreja.<br />

Tempos Modernos:<br />

influência da França<br />

Depois do Humanismo, da Renascença<br />

e do Protestantismo, abre-<br />

-se uma nova era histórica chamada<br />

Tempos Modernos. A palavra “moderno”<br />

não tem aqui o sentido corrente,<br />

mas se aplica ao período que,<br />

no seu conjunto, constitui a primeira<br />

Revolução até a Revolução Francesa.<br />

Durante os Tempos Modernos, a<br />

Igreja cresce na América do Sul inteira,<br />

na América Central, em todo<br />

o território do México, graças ao<br />

apoio da Espanha e de Portugal. E<br />

também na Indochina, nas Filipinas<br />

e outros lugares do Oriente, tudo<br />

por obra dos missionários. O que ela<br />

perde de um lado, reconquista largamente<br />

de outro.<br />

No século XIX, os missionários,<br />

favorecidos pelos meios de comunicação,<br />

levam o ensino da Igreja a todo<br />

o mundo. Pode-se dizer hoje que<br />

todas as nações já ouviram a voz do<br />

Evangelho. Com isso a Europa entra<br />

no século XX, na aparência, no auge<br />

do seu poder.<br />

Depois, com a implantação do comunismo<br />

na Rússia, começa o perí-<br />

22


odo conhecido como Tempos Contemporâneos.<br />

O Ancien Régime é a época entre<br />

Protestantismo, Humanismo, Renascença,<br />

de um lado, e a Revolução<br />

Francesa, de outro. Esse período<br />

difere muito da Idade Média, mas<br />

também dos Tempos Contemporâneos.<br />

Para esta exposição nos interessa<br />

mais saber no que ele difere<br />

dos Tempos Contemporâneos.<br />

A nação que mais contribuiu para<br />

modelar as mentalidades e os costumes<br />

dos Tempos Modernos foi a<br />

França. No século XVII ou XVIII,<br />

a influência desse país se tornou geral.<br />

O francês tornou-se a língua universal,<br />

os costumes, as modas, os escritores,<br />

a literatura, a diplomacia, o<br />

peso dos exércitos franceses e a riqueza<br />

da França foram o padrão para<br />

todas a outras nações da Europa.<br />

Fineza, distinção, elevação<br />

Nesse tempo se generalizou um<br />

certo modo de ser com uma nota<br />

aristocrática muito forte. Nunca<br />

a fineza, a distinção, a elevação,<br />

a gentileza, a doçura de viver<br />

se tornaram tão gerais e requintadas<br />

quanto na França. Por essa forma<br />

se dilataram por toda a Europa<br />

e atingiram os confins da nossa civilização.<br />

Repercutiram na América do Sul,<br />

na América do Norte, onde a França<br />

foi nação colonizadora de certa importância,<br />

e no Oriente Próximo no<br />

qual ela possuía colônias também.<br />

Acabaram modelando até o mundo<br />

eslavo. Por exemplo, a cidade fundada<br />

nos Tempos Modernos pelo Czar<br />

Pedro, o Grande, como capital da<br />

Rússia. Moscou, por muitos aspectos,<br />

foi configurada pela influência<br />

francesa.<br />

Essa influência se caracterizava<br />

por duas ideias próprias à aristocracia:<br />

uma era a do requinte, do relacionamento<br />

agradável e, por causa<br />

disso, do valor da Literatura e o dom<br />

da conversa; jamais se conversou tão<br />

Crucifixo da Catedral de Aguascalientes, México<br />

bem. Nunca o salão, lugar onde as<br />

pessoas se encontravam para conversar,<br />

teve tanta influência na vida<br />

como naquele tempo.<br />

Outra nota característica da aristocracia:<br />

a guerra. Esta se desenvolveu<br />

enormemente com a descoberta<br />

da pólvora, trazendo como consequên<br />

cia as armas de fogo e novas<br />

técnicas de combate. Se fosse feita<br />

uma história da coragem, ver-se-<br />

-ia que ela pode ter sido grande em<br />

outros séculos, mas nunca foi tão<br />

brilhante e distinta como nessa época.<br />

Para a cultura popular geral, até<br />

há algum tempo, o símbolo do gentil-homem<br />

– de modo concomitante<br />

leão do salão e da guerra – era<br />

D’Artagnan, o herói do romance Os<br />

três mosqueteiros, de Dumas 1 .<br />

O desejo de ser dá<br />

lugar ao de possuir<br />

No que essas manifestações entram<br />

em divergência com as de nossa<br />

época?<br />

Nós temos algo de radicalmente<br />

diverso. Enquanto no século XVIII<br />

o homem queria levar o esplendor<br />

de suas qualidades humanas tanto<br />

quanto podia, desejando brilhar por<br />

se ter realizado – no tocante ao sobrenatural,<br />

já bem menos; por infelicidade<br />

o espírito de Fé decaíra muito<br />

em relação à Idade Média –, no<br />

século XIX, e ainda mais no XX, ele<br />

foi tendo cada vez menos empenho<br />

em ser e mais em possuir.<br />

A conquista de riquezas e, portanto,<br />

o tomar um feitio de espírito ne-<br />

Sebastião C.<br />

23


Perspectiva pliniana da História<br />

cessário para operar e obter dinheiro,<br />

e por meio deste mandar nos outros,<br />

levam lentamente ao poder da<br />

máquina. Ela é o meio pelo qual o<br />

homem produz e ganha muito. Daí<br />

as enormes concentrações industriais,<br />

as cidades que transportam legiões<br />

de operários de um lado para<br />

outro, a fim de produzirem muito e<br />

serem complementos da máquina.<br />

Multidões tristes, vestidas de um<br />

modo melancólico e banal, quando<br />

não feio e pobre, locomovidas<br />

