Facta #2
Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"
Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Governo de Minas e
Apresentam
REVISTA DE
gambiologia
* * * * * * * * * * * * * facta.art.br * * * * * * * * * * * * *
Arte • Gambiarra • Tecnologia • DIY • Cultura pop tupiniquim
Colecionismo • Design sustentável • teoria e prática Hacker
"Viemos do Mar nº 6" (1978)
Coleção Valéria Braga, RJ
Foto: Eduardo Ortega
por Farnese de Andrade
O que acontece com as coisas quando elas acabam?
Veja como artistas têm respondido a esta pergunta.
Os quartos exóticos que foram precursores dos museus
e da ciência moderna, em destaque na Facta.
A história dos irmãos nova-iorquinos que tornaram-se
famosos por terem morrido em meio à sucata.
Quando a coleção se torna uma patologia.
6
Fotos de coleções do editor, por Nidin Sanches
por Fred Paulino
"É o estilo de época de uma época sem estilo".
(Laura Erber)
que acontece no instante exato da
morte? Dentre as mais variadas
interpretações de cunho científico,
religioso ou esotérico para essa
questão que inexoravelmente nos acompanha,
uma me parece a mais singular: há quem
acredite que o homem reveja flashes da
própria vida, em altíssima velocidade e
cronologia inversa. Como um rewind de nossa
história completa, é a chamada “experiência
de quase-morte”. Segundo essa suposição,
precisamente no evento mais único, inexplicável
e extremo da existência, a vida parece
contradizer-se: são de repente invertidas
as lógicas da experiência, do envelhecimento,
da maturidade, do tempo, para voltarmos ao
que éramos no início. Um retorno solitário e
derradeiro à nossa origem mais pessoal.
O
De forma semelhante, esta publicação, que em
seu primeiro número abordou o Apocalipse
– óbito eminente do universo – e se autodeclarou
como “nascida já morta”, agora
volta seus olhos ao passado. Seguindo nossa
proposta de abordar, de forma livre e com a
participação de uma rede de colaboradores,
temas amplos que relacionam-se de formas
distintas com a ideia de Gambiologia, desta
vez abordaremos as práticas de acumulação e
colecionismo: formas do homem relacionar-se
com o tempo a partir da aquisição e guarda
de objetos materiais.
Definitivamente não apresentaremos esses
temas a partir da amostragem de personagens
exóticos com a mania de guardar objetos.
O que esta edição da Facta investiga é como o
hábito de acumular parece estar se tornando,
no mundo contemporâneo, cada vez mais
comum. E mais: de que forma antiguidades,
velharias, refugos descartados, objetos
supostamente sem perspectiva de vida-apósa-morte
têm sido matéria prima e inspiração
valiosas para a criação de obras de arte e peças
de design.
t
A relação do cidadão contemporâneo com o
tempo soa confusa. Somos obrigados, hoje, a
imprimir ao nosso cotidiano um ritmo mais
acelerado que o humanamente razoável.
O presente passa tão rápido, que é improvável
não confundi-lo com memórias do passado e
planos para o futuro.
Já em 1967, Guy Debord 1 anunciava o que
chamou de “tempo cíclico”. Segundo ele,
há uma relação inseparável entre a “história
humana” e a “história natural”. A segunda
só existiria efetivamente na medida em que
fosse compreendida pela primeira: “a temporealização
do homem, tal como ela se efetua
pela mediação de uma sociedade, é igual a
1 " A Sociedade do Espetáculo", 1967.
7
uma humanização do tempo”. Sendo assim,
quanto mais uma sociedade se conscientiza
sobre a passagem do tempo, mais ela o nega,
tratando-o não como o que passa, mas o
que regressa. Em contraponto, a burguesia,
“senhora do poder”, estaria ligada ao tempo
do trabalho. O imperativo da produtividade,
do acúmulo de mercadorias e capital faria
surgir a ideia de tempo irreversível, unificado
mundialmente. “O triunfo do tempo irreversível
é também a sua metamorfose em tempo
das coisas, porque a arma da sua vitória foi
precisamente a produção em série dos objetos,
segundo as leis da mercadoria.”
