C O L U N ATEMPOS DEQUARENTENAAutismoSeveroHaydée Freire Jacquesé casada e mãe de dois filhos, sendo omais moço autista severo. Formou-seem odontologia, exerceu a profissãoaté 2006, quando decidiu dedicar-seintegralmente ao filho.44REVISTA AUTISMONestes tempos bicudos qualquercoisa vale para criar uma rotina satisfatóriapara meu filho autista. Aslições que a escola envia são de grandevalia. E vamos nós à caça de fotografiasantigas, figuras de revistas, etc e tal.Não gosto de velhas fotos, por issoa quarentena está sendo uma épocaduplamente difícil. Tenho pensadomuito sobre o motivo desse meu descontentamento.Em princípio achoque o que passou é passado, o que eraimportante a gente guarda na lembrança.A certeza do nunca mais meincomoda. Fotos retratam tempos epersonagens que não mais existem,circunstâncias, boas ou más, quenão mais se repetirão. Não vejo motivopara remexer no que já acabou.Em relação à minha história com oautismo, a coisa é ainda mais complicada,porque implica em um sentimentode falha, de erro. Remete auma época de solidão e perplexidade,de completa ignorância do que estavaacontecendo. Um tempo em que as decisõeseram cruciais ao mesmo tempoem que eu não tinha qualquer conhecimentopara tomá-las. Vejo fotos esinto, outra vez, o medo e insegurança,as ações e — quase sempre — asconsequências funestas. E me pergunto:como pude fazer isso? Como pudedar crédito a tal profissional? Comopude submeter meu filho a tal sofrimento?Posso garantir que a culpa éenorme e muito sofrida.Meu marido, muito mais lógico doque eu nesse ponto, afirma que fizemoso melhor, dadas as circunstâncias.Sim, claro, há 29 anos, o autismoera um grande desconhecido. Mas,mesmo assim, não consigo parar deme repreender, muito provavelmenteporque, mesmo então, eu sentia queas coisas não tinham que ser daquelemodo. Que eu, a mãe, sentia meufilho e aquela não era a abordagemcorreta. No entanto, segui orientações,contra meu discernimento, quelevaram a muito sofrimento e nenhumresultado positivo.O tempo, mestre sábio quando aprendemosa ouvi-lo, ensinou-me a rebeldiafrente à autoridade. Sou umavelhota rebelde, não aceito nada semantes passar pelo crivo dos meus sentimentose conhecimentos. Posso sermuito permissiva, por que não? Souporque posso. No presente estou maisem paz comigo e com meu filho. Maso passado… Ah, o passado! Esse nãomuda, não há o que fazer. De modoque essa “culpazinha” fria, fininha,continua lá, firme e forte. Voltandoàs fotos, para que recordar tempos difíceis,em que me reconheço culpadapor omissão ou comissão? Aprendi oque precisava desses tempos duros, eestá bom assim. Nada de fotos, hehehe.
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