em meios de transporte tristes rumo<br />

àquilo que haveria de se chamar<br />

mais tarde as “cidades dormitórios”.<br />

O indivíduo acorda de manhã e sai<br />

para trabalhar o dia inteiro num outro<br />

lugar; seus filhos vão também para<br />

outras fábricas. O lar se dispersa,<br />

ele não ouve falar mais da mulher<br />

nem dos filhos. Na melhor das hipóteses,<br />

se reúnem à noite para jantar,<br />

conversar um pouco ou assistir à televisão<br />

e depois cair de sono.<br />

Mesmo os ricos e até os riquíssimos<br />

acabam sendo escravos da máquina.<br />

O automóvel, os aparelhos<br />

que tornam a vida doméstica agradável<br />

são os seus ídolos. Eles produzem<br />

nas fábricas, enquanto capitalistas,<br />

diretores, banqueiros. Voltam<br />

para casa e a encontram toda adornada<br />

com os produtos do trabalho<br />

das indústrias. Vivem para o dinheiro,<br />

o número e o cálculo, na produção<br />

e para a produção. As ideias de<br />

elegância, distinção, requinte deixam<br />

de ter o seu sentido.<br />

A vida começa a ser dura. As coisas<br />

se tornam cada vez menos bonitas:<br />

“Isto não é prático! Do que<br />

adianta?” Se o homem fabrica tampas<br />

para garrafas de cerveja, o que<br />

significa para ele o fato de receber<br />

muito amavelmente os seus vizinhos?<br />

Não vai ser apreciado na medida<br />

da amabilidade, mas em que se<br />

tornar rico. Então, ele deixa as boas<br />

maneiras de lado para produzir muitas<br />

tampas de garrafas de cerveja. É<br />

uma modificação do tipo humano, segundo<br />

o qual o homem, mesmo sendo<br />

dos mais ricos, vivendo em função<br />

da máquina, da fábrica e do banco, se<br />

proletariza.<br />

Hoje em dia, até os filhos dos nababos<br />

vestem blue jeans, e as modas,<br />

as maneiras deles decaem, as personalidades<br />

tornam-se obscuras, pobres<br />

e feias. Então, o contraste com aquele<br />

mundo do Ancien Régime é colossal<br />

Leitura de uma tragédia de Voltaire<br />

no salão de Madame Geoffrin<br />

em 1755 - Castelo de Malmaison,<br />

Hauts-de-Seine, Île-de-France<br />

e opera a fundo sobre as tendências<br />

dos homens.<br />

Uma reunião social<br />

no século XVIII<br />

Para ilustrar estas considerações,<br />

analisemos um quadro representando<br />

uma reunião social no século<br />

XVIII.<br />

24


São pessoas pertencentes à alta<br />

nobreza ou ao mundo da elevada<br />

intelectualidade. Os nobres foram<br />

educados para ser os ouvintes<br />

ideais dos grandes intelectuais, porque<br />

a forma de educação recebida<br />

por eles fá-los apreciar no mais alto<br />

grau os produtos da vida intelectual,<br />

no caso concreto sobretudo da<br />

literatura.<br />

Esses intelectuais, por sua vez, foram<br />

preparados para ser os declamadores<br />

da alta nobreza. Desta maneira<br />

intelectualizam os nobres e estes<br />

os nobilitam.<br />

Embora no século XVIII, quase<br />

até à Revolução Francesa, um valo<br />

profundo separasse a nobreza da<br />

plebe, essa sala está cheia de nobres<br />

e plebeus. Mas tão misturados que, à<br />

Anicet Charles Gabriel Lemonnier (CC3.0)<br />

primeira vista, não se percebe quem<br />

é quem. A atitude de todos é aristocrática.<br />

Que impressões uma pessoa pode<br />

ter a respeito disso?<br />

Em primeiro lugar, notem como<br />

ninguém é padronizado, todos irradiam<br />

a própria personalidade. Para<br />

exemplificar, consideremos a primeira<br />

fileira de pessoas sentadas.<br />

Nenhuma delas se encontra numa<br />

atitude igual à das outras. Todos os<br />

modos são de quem está conversando,<br />

reagindo diante de algo que se<br />

passa na sala.<br />

Há uma televisão ligada? Não; e<br />

nem as televisões produzem esse efeito<br />

vivo e elegante. As pessoas quando<br />

vão ver televisão querem afundar<br />

nas poltronas e sumir-se. Não desejam<br />

outra coisa senão isso. Comentam<br />

muito pouco.<br />

Aqui, não. Todos se encontram sentados<br />

em cadeiras que nós reputaríamos<br />

incômodas, mas eles nem prestam<br />

atenção nisso. Estão de tal maneira<br />

tomados pelas ideias e pelo convívio,<br />

que têm a impressão de permanecer<br />

no maior dos confortos.<br />

O que se passa nessa sala?<br />

Bem em frente da primeira fileira<br />

há uma mesa junto à qual está sentado<br />

um homem vestido de vermelho.<br />

O que ele está fazendo? Lendo<br />

em tom declamatório. Naquele tempo<br />

exercia-se a nobre arte da declamação,<br />

e esse homem está declamando<br />

uma obra, da qual ele poderia ser<br />

o autor, e que está sendo lançada para<br />

o público parisiense.<br />

Aquele que se encontra diante dele,<br />

ladeado por duas senhoras, é provavelmente<br />

Sua Alteza Real Sereníssima<br />

o Príncipe de Conti 2 , membro ilustre<br />

de um ramo da Casa Real dos Príncipes<br />

de Condé, donos do famoso Castelo<br />

de Chantilly. Se não me engano, à<br />

sua esquerda está a dona da casa Madame<br />

Geoffrin 3 , famosa pela prosa.<br />

O Príncipe de Conti tem uma segurança,<br />

uma presença e uma irradiação<br />

que fazem dele o homem<br />

25


Perspectiva pliniana da História<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

