20.03.2023 Views

Facta #2

Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"

Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Governo de Minas e

Apresentam

REVISTA DE

gambiologia

* * * * * * * * * * * * * facta.art.br * * * * * * * * * * * * *

Arte • Gambiarra • Tecnologia • DIY • Cultura pop tupiniquim

Colecionismo • Design sustentável • teoria e prática Hacker



"Viemos do Mar nº 6" (1978)

Coleção Valéria Braga, RJ

Foto: Eduardo Ortega

por Farnese de Andrade


O que acontece com as coisas quando elas acabam?

Veja como artistas têm respondido a esta pergunta.

Os quartos exóticos que foram precursores dos museus

e da ciência moderna, em destaque na Facta.


A história dos irmãos nova-iorquinos que tornaram-se

famosos por terem morrido em meio à sucata.

Quando a coleção se torna uma patologia.


6

Fotos de coleções do editor, por Nidin Sanches


por Fred Paulino

"É o estilo de época de uma época sem estilo".

(Laura Erber)

que acontece no instante exato da

morte? Dentre as mais variadas

interpretações de cunho científico,

religioso ou esotérico para essa

questão que inexoravelmente nos acompanha,

uma me parece a mais singular: há quem

acredite que o homem reveja flashes da

própria vida, em altíssima velocidade e

cronologia inversa. Como um rewind de nossa

história completa, é a chamada “experiência

de quase-morte”. Segundo essa suposição,

precisamente no evento mais único, inexplicável

e extremo da existência, a vida parece

contradizer-se: são de repente invertidas

as lógicas da experiência, do envelhecimento,

da maturidade, do tempo, para voltarmos ao

que éramos no início. Um retorno solitário e

derradeiro à nossa origem mais pessoal.

O

De forma semelhante, esta publicação, que em

seu primeiro número abordou o Apocalipse

– óbito eminente do universo – e se autodeclarou

como “nascida já morta”, agora

volta seus olhos ao passado. Seguindo nossa

proposta de abordar, de forma livre e com a

participação de uma rede de colaboradores,

temas amplos que relacionam-se de formas

distintas com a ideia de Gambiologia, desta

vez abordaremos as práticas de acumulação e

colecionismo: formas do homem relacionar-se

com o tempo a partir da aquisição e guarda

de objetos materiais.

Definitivamente não apresentaremos esses

temas a partir da amostragem de personagens

exóticos com a mania de guardar objetos.

O que esta edição da Facta investiga é como o

hábito de acumular parece estar se tornando,

no mundo contemporâneo, cada vez mais

comum. E mais: de que forma antiguidades,

velharias, refugos descartados, objetos

supostamente sem perspectiva de vida-apósa-morte

têm sido matéria prima e inspiração

valiosas para a criação de obras de arte e peças

de design.

t

A relação do cidadão contemporâneo com o

tempo soa confusa. Somos obrigados, hoje, a

imprimir ao nosso cotidiano um ritmo mais

acelerado que o humanamente razoável.

O presente passa tão rápido, que é improvável

não confundi-lo com memórias do passado e

planos para o futuro.

Já em 1967, Guy Debord 1 anunciava o que

chamou de “tempo cíclico”. Segundo ele,

há uma relação inseparável entre a “história

humana” e a “história natural”. A segunda

só existiria efetivamente na medida em que

fosse compreendida pela primeira: “a temporealização

do homem, tal como ela se efetua

pela mediação de uma sociedade, é igual a

1 " A Sociedade do Espetáculo", 1967.

7


uma humanização do tempo”. Sendo assim,

quanto mais uma sociedade se conscientiza

sobre a passagem do tempo, mais ela o nega,

tratando-o não como o que passa, mas o

que regressa. Em contraponto, a burguesia,

“senhora do poder”, estaria ligada ao tempo

do trabalho. O imperativo da produtividade,

do acúmulo de mercadorias e capital faria

surgir a ideia de tempo irreversível, unificado

mundialmente. “O triunfo do tempo irreversível

é também a sua metamorfose em tempo

das coisas, porque a arma da sua vitória foi

precisamente a produção em série dos objetos,

segundo as leis da mercadoria.”

Mas acontece que as mercadorias,

hoje, são descartáveis. Bauman (2005) 2

define nossa sociedade como regida

por uma “vida líquida”

que “projeta o mundo e todos

os seus fragmentos animados

e inanimados como objetos

de consumo,

ou seja, objetos que

perdem a utilidade (e portanto

o viço, a atração, o poder de sedução e o valor)

enquanto são usados”. E acrescenta: “estes têm

uma limitada expectativa de vida útil e, uma

vez que tal limite é ultrapassado, se tornam

impróprios para o consumo”. Ou seja: o tempo,

agora ditado pelas regras da produção em um

contexto de economia especulativa, literalmente

nos escapa pelas mãos.

Linkando as análises de ambos os autores,

fica a questão: a irreversabilidade de nossa

história estaria, então, diluída num instante

de tempo perdido?

2 BAUMAN, Z ygmunt. "Vida Líquida", Editora Zahar, 2007.

t

A ansiedade em vislumbrar

o futuro e o saudosismo de

cultuar o passado

Neste século acelerado por demais, de ritmo

pautado por corporações e suas estratégias

de avanço tecnológico e obsolescência

programada, podemos observar dois fatos

recorrentes, que talvez sejam tão-somente

escapes para compensar nossa provável relação

mal resolvida com o tempo: a ansiedade

em vislumbrar o futuro e o saudosismo de

cultuar o passado.

No primeiro caso, a insaciedade pela

atualização nos impele, mesmo de maneira

inconsciente, a estar sempre antenados com

“o próximo modelo”. Seja o mais novo smartphone

do mercado, a versão mais recente de

um app ou a tendência para vestir na próxima

estação, vivemos curiosos pelo que há por

vir, antecipando o momento futuro e não

nos permitindo viver plenamente

a experiência do

hoje. “As preocupações mais

intensas e obstinadas (…)

são os temores de ser pego

tirando uma soneca, não

conseguir acompanhar a rapidez dos eventos,

ficar para trás, deixar passar as datas de vencimento,

ficar sobrecarregado de bens agora

indesejáveis, perder o momento que pede

mudança e mudar de rumo antes de tomar

um caminho sem volta. A vida líquida é uma

sucessão de reinícios…”.

Por outro lado, me parece que o ser humano

insiste, paradoxalmente, em incorporar os

rastros do antigo em seu cotidiano. São exemplos

vários: das câmeras digitais que reproduzem

filmes analógicos ao dia das crianças

online, quando nos pegamos divertidos a postar

fotos da infância. Das roupas que já são

produzidas envelhecidas à valorização do

mercado de móveis antigos reformados.

8

* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *




Da moda “chique” da taxidermia decorativa

à celebração do design retrô. E finalmente, o

hábito cada vez mais usual de cidadãos dos

grandes centros urbanos de colecionar ou

acumular objetos raros, únicos, exclusivos.

Quem não tem ao menos um conhecido que

gosta de “juntar trecos”, sem razão aparente?

Quantos de nós não consegue evitar o gesto

de, ao passar por uma caçamba cheia, conferir

rapidamente se não há algo que poderia ser

(in)útil em casa?

Em uma época em que nossas memórias estão

digitalizadas nas galerias das redes sociais,

tornando-se imediatamente passado com

um simples gesto de scroll, a acumulação

soa como compensação de um vazio

resultante da vida líquida. Se não há como

agarrar-se ao tempo, quem

sabe juntar objetos não seja

uma forma desesperada de

resgatar memórias…

t

A acumulação soa como

compensação de um vazio

resultante da vida líquida

de retenção de nossa experiência passageira

no mundo. As coisas valem como chave de

entrada para a memória e grande parte das

vezes, o apego a um objeto deve-se tanto mais

pelas lembranças a que ele remete do que por

seu valor monetário. As coleções nos transportam

ao mundo imaginário de um passado

inacessível: a recordação vaga de um país, a

saudade de alguém que partiu, o sabor de

um prato ou de um drink a dois. Há quem

colecione de tudo: selos, moedas, imagens

antigas, brinquedos estragados, lâmpadas

queimadas, insetos, tampinhas de garrafa,

rolhas, sachês de chá… Há também quem

colecione inimigos, rancores, frustrações

amorosas, listas que só fazem crescer, ideias

não realizadas... Há quem colecione todas

as coisas citadas e outras mais. Botonismo,

adesivoterapia, durexia,

ruinologia: novos substantivos

para incontáveis manias,

patologias e suas variações.

t

O ato de colecionar confunde-se com a passagem

do homem pela Terra. Desde muito cedo

até os dias atuais, o ser humano tem deixado

rastros por onde passa: pinturas em cavernas,

nomes em árvores, graffitis nos muros de uma

cidade e mesmo livros e filmes, por exemplo.

Mas nossa experiência é marcada não só pelo

que deixamos, mas também pelo que coletamos

e guardamos. Sejam itens materiais – objetos

que, por motivos diversos e inexplicáveis, simplesmente

queremos guardar – ou lembranças

impalpáveis, memórias. Assim como faz um

contador de histórias que declama seus “causos”

incorporando o saber de seu tempo ao de seus

antepassados, a vida é, acima de tudo, uma experiência

de acumulação. De coisas e de afetos.

Catar, agrupar, organizar objetos são gestos

A reutilização de objetos acumulados é

pertinente à criação artística contemporânea.

Além da inevitável questão da sustentabilidade

(muito conveniente para o marketing

corporativo, mas pouco colocada em prática),

nas mais diversas esferas da indústria

criativa os ciclos estéticos vão e retornam.

Muitas vezes, ser reconhecido como contemporâneo

é nada mais nada menos que saber

ressignificar, ou samplear, referências de

épocas distintas, relacionando-as com

questões da atualidade.

De forma mais específica, no repertório

da Gambiologia utilizamos objetos velhos,

incorporando neles novas ou precárias tecnologias

para que “renasçam” como novidade.

E já que nas obras usamos basicamente

* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *

11


objetos de origem industrial descartados, um

mix estético de diferentes épocas nos parece

mais rico e atrativo visualmente. Porque as

produções da indústria de hoje são excessivamente

limpas, parecidas demais entre si,

descartáveis, serializadas...

Por tudo isso, acumulamos acervos de muita

coisa. No entanto, mais do que somente

guardar objetos, nos interessa transformá-los.

No arcabouço gambiológico, para além do

valor estético, funcional e monetário de uma

peça única, importa a sua transfiguração em

uma ideia. O resgate e a refuncionalização de

uma antiguidade, de um objeto descartado,

de um refugo sugerem um jogo com o

próprio processo de memória: evidenciar

um desajuste ante o tempo, através de um

deslocamento. Para além do colecionismo

usual, baseado em processos de pesquisa/

posse/acumulação/arquivo/preservação,

entendemos que a transformação de tais

objetos em outros lhes subverte a aura

intocável e reconfigura o seu valor. "Estragar"

um objeto raro pode ser simplesmente trazê-lo

para o agora, não só potencializando sua carga

de memória ao incorporá-lo ao momento

presente mas, principalmente, unindo

tempos instransponíveis.

Uma ação sobre a acumulação, que se

transforma em obra.

“A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez –

e tu com ela, poeirinha da poeira!’” Nietzsche

12

* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *


by Fred Paulino

"It is the epoch style of an styleless epoch".

(Laura Erber)

What happens at the exact moment of death? Among

the most varied interpretations of a scientific, religious

or esoteric nature to this question that inevitably

accompanies us, one seems to me the most natural: there

are those who believe that a review of a man 's life flashes

on high speed and reverse chronology. As a rewind of our

complete story, it is the so called "near-death". According

to this assumption, more precisely in the most unique,

unexplained and extreme event of an existence, life seems

to contradict itself: the logic of the experience of aging,

maturity and time are suddenly reversed so we can get back

to what we were at the beginning. A lonely and ultimate

return to our most personal home.

Similarly, this publication, which in its first issue

addressed the Apocalypse - the imminent death of the

universe - and has declared itself as having been "born

already dead," now turns its eyes to the past. Following our

proposal of approaching, freely and with the participation

of a network of collaborators, broad themes that relate in

different ways to the idea of Gambiologia, this time we

discuss accumulation and hoarding practices: ways man

relates with time beginning with the acquisition and

custody of material objects.

We definitely do not present these issues by sampling

exotic characters with a mania to keep valuables. What

this edition of Facta investigates is how the habit of

accumulating seems to become, in the contemporary

world, increasingly more common. And more: How

antiques, waste and discarded items, objects supposedly

with no prospect of life-after-death have been valuable

raw material and inspiration for the creation of works of

art and design pieces.

t

The relationship of the average contemporary citizen

with time sounds confusing. We are obliged today to

press a faster pace to our daily life than what is humanly

reasonable. The present happens so fast that it is unlikely

not to be confused with memories of the past and plans

for the future.

In 1967, Guy Debord announced what he called a "cyclical

time". According to him, there is an inseparable relationship

between "human history" and "natural history.The second

would only exist effectively if understood by the first: "

the time-realization of man, as it takes place through the

mediation of a society, is equal to a humanization of time."

Thus, the more a society becomes aware of the passage of

time, the more it denies it, treating it not as what passes,

but as what returns. In contrast, the bourgeoisie, the

"owner of power," would be linked to the time of labor.

The imperative of productivity, the accumulation of goods

and capital would raise the idea of irreversible time,

worldly unified." The triumph of irreversible time is also

its metamorphosis into the time of things, because the

weapon of its victory was precisely the mass production of

objects, according to the laws of goods. "

But what happens today is that goods are disposable.

Bauman (2005) defines our society as one governed by a

"liquid life", which "projects the world and all its animate

and inanimate fragments as consumption objects, or in

other words, as objects that lose their usefulness (and

therefore their vitality, attraction, seductive power and

value) as they are used. " He adds: "these have a limited life

expectancy and, once this limit is exceeded, they become

unfit for consumption." That is, time, now dictated by

production rules in a context of speculative economy,

literally escapes from our hands.

Linking the analyzes of both authors, the question

remains: would, then, the irreversibility of our history be

diluted in a moment of lost time?

t

In this over accelerated century of a rhythm ruled

by corporations and their strategies of technological

advancement and planned obsolescence, we can observe

two recurring facts which perhaps are merely escapes to

offset our possible unresolved relationship with time: the

anxiety to glimpse the future and the longing to worship

the past.

13


In the first case, the insatiable drive for updates takes

us, even unconsciously, to always be attuned to "the next

model." Be it the newest smartphone on the market, the

latest version of an app or a tendency to wear the next

season’s collection, we live curious as to what's to come,

anticipating the future moment and not allowing us

to fully live the experiences of today. "The most intense

and obstinate concerns (...) are the fears of being caught

napping, not being able to keep up with the speed of events,

to fall behind, to let due dates pass, to get overwhelmed

with now undesirable goods, to lose the moment that calls

for change and changing courses before taking a path of no

return. Liquid life is a succession of restarts... ".

On the other hand, it seems to me that humans insist,

paradoxically, on incorporating the traces of the past

in their daily lives. There are several examples: digital

cameras that replicate analog films of children's day online,

when we had fun posting pictures of our childhood. From

the clothes that are already produced old to the market

appreciation of aged and remodeled antique furniture.

From the "chic" fashion of a decorative stuffing to the

celebration of retro design. And finally, the increasingly

common habit of urban people to collect or accumulate

rare, unique and exclusive objects. Who does not have

at least one acquaintance who likes to gather stuff for no

apparent reason? How many of us can not avoid the gesture

of looking through a full dumpster to quickly check

whether there is something that could be of use at home?

In a time when our memories are scanned in the social

networks galleries, becoming immediately “from the past”

with a simple scrolling gesture, accumulation sounds like

a compensation for the void resulting from liquid life. If

there is no way to hold on to time, maybe to gather objects

isn’t a desperate way to rescue memories...

t

The act of collecting is intertwined with the passage of

humans on Earth. From early times until today, humans

have left footprints wherever they go: cave paintings, names

on trees, graffiti on the walls of a city, and even books and

movies, for example. But our experience is marked not

only by what we leave behind, but also by what we collect

and store. Being material items - objects that for various

unexplained reasons we just want to save - or intangible

remembrances, memories. Just as a storyteller does, who

declaims his "tales" incorporating the knowledge of his/

her time to the time of his/her ancestors, life is, above all,

an experience of accumulation. Of things and emotions.

To gather, group and organize objects are gestures of

retaining our fleeting experience of the world. Things are

taken as a key input to memory, and most of the time the

attachment to an object happens to be much more related

to the memories of what it refers to as for its monetary

value. Collections transport us to the imaginary world of

an inaccessible past: a vague recollection of a country, the

longing for someone who has gone already, the flavor of a

dish or a drink together. Some people collect everything:

stamps, coins, old pictures, damaged toys, burned out

bulbs, insects, bottle caps, corks, teabags... There are also

those who collect enemies, grudges, love frustrations, lists

that only grow, unperformed ideas... There are those who

collect all those mentioned things and more. Buttonism,

stamp therapy, tapism, ruinology: new nouns to countless

fads, pathologies and their variations.

t

The reuse of accumulated objects is pertinent to

contemporary artistic creation. In addition to the inevitable

issue of sustainability (very convenient for corporate

marketing but little acted upon), in the most diverse

spheres of the creative industry, aesthetic cycles go away

and come back. Often, being recognized as contemporary

is nothing more nor less than to know how to reframe or

sample references from distinct epochs, relating them to

current issues.

More specifically, in the repertoire of Gambiologia we

use old objects, incorporating in them new or substandard

technologies so they can be "reborn" as a novelty. And since

we mainly use in our works discarded objects of industrial

origin, an aesthetical mix of different eras seems richer and

more visually attractive to us. We go this way because the

productions of the industry of today are excessively clean,

too similar to each other, disposable, serialized...

For all that, we have accumulated a lot of collections.

However, more than just to store objects, we are also

interested in in the matter of transforming them. In

our gambiological framework, beyond the aesthetic,

functional or monetary characters of a single piece, we

care for its transfiguration into an idea. The rescue and

refunctionalization of an antique, a trashed object, a scrap,

suggests a game with its very own memory process: an

evidence of a time misfit, a displacement. Beyond the usual

collecting, based on the process of research/possession/

build/file/preservation, we believe that the transformation

of such objects in others subverts their untouchable aura

and reconfigures its value. To “spoil" a rare object can often

simply bring it to the now, not only enhancing its memory

load as it is incorporated into the present moment, but

mainly uniting insurmountable times.

An action into accumulation, which is transformed

into artwork.

"The eternal hourglass of existence is turned upside down again - and you with it, speck of dust!” Nietzsche

14



Facta #2 - acúmulo, ação criativa

outubrO/2013

Capa:

"Assemblage Gambiológica", por Coletivo Gambiologia

Acervo e coordenação: Paulo Henrique Pessoa "Ganso"

Fotos por Nidin Sanches

Publicação aperiódica

Tiragem: 1720 exemplares

Contatos / contacts:

editor@facta.art.br

producao@facta.art.br

redacao@facta.art.br

www.facta.art.br

www.gambiologia.net

Este trabalho está licenciado em conformidade com a

Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual

3.0 Brasil. Para ver uma cópia da licença, visite

http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br

16


FICHA TÉCNICA CREDITS

concepção e edição EDITOR

Fred Paulino

CONSELHO EDITORIAL

editorial board

Birimbica Potter

Lucas Mafra

Paulo Henrique Pessoa "Ganso"

Rodrigo Minelli

REDAÇÃO writers

Daniel Barbosa • Fred Paulino

VERSÃO PARA INGLÊS

english version

Luciana Tanure e Glenn Cheney

(Access Group)

projeto gráfico art director

Xande Perocco

design graphic design

Fred Paulino • Xande Perocco

FOTOGRAFIA PHOTOGRAPHY

Nidin Sanches

desenvolvimento web

web development

Paulo Barcelos

produção production

Fernanda Salgado

assessoria jurídica

legal advice

Diana Gebrim - Diversidade

conteúdo audiovisual

audiovisual content

Apiário

impressão print

Imprimaset

COLABORADORES #2

COntributorS #2

Adauany Zimovski • Ângelo Abu

Antônio Carlos Figueiredo

Bárbara Soalheiro • Beatriz Leite

Conrado Almada • Daniel Ribão

Eduardo Imasaka • Evandro Castro

Evan Roth • Farnese de Andrade

Felipe Fonseca • Felipe Rocha

Giuliano Obici • Janina Pessoa • Julia Valle

Lucas Resende • Lu Tanure

Mariana Pinheiro • Newton C. Braga

Nícia Mafra • Pedro David

Rosângela Rennó • Simone Pazzini

Thais Mol • Xico Sá

Zedu Carvalho • Zoe Clayton

17


Ângelo Abu Sendo o que colecionei, figurinhas

da Hanna-Barbera, fitas de Atari, quadrinhos do Zé-

Carioca, casquinhas de machucados, cachorros, coisas

vermelhas, discos e livros de quase tudo, pôsteres antigos

de cinema, fotos 3x4, alfabetos não romanos, desenhos

aleatórios, histórias inacabadas. I am what I have collected:

Hanna-Barbera trading stamps, Atari tapes, Zé Carioca

comics, scabs, dogs, red things, records and books of almost

everything, old movie posters, 3x4 photos, non-Roman

alphabets, random sketches, unfinished stories.

Apiário Espaço de criação e cultivo de ideias, dedicase

à produção e concepçãode trabalhos artísticos e

comerciais, filmes, vídeos, animações, ilustrações,

fotografias, escritos e sons de variadas espécies. Apiário is

a space for creation and cultivation of ideas. It is dedicated to

conceiving and producing artistic and commercial works, films,

videos, animations, illustrations, photographs, writings, and

sounds of varied species.

Beatriz Leite Artista e ceramista, formada pela

Universidade do Estado de Minas Gerais. Atua como

professora de artes visuais em Belo Horizonte, na Escola

Balão Vermelho e no Corpo Cidadão - projeto social

idealizado pelo Grupo Corpo de Dança. Artist and

ceramist with a degree from the University of the State of

Minas Gerais. She serves as a Professor of Visual Arts in Belo

Horizonte, at the Red Balloon School, and Corpo Cidadão – a

social project by Grupo Corpo de Dança.of varied species.

Birimbica Potter Artista plástica, designer gráfica,

ilustradora, tradutora, catalogadora de coleções. Artist,

graphic designer, illustrator, translator, Interpreter of objects

and collections

Conrado Almada Formado em Comunicação e

natural de Belo Horizonte. Artista audiovisual, trabalha

em diferentes suportes, do papel ao vídeo. He graduated

in Communications and a native of Belo Horizonte. An

audiovisual artist, he works in different media, from paper

to video.

Daniel Barbosa Jornalista cultural, trabalha no

"O Tempo" e tem passagens pelo Hoje em Dia, Gazeta

Esportiva Online (SP) e revista Palavra. Atuou como

curador em programas como Natura Musical, Música

Minas e Vozes do Morro. Toca na banda de hardcore

Vulgaris. A cultural journalist, he works at "O Tempo” and has

worked at Hoje em Dia, Gazeta Esportiva Online (SP) and

Palavra magazine. He has served as a curator in programs

such as Natura Musical, Música Minas and Vozes do Morro.

He plays in the hardcore band Vulgaris.

Evandro Castro Psicoterapeuta formado pela UFMG,

estudou também artes plásticas, design gráfico, desenho

e fotografia. Elaborou projetos gráficos de diversos livros

publicados, fez exposições de seus trabalhos e escreve

crônicas e poesias que há anos o perseguem e que hoje

estão atulhando suas gavetas. Psychotherapist from UFMG,

he has also studied Fine Arts, Graphic Design, Drawing

and Photography. He has elaborated the graphic design for

several published books, has made exhibitions of his work, and

has written short stories and poetry that for years have been

persecuting him and are now littering his drawers.

Felipe Fonseca Pesquisador e articulador de projetos

relacionados a redes de produção colaborativa e livre,

mídia independente, software livre e apropriação crítica de

tecnologia. Researcher and articulator of projects related to

collaborative and free production networks, independent

media, free software and critical appropriation of technology.

Fernanda Salgado Produtora cultural e roteirista

audiovisual. Graduada em Radialismo (UFMG) e

Mestre em Artes (UFMG), é sócia-fundadora da Apiário.

Coleciona histórias, personagens e narrativas. Cultural

producer and screenwriter. She graduated in Radio, TV and

Film (UFMG) and holds a Master of Arts (UFMG). She is

a founding member of Apiário and collects stories, characters

and narratives.


Fred Paulino Cientista da computação, designer,

artista e gambiólogo. Realiza desde a década de 90

projetos criativos como Mosquito, Osso Design, Graffiti

Research Lab Brasil e Coletivo Gambiologia. É editor

da Facta. Computer scientist, designer, artist, gambiologist.

He has carried out, since the 90’s, creative projects such as

Mosquito, Osso Design, Graffiti Research Lab Brazil and the

Gambiologia collective. He's the editor of Facta.

Glenn Cheney É um escritor estadunidense, tradutor e

editor. Autor de mais de vinte livros, ensinou literatura

e redação em várias universidades e tem Mestrado

em Comunicação. Inglês e Escrita Criativa. Mora em

Hanover, Connecticut. An American writer, translator,

editor, and publisher. The author of over 20 books, he has

taught writing at several universities and holds Master's

degrees in communication, English, and creative writing. He

lives in Hanover, Connecticut.

Julia Valle Comunicadora Social pela UFMG, estilista

pela Designskolen Kolding e mestranda em Artes pela UFRJ.

Trabalhou para diversas marcas e hoje desenvolve trabalhos

autorais na Casa Ramalhete. Teve projetos expostos no Brasil,

EUA, Eslovênia e Dinamarca. Social Communicator from

UFMG, stylist by the Designskolen Kolding school and a Master

of Arts student at UFRJ. She has worked for brands and today

she develops her own projects at Casa Ramalhete. She had projects

exhibited in Brazil, USA, Slovenia and Denmark.

Lucas Mafra Grão Mestre gambiólogo, designer

de produtos, artista de dispositivos, hobbysta em

eletrônica, PC’s hacking, DIY e gambiarras tecnológicas.

Gambiological Grand Master, Products Designer, device

artist, hobbyist in electronics, PC hacking, DIY and

technological makeshifts.

Luciana Tanure Jornalista pela UFMG e Mestre

em Artes pela Universidade do Texas. Trabalha como

professora, tradutora e produtora. Fundou o Grupo

Access e a editora Fogão de Lenda. Gambióloga de

coração, traduz os textos para a Facta. Journalist from

UFMG and Master of Arts from the University of Texas. She

works as a teacher, translator and producer. She has founded

the Access Group and the publishing company Fogão de Lenda.

Gambióloga at heart, she translates the texts of Facta.