Mas acontece que as mercadorias,
hoje, são descartáveis. Bauman (2005) 2
define nossa sociedade como regida
por uma “vida líquida”
que “projeta o mundo e todos
os seus fragmentos animados
e inanimados como objetos
de consumo,
ou seja, objetos que
perdem a utilidade (e portanto
o viço, a atração, o poder de sedução e o valor)
enquanto são usados”. E acrescenta: “estes têm
uma limitada expectativa de vida útil e, uma
vez que tal limite é ultrapassado, se tornam
impróprios para o consumo”. Ou seja: o tempo,
agora ditado pelas regras da produção em um
contexto de economia especulativa, literalmente
nos escapa pelas mãos.
Linkando as análises de ambos os autores,
fica a questão: a irreversabilidade de nossa
história estaria, então, diluída num instante
de tempo perdido?
2 BAUMAN, Z ygmunt. "Vida Líquida", Editora Zahar, 2007.
t
A ansiedade em vislumbrar
o futuro e o saudosismo de
cultuar o passado
Neste século acelerado por demais, de ritmo
pautado por corporações e suas estratégias
de avanço tecnológico e obsolescência
programada, podemos observar dois fatos
recorrentes, que talvez sejam tão-somente
escapes para compensar nossa provável relação
mal resolvida com o tempo: a ansiedade
em vislumbrar o futuro e o saudosismo de
cultuar o passado.
No primeiro caso, a insaciedade pela
atualização nos impele, mesmo de maneira
inconsciente, a estar sempre antenados com
“o próximo modelo”. Seja o mais novo smartphone
do mercado, a versão mais recente de
um app ou a tendência para vestir na próxima
estação, vivemos curiosos pelo que há por
vir, antecipando o momento futuro e não
nos permitindo viver plenamente
a experiência do
hoje. “As preocupações mais
intensas e obstinadas (…)
são os temores de ser pego
tirando uma soneca, não
conseguir acompanhar a rapidez dos eventos,
ficar para trás, deixar passar as datas de vencimento,
ficar sobrecarregado de bens agora
indesejáveis, perder o momento que pede
mudança e mudar de rumo antes de tomar
um caminho sem volta. A vida líquida é uma
sucessão de reinícios…”.
Por outro lado, me parece que o ser humano
insiste, paradoxalmente, em incorporar os
rastros do antigo em seu cotidiano. São exemplos
vários: das câmeras digitais que reproduzem
filmes analógicos ao dia das crianças
online, quando nos pegamos divertidos a postar
fotos da infância. Das roupas que já são
produzidas envelhecidas à valorização do
mercado de móveis antigos reformados.
8
* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *
Da moda “chique” da taxidermia decorativa
à celebração do design retrô. E finalmente, o
hábito cada vez mais usual de cidadãos dos
grandes centros urbanos de colecionar ou
acumular objetos raros, únicos, exclusivos.
Quem não tem ao menos um conhecido que
gosta de “juntar trecos”, sem razão aparente?
Quantos de nós não consegue evitar o gesto
de, ao passar por uma caçamba cheia, conferir
rapidamente se não há algo que poderia ser
(in)útil em casa?
Em uma época em que nossas memórias estão
digitalizadas nas galerias das redes sociais,
tornando-se imediatamente passado com
um simples gesto de scroll, a acumulação
soa como compensação de um vazio
resultante da vida líquida. Se não há como
agarrar-se ao tempo, quem
sabe juntar objetos não seja
uma forma desesperada de
resgatar memórias…
t
A acumulação soa como
compensação de um vazio
resultante da vida líquida
de retenção de nossa experiência passageira
no mundo. As coisas valem como chave de
entrada para a memória e grande parte das
vezes, o apego a um objeto deve-se tanto mais
pelas lembranças a que ele remete do que por
seu valor monetário. As coleções nos transportam
ao mundo imaginário de um passado
inacessível: a recordação vaga de um país, a
saudade de alguém que partiu, o sabor de
um prato ou de um drink a dois. Há quem
colecione de tudo: selos, moedas, imagens
antigas, brinquedos estragados, lâmpadas
queimadas, insetos, tampinhas de garrafa,
rolhas, sachês de chá… Há também quem
colecione inimigos, rancores, frustrações
amorosas, listas que só fazem crescer, ideias
não realizadas... Há quem colecione todas
as coisas citadas e outras mais. Botonismo,
adesivoterapia, durexia,
ruinologia: novos substantivos
para incontáveis manias,
patologias e suas variações.
t
O ato de colecionar confunde-se com a passagem
do homem pela Terra. Desde muito cedo
até os dias atuais, o ser humano tem deixado
rastros por onde passa: pinturas em cavernas,
nomes em árvores, graffitis nos muros de uma
cidade e mesmo livros e filmes, por exemplo.
