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A Casa da Vovó - Marcelo Godoy

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DOI de São Paulo sabemos como funcionou a repressão no Brasil no regime

montado por civis e militares.

Segredos: a luta pela memória

Para expor a engrenagem que movimentou o DOI do 2º Exército foi preciso

retirar de documentos e extrair das memórias o que não se quis revelado, fato

que engendra desafios. Chegou-se, no fim do conflito entre militares e guerrilha,

ao momento em que nem sempre os agentes se preocupavam em explicar as

mortes, pois toda uma rede de apoios no governo, Ministério Público e Judiciário

lhes garantia a impunidade. Era uma época em que as comunidades de

Informações e de Segurança almejavam dizer, como Cícero nas Catilinárias, que

tudo sabiam e ouviam e nada do que o seu adversário político fizesse lhes

passaria despercebido, pois “os olhos e ouvidos de muitos te espiarão e também

guardarão, sem que sintas, assim como fizeram até agora”. 11 Seu discurso no

Senado Romano mostra que o Estado tinha a tarefa de controlar a subversão, mas

que o uso da violência pela autoridade dependia do consentimento, ainda que

retórico, dos cidadãos – o divórcio entre a oligarquia senatorial e o povo, mantido

à distância, mal se havia consumado. Tentava-se preservar a cidade, impedindo

novas sedições que provocassem catástrofes civis, com seus massacres e a

desorganização econômica e política, como Roma experimentara na guerra

entre os partidários de Mário e de Sila, durante os anos da oposição entre

optimates e populares. 12

O combate à oposição política e à subversão no Brasil proporcionava o

motivo para o exercício desse controle social e para impedir a publicidade das

ações dos órgãos de segurança por meio da censura e do sigilo. É como se o

segredo fosse o derradeiro poder dessa comunidade. Abrir mão dele é como dar

adeus às armas, a uma luta que para muitos acabou, mas que alguns insistem em

mantê-la viva, como símbolo do que lhes restou daquele tempo, do turbilhão que

lhes consumiu a vida.

A pressão moral do grupo exercida sobre cada um de seus membros para a

manutenção do silêncio preserva o arbítrio. Sem ele, o destino imposto aos

inimigos não teria existido em sua plenitude. Como instrumento de controle

parecia perfeito, pois não feria suscetibilidades de liberais e permitia aos homens

do poder negar a violência sem com isso deixar de usufruírem de seus efeitos.

Esse refinamento tinha outra função: não permitir aos oponentes a “morte

grandiosa e dramática dos mártires”. Mas “nada humano é tão perfeito, e

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