Newton C. Braga Autor de mais de uma centena de

livros sobre eletrônica, publicados no Brasil e exterior,

professor e mantenedor do site www.newtoncbraga.

com.br, onde estão disponíveis milhares de artigos

interessantes para gambiarras. Author of over a hundred

books on electronics, published in Brazil and abroad; professor

and maintainer of the site www.newtoncbraga.com.br, where

thousands of items for interesting makeshifts are available.

Nícia Mafra Com formação multidisciplinar e

sistêmica, integra os conhecimentos adquiridos em meio

ambiente e design para sustentabilidade, relacionados à

gestão de resíduos sólidos, tendo se dedicado, nos últimos

30 anos, aos processos de reciclagem de papel. Atua

como consultora através da empresa Lenum Ambiental.

With a multidisciplinary and systemic approach, she

integrates her knowledge performing works related to the

environment and design for sustainability related to solid

waste management. She has dedicated the last 30 years to the

process of recycling paper. She works as a consultant through the

company Lenum Ambiental.

Paulo Barcelos É um tecnologista que pesquisa maneiras de

se utilizar o conhecimento técnico como uma forma de expressão

e como conectar seres humanos e máquinas de maneiras mais

significativas. Brazilian creative technologist that researches

ways to use open technologies as a tool for expression and how

to connect people and machines in more meaningful ways.

Paulo Henrique Pessoa “Ganso” Artista gráfico,

designer de luminárias, diretor de arte, colecionador

de coleções. Graphic artist, designer of lamps, art director,

collector of collections.

Pedro David Nasceu em Santos Dumont, MG,

1977. Vive e trabalha em Nova Lima e Belo Horizonte.

Fotógrafo/artista visual, jornalista pela PUC Minas,

cursou pós-graduação em artes na Escola Guignard

(UEMG). Publicou os livros "Paisagem Submersa", "O

Jardim" e "Rota Raiz". Born in Santos Dumont, MG, 1977.

He lives and works in Nova Lima and Belo Horizonte and

is a Photographer/Visual Artist, journalist from PUC Minas

and graduate degree from the Guignard Art School (UEMG).

He has published the books "Underwater Landscape", "The

Garden" and "Route: Root".

Rodrigo Minelli Artista, professor e curador,

idealizador de projetos coletivos de experimentação e

reflexão sobre arte eletrônica como o “FAQ” e Festival

“Arte.mov”. Artist, Professor and curator. He is the creator

of collective projects of experimentation and reflection on

electronic art such as the "FAQ" and "Arte.mov" Festival.

Rosângela Rennó Nasceu em Belo Horizonte, 1962.

Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Formou-se em Artes

Plásticas pela Escola Guignard e em Arquitetura pela

UFMG. É doutora em Artes pela Escola de Comunicações

e Artes da USP. Born in Belo Horizonte, 1962. She lives and

works in Rio de Janeiro and has graduated in Fine Arts at the

Guignard School and in Architecture at the Federal University

of Minas Gerais. She is a Ph.D. in Arts from the School of

Communications and Arts at USP.

Thais Mol Finalmente incorporou a ideia do eterno

retorno e está feliz vivendo em Belo Horizonte. Tira

da moda o sustento e seu currículo há mais de 15

anos. Para equilibrar com as temáticas fashionistas,

tem se desavergonhado pelo vídeo em pesquisas sobre

envelhecimento e morte. She has finally incorporated the idea

of the “eternal return” and is happy living in Belo Horizonte.

From fashion she gets her sustenance and her resume for over

15 years. To balance with the fashion themes, she has been

working also with video in her research on aging and death.

Xande Perocco Azucrinista que fAZ questão de

perder seu tempo entre desenhar letra, e avacalhar tudo

que é possível como seu alter-ego Azucrina! Azucrinist

who makes sure to waste his time between drawing letters and

messing up everything possible as his alter-ego Azucrina!

Xico Sá Jornalista e escritor. É colunista e mantém um

blog diário na Folha. É autor de “Big Jato”, "Modos de

Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá", entre

outros livros. Na TV, participa dos programas "Cartão

Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). He is a journalist

and writer. He's a columnist and keeps a daily blog at Folha.

He is the author of "Big Jato", "Modos de Macho & Modinhas

de Fêmea" and "Chabadabadá", among other books. On TV, he

participates in the shows Cartão Verde and Saia Justa.


“Being Different (Why is She so Different?)”

Anna Oppermann, 1970-1986



"Mechanical Head

[The Spirit of Our Age]",

Raoul Hausmann, 1920

Respostas criativas a um século de acúmulos


O

que acontece com as coisas quando

elas acabam? Inúmeros artistas

e pensadores das mais diversas

áreas do conhecimento diriam que

as coisas, depois que acabam, continuam.

E como defendem alguns deles, continuam

mais plenas, porque livres do caráter de funcionalidade

que lhes foi imputado de nascença.

Objetos do cotidiano podem, então, ter sua

função original transcendida e virar história,

significado, lastro, memória, obra de arte.

De dadaístas a contemporâneos, do extremo

oriente ao Brasil, não são poucos os nomes

no panorama da produção artística e crítica

que incorpor(ar)am em suas criações e pesquisas

a reutilização do que já não tem uso,

o emprego do precário, o reaproveitamento,

a requalificação e reorganização de objetos já

desprovidos de seu sentido primeiro.

Diferentes gerações de artistas têm utilizado

como matéria prima e fonte de inspiração os

resíduos da sociedade de consumo, valendo-se

da acumulação, do colecionismo, da arquivação

como impulso criativo. Porque só retendo o

que já é, conforme a lógica de mercado, apto

ao descarte, é que se tem a possibilidade de

subverter a ideia de “útil” e, finalmente, o

imperativo do consumo.

Dadaístas e acumuladores

Kurt Schwitters, figura central do Dadaísmo,

nas primeiras décadas do século passado, foi

um dos pioneiros na ressignificação do objeto

comum. A ideia de acumulação é pilar em

seus trabalhos, desde as assemblages utilizando

tickets de ônibus, objetos encontrados

Merzbau: a obra do alemão Kurt Schwitters traz consigo o

panorama de um período na história em que já vicejava a

obsolescência – se não como hoje, ao menos como esboço.

e recortes de jornais, até no que é considerada

sua principal realização, o “Merzbau”.

Trata-se de um híbrido entre instalação,

escultura e performance, que consistiu na

reorganização, ao longo de 15 anos (entre

1923 e 1937) de um apartamento, com tudo

que havia dentro, sem que nada fosse descartado,

mas com um rigoroso deslocamento

de função ou encaixe sistêmico de cada parte.

O edifício que abrigava a obra terminou por ser

destruído em um bombardeio aliado em 1943.

Em meados da década de 60, o francês

Arman funda o movimento do Nouveau

Réalisme juntamente com Yves Klein e

Jean Tinguely, dentre outros. Influenciado

por uma exposição de Schwitters ocorrida

em 1954, o artista vai progressivamente abandonando

a pintura bidimensional para realizar

suas séries mais notáveis, “Accumulation”

23


e “Poubelle” (do francês: lixeira). As “Acumulações”

consistiam de objetos comuns idênticos,

organizados em caixas de madeira, que se

transformavam em quadros. Arman afirmava

que as obras surgiam insconscientemente de

uma obsessão em colecionar coisas, hábito

herdado da mãe. Suas coleções de relógios,

câmeras, sapatos, instrumentos musicais e

bonecos transfiguravam-se em trabalhos que

sugeriam uma abstração pela repetição.

Assim como muitos de seus contemporâneos

no país, ela passou a reter objetos como

autodefesa ante o período de privações, evitando

descartar tudo que pudesse ter algum

uso no futuro. A obra de Dong evidencia

não só as cicatrizes de um período histórico

caro ao povo chinês, mas o intenso resgate da

memória que pode emergir de uma coleção

aparentemente banal, estabelecendo uma

desconcertante aproximação entre questões

gerais e locais, coletivas e pessoais, a partir de

objetos ordinários.

Colecionismo pop

"Infinity of Typewriters", obra de Arman (1962)

Memória ressignificada

O legado materno também serviu de fonte

criativa para o chinês Song Dong em sua

monumental instalação “Waste Not”, apresentada

pela primeira vez no MoMA em

2009. O trabalho consiste na disposição dos

mais de 10.000 itens compulsivamente acumulados

por sua mãe enquanto viva, obsessão

consequente da escassez de recursos durante

o “Grande Salto Adiante” de Mao Tsé-Tung,

entre 1958 e 1960. A desastrosa campanha,

que pretendia desenvolver a economia da

China em tempo recorde, resultou não só

em 20 milhões de mortos, mas também em

distúrbios como o da supracitada senhora.

Inúmeros criadores internacionais trilham os

caminhos da acumulação como crítica a uma

cultura de produção excessiva de resíduos

ou simplesmente opção estética. Da Índia

emergente, despontam nomes como Subodh

Gupta – que esculpe com centenas de panelas de

cozinha minuciosamente organizadas –

e Krisnajarad Chonat, que em 2011 apresentou

na mostra Paris-Delhi-Bombay (Centre

George Pompidou, Paris) a obra “My hands

smell of you”, uma enorme assemblage de

mouses, teclados e outros eletrônicos descartados.

Também o britânico Wayne Chisnal,

com suas esculturas de sucata, e a holandesa

Marjan Teeuwen, que cria e fotografa instalações-cenários

reproduzindo ambientes que

poderiam pertencer ao mais obstinado dos

acumuladores, parecem negar toda forma de

minimalismo para exacerbar o eterno ciclo de

uso e desuso das coisas.

Mas não é preciso ir tão longe, do outro

lado do Atlântico, a um velho mundo tão

mais acossado pelo peso de seu próprio passado,

tão mais repleto das coisas que já não

são mais, para flagrar profícuos exemplos de

artistas sucateiros – esse campo estético que

24

* ARTISTAS SUCATEIROS ARTISTAS *


" Archief 5 ", de Marjan Teeuwen (2011)

"Waste Not", de Song Dong, no Museum of Modern

Art, New York, 2006. Foto: Andrew Russeth


parece ser trincheira contra o consumismo

e que propõe questões que vêm desde

Duchamp e passam tanto pela psicanálise

quanto pela política.

No Brasil, já na década de 60, o genial Farnese

de Andrade (1926-1996), mineiro radicado

no Rio, passou a criar obras a partir materiais

descartáveis naturais e industriais que recolhia,

como brinquedos destruídos, estatuetas de

santos, cacos de vidro, conchas, mariscos e

outros rescaldos marinhos. Também utilizava

móveis adquiridos em antiquários,

depósitos, brechós ou mesmo catados na rua.

Fotografias antigas, inclusive de sua própria

família, constituem outro elemento de sua

obra, em que fica evidente o peso simbólico

de peças antigas como elo entre passado,

presente e futuro.

Jac Leirner - "Todos os Cem (Lista de compras)", 1998

Coleção particular. Foto: Eduardo Ortega

Cortesia Galeria Fortes Vilaça

Os processos de realização da paulistana Jac

Leirner também implicam um longo tempo

de coleta de objetos ordinários, normalmente

ligados ao sistema de consumo. Esses objetos,

retirados de seu lugar original e inseridos

no circuito artístico, passam a sugerir

novos significados. Jac pode, atuando como

colecionadora, gastar até quinze anos para

acumular o que acha necessário para uma

obra. Na década de 80, ela realizou uma série

de trabalhos com papel-moeda. Em “Os Cem”

(1987), valeu-se de notas de 100 cruzeiros.

As cédulas foram furadas, presas em longas

tiras e espalhadas pelo chão. Já em “Corpus

Deliciti” (1985-1993), a artista reuniu objetos

que, digamos, pegou à revelia de consentimento

em aviões de carreira, como cinzeiros,

copos, cobertores e outros.

De Sara Ramo já se disse que “se apropria de

elementos e cenas do cotidiano, deslocando-as

de seus lugares de origem e rearranjando-os

em vídeos, fotografias, colagens, esculturas

e instalações. Ramo investiga o momento

em que os objetos param de fazer sentido na

vida das pessoas para criar situações em que

a calma e a ordem se perdem”. Dentre muitos

exemplos da forma intrigante e sensível com

que Sara lida com esses objetos em sua obra,

estão a instalação “Jardim das Coisas do

Sótão” (2004) e o vídeo “Traslado” (2008),

em que a própria artista encena o esvaziamento

de uma mala contendo um número de

“tranqueiras” que parece nunca acabar. A artista

parece nos provocar: o quê e quanto nos

interessa guardar de cada mudança na vida?

A acumulação e reorganização de coisas também

está na base do trabalho de Márcia X (1959-

2005), com temas (ou obsessões?) muito

bem delineados. Utilizando objetos eróticos,

brinquedos infantis e ícones religiosos – grande

parte deles garimpada na tradicional feira do

Troca-Troca, na Praça XV, no Rio de Janeiro –

suas performances e instalações eram marcadas

pela relação sexo/infância, em que objetos pornográficos

são transformados em brinquedos infantis

e estes, em objetos eróticos. O movimento,

26

* ARTISTAS SUCATEIROS ARTISTAS *


Díptico "Baño", de Sara Ramo: mapeamento de uma realidade caótica

aplicado pelo uso de circuitos eletrônicos

em suas esculturas, evidencia a percepção do

objeto como um corpo vivo.

Artistas sucateiros

Com o trânsito fluido e impreciso entre

artista e sucateiro, há o caso exemplar de

Arthur Bispo do Rosário. Em determinado

momento de sua longa trajetória de mais de

50 anos como interno da Colônia Manicomial

Juliano Moreira, localizada no subúrbio

de Jacarepaguá (RJ), sob o diagnóstico de

esquizofrênico e paranoico, ele passou a

produzir objetos com diversos tipos de

materiais oriundos do lixo. Entre os temas,

destacam-se navios (recorrente devido à sua

relação com a Marinha na juventude), estandartes,

faixas de misses e objetos domésticos.

Bispo terminou por alcançar reconhecimento

póstumo, com sua obra sendo elevada à categoria

de arte vanguardista e frequentemente comparada

à de Marcel Duchamp. Ele foi o grande

homenageado da Bienal de São Paulo em 2012.

Nessa mesma linha, é impossível não citar

parte da obra de Vik Muniz. Suas esculturas

feitas com milhares de peças descartadas,

minuciosamente dispostas em proporções

enormes, transformam-se em imagens

fotográficas de aves, peixes e personagens

humanos literalmente compostos por sucata.

A função em Baudrillard

A questão do colecionismo, da acumulação

e da reorganização sistêmica de coisas ecoa

no campo da filosofia aplicada às mais diversas

áreas. O teórico francês Jean Baudrillard

sugere que os objetos passam continuamente

do enfoque funcional para o simbólico

dentro de um determinado sistema cultural.

Ele afirma que os objetos possuem significados

imanentes e que o próprio adjetivo “funcional”

não está ligado apenas à finalidade prática

das coisas, mas também à sua capacidade de

fazer parte de um jogo de relações. Tais ideias

estão expressas em seu Sistema de Objetos.

Arthur Bispo do Rosário, "Lutas" (1938-1982).

Foto © Rodrigo Lopes/Museu Bispo do Rosário 27


No livro, Baudrillard enfoca também o lugar

da coisa antiga, já desprovida de função. A importância

das antiguidades se dá justamente

na medida em que contradizem o raciocínio

funcional para cumprirem um propósito de

outra ordem: a sobrevivência do tradicional

e do simbólico através do testemunho, da

lembrança, da nostalgia e da evasão. Em sua

dissertação de mestrado em design para a

Universidade Federal do Paraná, o pesquisador

Marcos Beccari aponta que “para Baudrillard,

o homem não se sente em casa no meio funcional,

justificando assim a presença necessária

do objeto antigo como um reorganizador do

mundo e, simultaneamente, um álibi que

preserva o foro íntimo daquele que o possui.

Enquanto o objeto funcional refere-se à

atualidade e se esgota na cotidianidade, o

objeto antigo aparece (tanto ao nível dos objetos

quanto dos comportamentos e das estruturas

sociais) como uma dimensão regressiva que,

embora testemunhe um relativo fracasso do

sistema, paradoxalmente o faz funcionar”.

Na prática que a teoria sustenta, evitar o descarte

e o consumo de novos bens a que o mercado

e o próprio sistema impelem será sempre mais

do que simplesmente acumular tralhas. É só

uma questão de olhar de novas maneiras para

cada coisa que nos cerca e “garimpar” nelas

o valor simbólico apontado por Baudrillard.

Nada está perdido. DB / FP

Sucateiros artistas

Numa via contrária mas não muito distante

dos artistas sucateiros, haverá sempre os sucateiros

artistas. A mídia se encarrega de, vez

ou outra, trazer alguns deles à tona. É o caso

de Wagner Agnaldo de Souza, um vigilante

de Samambaia, no Distrito Federal, que há

dez anos reaproveita sucata para fazer enfeites

como relógios, guitarras e motos. Os preços

das peças, vendidas em uma feira da região,

variam entre R$ 40 e R$ 600. Geralmente

retirado de veículos, enxadas e panelas, o

material que ele emprega em suas obras é

recolhido nas ruas ou doado por vizinhos.

A habilidade para transformar ferro, plástico,

madeira e vidro em arte surgiu ainda na

infância. O vigilante conta que fez todos os

brinquedos dele e das seis irmãs com material

encontrado nas ruas.

É compreensível que o Brasil seja um solo fértil

para sucateiros artistas, por suas peculiaridades

culturais, mas assim como os artistas

sucateiros, seus contrapartes têm geografia

vasta. O fazendeiro chinês Wu Yulu ficou

famoso em todo o mundo depois de inventar

e construir 47 robôs com ferro velho no

quintal de sua casa. Os robôs desempenham

tarefas variadas, como pular, pintar, beber,

massagear e até levar o dono em um riquixá,

aquele típico veículo chinês que é puxado por

uma pessoa. Depois de um longo período

de dívidas e descrédito, motivados por sua

obsessão, ele foi convidado a exibir mais de

30 de seus robôs na Feira Mundial de Artes

de Xangai.

Foto: www.jingdaily.com

28

* ARTISTAS SUCATEIROS ARTISTAS *


Creative responses to a century of accumulation

What happens to things when they are used up? Numerous

artists and thinkers from various fields of knowledge

would say that things, after their end, continue. And as

argued by some, they continue more fulfilled, because

they are free from the character of functionality attributed

to them at birth. Everyday objects can, then, have their

original function transcended and become history,

meaning, ballast, memory, work of art.

From Dadaists to contemporaries, from the Far East

to Brazil, there are no few names in the panorama of

artistic and critical production that incorporate in their

creations and research the reuse of what no longer has

use, the employment of the precarious, the rehabilitation

and reorganization of objects already devoid of their first

meanings.

generations of artists have used the waste of consumer

society as raw material and source of inspiration, taking

advantage of accumulation, collecting and archiving as a

creative impulse. Because only by retaining what already

is, according to the logic of the market, appropriate for

disposal, do you have the ability to subvert the idea of

"useful " and, finally, the imperative of consumption.

Dadaists and hoarders

Kurt Schwitters, the central figure of Dada in the early

decades of the last century, was a pioneer in the redefinition

of the common object. The idea of accumulation is central

in his work, from his assemblages using bus tickets, found

objects and newspaper clippings, to what is considered

his main achievement, the "Merzbau". This is a hybrid

between installation, sculpture and performance, which

consisted in the reorganization, for over 15 years (between

1923 and 1937) of an apartment, with everything that

was inside, without anything being discarded, but with a

strict displacement of function or systemic fitting of every

part. The building that housed this piece ended up being

destroyed in an Allied bombing in 1943.

In the mid 60s, the French Arman founded the Nouveau

Réalisme along with Yves Klein and Jean Tinguely,

among others. Influenced by an exhibition of Schwitters

that occurred in 1954, the artist progressively abandons

the two-dimensional painting to make his most notable

series: "Accumulation" and "Poubelle" (French: trash). The

"Accumulations" consisted of identical common objects

arranged in wooden boxes which turned into paintings.

Arman claimed his works arose unconsciously from an

obsession with collecting things, a habit inherited from

his mother. His collections of watches, cameras, shoes,

musical instruments and dolls transfigured into works that

suggested an abstraction achieved by repetition.

Resignified memory

The maternal legacy also served as a creative source for

the Chinese Song Dong in his monumental installation

"Waste Not", first presented at MoMA in 2009. The

work consists of the exhibition of the more than 10,000

items compulsively accumulated by his mother while

she was alive, an obsession consequent to the scarcity of

resources during the "Great Leap Forward" of Mao Tse-

Tung, between 1958 and 1960. The disastrous campaign,

which aimed to develop China's economy in record

time, not only resulted in 20 million deaths, but also in

disorders like the one of the aforementioned lady. Like

29


many of her contemporaries in the country, she became an

object holder as a self-defense developed in the period of

deprivation, avoiding discarding anything that could have

some use in the future. The work of Dong highlights not

only the scars of a historical period costly to the Chinese

people, but also the intense rescue of memory that can

emerge from a seemingly trivial collection, establishing a

disruptive approach between local and general as well as

collective and personal issues raised from ordinary objects.

Pop collectionism

Numerous international designers tread the paths of

accumulation as criticism of a culture of excess waste

production or simply by aesthetic choice. From the

emerging India, there are names like Subodh Gupta - who

sculpts with hundreds of kitchen cookware thoroughly

organized - and Krisnajarad Chonat, who in 2011

presented in the Paris- Delhi –Bombay show (Centre

George Pompidou, Paris) the work "My hands smell of

you", a huge assemblage of mouses, keyboards and other

discarded electronics. Also, the British Wayne Chisnal,

with his sculptures of scrap, and the Dutch Marjan

Teeuwen, who creates and photographs installationsscenarios

reproducing environments that could belong to

the most obstinate of accumulators, seem to deny all forms

of minimalism to exacerbate the eternal cycle of use and

disuse of things.

But we don’t need to go as far, on the other side of the

Atlantic, to an old world so much harassed by the weight of

its own past, much more full of things that are no longer, to

catch some prolific examples of scrap artists - this aesthetic

field that seems to be a trench against consumerism and

proposes questions that come from Duchamp and touches

both psychoanalysis and politics.

In Brazil, already in the 60s, the genial Farnese de

Andrade (1926-1996), a man from Minas Gerais based

in Rio, began to create pieces from natural and industrial

disposables that he gathered, such as destroyed as toys,

statuettes of saints, broken glass, shells, shellfish and other

marine embers. He also used antique furniture that he

would acquire in deposits, thrift stores or even picked up in

the street. Old photographs, including of his own family,

are another element of his work, in which the symbolic

weight of antiques as a link between past, present and

future is evident.

The processes of realization of Jac Leirner, an artist from

São Paulo, also imply a long time for the collection of

ordinary objects, usually linked to the consumption

system. These objects, removed from their original place

and inserted into the art circuit, start to suggest new

meanings. Jac can, acting as a collector, spend up to fifteen

years to accumulate what she thinks is necessary for the

work. In the 80s, she held a series of works made with

paper money. In "The Hundred" (1987), she used notes of

100 cruzeiros. They were perforated, fixed in long strips

and scattered on the floor. In "Corpus Deliciti" (1985-

1993), the artist assembled objects, say, caught in default of

agreement from airliners, such as ashtrays, cups, blankets

and other things.

About Sara Ramo it has been said that she " appropriates

elements and scenes of everyday life, displacing them from

their places of origin and rearranging them in videos,

photographs, collages, sculptures and installations. Ramo

investigates the moment in which objects stop making

sense in people's lives to create situations where calm and

order are lost." Among many examples of the sensitive

and intriguing way that Sara deals with these objects in

her work are the installation "Garden of the Attic Stuff "

(2004 ) and the video "Ride" (2008 ), in which the artist

herself enacts the emptying of a bag containing an amount

of "junk " that seems to never end. The artist seems to

provoke us: what and how much we care to save from every

change in life?

The accumulation and reorganization of things is also the

basis for the work of Marcia X (1959-2005), with themes

(or obsessions?) that are well delineated. Using erotic

objects, children’s toys and religious icons - most of them

gotten in the traditional fair on the XV Square in Rio de

Janeiro - her performances and installations were marked

by the relation sex/childhood, in which porn objects are

turned into toys and these in erotic objects. The movement,

achieved by the use of electronics in her sculptures, shows

the perception of the object as a living body.

30

* ARTISTS SCRAP ARTISTS *


Scrap artists

With a flowing and imprecise traffic between artist and

wrecker, there is the exemplary case of Arthur Bispo do

Rosário. At one point in his long career of more than 50

years as an intern in the mental health institute Juliano

Moreira located in the suburb of Jacarepaguá in Rio

de Janeiro, under the diagnosis of schizophrenic and

paranoid, he began to produce objects with different types

of materials from trash. Among the themes, ships stand

out (recurring due to its relationship with the Navy in his

youth), banners, misses’ bands and household objects.

Bispo ended up achieving posthumous recognition, with

his work being elevated to avant-garde art and often

compared to that of Marcel Duchamp. He was greatly

honored at the Bienal de São Paulo in 2012.

Along the same lines, it is impossible not to mention part

of the work of Vik Muniz. His sculptures made from

thousands of discarded pieces, carefully arranged in huge

proportions, become photographic images of birds, fish

and human characters literally composed of scrap.

The function in Baudrillard

The issue of hoarding, accumulation and systemic

reorganization of things echoes in the field of philosophy

applied to various areas. The French theorist Jean

Baudrillard suggests that objects continually pass from the

functional to the symbolic realm within a given cultural

system. He claims that objects have imanente meanings

and that the very adjective "functional" is not just linked

to the practical purpose of things, but also to their ability

to take part in a game of relationships. These ideas are

expressed in his “The System of Objects”.

In this book, Baudrillard also focuses on the place of

antique stuff, now already devoid of its function. The

importance of antiques occurs, precisely, in that it

contradicts the reasoning function to fulfill a purpose

of another order: the survival of the traditional and the

symbolic through testimony, remembrance, nostalgia

and evasion. In his dissertation in design to the Federal

University of Paraná, the researcher Marcos Beccari points

out that "to Baudrillard, men don’t feel at home amongst

the functional, thus justifying the necessary presence

of the antique object as a reorganizer of the world and,

simultaneously, an alibi that preserves an intimacy of the

one who owns it. While the functional object refers to the

current and is depleted by the everydayness, the old object

appears (both in terms of objects and also in behaviors and

social structures) as a regressive dimension that, although

witness to a relative failure of the system, paradoxically

makes it work".

In practice this theory holds, to avoid the disposal and

consumption of new goods that the market and the

system itself impel will always be much more than simply

accumulating junk. It's just a matter of new ways of

looking to everything around us and ”mining” from them

the symbolic value pointed out by Baudrillard. Nothing

is lost.