Mas nossa experiência é marcada não só pelo
que deixamos, mas também pelo que coletamos
e guardamos. Sejam itens materiais – objetos
que, por motivos diversos e inexplicáveis, simplesmente
queremos guardar – ou lembranças
impalpáveis, memórias. Assim como faz um
contador de histórias que declama seus “causos”
incorporando o saber de seu tempo ao de seus
antepassados, a vida é, acima de tudo, uma experiência
de acumulação. De coisas e de afetos.
Catar, agrupar, organizar objetos são gestos
A reutilização de objetos acumulados é
pertinente à criação artística contemporânea.
Além da inevitável questão da sustentabilidade
(muito conveniente para o marketing
corporativo, mas pouco colocada em prática),
nas mais diversas esferas da indústria
criativa os ciclos estéticos vão e retornam.
Muitas vezes, ser reconhecido como contemporâneo
é nada mais nada menos que saber
ressignificar, ou samplear, referências de
épocas distintas, relacionando-as com
questões da atualidade.
De forma mais específica, no repertório
da Gambiologia utilizamos objetos velhos,
incorporando neles novas ou precárias tecnologias
para que “renasçam” como novidade.
E já que nas obras usamos basicamente
* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *
11
objetos de origem industrial descartados, um
mix estético de diferentes épocas nos parece
mais rico e atrativo visualmente. Porque as
produções da indústria de hoje são excessivamente
limpas, parecidas demais entre si,
descartáveis, serializadas...
Por tudo isso, acumulamos acervos de muita
coisa. No entanto, mais do que somente
guardar objetos, nos interessa transformá-los.
No arcabouço gambiológico, para além do
valor estético, funcional e monetário de uma
peça única, importa a sua transfiguração em
uma ideia. O resgate e a refuncionalização de
uma antiguidade, de um objeto descartado,
de um refugo sugerem um jogo com o
próprio processo de memória: evidenciar
um desajuste ante o tempo, através de um
deslocamento. Para além do colecionismo
usual, baseado em processos de pesquisa/
posse/acumulação/arquivo/preservação,
entendemos que a transformação de tais
objetos em outros lhes subverte a aura
intocável e reconfigura o seu valor. "Estragar"
um objeto raro pode ser simplesmente trazê-lo
para o agora, não só potencializando sua carga
de memória ao incorporá-lo ao momento
presente mas, principalmente, unindo
tempos instransponíveis.
Uma ação sobre a acumulação, que se
transforma em obra.
“A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez –
e tu com ela, poeirinha da poeira!’” Nietzsche
12
* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *
by Fred Paulino
"It is the epoch style of an styleless epoch".
(Laura Erber)
What happens at the exact moment of death? Among
the most varied interpretations of a scientific, religious
or esoteric nature to this question that inevitably
accompanies us, one seems to me the most natural: there
are those who believe that a review of a man 's life flashes
on high speed and reverse chronology. As a rewind of our
complete story, it is the so called "near-death". According
to this assumption, more precisely in the most unique,
unexplained and extreme event of an existence, life seems
to contradict itself: the logic of the experience of aging,
maturity and time are suddenly reversed so we can get back
to what we were at the beginning. A lonely and ultimate
return to our most personal home.
Similarly, this publication, which in its first issue
addressed the Apocalypse - the imminent death of the
universe - and has declared itself as having been "born
already dead," now turns its eyes to the past. Following our
proposal of approaching, freely and with the participation
of a network of collaborators, broad themes that relate in
different ways to the idea of Gambiologia, this time we
discuss accumulation and hoarding practices: ways man
relates with time beginning with the acquisition and
custody of material objects.