mais importante do salão, e é principalmente<br />

para ele que é feita a declamação.<br />

Antes de se desfazer a roda,<br />

tomam alguma coisa e saem comentando<br />

o livro.<br />

Está feita a fama do livro em Paris<br />

inteira, porque nesse salão se encontra<br />

o creme intelectual dessa cidade.<br />

Não havia rádio, televisão, nem nada.<br />

A propaganda era realizada por<br />

esses cenáculos de intelectuais. Se o<br />

livro ficasse célebre ali, tornar-se-ia<br />

famoso em Paris e, em seguida, no<br />

mundo. Donde o esforço do expositor<br />

para declamar bem.<br />

Nobreza podre que apoiava<br />

a Revolução Francesa<br />

nos seus primórdios<br />

Vale a pena prestar atenção no esplendor<br />

do colorido das roupas. Para<br />

as pessoas muito sensíveis a cores isto<br />

é uma festa!<br />

Considerem também beleza do salão.<br />

Um lambri de madeira muito bonito<br />

reveste as paredes e no chão há um<br />

parquet magnífico, uma espécie de mosaico<br />

de madeiras diversas esplêndidas.<br />

Não é fora de propósito notar o<br />

belo pano colocado com uma elegan-<br />

Jean-Paul Marat<br />

te negligência sobre a mesa. Mas a<br />

negligência elegante era considerada<br />

a mais bela forma de elegância para<br />

o gosto desse século. Assim, na atitude<br />

de todos se nota muita elegância,<br />

mas um tanto négligée 4 , superiormente<br />

bem manuseada, a qual, entretanto,<br />

nos séculos anteriores não se teria<br />

permitido.<br />

É chegado o momento de nos perguntarmos<br />

qual a orientação doutrinária<br />

dessa gente. É um cenáculo<br />

que prepara a resistência à Revolução<br />

Francesa? Num ambiente tão<br />

fino, nobre e elegante, no qual está<br />

presente um Príncipe de Conti, duques,<br />

duquesas, marqueses, marquesas,<br />

um creme de literatos trabalha<br />

para eles, nós devemos concluir que,<br />

onde os mais importantes, poderosos<br />

ou mais ricos ditam aos literatos<br />

a orientação conveniente, só pode se<br />

tratar de uma linda e elegantíssima<br />

reunião contrarrevolucionária…<br />

Contudo, vemos uma “bomba” na<br />

sala: o busto de Voltaire 5 colocado,<br />

quase como uma imagem, entre dois<br />

quadros lindamente emoldurados.<br />

Os intelectuais são todos da escola<br />

de Voltaire, conheceram-no, aplaudiram-no,<br />

admiraram-no. Um dos presentes<br />

é Rousseau 6 . São<br />

os artífices da Revolução<br />

Francesa. Os nobres misturados<br />

com eles, inclusive<br />

esses tão rutilantes, belos,<br />

bem vestidos, finos,<br />

todos eles faziam parte<br />

do séquito enorme da nobreza<br />

podre que apoiava<br />

a Revolução Francesa<br />

nos seus primórdios,<br />

e depois decapitada por<br />

esta mesma Revolução.<br />

Muitas dessas pessoas<br />

morreriam na guilhotina,<br />

tendo sido bastante estúpidas<br />

para contribuir no<br />

começo. Muitos saíram<br />

da França, depois tentaram<br />

invadi-la, reunindo-<br />

-se aos restos da Famí-<br />

lia Real. Outros, pelo contrário, ficaram<br />

em Paris vegetando, foram colhidos<br />

pelo carrasco e tiveram as cabeças<br />

cortadas. Precisa ser dito de passagem<br />

que morreram com uma dignidade incomparável.<br />

Aparências que representam<br />

um esplendoroso passado<br />

Portanto, esse é um quadro de revolucionários.<br />

Visto por contrarrevolucionários,<br />

que efeito ele produz?<br />

Aos homens de hoje, vivendo neste<br />

século do metrô e de mil outras<br />

coisas do gênero, ele não pode deixar<br />

de elevar o espírito, de o tornar<br />

mais alado, mais leve e distinto. O<br />

quadro realça algumas qualidades<br />

indiscutíveis presentes na cena, e nos<br />

faz sentir melhor a brutalidade de<br />

nosso século proletarizado.<br />

Contudo, se enquanto contrarrevolucionários<br />

procurarmos saber<br />

quais são as ideias dessa gente, é altamente<br />

instrutivo compreendermos<br />

como a podridão pode esconder-<br />

-se sob sepulcros caiados – lembrando<br />

o que disse Nosso Senhor a respeito<br />

dos fariseus. Do lado de fora,<br />

a belíssima Contra-Revolução; do lado<br />

de dentro, a podridão da Revolução.<br />

Muitas vezes, os aspectos exteriores<br />

não condizem com o interior.<br />

É preciso detestar este e compreender<br />

quanto há de moribundo nessa<br />

aparência, pois quando o interior já<br />

não é bom, as meras aparências nunca<br />

duram muito.<br />

Mas, de outro lado, compreender<br />

serem essas aparências a representação<br />

de um esplendoroso passado.<br />

Então, esse quadro é cheio de ensinamentos,<br />

um dos quais consiste em<br />

nos abrir os olhos para a tática tendencial<br />

da Revolução. Notem que as<br />

ideias expostas naqueles salões eram,<br />

todas no campo sofístico, revolucionárias.<br />

Mas essa gente não se indignava<br />

porque não se tinha tocado nas<br />

aparências contrarrevolucionárias.<br />

As aparências mudando, iriam mexer<br />

26


nas tendências e eles se indignariam.<br />

Não aceitariam a abolição<br />

da seda, do veludo, da peruca,<br />

das joias, da hierarquização social,<br />

da distinção.<br />

Imaginem o Marat 7 entrando<br />

nessa sala; eles mandariam o primeiro<br />

alabardeiro pegá-lo e jogá-lo<br />

nos antros de uma prisão,<br />

e pedir-lhe que explicasse como<br />

ele, malcheiroso, com hálito<br />

de álcool ordinário e proferindo<br />

blasfêmias antiaristocráticas, ousou<br />

entrar ali… Algumas senhoras<br />

desmaiariam… Talvez algum<br />

desses nobres puxasse uma espadinha<br />

de prata com cabo de ouro<br />

e fosse por cima dele.<br />

Então, as ideias sofísticas podem<br />

caminhar, apodrecer o terreno,<br />

desde que não se mexa na<br />

aparência, no tendencial. Depois<br />

é o contrário, feita a Revolução<br />

tendencial, eles, que já estavam<br />

com os sofismas, habituaram-se<br />

de tal maneira que, ou<br />

se começa a Contra-Revolução<br />

pelo tendencial, ou pela mera<br />

escolástica alguns se converterão,<br />

mas a massa dificilmente se<br />

converterá.<br />

Assim, com base num quadro,<br />

fica analisado o conjunto<br />

desses princípios.<br />

Devemos olhar todas<br />

as coisas com senso<br />

revolucionário ou<br />

contrarrevolucionário<br />

Se pudéssemos pôr esse quadro<br />

em algum lugar de nossa casa, faria<br />

bem ou mal?<br />

A julgar pelas aparências, faria<br />

bem, mas seria um bem relativo<br />

porque nos levaria para uma fase<br />

em que o mundo era menos revolucionário.<br />

Mas isso tudo, em comparação<br />

com a Idade Média, já é revolucionário.<br />

Portanto, para quem pudesse<br />

estar na Sainte-Chapelle ou na<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1984<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