Artist scraps

In the opposite direction but not far from the scrap artists,

there will always be the scrap artists. The media is responsible

for, occasionally, bringing some of them to the surface. This

is the case of Wagner Agnaldo de Souza, a vigilant from

Samambaia, in the Federal District, who for ten years now

recycles scrap metal to make ornaments and watches, guitars

and motorcycles. The prices of the pieces, sold at a fair in the

region, ranges from R$ 40 to R$ 600. Usually taken from

vehicles, spades and pans, the material he uses in his work is

collected in the streets or donated by neighbors. The ability

to transform iron, plastic, wood and glass into art originated

in childhood. The vigilante says he made all his and his six

sisters’ toys with material found on the streets.

It is understandable that Brazil is a fertile ground for scrap

artists, for its cultural peculiarities, but just like the scrap

artists, their counterparts have vast geography. Chinese

farmer Wu Yulu became famous around the world after

inventing and building 47 robots in his backyard with old

iron. These robots perform various tasks, such as jumping,

painting, drinking, massaging and even leading the owner

to a rickshaw, that typical Chinese vehicle that is pulled

by a person. After a long period of debt and discredit,

motivated by his obsession, he was invited to display more

than 30 of his robots at the World Arts Fair of Shanghai.

* ARTISTS SCRAP ARTISTS * 31



Menos

valia

[leilão]

Rosângela Rennó

Várias são as razões que levam os objetos ao abandono: o excesso

de uso e desgaste, a obsolescência natural ou programada, um

desaparecimento involuntário ou a simples perda de interesse

do proprietário em possuí-lo. Entretanto, o que os leva de volta

ao mercado, através das feiras de artigos de segunda mão, é a

certeza de que algum valor, mesmo que improvável, possa lhes

ser atribuído, sempre.

O projeto Menos-valia [leilão] foi constituído por um

conjunto de 73 desses objetos pertencentes ao universo

fotográfico, encontrados e adquiridos em diversas feiras, e

sua “denominação de origem” – inscrita, fisicamente, em cada

um deles – é tão importante quanto sua própria natureza.

Por meio de um longo processo de seleção, recomposição e

recondicionamento, transformação, recontextualização e

exposição, essas peças passaram por sucessivas agregações

de valor material e simbólico até seu destino final: um leilão

dentro de um espaço institucionalizado da arte.

O conjunto foi exposto na XXIX Bienal de São Paulo e

leiloado, lote por lote, pelo leiloeiro oficial Aloisio Cravo, no

dia 9 de dezembro de 2010, no próprio pavilhão da Bienal.

Cada comprador recebeu o certificado de propriedade de

uma parte do projeto Menos-valia [leilão] e, dessa maneira, a

incluiu em sua coleção de arte.

Livro: "Rosângela Rennó". Textos:

Moacir dos Anjos, Lucia Capanema,

Maria Angélica Melendi e

Cuauhtémoc Medina. São Paulo:

Cosac Naify, 2012 336 pp., 154 ils

Fotos: © Edouard Fraipont

No campo das ideias, esse projeto deve ser compreendido,

também, como exemplo de “recuperacionismo ativo de

transformação” – devidamente ancorado na Ruinologia –,

prática já bastante consolidada nos territórios da ética e da

estética contemporânea.

33



MInUs valUE

[AUCTION]

Rosângela Rennó

Objects are abandoned for several reasons: because they

have been worn and torn, because of a natural or planned

obsolescence, involuntary disappearance, or simple loss of

interest. However, what brings them back into circulation,

in the market for used goods, is the certainty that some

value, even if it seems unlikely, can always be attributed

to them.

The project Minus-Value [Auction] comprised a collection

of 73 objects, all belonging to the world of photography,

found and purchased in various flea markets, whose

“designation of origin” – inscribed on each of them – is as

important as their nature.

Through a long process of selection, recomposition and

reconditioning, transformation, recontextualization

and exhibition, these objects underwent successive

aggregations of material and symbolic value along the

way to their final destination: an auction held in an

institutionalized art space.

The collection was exhibited at the XXIX São Paulo Bienal

and auctioned, object by object, by Aloisio Cravo, official

auctioneer, on December 9, 2010, in the Bienal pavilion

itself. Each buyer received a certificate of ownership of

of part of the Minus-Value Auction] project and, in this

manner, included it in their art collection.

In the field of ideas, this project should be understood,

also, as an example of “active recuperation transformation”

– properly anchored in Ruinology – a practice already

well-established in the areas of ethics and contemporary

aesthetics.

35


Coisas Que

Caem do Céu

Things Falling From The Sky

Mudei-me

para um apartamento térreo

com duas áreas privativas,

cimentadas.

Logo percebi pequenas coisas

Que todos os dias,

aparecem sobre o chão

Coleciono-as.

i

I

I moved my home

to a ground level apartment

with two private

cemented areas

Soon I noted

Small things appearing

everyday in the ground

Some recur

I collect’ em

por PedroDavid


37


38

* COISAS QUE CAEM DO CÉU *


* THINGS FALLING FROM THE SKY * 39


40

* COISAS QUE CAEM DO CÉU *


* THINGS FALLING FROM THE SKY * 41


42


Encaixotando

os amores perdidos

Xico Sá

Por causa de uma mudança, estive um

pouco ausente aqui do nosso banco de praça.

Mudar de casa é uma trabalheira.

Só não é mais complicado do que mudar

de sexo. Ou mudar de mulher. Ou mudar de

marido.

No que o DJ imaginário solta a trilha

“Mudanças”, clássico da Jovem Guarda

da Vanusa. A musa recomenda: revirar

gavetas, sentimentos e ressentimentos tolos

etc. Estou dentro.

Mudar é bronca, mesmo no meu caso,

que farei a menor mudança do mundo: apenas

um gato e um pendrive com as crônicas do

amor louco para eventuais reciclagens.

Perdão, minha mulherzinha amada,

levarei também os vinis Burt Bacharach –

atenção que o cara faz show sábado em São

Paulo, imperdível. Burt Bacharach para

dançar de rostinho colado.

O pior da mudança, mesmo com o meu

desapego adquirido com a práxis cigana –não

com as ilusões do orientalismo de boutique-,

é tropeçar nos objetos que marcaram, de

alguma forma, os ex-amores.

Sem se falar nas cartas no fundo daquela

gaveta esquecida, caligrafia caprichada de

moça que ama, os beijos de batom impressos

para sempre, as promessas, venho por meio

desta… Uma romana me mandou uma

fábula de Morávia…

Os utensílios do lar também falam

alto, repetem antigas declarações, nos

lembram velhas dores mumificadas. Aquele

escorredor de macarrão que matou nossa

fome dominical com TV a cabo e DVDs

incompreensíveis.

Desapego. Cavaleiro solitário vende/

doa tudo.

Viva mais um ritual de passagem e

mudança. Aqueles lençóis que encobriram

nosso desamor final e nossa preguiça de

segunda-feira, nossa inércia, o edredon que

abafou e adiou o “the end” e os créditos

finais do nosso filme.

Solta a voz, Vanusa!

E como a gente guarda coisas que

nem sabia tê-las. Assim como cartas,

papéis avulsos, recortes sentimentais que

julgávamos esquecidos. Qual o quê, basta

uma polaroide borrada da Cindy para

rebobinar um amor que não houve.

É mandar tudo para a feira Benedito

Calixto dos amores perdidos ou para a rua

do Lavradio das paixões rústicas, trincadas

e envelhecidas.

Mudança é trabalheira por dentro e

por fora.

Vamos nessa. Um passo à frente e você

não está mais no mesmo lugar, já dizia o

filósofo do mangue.

43


Xico Sá

Because I was moving I've been a bit absent here in our

park bench. Moving home is a hassle.

It is just less complicated than performing gender change.

Or switch wives. Or switch husbands.

As my imaginary DJ launches the track "Mudanças", a

classic by the Velha Guarda movement artist Vanusa.

The muse recommends: to roll drawers, foolish feelings,

resentments and so on. I am in.

Change is scolding, even in my case; I will make the

slightest change in the world: only a cat and a pendrive

with chronics of crazy love for eventual recycling.

Excuse me, my beloved little wife, I'll also bring the Burt

Bacharach discs - note that the guy has a show on Saturday

in Sao Paulo, unmissable. Burt Bacharach to dance face

to face.

The worst change, even with my detachment acquired

with gypsy praxis – not with the Orientalism-boutique

illusions, is tripping over objects that marked, somehow,

my former lovers.

Without speaking about the letters at the bottom of that

forgotten drawer, neat handwriting of a girl who loves,

the lipstick kisses print forever, promises, I come through

this... A Roman sent me a Moravian fable...

The household utensils also speak loudly, repeating old

statements that remind us of old mummified pain. That

pasta drainer that helped us kill our hunger on a Sunday

with cable TV and incomprehensible DVDs.

Detachment. Lone Rider sells/donates it all.

Live one more rite of passage and change. Those sheets

that hid our final lovelessness and our Monday laziness,

our inertia, the blanked that stifled and postponed the "the

end" and the final credits of our film.

Unleash your voice, Vanusa!

And how we keep things we did not even know we had

them. Such as letters, loose papers, sentimental clippings

we thought were forgotten. Now what, just a blurry

Polaroid of Cindy is enough to rewind a love that wasn’t.

It is to send everything to the fair of Benedito Calixto of

lost loves or to the Lavradio street of rustic, cracked and

aged passions.

Change is hassle inside and out.

Let’s go. One step ahead and you are no longer in the same

place, used to say the philosopher of the swamp.

44


por Paulo Henrique Pessoa “Ganso”


Gravura de Ferrante Imperato "Dell'Historia

Naturale" (Nápoles, 1599): a primeira

ilustração de um gabinete de história natural


O

GABINETE

DE

CURIOSIDADES


Pintura a óleo do pintor italiano

Domenico Remps, idos de 1690

P

ouco se pensa a respeito, mas os

museus, que em boa parte dos

casos guardam o passado (excetuados

estão, naturalmente,

os que se dedicam à arte contemporânea),

também têm passado. Menos vinculados à

estética e à fruição do belo do que à ciência e

ao descobrimento, os Gabinetes de Curiosidades

ou Quartos das Maravilhas escrevem

essa pré-história dos museus. Ambas as

denominações, com toda a incontornável

carga poética que carregam, expressam o

esforço de quem empreendeu rumo ao desconhecido

na época das grandes explorações e

descobrimentos dos séculos XVI e XVII.

Exploradores que cruzavam os mares e as

terras colecionavam objetos raros ou estranhos

dos três ramos em que era dividida a biologia

na época: animalia, vegetalia e mineralia.

Também entravam no rol desse exercício

colecionista as realizações humanas, naturalmente

as que eram estranhas aos olhos

de quem as colecionava, já que falamos de

“descobridores” e suas “descobertas” (as aspas

chamam a atenção para o quão relativa é essa

dinâmica de quem descobriu o quê).

Os Gabinetes de Curiosidades eram

normalmente uma exposição de coisas

exóticas e achados procedentes

das novas explorações ou de instrumentos

tecnicamente avançados,

como foi o caso da coleção do czar Pedro,

o Grande, que elevou a Rússia a uma outra

janela de pensamento ao retornar de uma expedição

pelos Países Baixos, de onde trouxe

cartas topográficas, livros e invenções de

48

* O GABINETE DE CURIOSIDADES *


" Trinity - Pharmacology, Physiology,

Pathology, 2000" - Damien Hirst, 2000

© Hirst Holdings Limited and Damien Hirst.

All rights reserved / Licenciado por AUTVIS,

Brasil, 2013

Os gabinetes tiveram um papel fundamental

para o desenvolvimento da ciência moderna

Isaac Newton, além de mestres, técnicos,

médicos e homens letrados de todas as áreas.

Em outros casos, os Quartos das Maravilhas

eram amostras de quadros e pinturas, como

as que o arquiduque Leopoldo Guillermo

promoveu e que podem efetivamente ser

consideradas como as precursoras dos atuais

museus de arte.

Os gabinetes tiveram um papel fundamental

para o desenvolvimento da ciência moderna,

embora refletissem a opinião popular de seu

tempo – assim, não era raro encontrar coisas

tidas como sangue de dragão secado ou

esqueletos de animais míticos. A edição de

catálogos, geralmente ilustrados, permitia acessar

e difundir o conteúdo para os cientistas

da época. Mesmo em algumas enciclopédias e

dicionários ilustrados da primeira metade do

século XX esse tipo de edição ainda ecoava.

O tema, de modo geral, ainda é explorado

pelo mercado editorial. Bom exemplo é a

coleção “O Gabinete das Curiosidades”, lançado

pela editora Dantes com oito volumes

em 2008. Trata-se de material que vinha

sendo levantado desde 1999.

Cinco dos títulos constituem uma espécie

de “Brasiliana” (termo que, no conceito do

bibliófilo e historiador Rubens Borba de

Moraes, designa livros sobre o Brasil – no

todo ou em parte, impressos ou gravados

desde o século XVI até o final do século XIX,

e os livros de autores brasileiros impressos ou

gravados no estrangeiro até 1808): foram

escritos por boticários, naturalistas e curiosos

nascidos no Brasil no século XVIII com o

intuito de narrar, classificar ou pesquisar

* O GABINETE DE CURIOSIDADES * 49


o território e a natureza brasileira e suas

potencialidades numa época em que o novo

mundo e seus artigos não eram sequer verbetes

consolidados nas enciclopédias. Os outros três

títulos tratam de termos e questões técnicas

que costuram o conjunto das obras.

Os Gabinetes de Curiosidades desapareceram

durante os séculos XVIII e XIX,

sendo substituídos por instituições oficiais e

coleções privadas. Os objetos considerados mais

interessantes ou valiosos foram transferidos

para museus de artes e de história natural que

começaram a ser fundados. Tiveram grande

importância no estudo pioneiro de certas

disciplinas de biologia ao criar coleções de

fósseis, conchas e insetos.

Mas assim como na esfera editorial, o conceito

e a própria conformação dos Quartos

das Maravilhas acabaram reverberando

para além de seu tempo, até a atualidade.

São, por exemplo, referência para a produção

no universo das artes. Vários trabalhos do

controverso britânico Damien Hirst (mais

conhecido por suas exposições de animais

mortos conservados em formol) têm ligação

com a estética dos Gabinetes, como os

“Trinity Cabinets”, que dispõem em estantes

objetos da farmacologia. Nomes como Tim

Holtz e Mark Dion também desenvolvem

trabalhos que dialogam com o tema.

No Brasil, o artista gráfico, designer de produto

e integrante do Coletivo Gambiologia Paulo

Henrique Pessoa “Ganso” já lançou um olhar

sobre o tema com seu “Gabinete de Curiosidades

Jean Baptiste 333” - obra que integrou

a exposição “Gambiólogos”, apresentada em

Belo Horizonte em 2010. DB

“Gabinete de Curiosidades Jean

Baptiste 333”, por Ganso (2010)


Little thought is given to it, but museums, which

in most cases keep the past (except, of course, those

dedicated to contemporary art), also have a past. Less

related to aesthetics and the enjoyment beauty than to

science and discovery, the cabinets of curiosities, or the

Wonder Rooms, write this pre-history of museums. Both

denominations, with all the inescapable poetics they

carry, express the effort of those who embarked into the

unknown at a time of great explorations and discoveries of

the sixteenth and seventeenth centuries.

Explorers who crossed seas and lands collected rare or

strange objects of the three branches that biology was

divided into at the time: animalia, vegetalia and mineralia.

Also entered into the list of this collectionist effort were

those human doings strange to the eyes of those who

collected them, since we speak of "discoverers" and their

"discoveries" (quotation marks draw attention to how

relative is this dynamic of who discovered what).

The Cabinets of Curiosities were usually a display of exotic

things and new findings coming from explorations or

technically advanced instruments, as was the case of the

collection of Tsar Peter, the Great, who raised Russia to

another window of thinking upon his returning from

an expedition through the Netherlands, from where he

brought topographic maps, books and the invention of

Isaac Newton, as well as technical teachers, coaches,

doctors and educated men from all areas. In other cases,

the Rooms of Wonders were samples of pictures and

paintings, such as ones the Archduke Leopoldo Guillermo

promoted and that could effectively be considered as the

precursor of today's art museums.

The cabinets had a key role in the development of modern

science, although they reflected the popular opinion of

their time - so, it wasn’t uncommon to find things taken

as dried dragon's blood or skeletons of mythical animals.

The editing of catalogs, usually illustrated, allowed access

and distribution of content to scientists of the time. Even

in some encyclopedias and illustrated dictionaries from

the first half of the twentieth century this type of editing

still echoed. Generally, the topic is still operated by the

publishing market. A good example is the collection

"The Cabinet of Curiosities", released by the publisher

Dantes in eight volumes in 2008. It deals with material

that had been researched since 1999.

Five of the titles make up a kind of "Brasiliana" (term with

which the concept of the bibliophile and historian Rubens

Borba de Moraes, designates books about Brazil - in whole

or in part, printed or written abroad, from the sixteenth

century until the late nineteenth century; and the books

by Brazilian authors printed abroad until 1808): They were

written by apothecaries, naturalists and curious people

born in Brazil in the eighteenth century with the purpose

of narrating, classifying or researching the Brazilian

territory, its nature and its potential at a time when the

new world and its articles were not even consolidated

entries in encyclopedias. The other three titles deal with

technical terms and link all the other pieces.

The Cabinets of Curiosities disappeared during the

eighteenth and nineteenth centuries, being replaced by

official institutions and private collections. The objects

considered more interesting or valuable were transferred to

art and natural history museums that were being initiated.

They had great importance in the pioneering study of

certain disciplines of biology by creating collections of

fossils, shells and insects.

But as in the editorial scope, the concept and the actual

conformation of the Cabinets ended up reverberating

beyond its time, until today. They are, for example,

reference to production in the world of arts. Several works

of the controversial British Damien Hirst (best known for

his exhibitions of dead animals preserved in formaldehyde)

are connected with the aesthetics of the Room of Wonders,

such as the "Trinity Cabinets", which display objects of

pharmacology on shelves. Names like Tim Holtz and

Mark Dion also develop works that dialogue with it.

In Brazil, the graphic artist, product designer and

member of the Gambiologia collective, Paulo Henrique

"Ganso", have already cast a glance on the topic with his

"Cabinet of Curiosities Jean Baptiste 333" - piece that was

part of the exhibition "Gambiólogos", presented in Belo

Horizonte in 2010.

51


Little great things

During a visual arts workshop taught

at the Red Balloon School, in Belo

Horizonte, students 6 to 9 years old

received a challenge: from a talk on

hoarding, each one should create a set

of objects that featured a collection.

But, with a twist: it would have to fit in

a matchbox! The little ones showed that

creativity has no size nor age.

Pequenas

grandes coisas

por Beatriz Leite

Durante uma oficina de

artes visuais ministrada

na Escola Balão Vermelho,

em Belo Horizonte, alunos

de 6 a 9 anos receberam um

desafio: a partir de muita

conversa sobre colecionismo,

cada um deles deveria

criar um conjunto de

objetos que caracterizasse

uma coleção. Porém,

com uma peculiaridade:

ela teria que caber em

uma caixa de fósforos!

Os pequenos mostraram

que criatividade não tem

tamanho, nem idade.

52


53




56


por Lucas Mafra

57




Proteja

Sua

Coleção

Newton C. Braga

Para os colecionadores de qualquer coisa, proteger

a sua coleção é a coisa mais importante do mundo.

Para os que gostam de mexer com eletrônica, a

possibilidade de se montar o próprio sistema de

proteção para seus preciosos objetos, obtidos com

tanto sacrifício, é algo que atrai. Mais do que isso,

não é tão complicado, pois isso pode ser feito com

componentes comuns e de baixo custo. Baseados

na nossa ampla “coleção” de circuitos, escolhemos

alguns que podem ser muito interessantes para você

proteger os tão valiosos objetos.

C

om tecnologia simples e sensores que podem até ser improvisados, podemos

elaborar alarmes que, apesar disso, são extremamente eficientes. Os circuitos

dados a seguir são apenas um pequeno exemplo do que pode ser feito.

Muito mais pode ser encontrado no site e nos livros do autor.

Alarme Psicológico

O melhor meio de proteger alguma coisa

nem sempre é um alarme que toca quando

o ladrão já está de posse do objeto. Um

meio alternativo que deve ser analisado, é

desestimular qualquer ação de um ladrão

evitando que ele tente qualquer coisa, por

verificar que o objeto ou área se encontra

protegido. Um "engana ladrão" que fará com

que os amigos do alheio se afastem, é o que

descrevemos como nosso primeiro projeto.

Mais vale prevenir do que remediar!

Com esta frase resumimos a proposta de

nosso projeto.

Descrevemos a montagem de um circuito

que consiste simplesmente num pisca-pisca

de LEDs, mas colocado num local bastante

visível, por exemplo, junto ao objeto a ser

protegido, e que possui dois elos de ligação

com esse objeto.

Evidentemente, o circuito não acionará

alarme ou qualquer dispositivo de proteção

real, mas dará a impressão visual de que ele

protege e muito bem o objeto!

Observando o carro antes de uma ação,

o ladrão terá a nítida impressão que o elo

60


feito com fios comuns enlaçando o objeto,

consistem em proteções reais.

Os elos são simples de instalar, já que

podem ser encaixados por meio de plugues

e quando isso é feito, o circuito é ativado

imediatamente fazendo com que os LEDs

pisquem alternadamente.

Na condição de espera, sem os elos (que

podem ser retirados facilmente) o consumo é

praticamente nulo e com os LEDs piscando o

consumo é baixo, o que significa que ele pode

ficar permanentemente ligado.

Para um intruso, tudo vai indicar que

removendo este elo, o alarme vai disparar.

É claro que o aparelho pode também ser

usado em lojas para simular a proteção de

objetos valiosos ou mesmo em passagens para

desestimular a entrada de intrusos.

Como Funciona

O circuito funcionalmente consiste num

multivibrador com dois transistores onde a

freqüência é determinada pelos capacitores

C1 e C2. O montador pode experimentar

capacitores de 1 uF a 22 uF, de modo a obter

a freqüência que desejar para as piscadas.

Quando em funcionamento, os transistores

conduzem alternadamente fazendo com que

os LEDs ligados aos seus coletores pisquem.

Os resistores em série com os LEDs

determinam a intensidade das suas piscadas

e podem ser alterados, mas não muito para

não elevar demais o consumo de energia do

aparelho.

Montagem

Na figura 1 temos o diagrama completo do

"engana ladrão".

Figura 1 – Diagrama completo do alarme psicológico

* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 61


A montagem pode ser feita numa placa

de circuito impresso. Nesta montagem, o

montador deve ter cuidado para não deixar os

terminais dos componentes encostarem uns

nos outros nos pontos em que eles se cruzam.

Também é muito importante observar as

posições dos transistores e as polaridades dos

LEDs e capacitores eletrolíticos. Observe que

a conexão dos elos de proteção é feita através

de bornes.

Na figura 2 temos a disposição dos componentes

numa placa de circuito impresso.

Figura 2 – Montagem numa placa de circuito impresso

A alimentação pode ser feita com 6 V de 4

pilhas comuns ou ainda por uma fonte de 6 V

a 12 V com pelo menos 250 mA.

No entanto, na versão com pilhas o circuito

não deve ficar ligado permanentemente para

não haver desgaste muito rápido da fonte de

energia.

Para testar o aparelho ligue os elos de

proteção e alimente o circuito com 12 V.

Os LEDs devem piscar alternadamente. Se

quiser modificar a freqüência das piscadas

altere os valores dos capacitores C1 e C2.

Lista de Material

• Q 1 , Q 2 , Q 3 - BC548 ou equivalente -

transistores NPN de uso geral

• LED1, LED2 - LEDs vermelhos ou de outra

cor, comuns

• R1, R4, R5, R6 - 1 k ohms - marrom, preto,

vermelho

• R2, R3 - 100 k ohms - marrom, preto,

amarelo

• C1, C2 - 4,7 uF/16V - eletrolíticos

• C3 - 47 uF/16V - eletrolítico

Diversos:

• J1, J2, J3, J4 - bornes comuns isolados

• F1 - 250 a 500 mA - fusível

• Placa de circuito impresso ou ponte de

terminais, caixa para montagem, suporte

para o fusível, elos com plugues para

proteção, fios, solda, etc.

62

* PROTEJA SUA COLEÇÃO *


Alarme de Passagem

Um projeto muito solicitado é o que detecta

a passagem de objetos ou pessoas por um

local. Com a passagem de alguém ou algo um

alarme dispara, e assim permanece por um

tempo que pode ser programado entre alguns

segundos a diversos minutos. Se o leitor está

a procura deste tipo de projeto a versão que

damos é sensível e usa componentes comuns

de baixo custo.

Descrevemos a montagem de um alarme

foto-elétrico de passagem, ou seja, que

detecta a passagem de um objeto por um local

pela interrupção de um feixe de luz.

Bem ajustado e usando alguns recursos

ópticos, o alarme pode proteger corredores,

janelas ou outros locais. Outra aplicação

para o circuito é na detecção de objetos que

eventualmente passem entre os sensores, caso

em que encontramos aplicações industriais

para o circuito.

A sensibilidade obtida é grande graças ao uso

de um LDR como sensor, e a velocidade de

resposta relativamente elevada possibilitando

a detecção da passagem muito rápida de

objetos entre a fonte de luz e o sensor.

O circuito pode funcionar tanto com

alimentação de 6 V como 12 V conforme o

relé, e seu consumo na condição de espera

depende somente da fonte de luz usada. No

nosso caso usamos uma pequena lâmpada

de 6 ou 12 V, mas nada impede que uma

lâmpada ligada à rede de energia seja usada.

Pode também ser usado como emissor

um LED infravermelho e assim o alarme

trabalhará com uma fonte invisível.

Encontramos dois ajustes no projeto. O

primeiro permite ajustar a sensibilidade

do LDR de acordo com a luz ambiente e

a distância que se encontra a lâmpada de

referência. O segundo é o ajuste de tempo,

que determina por quanto tempo o relé vai

permanecer fechado depois da detecção.

Como Funciona

O LDR permanece iluminado por uma fonte

de luz remota. Se algum objeto ou pessoa

interromper a luz que incide sobre o LDR,

sua resistência aumenta por um instante e

com isso, o transistor Q1 que se encontrava

no corte conduz. A corrente de condução em

função da resistência do LDR é ajustada em

P1. Na figura 3 mostramos como o corte de

luz pode ocorrer num alarme.

Figura 3 – Interrompendo o feixe de luz

* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 63


Com a condução de Q1 a tensão no seu

coletor cai por um instante fazendo com que

o pino 2 seja momentaneamente aterrado

via C1. Isso é suficiente para disparar o

555 que se encontra ligado na configuração

monoestável.