We definitely do not present these issues by sampling
exotic characters with a mania to keep valuables. What
this edition of Facta investigates is how the habit of
accumulating seems to become, in the contemporary
world, increasingly more common. And more: How
antiques, waste and discarded items, objects supposedly
with no prospect of life-after-death have been valuable
raw material and inspiration for the creation of works of
art and design pieces.
t
The relationship of the average contemporary citizen
with time sounds confusing. We are obliged today to
press a faster pace to our daily life than what is humanly
reasonable. The present happens so fast that it is unlikely
not to be confused with memories of the past and plans
for the future.
In 1967, Guy Debord announced what he called a "cyclical
time". According to him, there is an inseparable relationship
between "human history" and "natural history.The second
would only exist effectively if understood by the first: "
the time-realization of man, as it takes place through the
mediation of a society, is equal to a humanization of time."
Thus, the more a society becomes aware of the passage of
time, the more it denies it, treating it not as what passes,
but as what returns. In contrast, the bourgeoisie, the
"owner of power," would be linked to the time of labor.
The imperative of productivity, the accumulation of goods
and capital would raise the idea of irreversible time,
worldly unified." The triumph of irreversible time is also
its metamorphosis into the time of things, because the
weapon of its victory was precisely the mass production of
objects, according to the laws of goods. "
But what happens today is that goods are disposable.
Bauman (2005) defines our society as one governed by a
"liquid life", which "projects the world and all its animate
and inanimate fragments as consumption objects, or in
other words, as objects that lose their usefulness (and
therefore their vitality, attraction, seductive power and
value) as they are used. " He adds: "these have a limited life
expectancy and, once this limit is exceeded, they become
unfit for consumption." That is, time, now dictated by
production rules in a context of speculative economy,
literally escapes from our hands.
Linking the analyzes of both authors, the question
remains: would, then, the irreversibility of our history be
diluted in a moment of lost time?
t
In this over accelerated century of a rhythm ruled
by corporations and their strategies of technological
advancement and planned obsolescence, we can observe
two recurring facts which perhaps are merely escapes to
offset our possible unresolved relationship with time: the
anxiety to glimpse the future and the longing to worship
the past.
13
In the first case, the insatiable drive for updates takes
us, even unconsciously, to always be attuned to "the next
model." Be it the newest smartphone on the market, the
latest version of an app or a tendency to wear the next
season’s collection, we live curious as to what's to come,
anticipating the future moment and not allowing us
to fully live the experiences of today. "The most intense
and obstinate concerns (...) are the fears of being caught
napping, not being able to keep up with the speed of events,
to fall behind, to let due dates pass, to get overwhelmed
with now undesirable goods, to lose the moment that calls
for change and changing courses before taking a path of no
return. Liquid life is a succession of restarts... ".
On the other hand, it seems to me that humans insist,
paradoxically, on incorporating the traces of the past
in their daily lives. There are several examples: digital
cameras that replicate analog films of children's day online,
when we had fun posting pictures of our childhood. From
the clothes that are already produced old to the market
appreciation of aged and remodeled antique furniture.
From the "chic" fashion of a decorative stuffing to the
celebration of retro design. And finally, the increasingly
common habit of urban people to collect or accumulate
rare, unique and exclusive objects. Who does not have
at least one acquaintance who likes to gather stuff for no
apparent reason? How many of us can not avoid the gesture
of looking through a full dumpster to quickly check
whether there is something that could be of use at home?
In a time when our memories are scanned in the social
networks galleries, becoming immediately “from the past”
with a simple scrolling gesture, accumulation sounds like
a compensation for the void resulting from liquid life. If
there is no way to hold on to time, maybe to gather objects
isn’t a desperate way to rescue memories...
t
The act of collecting is intertwined with the passage of
humans on Earth. From early times until today, humans
have left footprints wherever they go: cave paintings, names
on trees, graffiti on the walls of a city, and even books and
movies, for example. But our experience is marked not
only by what we leave behind, but also by what we collect
and store. Being material items - objects that for various
unexplained reasons we just want to save - or intangible
remembrances, memories. Just as a storyteller does, who
declaims his "tales" incorporating the knowledge of his/
her time to the time of his/her ancestors, life is, above all,
an experience of accumulation. Of things and emotions.