sala da coroação dos imperadores<br />

do Sacro Império Romano-Alemão,<br />

em Frankfurt, seria muito melhor do<br />

que se encontrar nesse salão.<br />

Por estarmos numa época muito<br />

mais decadente, esse quadro nos<br />

aproxima do ápice no qual não havia<br />

Revolução. Mas o nosso olhar deve<br />

estar voltado para a época da História<br />

em que não existia nenhuma Revolução.<br />

Mais ainda, para a época da<br />

História onde não haverá nenhuma<br />

Revolução.<br />

Não sei se consigo exprimir quanto<br />

é preciso ter cuidado para, diante<br />

de um quadro desses, saber manusear-se<br />

a si próprio; porque, do contrário,<br />

o quadro nos manuseia. O<br />

pintor morreu, todos esses personagens<br />

faleceram. Eles continuam<br />

através da tela a remexer<br />

na humanidade.<br />

A pessoa, ou se defende do<br />

quadro, ou manda-o embora.<br />

Não adianta saber se é bonito ou<br />

feio. É preciso ver o efeito dessas<br />

tendências sobre o homem.<br />

Por exemplo, era o caso de ler a<br />

narração de um martírio como o<br />

de São Vicente tendo, ao fundo,<br />

um quadro desses?<br />

Mas, de outro lado, como o<br />

homem se civiliza vendo uma<br />

coisa dessas!<br />

Não sei se, através disso, eu<br />

torno claro com que senso revolucionário<br />

ou contrarrevolucionário<br />

devemos olhar todas as<br />

coisas, e como podemos ser manobrados<br />

sem perceber.<br />

Conclusão: ou aprendemos a<br />

fundo como fazer isto, ou essas<br />

coisas nos enrolam.<br />

Porém, o que mais nos enrola<br />

não é esse passado, mas o aspecto<br />

do mundo contemporâneo,<br />

sobretudo se não o olharmos<br />

com discernimento ainda<br />

maior do que o aplicado nesse<br />

quadro.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

24/10/1984)<br />

1) Alexandre Dumas (*1802 - †1870),<br />

escritor francês.<br />

2) Louis François de Bourbon (*1717 -<br />

†1776), sexto Príncipe de Conti.<br />

3) Marie-Thérèse Rodet Geoffrin (*1699<br />

- †1777).<br />

4) Do francês: negligenciada.<br />

5) François-Marie Arouet (*1694 -<br />

†1778), escritor francês anticatólico.<br />

6) Jean-Jacques Rousseau (*1712 -<br />

†1778), filósofo suíço que propagou<br />

teses contrárias à Doutrina da Igreja.<br />

7) Jean-Paul Marat (*1743 - †1793), jornalista<br />

e político francês virulentamente<br />

revolucionário.<br />

27


Apóstolo do pulchrum<br />

Pedro Morais<br />

Beleza e praticidade<br />

que conduzem a Deus<br />

Sainte-Chapelle, Paris<br />

O entrelaçamento do prático com o belo, tão característico<br />

da obra de Deus, não está presente na arte moderna. A alma<br />

católica, entretanto, soube unir essas duas prerrogativas<br />

até mesmo na arquitetura, e, sem deixar de servir ao corpo,<br />

procurou sobretudo encantar a alma e elevá-la até Deus.<br />

Ao nos depararmos com um conjunto residencial<br />

moderno, poderíamos imaginar ser uma grande<br />

fábrica ou cadeia, enfim, qualquer coisa enorme,<br />

situada em Oslo, São Paulo ou em outro lugar. Ora, tal<br />

construção tem alguma beleza? Ela nos eleva?<br />

O espírito da Revolução e a<br />

prevalência da matéria<br />

Absolutamente não. Só vemos uma série de quadrados,<br />

com umas pequenas janelinhas à maneira de alvéolos,<br />

onde habitam umas “abelhas” humanas. Cada homenzinho,<br />

cada família ocupa um, dois ou três buraquinhos<br />

desses e se perde nessa imensidade. O corpo talvez<br />

esteja bem servido ali, mas a alma humana fica opres-<br />

sa. É o espírito moderno, o espírito da Revolução onde<br />

prevalece a matéria. Ali a alma não se prepara para ir<br />

ao Céu, porque no Paraíso Celeste não há nada parecido<br />

com essa feiura, nem com essa monotonia. É a idolatria<br />

dos quadradinhos, postos uns sobre os outros.<br />

Em determinados edifícios não se mora, trabalha-se.<br />

Se houvesse cozinha, até seria habitável, pois imagino<br />

que um quadrado desses dá para qualquer coisa. Eu não<br />

entendo desse tipo de engenharia, nem quero entender.<br />

Entre ela e eu há uma incompatibilidade completa, radical.<br />

Um observador dirá: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, não é bonito o Sol<br />

que reflete pelas janelas?”<br />

Eu diria: “O arquiteto não fez o Sol, mas sim as janelas,<br />

e estas, quem ousará achar bonitas? Basta abrir<br />

28


uma para ficar um buraco. É um<br />

conjunto de vidros e de buracos,<br />

cujo interior está cheio de gente<br />

trabalhando até arrebentar. Tudo<br />

isso é muito prático para o corpo,<br />

mas para a alma, zero.”<br />

Alguém poderia objetar: “Mas,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, não são quadrados de<br />