Com o disparo, a saída do 555 vai ao nível

alto por um tempo que vai depender do ajuste

de P2 e do valor de C2. Com 100 uF obtemos

tempos que podem chegar a um minuto. Se o

leitor desejar maiores tempos pode aumentar

C2 até 1 000 uF que é um valor razoável.

Ir ao nível alto, significa que a saída do

555 que tinha uma tensão de 0 V passa a

apresentar uma tensão praticamente igual

a da alimentação usada no circuito, 6 V ou

12 V. Essa tensão é suficiente para saturar o

transistor Q2.

Saturado, o transistor aciona o relé ligado

em seu coletor, fechando seus contactos.

Nos contactos do relé podemos então ligar

o dispositivo a ser controlado pela passagem:

uma sirene, buzina ou outro dispositivo que

pode ter alimentação independente.

Na figura 4 mostramos como podemos ligar

ao relé uma campainha alimentada pela rede

de energia ou ainda outra carga que será

acionada pela passagem.

Figura 4 – Conectando o alarme a uma cigarra ou campainha

Montagem

O diagrama do Alarme de Passagem é mostrado na figura 5.

Figura 5 – Diagrama do alarme de passagem

64

* PROTEJA SUA COLEÇÃO *


Nessa figura não mostramos a fonte de

alimentação, já que ela dependerá do relé

usado. Uma sugestão de fonte de alimentação

é mostrada na figura 6.

Se for usada uma lâmpada ligada à rede de

energia para iluminar o sensor, o alarme

pode ser alimentado por pilhas comuns já

que na condição de espera o seu consumo será

muito baixo.

Figura 6 – Fonte de alimentação para o alarme

Figura 7 – Placa de circuito impresso para a montagem

A placa de circuito impresso para o alarme é

mostrada na figura 7.

O LDR é do tipo redondo comum e deve

ser montado num tubinho opaco que ficará

apontado para a lâmpada, conforme mostra

a figura 8.

A lâmpada usada pode ser de 6 ou 12 V,

conforme a tensão de alimentação. Lâmpadas

de lanterna ou de carro com correntes de 50

Figura 8 – Instalação do sensor

* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 65


mA a 500 mA podem ser usadas. É claro

que, quanto mais potente a lâmpada maior

a distância que pode haver até o sensor, mas

também teremos um consumo maior.

Para provar basta alimentar o circuito e

iluminar o LDR. O trimpot P2 deve estar na

posição de mínima resistência.

Em seguida vá ajustando P1 e ao mesmo

tempo fazendo sombra sobre o LDR. No

momento do disparo do relé percebemos isso

pelo ruído de seus contactos.

Depois dos ajustes o leitor verificará que

sempre que fizer sombra no LDR o relé

dispara e permanece dessa forma por alguns

segundos. Atuando sobre P2 o tempo em que

o relé permanece disparado aumenta.

Comprovado o funcionamento, os mesmos

ajustes devem ser feitos quando o dispositivo

for instalado no local definitivo de proteção.

Na figura 9 mostramos como usar o alarme

para proteger uma passagem.

Lista de Material

• CI-1 – 555 – circuito integrado

• Q1, Q2 – BC548 ou equivalente – transistores

• NPN de uso geral

• D1 – 1N4148 – diodo de uso geral

• R1, R4 – 10 k ohms – marrom, preto, laranja

• R2 – 22 k ohms – vermelho, vermelho, laranja

• R3 – 47 k ohms – amarelo, violeta, laranja

• R5 – 1 k ohms – marrom, preto, vermelho

• P1, P2 – 1M ohms – trimpots

• LDR – foto-resistor redondo comum

• C1 – 10 uF – eletrolítico

• C2, C3 – 100 uF – eletrolítico

Diversos:

Figura 9 – Instalação do alarme

• X1 – Lâmpada de 6 ou 12 V – ver texto

• K1 – 6 ou 12 V x 50 mA - relé sensível

• Placa de circuito impresso, fonte de

alimentação, fios, solda, etc.

* PROTEJA SUA COLEÇÃO *

PROTEÇÃO

GARANTIDA

ou...

As receitas eletrônicas de Facta possuem padrão

de funcionamento reconhecido por certificações

internacionais. Nossos DIY's são testados

exaustivamente, em décadas de experiência.

atestado de qualidade

Newton C. Braga + Gambiologia

Não oferecemos garantia para casos

de dislexia eletrônica ou má-notas.


Alarme de Uso Geral

O circuito de alarme que descrevemos neste

artigo pode proteger os mais diversos tipos

de patrimônios. Sua casa, os objetos de sua

coleção, ou simplesmente uma área que não

deva ser invadida. Alimentado por pilhas

ou bateria, ele incorpora o circuito de aviso,

com um sinal de áudio de boa intensidade.

Os sensores são do tipo NA ou NF e podem

ser instalados em qualquer quantidade.

O alarme que descrevemos pode ser

alimentado por pilhas ou bateria e na

condição de repouso tem um consumo

extremamente baixo. Quando disparado, ele

aciona um relé, passando nessa condição a ter

um consumo maior.

Os sensores podem ser do tipo reed-switch

ativados por imãs ou ainda fios comuns para

atuarem por interrupção. Também podem ser

usados sensores NA (normalmente abertos)

como micro-switches. O circuito não possui

trava. Isso significa que, se o sensor for

reativado o alarme para de soar.

Como Funciona

As etapas sensoras usam duas das portas

disparadoras do 4093 operando como

inversores/comparadores ativados pelos

sensores.

Os sensores NF, por exemplo, podem ser

fios colocados em portas e janelas, conforme

mostra a figura 10.

A primeira porta tem sua saída indo ao

nível baixo quando qualquer dos sensores

normalmente fechados for aberto. Esses

sensores podem ser fios finos enlaçados nos

objetos a serem protegidos. Seu rompimento

causa o disparo do alarme.

A segunda porta é ativada quando qualquer

dos sensores normalmente abertos é fechado.

A saída dessa porta vai ao nível baixo quando

o disparo ocorrer.

Os sensores podem ser reed-switches, microswitches

ou chaves de outros tipos NA.

Veja então que temos dois conjuntos de

sensores diferentes que podem ser usados à

vontade conforme o tipo de proteção desejado.

Figura 10 – Protegendo um obejto de madeira

Ao serem interrompidos, o alarme é

disparado. Os fios para os sensores podem

ser bem longos, mas devem ser isolados.

* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 67


Montagem

Na figura 11 temos o diagrama completo do alarme.

Figura 11 – Diagrama completo do alarme

A montagem pode ser feita com base numa placa de circuito impresso,

conforme mostra a figura 12.

O conjunto pode ser instalado numa pequena

caixa plástica com pontes de parafusos para

conexão dos sensores, conforme mostra a

figura 13.

Figura 12 – Placa de circuito impresso para o alarme

Para uma alimentação por pilhas, recomendase

o uso dos tipos médios ou grandes, dado o

consumo maior quando o alarme é disparado. Na

condição de espera, o consumo é muito baixo.

Figura 13 – Montagem em caixa com bornes

68

* PROTEJA SUA COLEÇÃO *


O circuito também pode ser alimentado por

uma fonte, mas neste caso existe o perigo do

intruso cortar a energia do local antes de sua

invasão, justamente para desativar alarmes.

Prova e Instalação

Para provar o aparelho, basta manter aberto

qualquer dos sensores ligados em série. O

relé deve fechar seus contactos, ativando o

circuito externo.

Comprovado o funcionamento, é só fazer a

instalação definitiva. Na figura 14 damos uma

sugestão de sistema de proteção doméstico

usando este alarme.

Para rearmar o circuito, basta desligar a

alimentação e refazer a conexão dos sensores

disparados.

Lista de Material

• CI-1 – 4093 – circuito integrado CMOS

• Q1 – BC548 ou equivalente – transistor

NPN de uso geral

• D1, D2, D3 – 1N4148 – diodos de uso geral

• R1, R2 – 1 M ohms x 1/8 W – marrom,

preto, verde

• R3 – 100 k ohms x 1/8 W – marrom, preto,

amarelo

• R4 – 4,7 k ohms x 1/8 W – amarelo, violeta,

vermelho

• C1 – 100 uF x 16 V – eletrolítico

Diversos:

• X1 a X6 – sensores NA e NF

• K1 - Relé de 6 ou 12 V com bobina de 50

mA e contactos conforme o circuito externo

controlado

• Placa de circuito impresso, pilhas, bateria ou

fonte de alimentação, caixa para montagem,

fios, solda, etc.

Figura 14 – Instalação do alarme

* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 69


Newton C. Braga

For collectors of anything, protecting their collection is

the most important thing in the world. For those who

like to mess with electronics, the possibility of setting

up their own system of protection for their precious

objects, obtained with much sacrifice, is something

appealing. More than that, it's not complicated,

as it can be done with common and inexpensive

components. Based on our broad "collection" of

circuits, we chose some that can be very interesting for

you to protect those very valuable objects.

With simple technology and sensors that can even be

improvised, one can produce alarms that, though simple,

are extremely efficient. The circuits given below are just

a small example of what can be done. Many more can be

found on the website and in the author’s book.

PSYCHOLOGICAL ALARM

The best way to protect something is not always an alarm

that sounds when the thief is already in possession of the

object. An alternative way that should be considered is to

discourage any possible actions of a thief, preventing him

from trying anything as he realizes the object or area is

protected. A "thief- trick" that will make these “friends”

depart; this is what we describe as our first project.

Better safe than sorry! With this expression we summarize

our proposed project.

We describe the assembly of a circuit that is simply an

LED flasher placed in a very visible place, for example,

together with the object to be protected, and with two

links connecting to that object.

Evidently, this circuit won’t trigger any alarm or device of

real protection, but it gives the visual impression that it is

protecting the object very well!

Observing from the car before an action, the thief will

have the distinct impression the link made with common

wires connected to the object consists of a real protection.

The links are simple to install, as they can be fitted with

plugs, and when this is done, the circuit is immediately

activated, making the LEDs blink alternately.

In standby, without the links (which can be easily

removed) consumption is practically zero, and with the

LEDs flashing consumption is low, which means that it

can be always on.

To an outsider, everything will indicate that removing this

link will trigger the alarm.

Of course this device can also be used in stores to simulate

the protection of valuable objects or even in entrances to

discourage intruders.

How it works

The circuit functionally consists of a multivibrator with

two transistors where the frequency is determined by the

capacitors C1 and C2. The assembler can experience with

capacitors of 1 uF to 22 uF to get the desired frequency

for it to blink. When in operation, the transistors conduct

alternately, causing the LEDs connected to their collectors

to blink.

The resistors in series with the LEDs determine the

intensity of their flashes and can be changed, but not

too much in order not to raise the power consumption

of the device.

70


Assembly

In Figure 1 we have the complete diagram of the

"thief- trick."

Figure 1 – Complete diagram of the psychological alarm

The assembly can be done on a printed circuit board. In

this assembly, the assembler must be careful not to let the

component leads touch each other at the points where they

intersect.

It is also very important to note the positions of the

transistors, the LEDs’ polarity and the electrolytic

capacitors. Note that the connection of the protection

links is made via bornes.

In figure 2 we have the arrangement of components in a

printed circuit board.

Figure 2 - mounting on a printed circuit board

The feeding can be made with 6 V from 4 ordinary batteries

or from a source of 6 V to 12 V and at least 250 mA.

However, in the version with batteries, the circuit

shouldn’t be permanently on so there isnt’ a very rapid

waste of energy source.

To test the device, connect the protection links and feed

the circuit with 12 V. The LEDs should flash alternately.

If you want to modify the frequency of blinks, change the

values of the capacitors C1 and C2.

List of materials

• Q1, Q2, Q3 - BC548 or equivalent -

NPN general purpose transistors

• LED1, LED2 - red LEDs or colored, common

• R1, R4, R5, R6 - 1 k ohms - brown, black, red

• R2, R3 - 100 k ohms - brown, black, yellow

• C1, C2 - 4.7 uF/16V - electrolytic

• C3 - 47 uF/16V - electrolytic

Miscellaneous:

• J1, J2, J3, J4 - common isolated bornes

• F1 - 250-500 mA - fuse

• Printed circuit board or bridge, mount box, support for

fuse, links with plugs for protection, wires, solder, etc..

THE PASSAGE ALARM

The circuit can operate both with a supply of 6 V or 12

V according to the relay, and its consumption in standby

mode depends only on the light source used. In our case,

we used a small bulb of 6 or 12 V, but nothing prevents the

use of a lamp connected to the power grid.

An infrared LED can also be used as an emitter so the

alarm will work with an invisible source.

We found two settings in the project. The first adjusts the

sensitivity of the LDR according to the ambient light and

the distance of the reference lamp. The second is the time

setting, which determines how long the relay will remain

closed after detection.

How it works

The LDR remains illuminated by a remote light source. If

any object or person blocks the light falling on the LDR,

its resistance increases for an instant, and with that, the

transistor Q1, which a broken circuit, is completed. The

driving current, because of the resistance of the LDR, is

set at P1. In figure 3 we show how the interruption of light

may occur in an alarm.

Figure 3 - Interrupting the light beam

With the conduction of Q1 the voltage at its collector falls

for a moment, causing pin 2 to be momentarily grounded

via C1. This is sufficient to trigger 555, which is connected

with a monostable configuration.

With the trigger, the output of 555 goes to high level for a

time that will depend on the setting of the value of P2 and

C2. With 100 uF we get times that can reach a minute. If

the reader wants more time, she/he can increase C2 up to

1000 uF, which is a reasonable value.

Go to high level means that the output of 555, which had

a voltage of 0 V, changes to a voltage substantially equal to

the power used in the circuit, 6 V or 12 V. This voltage is

sufficient to saturate the transistor Q2.

Saturated, the transistor drives the relay connected to its

collector, closing its contacts. In the relay contacts we can

connect the device to be controlled by the passage: a siren,

horn or other device that can be self-powered.

* PROTECT YOUR COLLECTION * 71


In Figure 4 we show how we can connect a buzzer powered

by the power grid or other charge that will be triggered by

the passage to the relay

Figure 4 - Connecting the alarm to a buzzer or a bell

Assembly

The alarm passage diagram is shown in Figure 5.

Figure 5 – Passage Alarm Diagram

In this figure we don’t show the power supply, since it

depends on the relay used. A suggestion of power supply

is shown in figure 6.

Figure 6 - Power supply for the alarm

If a lamp connected to the power grid to light the sensor is

used, the alarm can be powered by ordinary batteries, as in

standby condition its consumption is very low.

The printed circuit board for the alarm is shown in Figure 7.

Figure 7 - Printed circuit board for mounting

The LDR is of the common round type and must be

mounted in a small opaque tube which will be pointed to

the lamp, as shown in Figure 8.

Figure 8 - Installing the sensor

The light used can be of 6 or 12 V, depending on the supply

voltage. Flashlight bulbs or car lamps with currents of

50 mA to 500 mA can be used. It is clear that the more

powerful the lamp, the longer the distance up to the sensor

can be, but there will also be a greater consumption.

Test and Use

To test just feed the circuit and light the LDR. The P2

trimpot should be in the position of least resistance.

Then adjust P1 while shading on the LDR. We can hear

the sound of the contacts when the relay is triggered.

After the adjustments the reader will find that whenever

this is a shadow on the LDR, the relay triggers and stays

that way for a few seconds. Acting on P2 increases the

time the relay continues triggered.

Once the operation is tested, the same adjustments should

be made when the device is installed in the definitive place

of protection.

In Figure 9 we show how to use the alarm to secure a

passage, firing an alarm.

Figure 9 - Installing the alarm

List of Materials

• CI - 1- 555 - IC

• Q1, Q2 - BC548 or equivalent -

NPN general purpose transistors

• D1 - 1N4148 - General Purpose Diode

• R1, R4 - 10 k ohms - brown, black, orange

• R2 - 22 k ohms - red, red, orange

• R3 - 47 k ohms - yellow, violet, orange

• R5 - 1 k ohms - brown, black, red

• P1, P2 - 1M ohms - Trimmers

• LDR - common round photo-resistor

• C1 - 10 uF - electrolytic

• C2, C3 - 100 uF - electrolytic

Miscellaneous:

• X1 - Light 6 or 12 V - see text

• K1 - 6 or 12 V x 50 mA – sensitive relay

• Printed circuit board, power supply, wire, welding, etc.

72

* PROTECT YOUR COLLECTION *


General Use Alarm

The alarm circuit we have described in this article can

protect various types of assets - Your house, the objects

of your collection, or simply an area that should not be

invaded. Powered by a battery, it incorporates the warning

circuit with an audio signal of good intensity. The sensors

are of the type NA or NF and can be installed in any

quantity.

The alarm we have described can be powered by batteries

or a battery and at rest it has a extremely low consumption.

When triggered, it triggers a relay, having a higher

consumption then.

The sensors can be of reed-switch type, activated by

magnets or common wires to work by interruption.

NA sensors can also be used (normally open) as microswitches.

The circuit has no lock. This means that if the

sensor is reactivated the alarm stops sounding.

How It Works

The sensing steps use two 4093 triggering ports operating

as inverters / comparators activated by the sensors.

The first port has an output going to the low level when

any sensor normally open is closed. These sensors can be

thin wires entwined in the objects to be protected. Their

disruption causes the triggering of the alarm.

The second port is activated when any sensor is normally

open are closed. The output of this port goes to low level

when the trigger occurs.

The sensors can be reed-switches, micro-switches or other

NA type.

See then that we have two different sets of sensors that

can be used as desired depending on the type of protection

desired.

The sensors NF, for example, can be wires placed on doors

and windows, as shown in Figure 10.

Figure 10 - Securing a wood object

When interrupted, the alarm is triggered. The wires to the

sensors can be quite long, but they must be insulated.

Assembly

In Figure 11 we have the complete diagram of the alarm.

Figure 11 – Full diagram of alarm

The assembly can be made based on a printed circuit board,

as shown in Figure 12.

Figure 12 - Printed circuit board for alarm

The assembly can be installed in a small plastic box with

bridges of screws for connecting the sensors, as shown in

figure 13.

Figure 13 – Mounting in box with bornes

For a battery power supply, it is recommended to use the

medium or large types, due to the increased consumption

when the alarm is triggered. In standby mode, the

consumption is very low.

The circuit can also be powered by a source, but in this

case there is the danger of the intruder cutting the power

supply of the place before the invasion, in order to disable

alarms.

Test and Installation

To test the device, just keep open any of the sensors

connected in series. The relay should close its contacts,

activating the external circuit.

With operation tested, just do the final installation. In

Figure 14 we give a suggestion of domestic protection

system using this alarm.

Figure 14 - Installation of the alarm

To reset the circuit, just turn off the power and re-connect

the fired sensors.

List of Materials

• CI- 1- 4093 - CMOS integrated circuit

• Q1 - BC548 or equivalent

NPN general purpose transistor

• D1, D2, D3 - 1N4148 - General purpose diodes

• R1, R2 - 1 M ohms x 1/8 W - brown, black, green

• R3 - 100 k ohms x 1/8 W - brown, black, yellow

• R4 - 4.7 k ohms x 1/8 W - yellow, violet, red

• C1 - 100 uF 16 V - electrolytic

Miscellaneous:

• X1 to X6 – NA and NF sensors

• K1 - Relay of 6 or 12 V with a 50 mA coil and contacts

as controlled external circuitry

• Printed circuit board, batteries or power supply, mount

box, wire, welding, etc..

* PROTECT YOUR COLLECTION *

73


P

arece policial noir, e aliás daria

um dos bons. No dia 21 de março

de 1947, a polícia de Nova

York foi chamada por vizinhos

de um prédio na esquina da Quinta Avenida

com a 128th Street, no Harlem, em

Manhattan. Eles acusavam o mau cheiro que

emanava do endereço, mais precisamente

do apartamento onde moravam os irmãos

Homer Lusk Collyer, que tinha então 68 anos,

e Langley Wakeman Collyer, de 62. Eram

figuras reclusas, consideradas excêntricas

por quem morava ali por perto, e justamente

por isso acabavam por despertar a curiosidade

da vizinhança.

Quando chegou ao local e tentou entrar à

força no apartamento, já que nenhum outro

tipo de contato ou abordagem era possível,

a polícia descobriu que não seria uma

empreitada fácil. A porta da frente estava

barrada por uma muralha de papéis, catálogos e

entulho genérico. As janelas do porão

estavam quebradas, mas protegidas por

grades. A solução encontrada foi arrombar

e entrar pela janela de um quarto no

segundo andar. O cenário dentro do cômodo se

omparava ao do andar de baixo: uma enormidade

de caixas, papéis, objetos diversos, a estrutura

de um carrinho de bebê, vários guarda-chuvas

amarrados em um molho e todo tipo de


material que se possa imaginar. O primeiro

policial a entrar levou duas horas para

engatinhar através do entulho e chegar ao

corpo de Homer, encontrado sentado em uma

cadeira, vestindo um roupão de banho azul

e branco.

A perícia médica constatou que ele

provavelmente morreu vítima de uma

combinação de desnutrição, desidratação e

complicações cardíacas, há não mais que dez

horas, o que significava que o mau cheiro que

exalava do apartamento não podia ser dele.

Polícia e bombeiros seguiram tirando o

entulho do local, na esperança de também

encontrar Langley no apartamento. Cerca

de 600 curiosos acompanhavam da rua

os trabalhos. Dois dias depois, já haviam

sido retiradas mais de 19 toneladas de lixo,

papéis e tralha que os irmãos Collyer

acumulavam compulsivamente. E nem sinal

de Langley.

Nove dias depois, quando equipes ainda

retiravam coisas do apartamento – já eram

contabilizadas, então, cerca de 84 toneladas

de entulho – rumores apontavam que

o mais novo dos Collyer tinha sido visto

pelos lados de Atlantic City. Teve início uma

busca por Langley que cobriu nove diferentes

Estados. E nada. No dia 8 de maio daquele ano,

finalmente ele foi encontrado, no próprio

apartamento, a poucos metros de distância de

onde estava o cadáver de Homer, soterrado

por uma pilha de catálogos telefônicos, livros

e outros papéis. Seu corpo em decomposição

havia sido parcialmente comido por ratos.

A demora para se chegar até ele deveu-se,

fundamentalmente, à dificuldade de remoção

de tanto entulho.

Ficou constatado que ele havia morrido antes

de Homer, e era dele, portanto, o mau cheiro

que exalava da casa. Langley se esgueirava por

um corredor entre as toneladas de objetos para


levar água e comida ao seu irmão mais velho,

que tinha problemas de locomoção, causados

pelo reumatismo e porque havia perdido a

visão em 1933 – vivia, portanto, praticamente

inválido. O Collyer mais novo foi vítima de

uma armadilha que ele mesmo preparou.

Ao passar por ela, causou o desabamento

da tralha sobre si e morreu esmagado.

As armadilhas – havia várias pelo apartamento

– foram feitas com o intuito de impedir a

entrada de estranhos.

Foram retiradas ao todo da casa dos Collyer

aproximadamente 140 toneladas de coisas

indistintas que eles haviam acumulado

ao longo dos anos: armas, 14 pianos, uma

máquina de raio-X, a carcaça de um Ford T

Model, muitos papéis, incluindo catálogos de

telefone de datas vencidas, cerca de 25 mil

livros e pilhas de jornais, mesas, cadeiras,

caixas, órgãos humanos conservados em

frascos, berços, violinos, acordeons e outros

instrumentos musicais, garrafas de vidro,

bolas de boliche, bicicletas velhas, gramofones,

discos, camas, sofás, penteadeiras, relógios,

quadros e tantos quantos mais objetos se

possa imaginar, tudo à maneira de lixo

compactado, além de oito gatos vivos.

O caso dos irmãos Collyer, pouco conhecido

no Brasil, é referencial nos Estados Unidos

do que se denominou compulsive hoarding –

a acumulação obsessiva de qualquer coisa, não

raro sem qualquer foco. O termo “Collyer

Mansion” se tornou um jargão entre os

bombeiros de Nova York e é usado até hoje.

Durante décadas, Langley e Homer juntaram

e mantiveram objetos em seu apartamento

sem um propósito aparente. Progressivamente

foram também se afastando do convívio social,

76

* COLLYER BROTHERS *


transformando o próprio lar numa espécie

de fortaleza inexpugnável, com direito às

armadilhas. Por falta de pagamento, o serviço

telefônico dos Collyer foi cortado em 1917, a

água, a eletricidade e o gás, em 1928, o que

significa que eles passaram os últimos 19 anos

de suas vidas no improviso – um lampião a

querosene para iluminar, uma engenhoca

criada por Langley para gerar alguma energia

e a água conseguida em um posto nas

proximidades. Também a comida era obtida

graças às andanças mendicantes do irmão

mais novo pela cidade.

Poderia haver alguma justificativa ou moral

da história para o caso que registra o comportamento

dos Collyer, mas não, trata-se

apenas de uma degeneração patológica do ato

tão comum a qualquer pessoa de colecionar.

O caso dos irmãos Collyer reverberou tanto,

a propósito, que muitos dos itens que acumularam

– incluindo a cadeira em que Homer

foi achado morto – acabaram reunidos em

uma exposição no Hubert’s Dime Museum,

em Nova York, no início dos anos 1950,

e seguiram em exibição pública por um bom

tempo, numa excêntrica espécie de metacoleção

de coleções.

Além de exposição, o episódio também

gerou outros produtos culturais, como livros

(é o caso de “My Brother’s Keeper”, de Marcia

Davenport, de 1954, ou “Ghosty Men”, de

Franz Lidz, que veio à luz em 1991) e filmes

(o curta “Collyer Brother Syndrome”, de David

Willing e Jessica Birnbaum, lançado em 2003

e que pode ser visto no YouTube, e o longa

“Unstrung Heroes”, de 1995, dirigido por

Diane Keaton) – o que atesta a vocação do bizarro

episódio para o universo da ficção. DB

* SOTERRADOS PELO ACÚMULO *

77


It seems a police noir, and indeed it would make a good one.

On March 21,1947, the New York City police were called

by neighbors of a building at the corner of Fifth Avenue and

128th Street, in Harlem, in Manhattan. They reported the

stench emanating from the address, more precisely from

the apartment where the brothers Homer Lusk Collyer,

who was then 68 years old, and Langley Wakeman Collyer,

62, lived. They were inmates figures, considered eccentric

by those who lived nearby, and rightfully so they ended up

arousing neighborhood curiosity.

When the police reached the spot and tried to forcibly enter

the apartment, since no other type of contact or approach was

possible, they learned that it would not be an easy endeavor.

The front door was barred by a wall of papers, catalogs and

general debris. The basement windows were broken, but

protected by railings. The solution was to break and enter

the window of a room on the second floor. The scene inside

the room was comparable to the downstairs: a multitude

of boxes, papers, various objects, the structure of a stroller,

several umbrellas tied in a bundle and every imaginable type

of material. The first officer to enter took two hours to crawl

through the rubble and get to the body of Homer, found

sitting in a chair, wearing a blue and white bathrobe.