To gather, group and organize objects are gestures of
retaining our fleeting experience of the world. Things are
taken as a key input to memory, and most of the time the
attachment to an object happens to be much more related
to the memories of what it refers to as for its monetary
value. Collections transport us to the imaginary world of
an inaccessible past: a vague recollection of a country, the
longing for someone who has gone already, the flavor of a
dish or a drink together. Some people collect everything:
stamps, coins, old pictures, damaged toys, burned out
bulbs, insects, bottle caps, corks, teabags... There are also
those who collect enemies, grudges, love frustrations, lists
that only grow, unperformed ideas... There are those who
collect all those mentioned things and more. Buttonism,
stamp therapy, tapism, ruinology: new nouns to countless
fads, pathologies and their variations.
t
The reuse of accumulated objects is pertinent to
contemporary artistic creation. In addition to the inevitable
issue of sustainability (very convenient for corporate
marketing but little acted upon), in the most diverse
spheres of the creative industry, aesthetic cycles go away
and come back. Often, being recognized as contemporary
is nothing more nor less than to know how to reframe or
sample references from distinct epochs, relating them to
current issues.
More specifically, in the repertoire of Gambiologia we
use old objects, incorporating in them new or substandard
technologies so they can be "reborn" as a novelty. And since
we mainly use in our works discarded objects of industrial
origin, an aesthetical mix of different eras seems richer and
more visually attractive to us. We go this way because the
productions of the industry of today are excessively clean,
too similar to each other, disposable, serialized...
For all that, we have accumulated a lot of collections.
However, more than just to store objects, we are also
interested in in the matter of transforming them. In
our gambiological framework, beyond the aesthetic,
functional or monetary characters of a single piece, we
care for its transfiguration into an idea. The rescue and
refunctionalization of an antique, a trashed object, a scrap,
suggests a game with its very own memory process: an
evidence of a time misfit, a displacement. Beyond the usual
collecting, based on the process of research/possession/
build/file/preservation, we believe that the transformation
of such objects in others subverts their untouchable aura
and reconfigures its value. To “spoil" a rare object can often
simply bring it to the now, not only enhancing its memory
load as it is incorporated into the present moment, but
mainly uniting insurmountable times.
An action into accumulation, which is transformed
into artwork.
"The eternal hourglass of existence is turned upside down again - and you with it, speck of dust!” Nietzsche
14
Facta #2 - acúmulo, ação criativa
outubrO/2013
Capa:
"Assemblage Gambiológica", por Coletivo Gambiologia
Acervo e coordenação: Paulo Henrique Pessoa "Ganso"
Fotos por Nidin Sanches
Publicação aperiódica
Tiragem: 1720 exemplares
Contatos / contacts:
editor@facta.art.br
producao@facta.art.br
redacao@facta.art.br
www.facta.art.br
www.gambiologia.net
Este trabalho está licenciado em conformidade com a
Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual
3.0 Brasil. Para ver uma cópia da licença, visite
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br
16
FICHA TÉCNICA CREDITS
concepção e edição EDITOR
Fred Paulino
CONSELHO EDITORIAL
editorial board
Birimbica Potter
Lucas Mafra
Paulo Henrique Pessoa "Ganso"
Rodrigo Minelli
REDAÇÃO writers
Daniel Barbosa • Fred Paulino
VERSÃO PARA INGLÊS
english version
Luciana Tanure e Glenn Cheney
(Access Group)
projeto gráfico art director
Xande Perocco
design graphic design
Fred Paulino • Xande Perocco
FOTOGRAFIA PHOTOGRAPHY
Nidin Sanches
desenvolvimento web
web development
Paulo Barcelos
produção production
Fernanda Salgado
assessoria jurídica
legal advice
Diana Gebrim - Diversidade
conteúdo audiovisual
audiovisual content
Apiário
impressão print
Imprimaset
COLABORADORES #2
COntributorS #2
Adauany Zimovski • Ângelo Abu
Antônio Carlos Figueiredo
Bárbara Soalheiro • Beatriz Leite
Conrado Almada • Daniel Ribão
Eduardo Imasaka • Evandro Castro
Evan Roth • Farnese de Andrade
Felipe Fonseca • Felipe Rocha
Giuliano Obici • Janina Pessoa • Julia Valle
Lucas Resende • Lu Tanure
Mariana Pinheiro • Newton C. Braga
Nícia Mafra • Pedro David
Rosângela Rennó • Simone Pazzini
Thais Mol • Xico Sá
Zedu Carvalho • Zoe Clayton
17
Ângelo Abu Sendo o que colecionei, figurinhas
da Hanna-Barbera, fitas de Atari, quadrinhos do Zé-
Carioca, casquinhas de machucados, cachorros, coisas
vermelhas, discos e livros de quase tudo, pôsteres antigos
de cinema, fotos 3x4, alfabetos não romanos, desenhos
aleatórios, histórias inacabadas. I am what I have collected:
Hanna-Barbera trading stamps, Atari tapes, Zé Carioca
comics, scabs, dogs, red things, records and books of almost
everything, old movie posters, 3x4 photos, non-Roman
alphabets, random sketches, unfinished stories.