tamanhos iguais. Não há um pouco<br />

de harmonia dentro disso?” Eu<br />

não sei se o engenheiro pensou<br />

nisso. Estou me esforçando para<br />

ser equânime, mas não encontro<br />

uma resposta positiva.<br />

Ora, por que esse teto é inclinado?<br />

“É para a chuva escorrer”<br />

Então, por que esse outro é chato?<br />

É para a chuva não escorrer?<br />

São mistérios que eu não chego a entender.<br />

Em todo caso, para nos divertir um pouco, há aqui<br />

outro conjunto residencial ou de escritórios, com janelinhas,<br />

buracos e quadrados. Olhem para esse teto. Alguém<br />

dirá: “Maravilhoso! O senhor há de reconhecer<br />

que essas riscas de luz são bonitas.”<br />

Eu digo: “É verdade. A luz é bonita até sobre uma superfície<br />

moderna, pois não foi dado ao homem fazer com<br />

que a luz seja feia. A feiura é das trevas.”<br />

O que são esses “bengalões”? São projetos de muletas<br />

para imensos aleijados? Não, são conjuntos residenciais.<br />

Aplicando a vista, podemos perceber os quadradinhos.<br />

O movimento ondulado dessa rampa, é bonito? Um<br />

pouquinho é. Entrou um pouquinho de beleza dentro<br />

disso. Porém, pensem no artificial de tudo isso. Aliás,<br />

não é possível que a sensação frígida de artificialidade<br />

metálica escape à atenção.<br />

Oslo, Noruega<br />

Hostilidade entre a arte moderna e a beleza<br />

Há uma grande hostilidade contra a beleza na arte e<br />

arquitetura modernas.<br />

Vendo determinados prédios temos uma sensação de<br />

interrupção arbitrária e estúpida, dando-nos a impressão<br />

de um queijo enorme cortado, com algumas fatias<br />

tiradas, restando outras. Qual a razão dessas interrupções<br />

repentinas, sem nenhuma moldurazinha que as<br />

anuncie ou justifique? Isso é bonito? Alguém dirá: “É<br />

prático.”<br />

Isso é duvidoso. Entretanto, na arte moderna, o que é<br />

bonito não é prático; e o que é prático não é bonito. O entrelaçamento<br />

do prático com o bonito, tão característico<br />

da obra de Deus, não está presente.<br />

Analisemos um engarrafamento do trânsito. Nas metrópoles<br />

há grandes artérias retilíneas, feitas para da-<br />

Chell Hill (CC3.0)<br />

Ukjent (CC3.0)<br />

Ópera de Oslo, Noruega<br />

29


Apóstolo do pulchrum<br />

Henrique Boney (CC3.0)<br />

Torstein Frogner (CC3.0)<br />

rem vazão a milhares e milhares de carros por hora; mas,<br />

quando se dá uma pequena trombada, talvez entre dois<br />

motociclistas, é necessário esperar a polícia chegar, e por<br />

ser uma grande avenida, quando para o trânsito, paralisa-se<br />

uma enorme quantidade de veículos. É o urbanismo<br />

moderno, muito bem pensado para as coisas funcionarem<br />

bem, mas não planejado para a hipótese de funcionarem<br />

mal. Buzinas, enervamento, gente atrasada; quando, afinal,<br />

os automóveis podem circular, chocam-se uns nos outros<br />

pelo nervosismo, e ainda há novas trombadas.<br />

O espírito da Igreja une o prático ao belo<br />

Em contraste, temos a Abadia de Vézelay, na França,<br />

atualmente conhecida como Basílica de Santa Maria<br />

Madalena. Como é diferente! Percebam como a porta é<br />

muito prática, pois é bastante grande para facilitar a entrada<br />

e saída das multidões. Também é alta, de maneira<br />

a nada esbarrar nela. Por outro lado, a coluna central<br />

Oslo, Noruega<br />

Congestionamento no Vale do Anhagabaú, São Paulo<br />

divide um pouco a multidão e evita, já de início, que ela<br />

caminhe para uma só direção. Há nisso um lindo simbolismo!<br />

O feitio das portas medievais simbolizava Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo que veio dividir as vias do homem<br />