The medical team found that he probably died from a

combination of malnutrition, dehydration and cardiac

complications, no more than ten hours before, which meant

that the stench exuded from the apartment could not be

his. Police and firefighters continued taking the debris out

of the site, hoping to find Langley also in the apartment.

About 600 onlookers followed the work from the street.

Two days later, more than 19 tons of garbage had been

removed, papers and junk the Collyer brothers compulsively

accumulated. And no sign of Langley.

Nine days later, when crews were still taking things from

the apartment - about 84 tons of debris had been already

accounted for by then - rumors abound that the youngest

of the Collyer brothers had been seen near Atlantic City.

A search for Langley which covered nine different states

began. But nothing. On May 8 of that year, he was finally

found inside the apartment, a few meters away from where

the corpse of Homer had been, buried under a pile of phone

books, books and other papers. His decomposing body had

been partially eaten by rats. The delay to reach him was

fundamentally due the difficulty of removing so much debris.

It was found that he had died before Homer, and it was his

stench, therefore, that exuded from that house. Langley crept

down a hallway from tons of objects to bring water and food

to his older brother, who had mobility problems caused by

rheumatism and because he had lost his sight in 1933 – he

lived thus practically an invalid. The youngest Collyer had

been a victim of a trap he had prepared himself. When

passing by it, he caused the collapse of the junk on him and

died, crushed. The traps – there were several in the apartment

- were made in order to prevent entry by outsiders.

There were taken, in whole, from the Collyer house,

approximately 140 tons of indistinct things they had

accumulated over the years: guns, 14 pianos, one X-ray

machine, the carcass of a Ford Model T, much paper,

including telephone books of old date, approximately

25,000 books and piles of paper, tables, chairs, boxes,

human organs preserved in jars, cradles, violins, accordions

and other musical instruments, glass bottles, bowling balls,

old bicycles, gramophones, records, beds, sofas, dressers,

clocks, paintings and many many more objects imaginable,

all in the way of compressed garbage, plus eight live cats.

The case of the Collyer brothers, little known in Brazil, is

referential in the United States to what is called compulsive

hoarding - the obsessive accumulation of anything, often

without any focus. The term "Collyer Mansion" became a

jargon among New York firefighters and is used even today.

For decades, Langley and Homer brought objects together

in their apartment without apparent purpose. They were

also gradually moving away from social life, turning their

home into a kind of impregnable fortress, complete with

traps. Because of non-payment, the Collyer phone service

was cut in 1917, water, electricity and gas in 1928, which

means that they have spent the last 19 years of their lives in

improvisation - a kerosene lamp to light, a gadget created

by Langley to generate some energy and the water from a

station nearby. Also their food was obtained thanks to the

mendicant strolls of the younger brother in the city.

Could there be any justification or moral of the story for

the case that records the behavior of the Collyers? No,

it's just a pathological degeneration of the so common act

of collecting that could happen to any person. The case

of the Collyer brothers reverberated far, by the way, and

many of the items that have been accumulated by them

- including the chair in which Homer was found dead

- were gathered in an exhibition at the Hubert's Dime

Museum in New York in the early 1950s, and followed on

public exhibition for a long time, in an eccentric kind of

metacollection of collections.

Besides the exhibition, the episode also generated other

cultural products such as books (it is the case of "My

Brother's Keeper" by Marcia Davenport, 1954, or "Ghosty

Men" by Franz Lidz, which came to light in 1991) and films

(the short "Collyer Brother Syndrome", by David Willing

and Jessica Birnbaum, launched in 2003 and that can be

seen on YouTube, and the feature "Unstrung Heroes",1995,

directed by Diane Keaton) - a testament to the vocation of

this bizarre episode to the universe of fiction.

78


contÉm

VíDEo

SAIbA

mAIS

onlIne

FActA

vocÊ

mESmo

laboratório de

gambiologia

com

Lucas Mafra

Web Aula • Eletrônica e Gambiarras

Projeto#2

Aprenda a montar uma:

LUMINária

GAMBIOLÓGICA

Acesse já

facta.art.br

DO IT YOURSELF


SUPER TRIAC

DIMMER

por Lucas Mafra


esta Facta #2 lhes apresento

N

meu amigo Super TRIAC

(Triode for Alternating

Current): BTA41600B. Eu o

conheci quando perguntei ao vendedor

da eletrônica: qual é o TRIAC mais nervoso

que você tem? Tudo começou quando

eu estagiava, fazendo luminárias com o

nosso amigo “Ganso”. Ele tem lampadões

incandescentes antigos, de 300, 500, 750, até

de 1000 Watts! São gigantes em comparação

com uma mera lâmpada de 100W. A mais

potente que encontramos no mercado

geralmente é de 200W. Pararam de fabricar

os “lampadões”, pois surgiram alternativas

mais eficientes; e elas se tornaram uma

raridade. A problemática era encontrar um

DIMMER potente o suficiente para construir

luminárias com esses belos lampadões, já que

encontrávamos nas lojas apenas dimmers de

150 a 400W. Solucionática: trocar o TRIAC,

a alma do DIMMER. Resolvido! Poderia ter

usado o TIC263 que

também é potente (25A),

mas a diferença de preço

entre ele e o “super BTA”

(40A) era mui pequena.

Na vídeo-aula dessa edição, você aprenderá

a construir uma luminária profissional,

em que poderá posteriormente instalar um

DIMMER comum e realizar o procedimento

de substituição do TRIAC. Para os

entusiastas e colecionistas da eletrônica, aqui

está um esquemático da Eletrônica Popular

de 1967, onde LP1 é uma pequena lâmpada

neon (Figura 1). Veja também outro esquema

mais atual, encontrado no portal do mestre

Newton C. Braga (Figura 2).

Caso utilize o dimmer para cargas maiores

que 1000W, motores ou resistências, convém

usar um radiador de calor no triac e conectores

de porcelana, para suportar o aquecimento.

FIG. 2

Links:

Controle de potência (dimmer):

www.newtoncbraga.com.br/index.php/eletronica/57-artigos-eprojetos/6507-controle-universal-de-potencia-art997

Datasheet do TRIAC BTA41600B e família:

www.datasheetcatalog.org/datasheet/stmicroelectronics/7469.pdf

* SUPER TRIAC DIMMER * 81



SUPER TRIAC

DIMMER

by Lucas Mafra

On this #2 issue of FACTA magazine I introduce my friend Super

TRIAC (Triode for Alternating Current): BTA41600B. I met him when

I asked the electronics seller: what is the most nervous triac you have?

It all started when I was interning, making fixtures with our friend the "Goose".

He has huge old incandescente lamps, of 300, 500, 750, and up to 1000 Watts!

They are giant in comparisson with a simple 100W lamp. The most powerful we

usually find in the market is of 200W. They stopped making these beautiful large

lamps because more efficient alternatives emerged, and they became a rarity. The

problem was finding a powerful enough DIMMER to build fixtures with these

beautiful great lamps since we were able to find in the shops only 150 to 400W

dimmers. Solutionatic: to replace the TRIAC, the dimmer’s soul. Problem

solved. I could have used the TIC263, which is also powerful (25A), but the price

difference between it and the "super BTA" (40A) was very small.

In this edition’s instructional video you will learn how to build a professional

lamp in which you will be able to install a common DIMMER and later replace

the TRIAC. For enthusiasts and collectors of electronics, we present in Figure

1 a schematic from the Popular Electronics of 1967, where LP1 is a small neon

lamp. In Figure 2 you can check a more recent scheme, taken from the website of

our master Newton C. Braga.

If you use the dimmer for a greater than 1000W charge, motors or resistors, you

should use a heat radiator at the triac and also porcelain connectors in order to

withstand the heat.

References:

Dimmer control:

www.newtoncbraga.com.br/index.php/eletronica/57-artigos-e-projetos/6507-controle-universal-de-potencia-art997

TRIAC BTA41600B and family datasheets:

http://www.datasheetcatalog.org/datasheet/stmicroelectronics/7469.pdf

83


Prólogo

Apesar de ter sido uma das maiores catástrofes

fabris na história, o desabamento da fábrica Rana

Plaza em Bangladesh, que matou cerca de 1100 pessoas e feriu

perto de outras 2000, parece pouco afetado a indústria da

moda. A fábrica produzia peças para gigantes como Primark,

WallMart, GAP, H&M e outras (é difícil, hoje, o armário de

um consumidor de moda não conter ao menos uma peça de

alguma delas). Mas dos pedidos de assinatura de um Tratado

que melhorasse a qualidade de vida dos trabalhadores naquele

país, muitas dessas grandes marcas ficaram de fora.

texto por Julia Valle • fotos por Thais Mol



“A cada semana uma nova coleção”

Chilli Beans

P

ara 162 modelos, produzidos

em tiragens com variação entre

35 e 140 unidades, 2 estilistas,

15 costureiras, 5 modelistas, 1 mês de

pesquisa (por materiais, formas, acabamentos,

volumes, cores e aviamentos), 3 meses

na produção de um mostruário de peças

pilotos, 15 minutos de desfile, 5 meses de

venda, seguidos por 2 meses de liquidação,

a fim de reduzir ao máximo os estoques da

estação, correspondendo a quase 50% de toda

a produção 1 . Com períodos de sobreposições

de etapas, o ciclo se repete ininterruptamente.

A moda é rápida, para o semioticista

francês Roland Barthes ao reconhecer a

criação do design de obsolescência em seu

“O Sistema da Moda” (ainda que não nestes

termos) via instituição de durações específicas

para estações, tendências e coleções e

diferenciação clara entre moda (tendência)

e Moda (estilo); para estilistas que, a fim de

alcançar metas de vendas estabelecidas pelas

empresas, são obrigados a criar coleções de

primavera, verão, resort, alto verão, outono,

inverno, e ainda compartimentam cada

estação em 3 ou 4 meses; para o consumidor,

que encontra a impossibilidade de

acompanhar e adquirir peças a cada novo

lançamento, de ampliar seus armários a

cada seis, quatro, três meses; e para as

fábricas de tecido, continuamente pressionadas

por novidades que devem ser

apresentadas com mais de um ano de

antecedência dos lançamentos nas lojas.

A moda é rápida, rápida o suficiente para

não conseguir processar um termo em língua

estrangeira e traduzi-lo para a língua local

e, na urgência da incorporação, transforma,

por exemplo, peep-toes 2 em peep-tools.

86

* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO *


1 Uma coleção é considerada um sucesso por análises de marketing e vendas

quando as vendas a preço cheio ultrapassam 60% do total da produção.

2 Sapato ou sandália com pequena abertura na frente, que deixa visível

(‘peep’ do inglês, pode ser traduzido como ‘vista parcial’) apenas parte

dos dedos do pé.

3 Termo utilizado para descrever mulheres jovens e atraentes, normalmente

ícones populares. Não estranhamente, o termo remete de alguma forma

também, em uma dura tradução, à idéia de garota-objeto.

Verão 2013/2014

• 12 casacos

• 22 blusas malha

• 25 blusas tecido plano

• 14 camisas; 7 delas, brancas

• 17 calças tecido

• 2 calças malha

• 14 saias/shorts/bermudas

• 16 vestidos malha

• 25 vestidos tecido

• 15 vestidos festa

Pensar o termo coleção neste cenário parece

absurdo, com um número infindável de

objetos entrando em cadeias de produção

e inseridos em lojas a cada 3 meses, 1 mês,

ou ate mesmo 1 semana (como sugerido na

campanha da marca de óculos Chilli Beans).

Acompanhar a última tendência adquirindo

um par de óculos com armações em cores

neon, porque eles caíram perfeitamente

naquela it-girl 3 , não é um investimento,

por mais que vendedores tentem nos

convencer disso.

Não é pretendido aqui construir um guia

de melhor custo-benefício para compras em

moda, mas sim propor uma forma de análise

qualitativa que beneficie o desenvolvimento

de um mercado de consumo mais sustentável

e uma reflexão sobre os caminhos que

este campo do conhecimento e do comércio

tem traçado.

87


Desde suas origens, nas maisons dos

primeiros criadores na França, a moda depende

de uma sazonalidade com extensão não muito

prolongada de validade de tempo para

sobreviver como indústria e estabelecimento

comercial. No século XVI esta duração

chegava a alcançar décadas. Com o

aumento da disponibilidade de materiais pós

industrialização, o crescimento da mão-deobra

qualificada disponível, e mais tarde, a

diminuição da quantidade de tecido utilizada

na confecção de uma peça (mudança natural

decorrente das guerras), esta vida útil vai

sofrendo diminuições. No momento em que

nos encontrarmos hoje, uma ‘tendência’ pode

durar menos que uma estação.

Mas se a moda participa de um conjunto de

expressões criativas, a partir do momento

em que os criadores passam a assinar suas

peças inserindo etiquetas, tendo sido elas

contemporâneas ou não, aplicar a proposta

de colecionismo do curador norte-americano

Bruce Altschuler em “Collecting the New”

(2005) parece muito sensata. Para ele, compor

uma coleção compreende tanto momentos

de aquisição e análise quanto momentos de

troca, cessão e destruição. Sua proposta é

direcionada ao desenvolvimento constante

(inevitável quando se trata da produção que

acontece no momento evolutivo do presente)

de coleções em arte contemporânea, e levanta

diversas questões como qual a duração válida

para o contemporâneo. Pensar essa idéia para

a aquisição de peças em moda nos leva ao

reconhecimento e esclarecimentos de movimentos

que vem sendo iniciados desde o

surgimento do pret-a-porter e que, nos dias

de hoje, parecem fazer cada vez mais sentido.

Troca e Cessão

Por sorte, preocupação ambiental, falta de

espaço ou por simples ausência de fundos

disponíveis, muitas iniciativas interessantes

concorrem com o comércio tradicional de peças

de roupa. Olhares variados sobre a moda e a

roupa encontram, nestas formas de transferência,

possibilidades de diálogo. Para muitos, o

uso da roupa ainda estabelece uma relação de

mera necessidade básica com o usuário. Para

outros, se expande para espaços de expressão

cultural, afirmação social, tratamento estético.

O surgimento de brechós, lojas de segundamão,

aluguel de roupas, e encontros promovidos

entre conhecidos para trocas de peças têm

movimentado de forma saudável, sustentável e

acessível o mercado de moda.

uma ‘tendência’ pode durar

menos que uma estação

88

* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO *




Short Promocional

planilha de Custos

Tecido R$ 10,00

Mão-de-obra (separação, corte, costura) R$ 8,00

Beneficiamentos R$ 4,00

Aviamentos R$ 3,00

Transporte+outros+lucro facção R$ 7,00

Total por unidade (produção mínima 300 peças) R$ 32,00

Preço final venda R$ 128,00

Destruição (ou Auto-Destruição)

O exemplo acima apresenta uma sugestão

real em planejamento de vendas de uma

marca ‘rápida’ brasileira. O algodão utilizado

aqui talvez tenha uma trama pouco fechada e

deforme irregularmente ao lavar, a costureira

talvez seja proveniente de outro país latinoamericano

e, para pagar suas dívidas com a

imigração ilegal mantenha seu custo de

mão-de-obra abaixo de R$4/hora para o

empregador e sendo cobrada uma velocidade

bem acima do comum (fazendo

as contas, jamais alcançaria um salário mínimo

trabalhando as normais 45h/semana), dentre

outras possíveis irregularidades na produção.

A qualidade, portanto, garante que ainda

que o design do objeto ultrapasse um

semestre, sua integridade física certamente

não conseguirá.

O fast-fashion (e ainda tantos outros caminhos

na moda, visando lucro máximo acima de

qualquer outro valor) elimina parte do trabalho

na construção e/ou seleção de uma

coleção pelo consumidor. Estabelecendo

limites de custo para tecidos, aviamentos e

mao de obra a serem utilizados em uma peça,

com estratos bem definidos dentro de cada

linha, a moda que mais cresce no mundo no

momento poupa seus consumidores da seleção

para destruição. Com valores definidos

inquestionavelmente baixos, H&M, Zara,

Forever21, C&A, Primark, e tantas outras,

garantem que a durabilidade de seus produtos

não ultrapassará muito mais que os 6 meses

de uma estação, se auto destruindo, em

aspectos visuais e funcionais.

A constante luta pelo menor custo e maior

lucro já tão estabelecida no universo produtivo

da moda faz com que clientes deixem de

questionar a razão de um short ‘rápido’ custar

R$128 e considerem ‘roubo’ uma outra cadeia

de produção, que prioriza sustentabilidade dos

processos, durabilidade do produto e qualidade

de vida dos profissionais envolvidos, a qual não

encontra formas de tornar sua ‘marca menor’

competitiva em relação às grandes marcas.

Além da planejada obsolescência nas funções

(como alterações de tamanho graves após a

primeira lavagem, bolsos com costuras abertas

nos primeiros usos, perda de botões, dentre

outros), a obsolescência de estilo é peça central

no desenvolvimento de um produto de moda.

* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO * 91


O que a moda parece nos entregar

hoje é uma coleta de objetos

Auto-Regulação

Terrível constatação: essa precariedade em qualidade, combinada

com a expertise em design de obsolescência, acaba fazendo

com que a moda em seu sistema se auto-regule até certo ponto.

Se mantivéssemos o volume produzido atualmente em

unidades, substituindo a matéria prima por tecidos de qualidade

e utilizando mão de obra que leva o tempo necessário para

executar bem todas as etapas do fechamento de uma peça,

poderíamos gerar um grande problema. Tramas mais bem

construídas podem levar mais tempo para degenerar, todos os

armários se tornariam pequenos para comportar toda a

coleção que, ainda que utilizada por anos, perduraria. Cenário

ridiculamente absurdo, claro. Porém, um controle rigoroso

nas produções resultariam em peças caras, duráveis, menos

prováveis a variações de tendências, redução no consumo,

armários mais compactos, e um horizonte muito mais valioso

em produções estilísticas e interessante, tanto para a cadeia

produtora quando para a cadeia de consumo.

O que a moda parece nos entregar hoje é uma coleta de objetos

que participam de um movimento de tendências de uma estação.

Os critérios seletivos e os métodos utilizados para precificação

priorizam quantidade sobre qualidade, maior lucro,

menor durabilidade.

Colecionar é bem diferente de coletar.

92

* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO *


modelo:

Aline Paiva

Agência Ford MG


Prologue:

Despite being one of the largest manufacturing disasters in history, the collapse of the Rana Plaza factory in Bangladesh, which

killed about 1,100 people and injured around other 2000 seemed to affect little in the fashion industry. The factory produced

products for giants like Primark, Walmart, GAP, H & M and others. (Today it is hard to find a closet of a fashion consumer

that doesn’t have at least one item from one of them.) But in the requests to sign a treaty that would improve the quality of life of

workers in that country, many of these big brands were not included.

“Each week a new collection”

Chilli Beans

text by Julia Valle / photos by Thais Mol

Summer 2013/2014

12 coats, 22 knitted sweaters, 25 T-shirts of flat fabric,

14 shirts, 7 of them white, 17 fabric pants, 2 mesh pants,

14 skirts /shorts/bermudas, 16 knitted dresses, 25 fabric dresses

and 15 party dresses

For 162 models, produced in runs varying between 35 and

140 units, 2 designers, 15 sewers, 5 designers, 1 month of

research (for materials, shapes, finishes, volumes, colors,

and trims), 3 months in production of a showcase pilot,

15-minute fashion show, five months of sales, followed by

two months of discount sale in order to reduce the season’s

inventories as much as possible, equaling nearly 50% of all

production 1 . With periods of overlapping stages, the cycle

repeats continuously.

Fashion is fast, according to the French semiotician

Roland Barthes, who recognizes the creation of designed

obsolescence in his "The Fashion System" (though not in

these terms) via the definition of specific 'durations' for

seasons, trends and collections and clear differentiation

between fashion (trend) and Fashion (style); for designers

who, in order to achieve sales targets set by companies, are

required to create collections for spring, summer, resort,

high summer, autumn, winter, and still compartmentalize

each season in 3 or 4 months; for the consumer, who

faces the inability to follow and purchase parts with each

new release, to expand their closets every six, four, three

months; and for fabric factories, continually pressured

by novelties that must be presented with more than 1

year in advance of the launches in stores. Fashion is fast,

fast enough not to be able to process a term in a foreign

language and translate it into local language, and, in the

urgency of merging, transforms, eg, peep-toes 2 into peeptools.

To think about the term 'collection' in this scenario

sounds absurd, with a number of endless objects entering

production chains and inserted into stores every three

months, one month, or even one week (as suggested in the

Chilli Beans eyewear brand campaign).

To follow the latest trend by purchasing a pair of glasses

with frames in neon colors because they fell perfectly in

that it-girl 3 , is not an investment, as much as sellers try to

convince us of that.

It is not intended here to build a guide for better costbenefit

for fashion shopping, but rather to propose a form

of qualitative analysis that benefits the development of a

more sustainable consumption market and a reflection on

the ways that this field of knowledge and commerce has

traced.

Since its origins, in the maisons from the first stylists in

France, fashion depends on a not too prolonged seasonal

extension to survive as an industry and commercial

establishment. In the sixteenth century this time came

to take decades. With the post-industrial increase in

availability of materials, the growth of available skilled

labor, and later, the reduction of the amount of fabric used

in the making of a piece (a natural change due to wars),

this life span will suffer decreases. Today, a 'trend' may last

less than a season.

But, if fashion participates in a range of contemporary

creative expressions, from the moment the creators sign

their pieces by inserting labels, whether contemporary or

not, applying the proposal of collecting of the American

curator Bruce Altschuler in "Collecting the New"(2005)

seems very sensible. For him, composing a collection

comprises both time for acquisition and analysis as

moments of exchange, transfering and destruction. His

proposal is directed to the constant development (inevitable

when it comes to what happens in the production of this

current evolutionary time) of collections of contemporary

art, to think about these ideas raises several questions such

as the valid duration for the contemporary. Thinking about

this idea for athe acquisition of products in fashion leads to

the recognition and clarification of movements that have

been started since the emergence of pret-a-porter and, that,

these days, seems to make more and more sense.

94


Shift and Delivery

Because of luck, environmental concerns, lack of space or

simple lack of available funds, many interesting initiatives

compete with traditional trade in garments. Various looks

on fashion and clothing found in these transfer forms

possibilities for dialogue. For many, the use of clothes also

establishes a relationship of mere necessity with the basic

user. For others, it expands to spaces of cultural expression,

social statement, aesthetic treatment. The emergence

of thrift stores, second-hand clothes stores, rente of

clothing and meetings promoted between acquaintances

to exchange pieces have moved the fashion market in a

healthy, sustainable and affordable way.

Destruction (or Self-Destruction)

Short on sale:

Costs Limits (minimum production of 300 pieces):

• Fabric . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 10

• Hand labor (separation, cutting, sewing) . . . . . . . R$ 8

• Benefits. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .R$ 4

• Trimmings . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 3

• Shipping + others + faction profit . . . . . . . . . . . . R$ 7

Total per unit . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 32

Final sales price. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 128

The example above shows an actual hint in sales planning of

a 'fast' Brazilian brand. The cotton used here may have a bit

closed pot and therefore deform irregularly when washing;

the seamstress is perhaps from another Latin American

country and to pay her debts with illegal immigration

keeps her labor cost under $ 4/hour for the employer and

is being charged a well above the ordinary rate (doing the

math, she will never reach the minimum wage working

the normal 45h/week), among other possible irregularities

in production. Quality, therefore, ensures that even if the

design of the object exceeds one semester, its physical

integraty won’t.

The fast-fashion (and still many other ways in fashion,

seeking maximum profit above any other value) eliminates

most of the work in construction and/or selection of

a collection by the consumer. Establishing cost limits

for fabrics, trims and manpower to be used in a piece,

with well defined strata within each row, the fashion

that is fastest growing in the world right now saves its

consumers from selection to destruction. With defined

values unquestionably low, H&M, Zara, Forever21,

C&A, Primark, and many others, ensure the durability

of its products will not exceed more than the six

months of a season, being auto wrecking, in visual and

functional aspects.

The constant struggle for lower cost and higher profit

already so established in the productive universe of

fashion makes customers stop questioning the reason for

a short 'quick' cost R$ 128 and consider 'stealing' another

production chain that prioritizes sustainability processes,

product durability and quality of life of the professionals

involved, which does not find ways to make its 'mark less'

competitive with major brands.

In addition to planned obsolescence in functions (such

as serious changes in size after the first wash, pockets

with open seams in the earliest uses, lost buttons, among

others), the obsolescence of style is central in developing a

fashion product.

Self-Regulation

Terrible realization, this precariousness in quality

combined with an expertise design of obsolescence ends

up making fashion to self-regulate itself to some extent.

If we kept the current produced volume in units, replacing

raw materials by using quality fabrics and workmanship

that takes the necessary time to perform well all stages

of closing a piece, we could generate a big problem. The

most well done plots may take longer to degenerate and all

drawers would become small to hold an entire collection

that, although being used for years, would endure. This

is of course a ridiculously absurd scenario. However,

strict control on production would result in expensive

parts, durable, less likely to variations in trends, reduced

consumption, more compact cabinets, and a much more

valuable and interesting horizon of stylistic productions,

both for the production and the consumption chains.

What fashion seems to give us today is a collection

of objects that participate in a movement of trends of

a season. The selection criteria and methods used for

pricing prioritize quantity over quality, higher profits, less

durability.

To collect is quite different than collecting.

1 A collection is considered a success by marketing analysis when the sells

in full price are bigger than 60% of the total amount produced.

2 Shoe or sandal with a small opening in front, leaving visible ('peep' in

English can be translated as 'partial') only part of the toes.

3 Term used to describe attractive young women, usually popular icons.

Not strangely, the term also refers in some way, in a tough translation,

the idea of an object-girl.

* FEAR, FASHION AND SELFDESTRUCTION * 95


PULGAS de

fino trato

Diz-se que o termo “mercado

de pulgas” vem do francês

“marché aux puces”, bazar ao ar livre

surgido em meados de 1860, no subúrbio

norte de Paris. O nome remete ao abundante

vestuário de segunda mão à venda no local

e sua inevitável infestação pelos miúdos e

incômodos parasitas da ordem Siphonaptera.

Apesar da origem do termo ser muitas

vezes questionada, esses mercados de rua, hoje

espalhados por todo o mundo com diferentes

nomes, formatos e tamanhos, são uma

unanimidade quando se trata de “garimpar”

objetos interessantes e raros por ótimos preços.

Mesmo que mais recentemente tenham

sido, em grande parte, invadidos pela safra

de produtos chineses descartáveis, ou que os

artigos encontrados possuam muitas vezes

procedência duvidosa, a visita a um desses

paraísos da barganha em qualquer cidade

do mundo é uma experiência imperdível.