Apiário Espaço de criação e cultivo de ideias, dedicase
à produção e concepçãode trabalhos artísticos e
comerciais, filmes, vídeos, animações, ilustrações,
fotografias, escritos e sons de variadas espécies. Apiário is
a space for creation and cultivation of ideas. It is dedicated to
conceiving and producing artistic and commercial works, films,
videos, animations, illustrations, photographs, writings, and
sounds of varied species.
Beatriz Leite Artista e ceramista, formada pela
Universidade do Estado de Minas Gerais. Atua como
professora de artes visuais em Belo Horizonte, na Escola
Balão Vermelho e no Corpo Cidadão - projeto social
idealizado pelo Grupo Corpo de Dança. Artist and
ceramist with a degree from the University of the State of
Minas Gerais. She serves as a Professor of Visual Arts in Belo
Horizonte, at the Red Balloon School, and Corpo Cidadão – a
social project by Grupo Corpo de Dança.of varied species.
Birimbica Potter Artista plástica, designer gráfica,
ilustradora, tradutora, catalogadora de coleções. Artist,
graphic designer, illustrator, translator, Interpreter of objects
and collections
Conrado Almada Formado em Comunicação e
natural de Belo Horizonte. Artista audiovisual, trabalha
em diferentes suportes, do papel ao vídeo. He graduated
in Communications and a native of Belo Horizonte. An
audiovisual artist, he works in different media, from paper
to video.
Daniel Barbosa Jornalista cultural, trabalha no
"O Tempo" e tem passagens pelo Hoje em Dia, Gazeta
Esportiva Online (SP) e revista Palavra. Atuou como
curador em programas como Natura Musical, Música
Minas e Vozes do Morro. Toca na banda de hardcore
Vulgaris. A cultural journalist, he works at "O Tempo” and has
worked at Hoje em Dia, Gazeta Esportiva Online (SP) and
Palavra magazine. He has served as a curator in programs
such as Natura Musical, Música Minas and Vozes do Morro.
He plays in the hardcore band Vulgaris.
Evandro Castro Psicoterapeuta formado pela UFMG,
estudou também artes plásticas, design gráfico, desenho
e fotografia. Elaborou projetos gráficos de diversos livros
publicados, fez exposições de seus trabalhos e escreve
crônicas e poesias que há anos o perseguem e que hoje
estão atulhando suas gavetas. Psychotherapist from UFMG,
he has also studied Fine Arts, Graphic Design, Drawing
and Photography. He has elaborated the graphic design for
several published books, has made exhibitions of his work, and
has written short stories and poetry that for years have been
persecuting him and are now littering his drawers.
Felipe Fonseca Pesquisador e articulador de projetos
relacionados a redes de produção colaborativa e livre,
mídia independente, software livre e apropriação crítica de
tecnologia. Researcher and articulator of projects related to
collaborative and free production networks, independent
media, free software and critical appropriation of technology.
Fernanda Salgado Produtora cultural e roteirista
audiovisual. Graduada em Radialismo (UFMG) e
Mestre em Artes (UFMG), é sócia-fundadora da Apiário.
Coleciona histórias, personagens e narrativas. Cultural
producer and screenwriter. She graduated in Radio, TV and
Film (UFMG) and holds a Master of Arts (UFMG). She is
a founding member of Apiário and collects stories, characters
and narratives.