em duas: a da direita, a do amor de Deus, e a da esquerda,<br />

a da perdição.<br />

No pórtico podemos contemplar um belo trabalho em<br />

pedra representando um fato da História Sagrada, ou<br />

da História da Igreja, ou de algum Santo; ilustra e ensina<br />

a religião aos que vão entrar. A coluna central da porta<br />

principal da Basílica, que suporta todo esse peso com<br />

profunda nobreza, quão diferente é das colunas chatarronas<br />

existentes hoje em dia. Quanta harmonia e distinção!<br />

A seguir, temos a esplêndida Catedral de Reims, onde<br />

eram coroados os reis da França antes da Revolução<br />

Francesa. Eu não vou elogiar o evidente, mas vejam a<br />

magnífica harmonia e beleza dessa esplêndida neta de<br />

Deus. O gótico é considerado o estilo mais prático que<br />

houve na História. Não há nada, num edifício<br />

medieval, que não tenha uma razão<br />

de ser prática, inclusive poder-se-ia fazer<br />

um estudo comprovando isso. Nele, entretanto,<br />

tudo é bonito.<br />

Na fachada da própria Catedral de<br />

Reims observamos as rosáceas. Pareceria<br />

ter sido o prédio construído para dar<br />

beleza a esses grandes vitrais, mas não é<br />

verdade. As rosáceas existem para facilitar<br />

a entrada de luz dentro do templo.<br />

Entretanto, não é a luz clara de todos os<br />

dias, mas um pouco filtrada, convidando<br />

à contemplação e criando um ambiente<br />

místico de recolhimento.<br />

Os medievais aproveitaram os vitrais<br />

para representar cenas da História da<br />

30


Igreja, do Antigo ou do Novo Testamento,<br />

para ensinar aos povos, constituindo<br />

assim, mil símbolos da Doutrina<br />

Católica. Portanto, a rosácea é funcional,<br />

pois através dela entra luz para<br />

o prédio, mas que luz, que ensinamento,<br />

que flores de beleza! Essas igrejas<br />

eram chamadas de “Bíblias dos analfabetos”.<br />

Ora, o que forma mais a alma<br />

humana: a cartilha ou o vitral?<br />

Aliás, é preciso dizer o seguinte: a<br />

Idade Média foi a época na qual mais se<br />

trabalhou – em relação a todas as épocas<br />

anteriores – para a alfabetização do<br />

homem. De tal maneira que quando a<br />

Idade Média terminou, deu-se o aparecimento<br />

da imprensa. Como poderia a<br />

imprensa ter tão grande importância se<br />

ninguém soubesse ler e escrever?<br />

Destas considerações podemos tirar<br />

um ensinamento magnífico e faustoso.<br />

O espírito da Igreja é o mesmo<br />

espírito de Deus que sabe unir o prático<br />

ao belo; de onde o objetivo do prático<br />

é servir o corpo e não atrapalhar<br />

a alma; e o objetivo do belo é encantar<br />

a alma e elevá-la até Deus. Assim,<br />

vendo um objeto, utilizamos o prático<br />

quase sem pensar nele e admiramos o<br />

belo como se só este existisse.<br />

Yannick Pichard. (CC3.0)<br />

Construções que satisfazem<br />

o corpo e elevam a alma<br />

Há uma diversidade inimaginável<br />

de vitrais, alguns representando reis<br />

santos, e outros Nossa Senhora com o Menino Jesus. Contemplem<br />

a variedade de formas e de cores, que esplendor<br />

de luzes! Cada fragmento de um vitral é uma verdadeira<br />

pedra preciosa, e se cada parte é de tal maneira bonita,<br />

o conjunto é tão mais belo, que a alma não tem muita<br />

vontade de pormenorizar. A Bíblia conta que depois de ter<br />

criado o universo, Deus descansou e, contemplando sua<br />

obra, viu como cada coisa era boa, mas o conjunto era ótimo<br />

(cf. Gn 1, 31).<br />

Assim, no conjunto de vitais, que joia e esplendor! Função<br />

prática: iluminação. Função espiritual: apresentar a<br />

beleza, mas nela, a Suma Verdade, a Revelação trazida pelo<br />

Espírito Santo e Nosso Senhor Jesus Cristo à Terra.<br />

Comparem os prédios de quadradinhos e esse teto gótico.<br />

São dois mundos, duas concepções. O que mais prepara<br />

a alma para o Céu?<br />

Abadia de Vézelay, França<br />

A magnífica Catedral de Orvieto, por exemplo, tem<br />

algo de especial, pois é indelevelmente colorida do lado<br />

de fora. Ela ostenta esplêndidos mosaicos refratários à<br />

ação da luz e do tempo. Ademais, o perfeito estado dela<br />

nos faz pensar ter sido construída ontem. No entanto<br />

é, sem dúvida, uma catedral medieval que arrosta os<br />

séculos, não com aquela velhice magnífica e veneranda<br />

das antigas catedrais de granito, mas com a durabilidade<br />

que fala do eterno.<br />

No ponto mais alto da fachada há um mosaico representando<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo coroando Nossa Senhora.<br />