Não somente para adquirir peças únicas

como objetos, móveis, roupas, obras de arte,

ou experimentar novos sabores locais,

mas principalmente pela rica possibilidade

de encontro com diferentes culturas e

variadas épocas, em um ambiente quase

sempre caótico.

O fato é que os "flea markets"

são um prato cheio para qualquer

gambiólogo que se preze.

Facta resolveu então convocar quinze

colaboradores em diferentes cidades do

mundo para uma missão: ir ao seu mercado

predileto, documentá-lo fotograficamente,

adquirir um objeto curioso (o mais barato

possível) e levá-lo para casa como recordação.

Confira, nas páginas a seguir, as diferentes

respostas ao nosso desafio. FP


Daniel Ribão • Lisboa, Portugal

“Eis-me aqui, gambiologizando!

Dei algumas voltas pela Feira da

Ladra nos últimos dias, em outros dias

choveu. Aqui em casa, fiz um bestiário

gambiológico. Diz lá se Jean

Baptiste Gambièrre ficou satisfeito.”

It is said that the term "flea market" comes from the French

"marché aux puces", an outdoor bazaar that emerged in

the mid 1860s in the northern suburb of Paris. The name

refers to the abundance of second-hand clothing for sale

at the place and its inevitable infestation by these tiny and

troublesome parasites of the order Siphonaptera. Although

the origin of the term is sometimes questioned, these street

markets, today scattered all over the world with different

names, shapes and sizes, are unanimous when it comes to

"mining" for rare and interesting objects for great prices.

Even with the markets being, recently, in large part,

invaded by the crop of Chinese disposable products, or

with the items found having often a dubious source, to visit

one of these bargain havens, in any city in the world, is an

FLEAS OF FINE TRACT

unmissable experience. Not only to acquire unique pieces

such as objects, furniture, clothing, or artwork, or to try

new local flavors, but also, mainly, for the rich possibility

of encountering different cultures and different epochs in

an environment almost always chaotic.

The fact is that flea markets are a full plate for any selfrespecting

gambiólogist. So, Facta decided to call upon

15 collaborators from different cities around the world on

a mission: go to your favorite market, photograph it, and

purchase a curious object (the cheapest possible) and take

it home as a souvenir.

Check out the different responses we had to our challenge

in the following pages.


Adauany Zimovski • Porto Alegre, Brasil

“Olha que eu me contive, cada vez q vou no Brique saio com uns dinheiros

a menos no bolso.... Tb comprei uns copos um outro dia q fui, livros, revista

velha, etc. Mas essa pintura eu adorei, primeiro pq eu trabalho com

paisagem e pq tava um clima muito do bizarro aqui o dia q fui, pq foi

o domingo seguinte à tragédia de Santa Maria. E o nome do quadro

é "Silêncio Noturno"!! Pra mim soou mórbido e bonito ao mesmo tempo.”


Paulo Barcelos • Estocolmo, Suécia

“Acabei comprando um minigame retrô do Space

Invaders. Feito no Japão, com joystick analógico e um

display com luz azulada. Não saiu tão baratinho, pois o

Thasan, dono da barraca, era um mala... Mas eu curti

tanto que não resisti :). Custou SEK 80 (deve dar uns

20 reais), incluindo um pacote com 4 baterias AA novas.”


Zedu Carvalho • Salvador, Brasil

“Seguem as fotos lá do Cabral

Descobertas. Nem deletei as que

estão ruins. Meu cartão de memória

está com problema, foi um parto para

extrair as fotos. Desculpe o atraso.

Escolha e trato a luz, as cores etc. Abs.”


Zoe Clayton • Londres, Reino Unido

"These ones are of my local market in Elephant and Castle. It is one

of the oldest street markets in London- it started as a market in the

16th century. On Sunday they have 'antiques', which means cheap

1970s knick knacks and ornamental plates. I love cheap 1950s and

1960s science fiction and have quite a collection now, most of

which I bought for 10p each. The cover art is worth that alone!”


Evan Roth • Paris, França

“I have my homework assignment ready! As far

as I know it's the largest market in Paris. The

piece I ended up buying (for 5 euros) is for blowing

bubbles, haha. Thanks for the invitation to

participate, it was fun. Please let me know how

the magazine comes out, I look forward to seeing it.”


Mariana Pinheiro • Rio de Janeiro, Brasil

“As fotos custaram 10 reais todas, sendo que

a das gatas de maiô era a mais cara e o vendedor

fez um pacote promocional. Acho que vou mandálas

em cartas escritas no papel para uns amigos e

familiares, descrevendo como se fossem retratos do

nosso passado.”


Simone Pazzini • Cidade do México

“Eu acabei indo no Mercado da Lagunilla que é o mais famosão mesmo,

o que era mais longe e mais toscão, ficou difícil, porque não tive companhia

no dia e lá é perigoso ir sozinha, ainda mais com câmera. O objeto que

escolhi comprar no dia, tbm queria mandar pros "gambiólogos" porque se

trata de uma mão mecânica, que nela mesma encontrei uma pequena

gambi já que não funciona... Beijo e saludos desde el Valle de Mexico.”


Janina Pessoa • Montreal, Canadá

“O objeto que eu escolhi me chamou atenção por

ser uma das coisas mais kitschy que eu já vi na

vida. E não! Il n'est pas une pipe. É um after shave.

Dentro da cabeça do Tio Sam ainda tem a loção

pós barba rsrs. Espero que as fotos funcionem!

Custou $9.00. O dono do lugar ficou todo feliz!”


Felipe Rocha • Padova, Itália

“Opa, demorou mas chegou. Eu comprei esse

cobertor térmico pra gatos (?) e foi tipo 5 euros rs.

Acabei indo não no mercado de Treviso, mas um

que tem perto de Padova e é muito mais legal.

PS: semana passada conheci uma menina do

Havaí que conhece a Gambiologia! ”


Bárbara Soalheiro • São Paulo, Brasil

“CARA, UM MILHÃO E MEIO DE PERDÕES.

É assim: eu fui na feira do Bixiga. Fiz as fotos. Comprei

meu castiçal lindo. Só não te mandei e não te mandei e não

te mandei... Li seu email num corre louco. Enfim, parando

tudo agora, nesse instante. Mas olha, não é falta de amor

ou dedicação meu pouco talento para fotos ok? Não mesmo!”


Eduardo Imasaka • Buenos Aires, Argentina

“Perdona, estoy ‘orbitando’ con mucho trabajo y movimiento

estos meses. Finalmente nada compre, los vendedores estan

ausentes y son dificiles de convencer...Ellos quieren vender a

turistas, los porteños no. Pero te saque varias fotos a objetos

que deseo pero no pago ese precio por ellos.”


Ângelo Abu • Atenas, Grécia

“Fiz umas fotos incríveis hj em um mercado de

pulgas de Athenas. Estou saindo pra Creta, qdo chegar

eu te mando, amanhã. Mesmo n sendo + p a revista.

Composições incríveis de trecos. Comprei nada não

pq achei q o prazo estava vencido. Mas te envio

anyway algumas delas... Abraço!”


Lucas Resende • Nova Iorque, EUA

“Foi mal a demora. As fotos eu não gostei, now it's up

to you. O mercado é esse aqui: www.brooklynflea.com/

markets/williamsburg/. O livro se chama ‘Have I ever

lied to you?’ e tem um relógio adaptado. Gostei da capa

tipo Tio Sam que sempre mente, mas faz propaganda

que não. E o tempo, que nunca mente. Fica a pergunta...”


Giuliano Obici • Berlim, Alemanha

“Comprei um Kreisel-Peão. Porém esse peão tem a capacidade

por as cobras pra dançarem, ou encantar as serpentes, como

diz na caixa do brinquedo. Comprado no Flohmarket do

Mauerpark Berlin, 27 Jan 2013. Custou 3,5 euros. Olha só:

Fiz os videos e depois saquei que a bateria da câmera estava

fraca. Sei lá, dá pra ter pelo menos uma ideia de como funciona.”


Acesse já

facta.art.br

TOUR gambiológica

na praça XV

Feira do Troca-Troca, Rio de Janeiro com

Paulo Henrique Pessoa “Ganso”

contÉm

VíDEo

SAIbA

mAIS

onlIne

VIMEO.COM/GAMBIOLOGIA

* YoUTUBE.COM/GAMBIOLOGIA


O queniano Cyrus Kabiru

ficou famoso mundialmente

por seus óculos produzidos com

materiais achados na rua

UPCYCLING

o Ciclo Tecnológico

por Nícia Mafra


S

ão facilmente perceptíveis as

dificuldades enfrentadas neste

novo milênio, algumas já previstas

no início do século XX.

Problemas novos e sérios convivem com

antigos, como a persistência da pobreza e das

necessidades essenciais não satisfeitas –

ameaças cada vez mais graves ao ambiente e à

sustentabilidade da vida econômica e humana.

Para combatê-los, é preciso considerar a

liberdade individual como um comprometimento

social (Sen: 2010). A noção de liberdade

– que inclui oportunidades econômicas,

liberdades políticas, facilidades sociais,

garantias de transparência e segurança

protetora, assim como acesso ao

conforto na forma estabelecida

pelo desejo (tão bem manipulado

pelas ferramentas de marketing)

– traz uma cultura de desconexão

com o todo.

Com o processo de globalização, a questão

da democracia como modelo de liberdade

relaciona-se de perto com um problema

cultural merecedor de atenção. Trata-se do

poder esmagador da cultura e do estilo de

vida ocidentais para solapar modos de vida

e costumes sociais tradicionais. Uma ameaça

inescapável, sendo difícil resistir às forças

do intercâmbio econômico e da divisão do

trabalho em um mundo competitivo impulsionado

pela revolução tecnológica.

“Lixo nada mais é do que a matéria desprovida de sentido”

Rafael Cardoso

A noção de liberdade

traz uma cultura de

desconexão com o todo

produtiva, após a revolução industrial e

influenciada por Marx, deveria ter se tornado

mais estável e ordenada. No entanto, o

mundo de hoje parece estar em descontrole.

Algumas situações consideradas de risco,

decorrentes da mudança do clima global

e resultantes da intervenção humana ao

ambiente, não são de todo apenas fenômenos

naturais e estão inextricavelmente ligados à

globalização. Para minimizar estes riscos é

necessário uma visão integrada (ou integradora)

da relação dinâmica entre as partes e o

todo, onde o que afeta também é afetado em

quase todos os aspectos. “O que vai, volta”.

No funcionamento do mundo

social, os indivíduos atribuem

determinado significado ao seu

ambiente e agem de acordo com

essa atribuição. As interpretações

individuais baseiam-se num conjunto

de pressupostos fornecidos pela história e

pela tradição. O termo em inglês tradition

tem origem no latim tradere, que significa

transmitir, ou confiar algo à guarda de

alguém. Tradere foi originalmente usado no

O sociólogo britânico Anthony Giddens tem

dado contribuições significativas à teoria social,

explorando as interações entre estruturas

sociais e a atividade humana. A sociedade

Bijouteria feita de "sea glass", vidro lapidado

produzido espontaneamente na natureza

114

* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *


O norte-americano Boris Bally produz

mobiliários " humanofaturados"

a partir de placas de trânsito.

Fotos: J.W. Johnson (www.borisbally.com)

contexto do direito romano, em que se referia

às leis da herança. Considerava-se que uma

propriedade passava de uma geração a outra

em confiança. O herdeiro tinha obrigação de

protegê-la e promovê-la (Giddens, 2011:49).

Algumas tradições perdidas podem fazer

muita falta, causando angústia e um

sentimento de perda.

É comum permanecer

certa nostalgia por objetos

especializados e elegantes,

como uma velha máquina

a vapor ou um relógio

antigo, mas em geral as

máquinas obsoletas e descartadas não são

particularmente desejadas.

Há tempos convivemos com objetos produzidos

para atender a uma função ou necessidade.

Segundo Giddens, a idéia de que as tradições

são impermeáveis à mudança é um mito.

Elas podem ser inventadas e reinventadas,

ainda que algumas, como as associadas às

grandes religiões, durem centenas de anos.

Tradições sucumbem à

modernidade, são esvaziadas de

seu conteúdo e, comercializadas,

tornam-se objetos de

herança ou kitsch

Nossa sociedade vive o fim da

tradição e poderá viver o fim

da natureza, ou certamente passar

por uma grande transformação.

Tradições sucumbem à modernidade, são

esvaziadas de seu conteúdo e, comercializadas,

tornam-se objetos de herança ou kitsch.

A nova economia em

rede transformou profundamente

as relações

sociais entre o capital e

o trabalho, como analisa

Manuel Castells. O capital

é global, ao passo que o

trabalho é local. As grandes redes empresariais

difundem o poder de forma hierárquica, em

um processo controlado e linear. Mas nas

redes e inter-relações ecológicas, o processo

é não-linear e envolve múltiplos anéis de

realimentação, sendo os resultados, muitas

vezes, imprevisíveis. Num ecossistema,

nenhum ser é excluído da rede. Todas as espécies,

até mesmo as menores dentre as bactérias,

contribuem para a sustentabilidade do todo.

* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *

115


Portanto, há uma diferença crucial entre as

redes ecológicas da natureza e as redes da

sociedade atual.

Uma das grandes vantagens de reconhecer a

complexidade do mundo é compreender que

todas as partes estão interligadas. As ações

de cada um juntam-se às

ações de outros para gerar

movimentos que estão além

da capacidade individual

de seus componentes. A

interação entre as estruturas

sociais e a atividade humana

tem caráter cíclico: “os tempos mudam, e

muda com eles o significado das coisas que

parecem fixas.” (Cardoso, 2012)

Assim pode ser verificada a noção de ciclo

no complexo sistema de hoje, que conceitua

o tema principal deste artigo, o Upcycling.

Cunhado pelo arquiteto William McDonaugh

e o químico Michael Braungart, o termo

define o processo de conversão de um nutriente

industrial (material) em algo de valor

Upcycling: conversão de

um nutriente industrial em

algo de valor semelhante ou

maior, em sua segunda vida

semelhante ou maior, em sua segunda vida.

Como registrado no livro “Do Berço ao Berço:

refazendo o caminho para fazer coisas”, o

conceito é contrário ao da “obsolescência

programada”. Ou seja, as coisas devem ser

projetadas de forma a prever sua reintrodução

no ciclo, seja por reciclagem, por reaproveitamento,

ou utilizadas como

matéria-prima para serem

transformadas em outros

produtos, não perdendo a

qualidade quando recicladas

e ainda reforçando os

conceitos dos 3 R’s: reduzir,

reutilizar e reciclar.

Pode-se dizer que a obsolescência

programada é filha da sociedade

de consumo, mais especificamente do

chamado consumismo. Aqui já cabe uma

distinção feita por Bauman entre consumo e

“consumismo”. Para o autor, o consumo é um

elemento inseparável da própria sobrevivência

biológica, já a “revolução consumista”

surge mais recentemente:

Consumo x consumismo: Carrinho de

supermercado "upcycled", por Etienne Reijnders.

Foto: Lindholm Interior Concepts


Luminárias gambiológicas utilizando LED's em lâmpada queimada, lata antiga e fitas cassete: obsolescência iluminada.

Por Lucas Mafra, Coletivo Gambiologia e www.recycled-market.com

"Aparentemente o consumo é algo banal, até

mesmo trivial. É uma atividade que fazemos

todos os dias. Se reduzido à forma arquetípica

do ciclo metabólico de ingestão, digestão e

excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto,

permanente e irremovível, sem limites temporais

ou históricos; um elemento inseparável da

sobrevivência biológica que nós humanos

compartilhamos com todos os outros organismos

vivos. [...] Já o consumismo, em aguda oposição

às formas de vida precedentes, associa a felicidade

não tanto à satisfação de necessidades (como suas

“versões oficiais” tendem a

deixar implícito), mas a um

volume e uma intensidade

de desejo sempre crescentes, o

que por sua vez implica o uso

imediato e a rápida substituição

dos objetos destinados a satisfazê-la."

Consideremos os bens produzidos para serem

consumidos, não só para a satisfação de

necessidades, mas também para atender aos

desejos das pessoas. Alguns produtos são

compostos por matérias-primas que podem

ser biodegradáveis, ou seja, transformadas

no ciclo biológico; outros por materiais

tecnológicos que estão no ciclo técnico.

Ao serem reciclados,

produtos de papel e fibras

celulósicas geram resíduos

inservíveis

Produtos de fibras celulósicas, como papel e

papelão, são essencialmente compostáveis,

biodegradáveis, recicláveis. São produtos a

serem usados para vários fins. Ao receberem

qualquer impressão, passam a conter resíduos

de carbono e metais pesados provenientes

das mais diversas composições de tintas e

acabamentos gráficos. As modernas e atrativas

embalagens transformam a matéria-prima do

papel em um complexo amálgama de polpa

de madeira, polímeros, vernizes, tintas, metais

pesados, halogenados e hidrocarbonetos.

Caso seja incinerado

produzirá dioxinas, algumas

destas muito perigosas

e cancerígenas.

Ao serem reciclados,

produtos de papel e fibras celulósicas

(aparas) geram resíduos inservíveis, como

polietilenos (plásticos), alumínio e colas.

Além disso, o ciclo de aproveitamento

das fibras celulósicas é curto: elas podem

ser recicladas de cinco a sete vezes,

sempre perdendo resistência, sendo que a cada

novo ciclo de reciclagem são acrescentadas

fibras virgens ou longas. Considerando que

aparas pós-consumo contêm impressões, a

reciclagem será cada vez menos nobre e as

* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO * 117


fibras serão aproveitadas para outros fins, por

exemplo, servindo como miolo de papelão ou

papelões prensados (aqueles cinzas). Ou seja,

um processo complexo que envolve o uso

de químicos para branqueamento, gerando

necessidade de adaptações eco-eficientes ao

processo produtivo.

O mesmo acontece com plásticos que são

misturados a outros, produzindo materiais

híbridos com qualidade inferior. Da mesma

forma acontece com metal, alumínio e

vidro, pois quase sempre são acrescentadas

matérias-primas virgens para melhoria de

qualidade, ou até mesmo para viabilização do

processo. Toxinas, entre outros componentes

químicos presentes nos produtos de polietileno,

são danosos à saúde. Desta forma, uma

camiseta produzida com fibras

PET não irá para o solo

com segurança, ao contrário

das 100% algodão, sendo

este mais um novo dilema

da reciclagem.

Reciclar muitas vezes não é um

processo vantajoso. Produtos

descartados como resíduos são reintroduzidos

como matéria-prima

secundária e provenientes de um intrincado

processo em cadeia, que depende de

|inúmeros elos (frágeis) no complexo

sistema da coleta seletiva. Desta forma, a

reciclagem não pode nunca ser considerada

um ciclo fechado, mas um “downcycling”, pois

a qualidade do material é sempre reduzida.

Entretanto, o conceito de eco-eficiência

aplicado aos modernos modelos de manufatura

deve ser considerado positivo quando o ciclo

tecnológico e os produtos forem desenhados

para retornarem ao ciclo técnico, numa forma

de metabolismo industrial.

Pensar em

desenvolvimento sustentável

significa reaprender com

a natureza

Henry Ford inovou os sistemas produtivos

da indústria do automóvel, no final do século

XIX, introduzindo conceitos de produção que

reduziam o tempo de preparação das máquinas

e os custos e aumentavam a produtividade

com o ciclo contínuo de projeto em uma

seqüência lógica, além da produção de todos

os componentes dentro da própria empresa.

De forma simplificada e inovadora à época,

Ford praticou a primeira forma de upcycling

- uma nova concepção de design industrial

que deve reduzir consideravelmente a

emissão de resíduos tóxicos no ar, no solo e

na água; medir a prosperidade na relação de

menor atividade; cumprir com as inúmeras e

complexas legislações para manter as pessoas e

os sistemas naturais livres de envenenamento;

produzir menos materiais perigosos

e quantidades menores

de resíduos não utilizáveis;

aterrar o mínimo

de materiais, sabendo

que estes nunca mais

poderão ser recuperados.

Nesta concepção, o design de produtos passa

a ser concebido em todas as suas partes e

condizente com o conceito de “nutriente tecnológico”,

ou seja, o produto para o serviço, a

geração de resíduos como recursos.

Pensar em desenvolvimento sustentável

significa reaprender com a natureza, imitando

o metabolismo natural, onde não existe resíduo,

pois o resíduo de um é alimento para o outro.

Eliminar o conceito de “lixo” significa desenhar

coisas - produtos, embalagens e sistemas -

desde o mais inicial entendimento de que

resíduo pode ser re-significado como recurso,

na valorização de todos os componentes,

matérias-primas, nutrientes, determinando

o desenho e buscando a forma, não somente

a função ou aparência. Porém, não é esta a

118

* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *


www.potterybarn.com

Luminária a partir de peças de carro,

por "The Rag and Bone Man"

Descansos de panela feitos com

rolhas e abraçadeiras metálicas

(www.dailydanny.com)

Luminária Molotov (www.gambiologia.net)

www.etsy.com


Restos de isqueiros promovidos a pendrive, antena wi-fi e conexão bluetooth - por Saulo Policarpo / Lucas Mafra / Coletivo Gambiologia

definição mais usual do termo upcycling,

entre as inúmeras “propostas de design

ecologicamente correto”. O que é divulgado são

aplicações de materiais recicláveis em forma

de artesanato, que têm uma vida útil muito

curta e não consideram todo o ciclo de vida do

produto até o seu descarte. São produtos que

tratam apenas da reutilização de materiais,

usando partes de produtos, comumente

embalagens, muitas vezes mantendo a mesma

configuração e ainda deixando aparentes as

marcas, ou logotipos, o que invariavelmente

será motivo de polêmicas.

Resta-nos planejar qual a duração do ciclo se

está propondo manter, seja pensando na vida

humana individual com duração máxima de

100 anos, na dos nossos descendentes, ou até

mesmo no futuro de um planeta que serve de

morada à humanidade há milênios, acolhendo

e suprindo a vida.

120

* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *

REFERÊNCIAS:

Braungart, M.; McDonough, W. Cradle to Cradle: remaking the way

we make things. London: Vintage Books, 2009.

Bauman, Z. Vida para o Consumo: a transformação de pessoas em

mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2008.

_______________________. A sociedade individualizada:

vidas contadas e histórias vividas. Trad. José Gradel. Rio de Janeiro:

Zahar, 2008.

Capra, F. As conexões ocultas - ciência para uma vida sustentável. São

Paulo: Cultrix, 2002.

Cardoso, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac

Naify, 2012.

Giddens, A. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo

de nós. Rio de Janeiro: Record, 2011.

NBR ISO 14040: Gestão Ambiental: Avaliação do Ciclo de Vida -

Princípios e Estrutura. Rio de Janeiro: ABNT, 2001.

Sen, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das

Letras, 2000.

Simonetto, E. O.; Borestein, D. A Decision Support System for the

Operational Planning of Solid Waste Collection. Waste Management,

27 (10), p. 1286-1297, 2007.

United Nations Environment Program (UNEP). Life cycle

management: a business guide to sustainability. Genebra: UNEP,

2007.


UPCYCLING

The TECHnological cycle

by Nícia Mafra

"Trash is simply matter without meaning”.

Rafael Cardoso

The difficulties faced in this new millennium are easily

noticeable, some had been predicted in the early twentieth

century. New and serious problems coexist with old, such

as the persistence of poverty and unmet basic needs -

health and nutrition - increasingly serious threats to the

environment, the sustainability of economics and human

live, especially after the advent of globalization.

To fight these problems, one must consider individual

freedom as a social commitment (Sen: 2010). The notion of

freedom, which includes economic opportunities, political

freedom, social facilities, guarantees of transparency and

protective security, as well as access to comfort in the form

established by desire (so manipulated by marketing tools),

brings up a culture of disconnection from the whole.

With the process of globalization, the question of

democracy, as a model of freedom, is closely related

to a cultural problem worthy of attention. It is the

overwhelming power of culture and Western lifestyle to

undermine ways of living and traditional customs. An

inescapable threat, it is difficult to resist the forces of

economic exchange and division of labor in a competitive

world driven by the technological revolution.

Anthony Giddens, a leading British sociologist, has made

significant contributions to social theory, exploring the

interactions between social structures and human activity.

The productive society after the industrial revolution and

influenced by Marx, should have become more stable and

orderly. However, today it seems to be a runaway world.

Some situations, considered at risk, resulting from global

climate change and from intervention in the environment,

are not all just natural phenomena. New risks and

uncertainties affect us wherever we live, no matter how

privileged or poor we are, and are inextricably linked to

globalization, an era of transformation. To understand and

minimize these risks, we need an integrated, or integrating

vision of the dynamic relationship among the parts and

the whole, where what affects is also affected in almost all

ways, or: "what goes around comes around."

In the functioning of the social world, individuals assign

certain meaning to their environment, act according to

this meaning and the individual interpretations are based

on a set of assumptions provided by history and tradition.

The linguistic roots of the word "tradition" are old. The

English word comes from the Latin term tradere, which

means transmitting, or entrusting something to another.

Tradere was originally used in the context of Roman law,

where it referred to the laws of inheritance. Presumably, a

property that passed from one generation to another was

given in trust - the heir had an obligation to protect it and

promote it (Giddens, 2011:49).

Some lost traditions may be greatly missed, as the

extinction of ancient ways of life that may cause anxiety

and a sense of loss. A certain nostalgia for specialized

objects may prevail, such as an elegant, old steam engine

or an antique clock, but in general obsolete machines and

discarded things are not particularly desired.

For a while we have been living with objects produced to

meet a need or function. According to Giddens, the idea

that tradition is impervious to change is a myth. Traditions

can be invented and reinvented. However, some, such as

those associated with the great religions, last hundreds of

years. Thus, two basic changes are occurring today under

the impact of globalization; not only public institutions

but also everyday life is liberating itself from tradition.

This society is experiencing the end of tradition and may

experience the end of nature, or, indoubtably, undergo a

major transformation. Traditions succumb to modernity,

they are emptied of their contents, and, commercialized,

they become objects of inheritance or kitsch.

This new network economy has profoundly transformed

the social relations between capital and labor, as Manuel

Castells analyzes. The capital is global, while the labor

is local. Large enterprise networks diffuse power in a

hierarchical manner, where the exercise of power is a

controlled and linear process. In networks and ecological

interrelationships, the process is nonlinear an involves

multiple feedback cycles, being the results often impossible

121


to predict. So there is a crucial difference between

ecological networks of nature and human society’s

networks of businesses or industry. In an ecosystem, no

being is excluded from the network. All species, even the

smallest among bacteria contribute to the sustainability of

the whole.

One of the great advantages of recognizing the complexity

of the world is to understand that all parts are interrelated.