Fred Paulino Cientista da computação, designer,
artista e gambiólogo. Realiza desde a década de 90
projetos criativos como Mosquito, Osso Design, Graffiti
Research Lab Brasil e Coletivo Gambiologia. É editor
da Facta. Computer scientist, designer, artist, gambiologist.
He has carried out, since the 90’s, creative projects such as
Mosquito, Osso Design, Graffiti Research Lab Brazil and the
Gambiologia collective. He's the editor of Facta.
Glenn Cheney É um escritor estadunidense, tradutor e
editor. Autor de mais de vinte livros, ensinou literatura
e redação em várias universidades e tem Mestrado
em Comunicação. Inglês e Escrita Criativa. Mora em
Hanover, Connecticut. An American writer, translator,
editor, and publisher. The author of over 20 books, he has
taught writing at several universities and holds Master's
degrees in communication, English, and creative writing. He
lives in Hanover, Connecticut.
Julia Valle Comunicadora Social pela UFMG, estilista
pela Designskolen Kolding e mestranda em Artes pela UFRJ.
Trabalhou para diversas marcas e hoje desenvolve trabalhos
autorais na Casa Ramalhete. Teve projetos expostos no Brasil,
EUA, Eslovênia e Dinamarca. Social Communicator from
UFMG, stylist by the Designskolen Kolding school and a Master
of Arts student at UFRJ. She has worked for brands and today
she develops her own projects at Casa Ramalhete. She had projects
exhibited in Brazil, USA, Slovenia and Denmark.
Lucas Mafra Grão Mestre gambiólogo, designer
de produtos, artista de dispositivos, hobbysta em
eletrônica, PC’s hacking, DIY e gambiarras tecnológicas.
Gambiological Grand Master, Products Designer, device
artist, hobbyist in electronics, PC hacking, DIY and
technological makeshifts.
Luciana Tanure Jornalista pela UFMG e Mestre
em Artes pela Universidade do Texas. Trabalha como
professora, tradutora e produtora. Fundou o Grupo
Access e a editora Fogão de Lenda. Gambióloga de
coração, traduz os textos para a Facta. Journalist from
UFMG and Master of Arts from the University of Texas. She
works as a teacher, translator and producer. She has founded
the Access Group and the publishing company Fogão de Lenda.
Gambióloga at heart, she translates the texts of Facta.
Newton C. Braga Autor de mais de uma centena de
livros sobre eletrônica, publicados no Brasil e exterior,
professor e mantenedor do site www.newtoncbraga.
com.br, onde estão disponíveis milhares de artigos
interessantes para gambiarras. Author of over a hundred
books on electronics, published in Brazil and abroad; professor
and maintainer of the site www.newtoncbraga.com.br, where
thousands of items for interesting makeshifts are available.
Nícia Mafra Com formação multidisciplinar e
sistêmica, integra os conhecimentos adquiridos em meio
ambiente e design para sustentabilidade, relacionados à
gestão de resíduos sólidos, tendo se dedicado, nos últimos
30 anos, aos processos de reciclagem de papel. Atua
como consultora através da empresa Lenum Ambiental.
With a multidisciplinary and systemic approach, she
integrates her knowledge performing works related to the
environment and design for sustainability related to solid
waste management. She has dedicated the last 30 years to the
process of recycling paper. She works as a consultant through the
company Lenum Ambiental.
Paulo Barcelos É um tecnologista que pesquisa maneiras de
se utilizar o conhecimento técnico como uma forma de expressão
e como conectar seres humanos e máquinas de maneiras mais
significativas. Brazilian creative technologist that researches
ways to use open technologies as a tool for expression and how
to connect people and machines in more meaningful ways.
Paulo Henrique Pessoa “Ganso” Artista gráfico,
designer de luminárias, diretor de arte, colecionador
de coleções. Graphic artist, designer of lamps, art director,
collector of collections.
Pedro David Nasceu em Santos Dumont, MG,
1977. Vive e trabalha em Nova Lima e Belo Horizonte.
Fotógrafo/artista visual, jornalista pela PUC Minas,
cursou pós-graduação em artes na Escola Guignard
(UEMG). Publicou os livros "Paisagem Submersa", "O
Jardim" e "Rota Raiz". Born in Santos Dumont, MG, 1977.