Qual é a pintura, com cores tão frescas, representando<br />

um esplendor e uma louçania de alma tão magnífica?<br />

Nessa catedral tudo aponta para o céu, até os triângulos<br />

e as flechas. Edifícios como esse parecem elevar-se<br />

ao céu e nos levam para lá.<br />

31


Apóstolo do pulchrum<br />

Almas insaciáveis de dar glória a Deus<br />

Analisemos agora um castelo, quase de conto de fadas:<br />

Neuschwanstein. Ele foi edificado sobre um monte,<br />

a pedido do Rei Luís II, da Baviera, no século XIX.<br />

A nobreza desses torreõezinhos; quanta distinção, beleza<br />

e altanería! Como isso é diferente daqueles mil alvéolos<br />

que parecem transformar seus habitantes em abelhas<br />

humanas. Contrariamente, este nobre castelo faz<br />

dele um guerreiro, e, por sua vez, a catedral faz do homem<br />

um santo.<br />

Observem a beleza do telhado. Dir-se-ia estar revestido<br />

de pedras preciosas! Como é convidativo morar num lugar<br />

desses! Abrir de manhã a janela e contemplar um dos telhados<br />

laterais refulgindo ao Sol. Olhar para baixo e se deparar<br />

com uma das rampas, com água escorrendo depois<br />

de uma chuvarada e gotejando agradavelmente da gárgula.<br />

Quanta beleza, nobreza e harmonia! Entretanto, isso é prático:<br />

esse declive visa impedir o acúmulo de neve.<br />

Já na cidade de Rouen, onde Santa Joana d’Arc foi<br />

queimada pelos ingleses, temos uma imponente Catedral<br />

que mais parece um enorme élan para o céu. A torre<br />

vai adelgaçando à medida que se eleva, quase se transformando<br />

em firmamento; não se sabe bem se seu píncaro<br />

é mais ar do que terra, ou mais luz do que pedra. Assim,<br />

esse belo monumento convida a alma para subir!<br />

Josep Grin (CC3.0)<br />

Eric Pouhier (CC3.0)<br />

Ludovic Péron (CC3.0)<br />

Detalhes da Catedral de Reims, França<br />

32


jplenio (CC3.0)<br />

Castelo de Neuschwanstein, Alemanha<br />

No prefácio da história de Santa Isabel da Hungria,<br />

Charles Montalembert narra que um maometano, preso<br />

pelos cruzados, recebeu licença de viajar pela Europa e,<br />

conhecendo as catedrais, perguntou quem as construía.<br />

Mostraram-lhe, então, o irmão leigo de um convento:<br />

— Ele é um dos homens que constroem esses monumentos.<br />

Surpreso, indagou:<br />

— Como podem homens tão humildes construir edifícios<br />

tão altivos?<br />

Assim é a alma católica: humilde quanto a si mesma,<br />

mas insaciável para dar glória a Deus. Na Catedral de<br />

Rouen está a glória de Deus cantada por uma flecha que<br />

vai mais alto do que todos os edifícios da Terra. Essa é<br />

a Igreja Católica acima da sociedade temporal. A Santa<br />

Igreja está por cima de tudo.<br />

Ambientes que conduzem a Deus<br />

Em outra foto vemos aquilo que São Francisco de Assis<br />

chamava “a irmã água” caindo e correndo, luminosa<br />

e turbulentamente, em meio a pedras, por certo fazendo<br />

aquele ruído mais parecido a um cântico. Próximas<br />

à margem há algumas moradias plebeias. Notem<br />

a sensação de solidez dos prédios e como dão a impressão<br />

de proteger contra as intempéries. Dentro dessas casas,<br />

as pessoas se sentem na intimidade, a léguas da rua,<br />

afastados dos outros, com a possibilidade de estar a sós,<br />

no aconchego da família ou numa solidão completa aos<br />

olhos de Deus.<br />

Catedral de Orvieto, Itália<br />

É um ambiente agradável, à maneira europeia, pois<br />

quando chega o verão o jardim se enche de gerânios vermelhos<br />

e, do lado de dentro, uma pessoa calma lê um livro,<br />

ou uma senhora faz crochet ou tricot enquanto conversa<br />

com o netinho sentado no chão. É a vida tranquila<br />

e cheia de paz de outrora, mais operosa do que a das<br />

multidões se acotovelando nos ônibus. Cidades peque-<br />

Luca Aless (CC3.0)<br />

33


Apóstolo do pulchrum<br />

A Torre de Belém, localizada na margem do Rio<br />

Tejo, que banha Lisboa, é uma fortificação composta<br />

de um material tão alvo que em noite<br />

de luar mais parece feita de lua. Na sua<br />

parte inferior se encontram os orifícios<br />

para os canhões. Sob certo ponto de vista,<br />

a torre, tão leve com suas ameias e<br />

torreões, parece um brinquedinho;<br />

mas, tão majestosa e forte que dá impressão<br />

de uma verdadeira fortaleza.<br />

Os antigos tinham horror das fachadas<br />

lambidas e do plano sem arte.<br />

Na superfície principal está a sacada<br />

onde podemos imaginar o rei<br />

vendo as naus partirem, por exemplo,<br />