Thus, the actions of each join the actions of others to

form movements that are beyond the capacity of any one

individual parts or componentes. The interaction between

social structures and human activity is cyclical, "times

change, and with them change the significance of things

that seem fixed. "(Cardoso, 2012)

Then we can verify the notion of cycle in the complex current

system, which defines the main theme of this article the

"Upcycling". The term, coined by William McDonaugh

(architect) and Michael Braungart (chemist), means the

process of converting an industrial nutrient (material) into

something of similar or greater value, in its second life,

theme of this article, the book "Cradle to cradle: remaking

the way to do things," whose main premise is the opposite

of the concept of "planned obsolescence". In other words,

things should be designed anticipating its reintroduction

to the cycle, either by recycling for reuse, or used as raw

material for processing into other products, not losing

quality when recycled and further reinforcing the concept

of the 3 R's: reduce, reuse and recycle.

We can say that planned obsolescence is the daughter of

the consumer society, more specifically of the so-called

consumerism. Here it fits a distinction made by Bauman

between consumption and "consumerism". For this author,

consumption is an inseparable element of biological

survival, but the "consumer revolution" comes much later

with the passage of consumption to consumerism:

Apparently consumption is banal, even trivial. It is an

activity that we do every day. When reduced to the

archetypal form of the metabolic cycle of ingestion,

digestion and excretion, consumption is a condition,

and a permanent and immovable aspect, without time

or historical limits, an inseparable element of biological

survival that we humans share with all other living

organisms. [...] Yet, consumerism, in sharp contrast to

previous forms of life, associates happiness not so much

with the satisfaction of needs (as its "official versions" tend

to imply), but an Always increasing volume and intensity

of desire, which in turn implies the immediate and rapid

replacement of objects designed to satisfy it.

Consider the goods produced to be consumed, not only

for the satisfaction of needs, but also to meet the desires

of people. Some products are made of raw materials which

may be biodegradable, ie transformed into the biological

cycle; others made of technological materials within the

cycle or technical metabolism.

Products of cellulose fibers, such as paper and cardboard,

are essentially compostable, biodegradable, recyclable.

Products are to be used for various purposes. Upon

receiving any kind of printing, they receive residues

of carbon and heavy metals from the most diverse

compositions of inks and graphic finishes. Modern and

attractive packaging transforms the raw material of paper

into a complex mixture of wood pulp, polymers, varnishes,

inks, heavy metals, halogenates and hydrocarbons. If

incinerated, they produce dioxins some of which are very

dangerous and cancerous. Materials created by humans,

therefore, are in a technology cycle.

Paper or pulp fibers products (scraps), when recycled,

generate many useless wastes, such as polyethylene

(plastic), aluminum glues. Furthermore, the cycle of use of

cellulosic fibers has a short life. They can be recycled from

5 to 7 times, each time generating less resistance, since in

each new recycling virgin or longer fibers are added. Since

post-consumer scrap contains printing, recycled material

becomes less pure and fibers are used for other purposes,

for example, serving as cardboard core or pressed cardboard

(the gray ones). That is, a complex process involving the

use of bleaching chemicals, generating the need for ecoefficient

adjustments to the production process.

The same goes for plastics, which are mixed with other

materials, producing hybrids of lower quality. The same

happens with metal, aluminum and glass, since almost

always virgin materials are added to improve quality

or facilitate the process. Toxins, among many other

chemicals, mainly present in the polyethylene products

are damaging to health. Thus, a shirt produced from PET

fibers will not safely go to the ground, unlike the 100%

cotton shirts. This is a new dilema of recycling.

Recycling is often not an advantageous process. Discarded

products such as waste are reintroduced as secondary

raw material and from an intricate chain process, which

depends on numerous links (fragile) in the complex

system of selective collection. Thus, recycling can never

be regarded as a closed loop process, but a "downcycling",

because the quality of the material is always reduced.

However, the concept of eco-efficiency applied to the

manufacture of modern designs should be considered

122

* UPCYCLING THE TECHNOLOGICAL CYCLE *


as positive when the technology cycle and products are

designed to return to the technical cycle in a form of

industrial metabolism.

Henry Ford innovated the productive systems of the

automobile industry in the late nineteenth century,

introducing concepts of production that reduced the

preparation time of machines and costs and increased

productivity with a continuous cycle of the project in a

logical sequence, in addition to producing all components

within the same company. In a simplified and innovative

form at the time, Ford practiced the first form of

"upcycling" - a new concept of industrial design that

should considerably reduce the emission of toxic waste

into the air, soil, and water each year; measure prosperity

in relation to less activity; comply with numerous and

complex laws to keep people and natural systems free

of poisoning as soon as possible; produce less hazardous

materials and smaller amounts of unusable waste; using

the minimum of materials, knowing that they may never

be recovered.

Within this concept, the design of products is now viewed

in all its parts and it is consistent with the concept of

"technical nutrient", in other words, the product to the

service, the generation of waste as a resource.

REFERENCES:

Braungart, M., McDonough, W. Cradle to Cradle:

remaking the way we make things. London: Vintage Books,

2009.

Bauman, Z. Life for consumption: the transformation of

people into merchandise. Trad. Carlos Alberto Medeiros.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

_______________________. The individualized

society: lives lived and stories told. Trad. José Gradel. Rio de

Janeiro: Zahar, 2008.

Capra, F. The hidden connections - science for sustainable

living. Sao Paulo: Cultrix, 2002.

Cardoso, R. Design for a complex world. Sao Paulo: Cosac

Naify, 2012.

Giddens, A. Runaway world: what globalization is doing

to us. Rio de Janeiro: Record, 2011.

ISO 14040: Environmental Management: Life Cycle

Assessment - Principles and Structure. Rio de Janeiro:

ABNT, 2001.

Sen, A. Development as Freedom. São Paulo: Companhia

das Letras, 2000.

Simonetto, E. O.; Borenstein, D. A Decision Support

System for the Operational Planning of Solid Waste

Collection. Waste Management, 27 (10), p. 1286-1297,

2007.

United Nations Environment Program (UNEP). Life cycle

management: a business guide to sustainability. Geneva:

UNEP, 2007.

To think about sustainable development means relearning

with nature, mimicking the natural metabolism, where

there is no waste because the waste of one is food for

another. To eliminate the concept of "waste" means

designing things - products, packages and systems – using

the minimum of materials, knowing that they can be

redefined as resource in the appreciation of all components,

raw materials, nutrients, determining the design and form,

not only the function or appearance.

However, as there are many meanings, this is not the most

widespread definition of the term "upcycling", among

numerous interpretations attributed to "proposals for

environmentally-friendly design." What is disclosed are

applications of recyclable materials in the form of artifacts,

which have a very short life and do not consider the entire

life cycle of the product until disposal. These are products

with "design" that only address the reuse of materials,

using parts of products, commonly packaging, often

keeping the same configuration and still leaving visible

marks, or logos, which will invariably cause controversy.

It remains for us to plan how long the cycle is proposing

to preserve itself, being thinking about the individual

human life lasting a maximum of 100 years, in the future

descendants, or even the future of a planet that serves to

host humanity for millennia, accepting and supplying life.

* UPCYCLING THE TECHNOLOGICAL CYCLE * 123



por Ângelo Abu


texto e ilustrações por Evandro Castro

Cleptô

mano


D

esesperado, um colega psiquiatra

um dia desabafou comigo: "só me

aparece doido!". Não era verdade,

ele estava cansado e às vezes até nós

nos surpreendíamos com a alma humana.

Há anos trabalhávamos na mesma clínica,

cada um em sua sala, atendendo em psicoterapia

os clientes que nos procuravam com

os mais variados problemas, desde os mais

banais aos mais complexos. Entretanto, todo

mundo sabe que as profissões “psi” sempre

foram cercadas de preconceitos e fantasias.

O dono da lanchonete localizada no andar

térreo de nosso prédio e que também era poeta,

com sarcasmo provocava:

“... eles eram doidos, pareciam

normais, mas eram

clientes do doutor, por isto

eu sabia, eram doidos”.

Numa lenta manhã, alguns

dias mais tarde, durante um intervalo entre

clientes, bateram na porta de meu consultório.

Era um sujeito baixinho, careca e com uma

barbinha que lhe emoldurava o queixo e a

boca. Muito simpático, me disse ter vindo

ao prédio e por acaso havia visto minha

plaquinha de psicólogo. Por impulso resolveu

me procurar. Geralmente eu só aceitava

clientes indicados, o que me possibilitava uma

primeira triagem. Talvez por curiosidade e

por estar disponível naquele momento,

resolvi atender o sujeito que me disse seu

nome e insistiu que eu o chamasse pelo

apelido: "Mestre".

Experimentou sensações

incríveis desde o momento

em que pensou pegar para

si o singelo cinzeirinho até o

instante em que o surrupiou

Sua história era cinematográfica. Desde uma

infância carente até a vida adulta suportada

por um alcoolismo severo, havia cenas

comoventes. Era artista, freelancer desenhista

de joias, inteligente, bem informado, mas

um pouco esquisito. Havia acabado de se

separar de uma mulher louca, segundo ele,

e tinha dois filhos que o preocupavam e o

faziam temer o futuro. Surpreendentemente,

nada disto era o motivo de sua consulta.

O que lhe trouxera ali era uma compulsão

atroz que o perseguia desde a adolescência

e que ultimamente tinha se especializado.

"– Como?" Perguntei sem entender.

Aos dezoito anos, sem querer,

aconteceu seu primeiro

furto. Simplesmente sentiu

uma vontade irresistível de

colocar no bolso o cinzeiro

de lata que estava em cima

da mesa do Bar do Português, na esquina de

sua casa. Experimentou sensações incríveis

desde o momento em que pensou pegar para

si o singelo cinzeirinho até o instante em que

o surrupiou. Inicialmente sentiu uma atração

misturada com medo e tensão e depois, alívio

e euforia. Foi andando para casa morrendo de

rir com sua travessura e não havia lugar para

arrependimento ou dúvidas: aquilo tinha que

ser feito, e conseguiu fazer bem feito. Para sua

desdita, a coisa não parou e daí alguns dias

“teve” que se apropriar ilicitamente de uma

colherinha numa lanchonete, e da mesma

forma foi obrigado por uma força interna a

127


colecionar facas, gravatas, pentes, garrafas

vazias, bonés, a parte de cima de biquínis,

pés esquerdos de sandálias e outras coisas

absolutamente inúteis. Apesar de ser uma

pessoa geralmente deprimida, de um modo

ou de outro conseguiu ir levando uma

vida normal como artista e ativa na prática

daquilo que para ele era um vício excitante.

Sua mulher sempre se mostrou extremamente

solidária e muitas vezes o ajudou a efetuar

suas ações emocionantes protegendo-o

para não ser flagrado.

Foi em 1983, durante a 17ª Bienal de São

Paulo, que sua compulsão começou a se

dirigir para objetos específicos. Havia lido

Marcel Duchamp e entendera muito bem suas

proposições fundadoras

da Arte Contemporânea.

Principalmente a parte

dos readymades e sua

definição, a qual coincidia

impressionantemente com

sua atividade artística

marginal. Para ele estava

claro, o que sempre

havia feito era arte: descobrir objetos inúteis,

comuns, anestéticos e apropriar-se deles, deslocá-los

de seu lugar original. Por não saber

que aquilo que praticava por impulso poderia

ser arte, vivera até então na marginalidade

mas, a partir de então, teria oportunidade

de ser artista contemporâneo, reconhecido e

valorizado. Foi pensando assim que, diante

da obra minimalista de Piet Stockmans,

montada no chão do 2º andar do pavilhão da

Bienal, Mestre abaixou-se, pegou e colocou

no bolso da jaqueta uma pequena xícara de

porcelana branca sem alça com uma mancha

azulada no fundo, a qual fazia parte de

uma espécie de tapete montado pelo artista

belga. Era o começo de uma série de furtos

Apesar de ser uma pessoa

geralmente deprimida, de um

modo ou de outro conseguiu

ir levando uma vida normal

como artista e ativa na prática

daquilo que para ele era um

vício excitante.

de pequenas peças componentes de obras de

arte. A última, para fechar sua instalação de

pequenos objetos de arte (furtados), havia

sido na 29ª Bienal de São Paulo, poucos dias

antes de nossa entrevista. Foi uma de suas

proezas mais difíceis: uma intervenção cirúrgica

na obra "350 Points Towards Infinity,

de 2009". Conseguira cortar o fio de prumo

que sustentava um pêndulo obliquamente

suspenso e qual, junto com outros 349, compunha

a belíssima obra da italiana Tatiana

Trouvé. Claro que correra sério risco de ser

pego e pior, mal entendido, apesar de já possuir

quase uma centena de pequenas peças,

sua coleção de readymades “artísticos” ainda

não havia sido consagrada pelo público, pelas

instituições de arte e nem pelos críticos e ele

poderia ser confundido

com um ladrão.

Compreendi, então que

o motivo de me procurar

era um conflito que se

estabelecera a partir do

momento em que ele foi

seduzido pela possibilidade

de mostrar o produto de seus furtos em

forma de arte. Sua exposição acabaria com sua

proteção, sua capa de impunidade e ele poderia

tornar-se não só um artista conhecido, como

também um réu-conhecido. "Que faço,

doutor? Me ajuda!"

Havia sumido todo meu interesse por

Mestre, senti repulsa e uma vontade de recitar

Manoel Bandeira: "... a única coisa que posso

fazer é mandar tocar um tango argentino".

Mas foi aí que meu cliente com horário

marcado bateu à porta, aumentando minha

ansiedade em parar com aquela entrevista

que já durava duas horas. Abruptamente

encerrei nossa conversa, dei-lhe meu cartão

128

* CLEPTÔMANO *


e disse-lhe para marcar uma próxima sessão,

caso quisesse.

Recebi o próximo cliente, mas logo percebi

que não tinha condições para atendê-lo.

Dei uma desculpa e fechei a porta. Meus

conflitos, que coincidentemente também

envolviam questões com a arte, tinham sido

atingidos. Eu havia acabado um curso de

Artes Plásticas e decidira não seguir carreira,

abandonar sonhos de sucesso, reconhecimento

público e talvez até de uma Bienal,

algum dia. Pensava em me dedicar apenas à

construção de pequenos objetos inúteis pelo

resto de minha vida. Fazer como Aureliano

Buendia, personagem de Garcia Marquez em

seu livro "Cem Anos de Solidão" que, no final

da vida, se trancou em sua oficina a produzir

peixinhos dourados, iguais àqueles três que

eu mesmo fizera e que ficavam na mesinha ao

meu lado. Nada disto, porém, explicava meu

descontrole e a angústia que comecei a sentir

no final da entrevista com Mestre.

Lembrei-me que foi logo depois de me levantar

para tomar um copo d’água que aquela

sensação começara. A partir daí, fui ficando

incomodado, com raiva, sem entender meus

sentimentos. Para piorar veio-me à memória,

como um flash, o título grotesco de uma

das poesias do meu amigo da lanchonete:

“Seria o doutor um louco furioso?” Nem tanto.

Ao olhar com atenção em cima de minha

mesinha de apoio, descobri um possível

motivo inconsciente para minhas reações

emocionais: um peixinho dourado sumira!

* CLEPTÔMANO * 129


text and illustrations by Evandro Castro

Desperate, a colleague psychiatrist vented with me one day - Only crazy people

show up to me! It was not true, he was tired and sometimes we were surprised

by the human soul. For years we were working in the same clinic, each in his

room, attending in psychotherapy clients who came to us with a wide variety

of problems, from the most mundane to the most complex. However, everyone

knows that “psi” professions have always been surrounded with prejudices

and fantasies. The owner of the coffee shop located on the ground floor of our

building and who was also a poet, sarcastically teased, "... they were crazy, they

looked normal but they were clients of the doctor, so I knew they were crazy."

On a slow morning, a few days later, during an interval of several hours between

clients, someone knocked on my office door. He was a short man, bald, and with

a beard that framed his chin and mouth. Very friendly, he told me he had come to

the building and by chance had seen my psychologist nameplate and decided on

impulse to look for me. I usually only accept indicated clients, which facilitated

an initial screening. Perhaps out of curiosity and because I was available at that

time I decided to attend the guy who told me his name and insisted that I call

him by his nickname - Master.

His story was like a film, from a poor childhood to adulthood, supported by

severe alcoholism, it had its moving scenes. He was an artist, a freelance jewelry

designer, intelligent, well-informed, but a little weird. He had just separated from

a crazy woman, he said, and had two children who made him worry and fear the

future. Surprisingly, none of this was the reason for his visit; what had brought

him there was a gnawing compulsion that haunted him since adolescence and

that lately he became specialized. How? I asked blankly.

At eighteen, unwittingly, his first theft happened. He just felt an irresistible urge

to put in his pocket the tin ashtray that was on the table of the Portuguese Bar,

on the corner of his home. He experienced amazing sensations from the moment

he thought of getting it for himself to the moment he pilfered the little ashtray.

Initially he felt an attraction mixed with fear and tension and then relief and

euphoria. He went walking home laughing with his mischief and there was no

room for regret or doubt, that had to be done and he managed to do it well.

To his misfortune, the thing has not stopped and a few days later he "had" to

unlawfully appropriate a teaspoon at a diner and likewise he was forced by an

internal drive to collect knives, ties, combs, empty bottles, caps, the tops of

bikinis, the left feet of sandals and other absolutely useless things. Despite being

a generally depressed person, one way or another he managed to lead a normal

life as an artist, and was active in the practice of what for him was an exciting

vice. His wife has always been extremely supportive and has often helped him

make his exciting actions, protecting him from being caught.

130


It was in 1983, during the 17th Bienal de São Paulo, that his compulsion began

to turn to specific objects. He had read Marcel Duchamp and understood very

well his founding propositions of contemporary art. Especially the part of the

ready-mades and its definition, which coincided strikingly with his marginal

artistic activity. For him it was clear that what he had always done was art:

to discover useless, common, anesthetic objects and take possession of them,

move them from their original place. Not knowing that what he practiced by

impulse could be art, hitherto living on the margins, he learnt since then he

had a chance to be a contemporary artist, recognized and valued. Thinking this

way, before Piet Stockmans’minimalist piece, mounted on the floor of the 2nd

floor pavilion at the 17th Bienal de São Paulo, Master bent down, picked up

and put in his jacket pocket a small white porcelain cup, without a handle and

with a blue spot in the background, which was part of a kind of tapestry put

together by the Belgian artist. It was the beginning of a series of thefts of small

components of artwork pieces. The last, to close his installation of small (stolen)

art objects, was a few days before our interview. It was at the 29th Bienal de

São Paulo and it was one of his most difficult feats. A surgical intervention in

the piece 350 Points towards Infinity, of 2009. He managed to cut the plumb

line that held a pendulum suspended obliquely, and which along with other 349

pieces composed the beautiful work of the Italian Tatiana Trouvé. Of course he

had run a serious risk of being caught and worse, misunderstood, despite already

owning nearly a hundred small pieces, his collection of "artistic" ready- mades

had not yet been consecrated by public institutions of art nor by critics and he

could be mistaken for a thief.

I realized then that the reason he was looking for me was a conflict that had been

established from the moment he was seduced by the possibility of showing the

product of his thefts in an art form. His exhibition would end his protection, his

cloak of impunity, and he could become not only a well-known artist but also a

well-known defendant. What do I do doctor ? - Help me!

All my interest for Master had fled, I felt revulsion and a desire to recite Manoel

Bandeira: "... the only thing I can do is to ask to play an Argentinean tango." But

that was when my scheduled client knocked on the door, increasing my anxiety

to stop with that interview that had already lasted two hours. I abruptly shut

our conversation, I gave him my card and told him to schedule a next meeting

if he wanted to.

I received my next client, but soon I realized that I was in no condition to attend

him, so I gave an excuse and shut the door. My conflicts, which coincidentally

also involved art issues, had been reached. I had just finished a Fine Arts course

and had decided not to pursue a career, to abandon dreams of success, public

recognition and maybe even a biennal one day. I thought of dedicating myself to

building small useless objects for the rest of my life. Do as Aureliano Buendia

did, a Garcia Marques character in his book One Hundred Years of Solitude,

who late in life locked himself in his workshop to produce goldfish - like those

three I had done myself and that were on the table beside me. None of this,

however, explained my disarray and anguish that I began to feel at the end of

that interview with Master. I remembered it was right after I got up for a glass of

water that that feeling had begun. From there on I was getting annoyed, angry,

without an understanding of my feelings. To make matters worse, it came to

mind, like a flash, the title of one of the grotesque poems of my cafeteria friend:

"Might the doctor be a furious madman ?" Not really, looking carefully over

my support table I discovered a possible unconscious reason for my emotional

reactions - a goldfish was gone!

131


Foto: Department of Psychiatry, UCSD


COMPULSIVE

HOARDING

Síndrome de Diógenes: a irrefreável compulsão por acumular

caso dos irmãos Collyer, relatado

nesta edição, é um exemplo

clássico da acumulação patológica,

a compulsão por juntar coisas e

a extrema dificuldade para livrar-se delas.

São relativamente recentes os primeiros

estudos sobre a Acumulação Compulsiva (ou

Pathological Collecting). Somente no final da

década passada surgiu no Reino Unido a

primeira terapia de grupo para pessoas que

padecem deste mal. Ao longo dos últimos

anos foram detectados os traços típicos dos

acumuladores compulsivos, os problemas que

normalmente enfrentam, as possíveis causas

desse comportamento e até mesmo um mapa

neurológico deles. Depressão, ansiedade,

déficit de atenção e hiperatividade são

sintomas comuns em pessoas que desenvolvem

ssa desordem obsessivo-compulsiva. A maior

incidência se dá entre os mais velhos, que

comumente já não são mais assistidos pela

família e, assim, podem transformar suas

casas em apertados depósitos de tudo.

O

Também conhecido como Síndrome de

Diógenes, "síndrome de miséria senil",

Syllogomania, Disposophobia ou ainda, informalmente,

como Packratting, o Compulsive

Hoarding apresenta riscos conexos diretos e

indiretos, como doenças que podem surgir

com a sujeira (problemas respiratórios causados

por poeira) ou trazidas por ratos, baratas e

animais congêneres afeitos ao lixo, bem como o

risco de incêndio e, num caso mais extremo – o

dos irmão Collyer é exemplar – o esmagamento

pelo entulho. Segundo algumas correntes

médicas, a Síndrome de Diógenes ainda não

pode ser considerado uma desordem mental

claramente configurada, e muitos acumuladores

podem não apresentar nenhum outro

sintoma de transtorno obsessivo-compulsivo.

Tampouco costumam reconhecer em si

algum distúrbio.

Casas de acumuladores compulsivos podem

ter cômodos totalmente interditados

pela tralha e, assim sendo, é normal que

essas pessoas evitem e até mesmo impeçam

visitas, tornando-se cada vez mais isoladas.

O Compulsive Hoarding pode ser dividido em,

por assim dizer, variantes específicas, como

a bibliomania, cujo foco da atração são os

livros, catálogos e textos dispersos em geral,

ou o Animal Hoarding, que trata da obsessão

pelos animais de estimação.

Depressão, ansiedade, déficit de atenção e

hiperatividade são sintomas comuns em pessoas que

desenvolvem essa desordem obsessivo-compulsiva

133


O pesquisador David Tolin, da Escola de

Medicina da Universidade de Yale, quis

descobrir o que acontece no cérebro desses

acumuladores usando imagens obtidas com

ressonância magnética funcional. Nesse

trabalho, ele e sua equipe diagnosticaram o

problema como a “aquisição excessiva

e a incapacidade de descartar

objetos, resultando em uma

desordem debilitante”. Os exames

mostraram que os acumuladores tinham

diferenças importantes no cérebro, tanto no

córtex cingulado anterior, associado com

a atenção e a capacidade de concentração,

quanto na ínsula anterior, ligada à avaliação

de riscos, importância de estímulos e

decisões emocionais.

www.orvallisadvocate.com

Os acumuladores submetidos às experiências

de Tolin mostraram uma capacidade de processamento

mais baixa na atividade cerebral

nessas regiões no momento de tomada de

decisões, motivada quase sempre por uma

incerteza acerca do resultado. A conclusão foi

que eles não necessariamente precisam manter

o que têm porque amam seus pertences.

Na verdade, eles evitam tomar decisões sobre

o que fazer pelo medo extremo de estar cometendo

um erro ao optar por jogar qualquer

coisa fora (por acharem que poderão precisar

dela mais tarde).

www.wikimedia.org

www.thehoardingproject.org

Além do emblemático caso dos irmãos

Collyer, há outros – que inclusive já foram

tema de documentários e reportagens

televisivas –, como o de um homem que tinha

compulsão por guardar informações: revistas,

livros, jornais, tudo espalhado pelos cômodos

de sua casa. Ele chegava a vasculhar o lixo

regularmente para ver se algum escrito podia

ser recuperado e guardado. Mas o Compulsive

Hoarding não está exclusivamente ligado

134


www.wikimedia.org

ao lixo, a velharias ou às coisas sem uso.

Há registrado o caso de uma mulher que

era uma acumuladora-consumidora, ou seja,

a tralha que estorvava os cômodos de sua

casa era quase toda fruto de suas compras.

Mesmo sem ter necessidade, mas por um desejo

incontrolável, ela comprava de tudo.

A reportagem que focalizou o drama

desta mulher apontava que a escada que

dava acesso ao segundo piso de sua casa havia

sido interditada pelos objetos e, na sala,

era preciso encontrar trilhas

entre as montanhas de compras,

boa parte ainda lacrada e com as etiquetas.

www.wikipedia.org

www.orvallisadvocate.com

É digno de menção, ainda, o relato de

uma outra mulher, que dizia não achar que

acumulava coisas, mas que as estava “salvando”.

O detalhe é que o pai dela era lixeiro e

sempre levava para casa objetos que encontrava

na rua, o que denota uma espécie de

acumulação compulsiva hereditária. Já em

idade avançada, com cinco filhos criados e

encaminhados na vida, morando sozinha,

ela justificava que os objetos lhe faziam

companhia. Ela e o marido – alcoólatra,

internado diversas vezes por esquizofrenia

– foram expulsos de modo recorrente dos

locais onde moravam pela vizinhança,

incomodada com o entulho que se espalhava

pelo quintal e com os animais pestilentos que

o lixo atraía.

São casos não tão raros quanto se imagina e

justamente por isso vêm sendo merecedores

de atenção, tanto pela ótica científica quanto

pela esfera do entretenimento. Personagens

que são acumuladores compulsivos, reais ou

fictícios, já povoam a literatura, o cinema e

mesmo a televisão. O foco da abordagem é

que naturalmente varia, do humor ao drama.

