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A Casa da Vovó - Marcelo Godoy

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Arma da Artilharia, Ênio era respeitado pelos subordinados na mesma medida

em que hoje é reconhecido por militantes da esquerda como um dos mais

importantes quadros da repressão. O capitão tinha um codinome: Doutor Ney, ou

Ney zinho, como os homens costumavam chamar aquele oficial do Exército com

pouco mais do que a altura necessária para passar nos exames de admissão da

Academia Militar das Agulhas Negras. Personagem fundamental dessa história,

Ênio é um dos maiores responsáveis pelo esmagamento da guerrilha urbana no

país. Se o Dops teve o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o DOI teve o capitão

Ênio. Em Canudos, no século XIX, o combate terminou em meio a degolas e

execuções de jagunços e prisioneiros. Um século depois, fez-se a mesma

concessão ao gênero humano: não se trucidaram crianças e mulheres, exceto as

moças que se mostraram perigosas. A oposição armada não se rendeu. Como a

cidade do Conselheiro, foi expugnada palmo a palmo por um sistema que se

valeu de cada corpo torturado, do medo dos sobreviventes, da ajuda dos “dedosduros”

e de um planejamento e organização contra os quais os militantes que

lutavam por uma revolução socialista no Brasil não estavam preparados para

enfrentar.

O capitão Ênio começara no Destacamento em 1970. Aprendeu os segredos

do trabalho de localizar e aniquilar o inimigo em uma espécie de “estágio” na

Divisão de Ordem Social do Dops, onde teve como professor o Doutor Fleury, o

símbolo do esquadrão da morte e da repressão política daqueles tempos, o

homem que matara Carlos Marighella, fundador da ALN, e nas mãos de quem

morrera Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, que sucedera o primeiro como

principal liderança da guerrilha. Foi o delegado que fez do marinheiro e dirigente

da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) José Anselmo dos Santos, o Cabo

Anselmo, o maior traidor da esquerda daqueles tempos, transformando-o no

informante Montenegro ou simplesmente Doutor Kimble. Esse modelo seria

seguido por Ney – o aluno de Fleury o conhecera em pleno funcionamento. 3

De fato, o tempo passado no começo dos anos 1970 no Dops moldou o ofício

do capitão. Quando voltou ao DOI, Ney e seu chefe na Casa da Vovó, o então

major Carlos Alberto Brilhante Ustra, completaram a reorganização da Subseção

de Investigação, cujas dependências foram separadas do resto do Destacamento,

assim como Fleury fizera com sua divisão no Dops. 4 Foi desse pequeno setor que

saíram os maiores e mais sangrentos golpes contra a esquerda armada e a

oposição ao regime nos anos 1970. Com seus informantes, centros de tortura

clandestinos e com suas paqueras, a Investigação transformou-se numa seção

em que seus pacientes desapareciam ou transformavam-se em “cachorros”. 5

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