da frota de Pedro Álvares<br />

Cabral, com a imagem de Nossa<br />

Senhora, a qual hoje se venerajaraman<br />

sundaram (CC3.0)<br />

Cataratas do Reno, Suíça<br />

nas, onde as pessoas vão a pé por toda parte, aonde ninguém<br />

tem pressa, ninguém corre, todo mundo vive e respira<br />

em paz. Em cidades como essas se formaram os povos<br />

europeus, saudáveis, que engendraram a maior civilização<br />

de todos os tempos.<br />

Como seria agradável, por exemplo, no entardecer de<br />

um dia fresco, permanecer num terracinho rezando ou<br />

lendo, ou até fazer uma grande coisa quando a pessoa<br />

tem a alma cheia de altos pensamentos e de verdadeira<br />

fé: não fazer nada. Contudo, não significa flanar ou fazer<br />

o papel de bobo, mas é deixar a memória e as recordações<br />

falarem, ir pensando ao sabor do tempo e das associações<br />

de imagens. É mergulhar na contemplação.<br />

Foi conversando agradavelmente desde uma janela<br />

que Santo Agostinho e Santa Mônica tiveram o famoso<br />

êxtase de Óstia. Quem poderia ter um êxtase dentro de<br />

um arranha-céu contemporâneo? Deus pode tudo, inclusive<br />

levar alguém a entrar em estado místico no interior<br />

de um edifício moderno, mas é preciso dizer que um tal<br />

lugar não propicia um êxtase.<br />

34<br />

Maravilha do espírito católico<br />

Pedro Álvares Cabral<br />

Rio de Janeiro


Herbert Frank (CC3.0)<br />

ra na igreja dos Jerônimos, e é chamada Nossa Senhora<br />

do Brasil.<br />

Imaginemos ali uma série de pendões e de tapeçarias<br />

riquíssimas; o rei com a rainha e sua corte, despedindo-<br />

-se dos navios que partiam para descobrir novas terras e<br />

trazer novos povos para a Igreja Católica Apostólica Romana,<br />

levando nos mastros a Cruz de Cristo. É um cenário<br />

magnífico! Tão bonito que parece ter sido construído<br />

só para essa cena épica.<br />

Ali encontramos a beleza conjugada ao prático. O mirante<br />

é estupendo, e sem dúvida, muito funcional. Foi uma<br />

fortaleza tão boa que, para as condições do tempo, metia<br />

medo em qualquer atrevido desejoso de se adentrar no Tejo.<br />

Nobre e distinta, a Torre de Belém é uma verdadeira<br />

maravilha do espírito católico que formou essa civilização.<br />

Quanto respeito para com a criatura humana há numa<br />

construção como essa! O homem se sente inteiramente<br />

atendido, protegido, defendido e conduzido até<br />

Deus! <br />

v<br />

(Extraído de conferência de 10/2/1974)<br />

Benittes (CC3.0)<br />

Catedral de Rouen, França<br />

Torre de Belém,<br />

Lisboa<br />

Vicente D.<br />

35


Primeiro lance da Contra-Revolução<br />

Odemônio tem especial ódio à Imaculada<br />

Conceição pelo fato de esta singular prerrogativa<br />

de Nossa Senhora constituir para<br />

ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer,<br />

pessoal. Com efeito, tendo satanás conseguido<br />

arrastar nossos primeiros pais ao pecado original,<br />

as vantagens que lhe traria essa queda, caso não<br />

houvesse a Redenção, seriam simplesmente espetaculares.<br />

O homem, criatura nobre de Deus, ficou<br />

desfigurado pelo pecado e sujeito às más tendências.<br />

Com isso tornou-se incalculável o número<br />

de pessoas capazes de cair, ao longo dos séculos,<br />

no Inferno. Imenso foi o êxito imediato obtido pelo<br />

demônio com o pecado de Adão e Eva.<br />

O único modo de anular esse triunfo do mal seria o<br />

Verbo Se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer-Se<br />

como vítima pela nossa salvação. Ora, essa vitória<br />

do Bem teve sua primeira realização no nascimento<br />

de uma menina excelsa, imaculada, que, apesar<br />

de todos os embustes do demônio, nascia livre da<br />

trama na qual ele pretendia envolver todo o gênero<br />

humano. Em favor d’Ela, Deus rompeu a urdidura<br />

satânica. E Ela nasceu fora da lei do pecado original.<br />

Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de<br />

partida da Redenção da humanidade, foi o fato de<br />

Nossa Senhora ter sido criada isenta do pecado original.<br />

Donde nos ser fácil compreender como o primeiro<br />

lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada<br />

Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação<br />

do Verbo.<br />

(Extraído de conferência de 3/12/1964)<br />

Imaculada Conceição - Igreja<br />

Matriz de Nossa Senhora da<br />

Conceição, Sabará, Minas Gerais<br />

Luis C.R. Abreu

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