DB

135


www.messiemother.com

PATOLOGIA ENTRETENIMENTO

Colecionismo, acumulação compulsiva e afins são temas de várias séries de TV

ACUMULADORES (Hoarders)

A&E • www.aetv.com/hoarders

Antiques Roadshow

PBS • www.pbs.org/wgbh/roadshow

AUCTION Hunters

Spike • www.spike.com/shows/auction-hunters

Bizarrices (oDDITIES)

Discovery Science

science.discovery.com/tv-shows/oddities

caçadores de relíquias (AMERICAN PICKERS)

The History Channel

www.seuhistory.com/programas/cacadores-de-reliquias.html

Caos

The History Channel

www.seuhistory.com/programa/caos.html

Confessions: Animal Hoarding

Animal Planet

animal.discovery.com/tv-shows/confessions-animal-hoarding

Hoarding: Buried Alive

TLC

www.tlc.com/tv-shows/hoarding-buried-alive

Tibira e Carrô são os protagonstas da série Caos, que acompanha o diaa-dia

de uma loja em São Paulo que também é balada, bar e antiquário.

Foto: Reinaldo Meneguim - cortesia The History Channel

mestres da restauração

(AMERICAN RESTORATION)

The History Channel

www.seuhistory.com/programas/mestres-da-restauracao.html

QUEM DÁ MAIS? (Storage Wars)

A&E • www.aetv.com/storage-wars

STORAGE HUNTERS

TruT V • www.trutv.com/shows/storage-hunters

trato feito (PAWN STARS)

The History Channel

www.seuhistory.com/programas/trato-feito.html

136


COMPULSIVE

HOARDING

Diogenes syndrome:

The unbridled compulsion to accumulate

The case of the Collyer brothers, which is reported in

this FACTA issue, is a classic example of pathological

accumulation, the compulsion to gather things and the

extreme difficulty to get rid of them. Preliminary studies

on Compulsive Hoarding (or Pathological Collecting)

are relatively recent. Only at the end of the last decade,

in the UK, that the first group therapy for people who

suffer from this evil took place. [I know this looks weird,

but: …the UK, did the first group therapy for people who

suffer from this evil take place] Over the last few years the

traces of typical compulsive collectors were detected, the

problems they usually face, the possible probable causes

of this behavior, and even a neurological map of them.

Depression, anxiety, attention deficit and hyperactivity

disorder are common symptoms in people who develop

this obsessive-compulsive disorder. The highest incidence

occurs among older people, who are no longer commonly

attended by family and thus can transform their homes

into tight deposits of everything.

Also known as Syllogomania, Disposophobia or

informally as Packratting, compulsive hoarding has direct

and indirect risks associated with it, such as diseases that

can arise with the dirt (respiratory problems caused by

dust) or brought by rats, cockroaches and related animals

attracted to waste, as well as the risk of fire and, in the

most extreme case - the example is of the Collyer brothers

- the risk of being crushed by the debris. According to

some current medical thought Compulsive Hoarding can

not yet be considered a clearly configured mental disorder,

and many accumulators may have no other symptoms

of obsessive - compulsive disorder. Nor do they often

recognize a disorder in themselves.

Homes of compulsive accumulators may have rooms

totally blocked by stuff and, therefore it is normal for

these people to avoid and even prevent visits, becoming

increasingly isolated. Compulsive Hoarding can be divided

into specific variants, so to speak, such as bibliomania, in

which the focus of attraction are is books, catalogs and

texts in general, or Animal Hoarding, which deals with

the obsession with pets.

Researcher David Tolin, from the School of Medicine at

Yale University, wanted to find out what happens in the

brain of these accumulators by using images obtained with

fMRI. In this work, he and his team diagnosed the problem

as an "excessive acquisition and the inability to discard

objects, resulting in a debilitating disorder." The tests

showed that the accumulators had important differences in

the brain, both in the anterior cingulate cortex, associated

with attention and the ability to concentrate, and in the

anterior lobe, linked to risk assessment and the importance

of stimuli and emotional decisions.

The collectors subjected to Tolin's experiments showed a

lower processing capacity of brain activity in these regions

at the moment of making decisions, often motivated by

uncertainty about the outcome. The conclusion was that

they do not necessarily need to keep what they have

because they love their belongings. In fact, they avoid

making decisions about what to do by extreme fear of

making a mistake by choosing to throw anything away

(because they think they may need it later).

Besides the emblematic case of the Collyer brothers,

there are others - which also have been the subject of

documentaries and TV shows - such as the man who

had a compulsion to save information: magazines, books,

newspapers, all scattered through the rooms of his home.

He came to scour the garbage regularly to see if there

were any writings that could be recovered and saved. But

Compulsive Hoarding is not exclusively linked to waste,

junk or things of no use. There is a recorded case of a

woman who was a hoarder - consumer, i.e. the stuff that

messed the rooms of her house was almost entirely the

result of her purchases. Quite without necessity, but moved

by an ungovernable desire, she would buy everything. The

report, which focused on the drama of the woman, showed

that the stairs that led to the second floor of her house had

been blocked by the objects, and in the living room it was

necessary to find paths among the mountains of stuff,

most still sealed and with tags.

It is worth mentioning also the story of another woman

who said she did not think she accumulated things but

instead she was "saving" them. The detail is that her father

was a garbage man and had always brought home objects

found in the streets, which denotes a kind of hereditary

compulsive hoarding. Already in advanced age, with five

children raised and already independent in life, living

alone, she justified her hoarding by saying the objects

kept her company. She and her husband - an alcoholic

hospitalized several times for schizophrenia - were

expelled recurrently from the places where they lived by

neighbors troubled with the rubble that spread across the

yard and with the stinking animals the garbage attracted.

These cases are not as rare as one may think, and rightfully

so they have been worthy of attention, both by the scientific

view as by the sphere of entertainment. Characters who are

compulsive accumulators, real or fictitious, already populate

the literature, films and even television. The focus of the

approach is what naturally ranges from humor to drama.

137


Quem passa pela fachada do

galpão da Matiz Arte Objeto,

discretamente localizado em

um prédio da região central de

Belo Horizonte, não faz ideia das

preciosidades que habitam seu

interior. Antônio Carlos Figueiredo,

proprietário do espaço, tem acumulado

durante 30 anos um formidável conjunto de

peças antigas, relíquias, raridades da cultura

mineira, brasileira e mundial que pretende

transformar em um Museu do Cotidiano.

O acervo, além de exalar as memórias de

tempos antigos, faria inveja em qualquer

diretor de arte hollywoodiano, tamanha a

variedade e quantidade de peças: Antônio

orgulhosamente afirma serem mais de cem

mil, dispostas não só nessa locação, mas

também em mais três galpões, uma casa,

quatro salas e uma loja. Todos lotados.

Apesar da aparência de caos e mesmo sensação

de claustrofobia em um primeiro momento

– os objetos estão muitas vezes empilhados

do chão ao teto –, o espaço vai se mostrando

surpreendentemente organizado. “Conto com

a ajuda do Santo Expedito”, diz o anfitrião.

Expedito é na verdade o braço direito

“ambidestro, nordestino e paciente” que

ajuda na lida do dia a dia, limpando e

organizando, de tempos em tempos, o acervo.

O galpão contém “departamentos” de quase

tudo: TV’s, rádios, garrafas, placas, taxímetros,

latas, opalinas, filtros de água, talheres,

geladeiras, pias de trens, brinquedos, papéis e

também uma sala reservada, estão guardadas


obras de arte mais valiosas e que sutilmente

não fomos convidados a conhecer.

As quase quatro horas de visita pela reportagem

de Facta, seguindo o que nos pareceu ser

um já tradicional roteiro de visita guiada do

espaço, são pouco, muito pouco tempo para

adentrar o universo secular a que as peças

remetem. Por isso preferimos, ao invés de

tentar mapear itens específicos, assumir o

impacto causado pelo percurso dentre as

pilhas de itens falando aleatoriamente um

pouco de tudo: antiguidades, gambiologia,

valor afetivo, programas de TV, especulação

imobiliária, tecnologia, cachaça, lobby, ferros

velhos, luminárias, psicanálise…

Apesar de preservar a maior parte dos objetos

originais, nosso personagem evita tratá-los

somente como memorabilia ou lembranças

estáticas de tempos idos. Surpreendentemente

mostra, ao contrário, um ponto de vista

bastante gambiológico: “Não trabalho com

objetos decorativos, do tipo que os decoradores

procuram. Eu trabalho com objetos decolativos.

Quero na verdade que você, a partir dos objetos

que estou te mostrando, faça a sua viagem.”

Mesmo com a impressionante dimensão do

acervo, objetos “banais” são dispensados.

Cada item é minuciosamente escolhido por

seu desenho, origem, história e adquiridos

somente se apresentarem alguma peculiaridade

especial. Como por exemplo uma

geladeira que pertenceu ao ex-presidente JK

e por isso “não é uma qualquer”, ou a máqui-


na de escrever em grego, ou um filtro em

formato de abacaxi, ou mesmo uma balança

para medição de ovos. Quando se empolga sobre

alguma peça, Antônio indaga: “tem jeito

de viver sem isso?”. Mais recentemente,

ele garimpou em Brumadinho um baú

no qual havia inscrito o sobrenome Tim.

Fácil deduzir que trata-se de algum parente

do Nhô Tim, senão o próprio minerador

inglês que inspirou o nome do Centro de Arte

Contemporânea Inhotim.

Somente após muita insistência e quase no

fim da visita – em que, diga-se, erramos 99%

das perguntas e provocações proferidas por

Antônio sobre as peças mais curiosas – ele

aceita dar algumas dicas sobre as estratégias

para se conseguir acumular um acervo de

raridades. Os “macetes” são poucos e valiosos,

mas a conclusão sobre a forma mais eficiente

de tornar-se um colecionador é simples:

andar nas ruas (“cobra que não anda não

engole sapo”), conversar com as pessoas,

trocar. Mais uma vez, a experiência de

colecionar parece surgir inevitavelmente da

mais simples e cotidiana vivência de mundo.

Ao ser indagado se seria

um acumulador compulsivo,

Antônio Carlos nega. Também não

se diz colecionador. Nem artista. Prefere ser

chamado de “Objeteiro”. Profissionalmente

originário do mercado financeiro, ele hoje

sustenta-se vendendo uma ou outra peça

e alugando parte do acervo histórico para

filmes e novelas de época, além de eventuais

exposições, ensaios de moda, etc. Mas é fácil

perceber o que o Objeteiro parece gostar na

verdade: adquirir novos itens para juntar mais

e mais e mais e mais e mais… FP


Fotos: Nidin Sanches


Who passes through the facade of Matiz Arte Objeto

warehouse, discreetly located in a building in the central

region of Belo Horizonte, has no idea of the treasure

there is inside. Antônio Carlos Figueiredo, owner of the

space, has accumulated over 30 years a formidable array of

antiques, relics and rarities of our state culture, as well as of

Brazil and the world, which he would like to transform into

a Museum of Everyday Life. The collection, in addition

to venting the memories of old times, would be the envy

of any Hollywood art director, such are the variety and

quantity of its pieces: Antonio proudly claims he has over

one hundred thousand pieces, which are not only at this

location but also in three other warehouses, a house, four

rooms and a shop. All crowded.

Despite the appearance of chaos and even the claustrophobic

feeling at first - the objects are often stacked from floor

to ceiling - the space is surprisingly organized. "I count

on the help of Saint Expedite," says the host. Expedite is

actually the right arm "ambidextrous, northeastern and

patient" that helps him in his daily dealings, cleaning and

organizing his archive. The shed contains "departments"

of almost everything: TV's, radios, bottles, plates, taxi

meters, cans, opal, water filters, cutlery, refrigerators,

trains, toys, papers and also a private room where the most

valuable artworks are stored and which we were subtly not

invited to know.

The nearly four-hour tour of our Facta crew, following

what seemed to be a traditional scripted guided tour of the

space, is very, very little time to enter the secular world

which the pieces refer to. Therefore we chose, rather than

trying to map specific items, to assume the impact caused

by our journey through the piles of items randomly talking

about a bit of everything: antiques, Gambiologia, affective

value, TV shows, speculation, technology, rum, lobby, old

irons, lamps, psychoanalysis...

While preserving most of the original objects, our

character avoids treating them only as memorabilia or

static souvenirs of bygone days. Surprisingly, he rather

shows a quite gambiologic point of view: "I do not work

with decorative objects, the type that decorators look for.

I work with take-off objects. What I actually want is that

you, from the objects that I'm showing you, take off on

your own trip."

Even with the impressive size of the collection, "banal"

objects are discarded. Each item is carefully chosen for its

design, origin, history, and only acquired if they have some

special peculiarity. Such as a refrigerator that belonged to

the former president Juscelino Kubitschek and therefore "is

not any one, " or the typewriter in Greek, or a filter with a

pineapple shape, or even a scale for measuring eggs. When

he is excited about a piece, Antonio asks, " Is there a way to

live without it ?" More recently, he dug up in Brumadinho

a chest in which there was inscribed the surname Tim. It

is easy to deduce that it belonged a relative of Nhô Tim, if

not the English miner himself who inspired the name of

the Inhotim Centre for Contemporary Art.

Only after much insistence and almost at the end of the

visit - which, we must say, we got 99 % of the questions

and provocations delivered by Antonio wrong about the

most curious pieces - he accepts to give us some tips and

strategies to achieve a collection of rarities. The "tricks"

are few and valuable, but the conclusion about the most

efficient way to become a collector is simple: walk the

streets (" a snake that does not go around does not swallow

a frog "), talk to people, exchange. Again, the experience

of collecting seems to arise inevitably from the most simple

and everyday experience of the world.

When asked if he would be a compulsive accumulator,

Antonio Carlos denies it. Nor he is a collector. Nor

an artist. He prefers to be called an "Objecteer."

Professionally originated from the financial market, he

now holds up selling one or another piece and renting part

of his historical archive for movies and period soap-operas,

in addition to occasional exhibitions, fashion shoots, etc.

But it is easy to see what the Objecteer actually likes: to

acquire new items to add more and more and more and

more and more...

142


O

sol vem de mansinho avisar que o

dia chegou. O ar ainda está fresco

e úmido da madrugada. J estica as

pernas. Esfrega os olhos, olha para o mar

que aparece em meio a uma estreita fresta da

mata. Seria um fantástico dia de praia, mas

não vai rolar. Tem novato chegando na área,

e o velho gosta que o gambimestre esteja por

perto nessas horas.

J enrola a colcha em volta do travesseiro e

guarda na estante feita de tábuas apoiadas

em esqueletos de gabinetes de computadores.

Veste bermuda cargo azul, regata amarela

estampada e chinelos de dedo. Ele atravessa

em silêncio o dormitório para não acordar

ninguém. Os três beliches estão ocupados.

Aqui e ali, o cheiro de álcool sugere que

o luau foi longe na noite passada. Mais

tarde, vai pôr a molecada para suar nos

pedais geradores.

Faz uma rápida pausa na casinha do banheiro

seco, depois usa o tanque para lavar as mãos

e o rosto. Besunta braços, pernas e cintura

com o óleo de citronela disponível no pote de

plástico na mesinha. A dengue está na área,

outra vez. Em seguida, sobe o caminho de

terra batida até o salão comum – um quiosque

alto e largo, voltado para o mar. O ambiente

cheira a pão quente e café recente. O velho

está à mesa. Ele tem cabelos brancos e barba

espessa. A pele é enrugada, queimada de sol.

Veste uma bata clara e calça de algodão cru.

Que belo dia, não é, Jota? - O velho, olhando

para o horizonte.

Promete. Que horas chega o novo ráquer?

Sempre com pressa, não?

Cê me conhece. Muita coisa para deixar

pronta hoje.

Ele vem no caminhão. Chega no meio da

tarde, se não houver contratempos. Deve vir

desequipado.

OK. Preparei ontem à noite um tablete e um

telinha. Só o sistema limpo, não instalei nada

ainda. Achei que ele ia gostar de passar alguns

dias explorando nossas redes.

E assim você aproveita para testá-lo

também, não?

J responde com um raro sorriso e pede licença.

Reparte com as mãos um pedaço do

pão integral, cobre-o com uma fatia de queijo

meia-cura e se serve de café em uma caneca

de metal. Sai andando, acelerado. Depois de

matar o pão e o café, pendura a caneca no

mosquetão preso a um passante de cinto na

143


lateral da bermuda. Pára à beira da mata, bate

palmas três vezes e leva a mão direita aos

lábios para soltar um assovio alto e agudo.

Pega no batente da porteira um facão

embainhado, e continua.

O solo está úmido. J desce a trilha até o riacho.

Segue por alguns metros até a turbina, que

gira em ritmo constante. É um dispositivo

relativamente pequeno, feito com uma roda

de bicicleta e ímãs extraídos de discos rígidos

descartados. Aparentemente, a chuva intensa

das últimas semanas não deixou sequelas

na instalação. J atravessa o curso d'água e

continua seguindo pelo outro lado. Logo,

chega ao local onde está instalado o fim do

cano que desce trezentos metros de morro

para chegar a outro gerador elétrico, este

industrial. Ali também a estrutura parece

intacta. Ele toma o caminho que sobe para o

outro lado do vale.

Depois de muitas voltas, chega à cabana de

bambu, quase no topo do morro. Senta-se em

um banco e saca seu telinha. Identifica-se com

a senha do dia e um comando de voz que é

praticamente um resmungo. Navega um pouco

pelo sistema. Dezoito pontos de geração

estão ativos agora. Outros oito não mandam

sinal nenhum, como esperado. Estes são em

sua maioria pontos complementares: pedais,

retorno de tração das roldanas e outros.

No geral, tudo está bem. Em continuando

com os padrões de consumo atuais, a

propriedade tem autonomia para três semanas

de eletricidade. Nada mal, levando em conta

que têm transformado em média cento e

trinta por cento da demanda diária. Ou seja,

o tempo de autonomia só tende a crescer.

J aprendeu com o velho que eletricidade

geralmente não é “gerada”. Quase sempre é

um processo de transformação: de energia

mecânica em elétrica ou de potencial químico

em energia elétrica, ou então transformação

de formas diversas a partir da radiação solar.

Ele olha para cima e agradece a Oxalá e

Apolo pela dádiva, e também a Prometeu,

Mercúrio e Exu pelo acesso a ela.

As cigarras cantam, sugerindo que o sol vai

firmar durante o dia. É bom sinal para a

primeira noite de lua cheia. Ele se levanta.

Uma das antenas do lado de fora da casa está

torta. Deve ter sido o forte vento da noite

passada. Saca do bolso a chave de fenda,

encaixa uma ponta de chave estrela e

aperta os parafusos até que a antena esteja

novamente alinhada.

J devolve o facão à porteira. Passa no salão comum

– que já tem oito pessoas conversando

alegremente e comendo - para pegar a caixa

de sinc e seu boné vermelho. Já saindo da

144


propriedade, desbloqueia o telinha. Aciona

o programa para abrir a porta da garagem.

Pega uma das bicicletas e percorre mais dois

quilômetros pela estrada de terra. O entorno

de mata fechada começa a dar lugar a pequenos

sítios onde se criam bananas, jussara e

mandioca. Um pouco mais adiante, casas

simples e alguns estabelecimentos comerciais.

J cumprimenta com um aceno todas as

pessoas que encontra pelo caminho.

Ocasionalmente, chama os interlocutores

pelo time de futebol pelo qual torcem.

Chegando ao asfalto, atravessa a estrada e

espera no ponto. Em menos de cinco minutos,

o ônibus amarelo chega, pára e abre a

porta dianteira. O motorista parece verificar

alguma coisa em seu telinha, pressiona

algumas teclas. Para os passageiros, ele pode

estar enviando uma mensagem à esposa

ou à amante. Alguns fazem cara feia, mas

ninguém reclama. Após pouco mais de um

minuto, ouve-se um bip curto. O motorista

olha para o horizonte, fecha as portas do ônibus

e segue seu rumo. J tira do bolso um par

de fones sem fio e os encaixa nos ouvidos.

Monta na bicicleta e ruma de volta à propriedade.

Assim que tem certeza de que está

sozinho, aperta o botão do fone e fala com o

telinha:

Quanto veio hoje?

Uma voz metálica (mais uma opção estética

do que limitação tecnológica) lhe responde

após alguns segundos:

Vinte e oito megabytes.

J está esperando há alguns dias que uma

prima responda a seu e-mail perguntando

por notícias da família. E sabe também que

o velho aguarda informações sobre o avanço

dos ráqueres de cristo no litoral norte.

Pelos últimos relatos que tiveram, algumas

igrejas neopentecostais têm se esforçado em

identificar e converter jovens que costumavam

prestar serviços de captura,

monitoramento e compilação de dados para

organizações criminosas. A esses profissionais

é oferecida a oportunidade de

trabalhar “para a obra do senhor” em troca

do perdão divino e, em alguns casos, judicial.

Existem cidades em que pastores obtêm

informação suficiente para chantagear toda

a classe política local. O velho falou uma

vez que “dados bem escolhidos acusam a

qualquer um”.

J sabe que o velho trabalhou por décadas

na indústria de segurança da informação.

E já percebeu que ele está disposto a agir.

Tempos interessantes se aproximam, pensa o

gambimestre enquanto abre a porta e

retorna para seu mundo.

145


The sun comes softly to announce that the day has come.

The air is still cool and damp from dawn. J stretches his

legs. Rubs his eyes, looks at the sea that appears in the

middle of a narrow crack in the woods. It would be a

fantastic day on the beach, but it won’t happen. There is

a rookie coming in the area, and the old man likes the

gambimaster to be around at these hours.

J wraps the quilt around the pillow and puts it on the shelf

made of planks supported by skeletons of computer cases.

He wears blue cargo shorts, tank top and yellow patterned

flip-flops. He crosses the dorm quietly not to wake anyone.

The three bunks are occupied. Here and there, the smell of

alcohol suggests that a luau took place the former night.

Later, he will put the kids to sweat on the generator pedals.

After a brief pause in the outhouse, he then uses the

washtub to wash his hands and face. He smears his arms,

legs and waist with citronella oil from a plastic pot on the

table. Dengue fever is in the area again. He then goes up

the dirt road to the common room - a tall and wide gazebo,

facing the sea. The atmosphere smells like hotcakes and

recently made coffee. The old man sits at the table. He

has white hair and bushy beard. The skin is wrinkled,

sunburned. He wears a clear smock and raw cotton pants.

What a beautiful day, isn’t it, Jota? - The old man, looking

at the horizon.

Promises. What time does the new hacker arrive?

Always in a hurry, right?

You know me. Many things to get ready today.

He comes in the truck. He arrives in the afternoon, if there

aren’t any setbacks. He should come unequipped.

OK. I prepared a tablet and a small screen last night. It

is only a clean system, I have not installed anything yet.

I thought he'd like to spend a few days exploring our

networks.

And so you took the opportunity to test it also, no?

J responds with a rare smile and excuses himself. He parts

with his hands a piece of bread, covers it with a slice of

half-aged cheese and pours himself a coffee in a tin cup.

He walks away, fast. After finishing off his bread and

coffee, he hangs the mug on a carabiner attached to a belt

on the side of his shorts. He stops at the edge of the forest,

claps three times and puts his right hand to his lips to let

out a high-pitched whistle. He takes a sheathed machete

from the gate, and continues.

The soil is moist. J descends the trail to the creek. He

walks a few meters until the turbine, which rotates at a

constant rate. It is a relatively small device, made from a

bicycle wheel and magnets extracted from discarded hard

drives. Apparently, the heavy rain of recent weeks did not

leave any problems in the installation. J crosses the stream

and continues on the other side. Soon, he gets to where is

installed the end of the pipe that goes down the hill three

hundred meters to reach another electrical generator, this

one industrial. Again, the structure appears intact. He

takes the path that goes up to the other side of the valley.

After many turns, he reaches the bamboo hut near the

top of the hill. He sits on a bench and takes out his small

screen. He identifies himself with a daily password and

a voice command that is almost a growl. He navigates

the system a bit. Eighteen points of generation are active

now. Eight others do not send any signal, as expected.

These are mostly complementary points: pedals, return

traction of sheaves, and others. Overall, everything is fine.

146


In continuing with the current consumption patterns,

the property has autonomy for three weeks of electricity.

Not bad, considering it is transforming an average of one

hundred thirty percent of the daily demand. That is, the

runtime will only grow.

J learned with the old man that electricity is usually not

"generated". It is almost always a process of transformation:

from mechanical energy into electrical or from chemical

potential to electric power, or transformation in various

forms from solar radiation. He looks up and thanks Oxalá

and Apollo for their gift, and also Prometheus, Mercury

and Exu for his access to it.

The cicadas sing, suggesting that the sun will firm up

during the day. It is a good sign for the first night of full

moon. He gets up. One of the antennas on the outside of

the house is crooked. It must have been the strong wind

from last night. He gets a screwdriver from his pocket,

he fits a tip wrench to it and tightens the screws until the

antenna is aligned again.

J returns the knife to the gate. He passes through the

communal lounge - which already has eight people happily

chatting and eating - to pick up the sync box and his red

cap. Leaving the property, he unlocks the small screen. He

triggers the program to open the garage door. He grabs

one of the bikes and rides two miles down the dirt road.

The surroundings with forests begin to give way to small

ranches where people grow bananas, cassava and jussara.

A little further on there are simple houses and some shops.

With a wave J greets all the people he meets along the way.

Occasionally, he calls to his interlocutors with the name of

their preferred soccer team.

Coming to the asphalt, he crosses the road and waits. In less

than five minutes the yellow bus arrives, stops and opens

the front door. The driver seems to check something on

his small screen and presses a few keys. To the passengers,

he could be sending a message to his wife or lover. Some

do frown, but nobody complains. After a little more than

a minute, there is a short beep. The driver looks to the

horizon, closes the doors of the bus and continues on his

way. J takes from his pocket a pair of wireless headphones

and fits them to his ears. He gets on his bike and heads

back to the property. Once he is sure he is alone, he presses

the headset button and talks to the small screen:

How much came today?

A metallic voice (more of an aesthetic choice than

technological limitation) responds after a few seconds:

Twenty-eight megabytes.

For several days J has been expecting a cousin of his to

respond to his e-mail asking for news about his family. And

he also knows that the old man is waiting for information on

the progress of the hackers of Christ on the north coast. From

recent reports he learned that some neo-Pentecostal churches

have struggled to identify and convert young men who used

to provide services of capturing, tracking and compiling data

for criminal organizations. To these employees are offered the

opportunity to work "for the work of the Lord" in exchange

for divine and, in some cases, judicial forgiveness. There are

cities in which pastors get enough information to blackmail

the entire local political class. The old man once said that

"well-chosen data can accuse anyone."

J knows the old man worked for decades in the

information security industry. And he has already noticed

that he is willing to act. Interesting times are coming, the

gambimaster thinks as he opens the door and returns to

his world.

147


148


149


Siga @conradoalmada no Instagram



Realização

Patrocínio

Incentivo

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!