He lives and works in Nova Lima and Belo Horizonte and
is a Photographer/Visual Artist, journalist from PUC Minas
and graduate degree from the Guignard Art School (UEMG).
He has published the books "Underwater Landscape", "The
Garden" and "Route: Root".
Rodrigo Minelli Artista, professor e curador,
idealizador de projetos coletivos de experimentação e
reflexão sobre arte eletrônica como o “FAQ” e Festival
“Arte.mov”. Artist, Professor and curator. He is the creator
of collective projects of experimentation and reflection on
electronic art such as the "FAQ" and "Arte.mov" Festival.
Rosângela Rennó Nasceu em Belo Horizonte, 1962.
Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Formou-se em Artes
Plásticas pela Escola Guignard e em Arquitetura pela
UFMG. É doutora em Artes pela Escola de Comunicações
e Artes da USP. Born in Belo Horizonte, 1962. She lives and
works in Rio de Janeiro and has graduated in Fine Arts at the
Guignard School and in Architecture at the Federal University
of Minas Gerais. She is a Ph.D. in Arts from the School of
Communications and Arts at USP.
Thais Mol Finalmente incorporou a ideia do eterno
retorno e está feliz vivendo em Belo Horizonte. Tira
da moda o sustento e seu currículo há mais de 15
anos. Para equilibrar com as temáticas fashionistas,
tem se desavergonhado pelo vídeo em pesquisas sobre
envelhecimento e morte. She has finally incorporated the idea
of the “eternal return” and is happy living in Belo Horizonte.
From fashion she gets her sustenance and her resume for over
15 years. To balance with the fashion themes, she has been
working also with video in her research on aging and death.
Xande Perocco Azucrinista que fAZ questão de
perder seu tempo entre desenhar letra, e avacalhar tudo
que é possível como seu alter-ego Azucrina! Azucrinist
who makes sure to waste his time between drawing letters and
messing up everything possible as his alter-ego Azucrina!
Xico Sá Jornalista e escritor. É colunista e mantém um
blog diário na Folha. É autor de “Big Jato”, "Modos de
Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá", entre
outros livros. Na TV, participa dos programas "Cartão
Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). He is a journalist
and writer. He's a columnist and keeps a daily blog at Folha.
He is the author of "Big Jato", "Modos de Macho & Modinhas
de Fêmea" and "Chabadabadá", among other books. On TV, he
participates in the shows Cartão Verde and Saia Justa.
“Being Different (Why is She so Different?)”
Anna Oppermann, 1970-1986
"Mechanical Head
[The Spirit of Our Age]",
Raoul Hausmann, 1920
Respostas criativas a um século de acúmulos
O
que acontece com as coisas quando
elas acabam? Inúmeros artistas
e pensadores das mais diversas
áreas do conhecimento diriam que
as coisas, depois que acabam, continuam.
E como defendem alguns deles, continuam
mais plenas, porque livres do caráter de funcionalidade
que lhes foi imputado de nascença.
Objetos do cotidiano podem, então, ter sua
função original transcendida e virar história,
significado, lastro, memória, obra de arte.
De dadaístas a contemporâneos, do extremo
oriente ao Brasil, não são poucos os nomes
no panorama da produção artística e crítica
que incorpor(ar)am em suas criações e pesquisas
a reutilização do que já não tem uso,
o emprego do precário, o reaproveitamento,
a requalificação e reorganização de objetos já
desprovidos de seu sentido primeiro.
Diferentes gerações de artistas têm utilizado
como matéria prima e fonte de inspiração os
resíduos da sociedade de consumo, valendo-se
da acumulação, do colecionismo, da arquivação
como impulso criativo. Porque só retendo o
que já é, conforme a lógica de mercado, apto
ao descarte, é que se tem a possibilidade de
subverter a ideia de “útil” e, finalmente, o
imperativo do consumo.
Dadaístas e acumuladores
Kurt Schwitters, figura central do Dadaísmo,
nas primeiras décadas do século passado, foi
um dos pioneiros na ressignificação do objeto
comum. A ideia de acumulação é pilar em
seus trabalhos, desde as assemblages utilizando
tickets de ônibus, objetos encontrados
Merzbau: a obra do alemão Kurt Schwitters traz consigo o
panorama de um período na história em que já vicejava a
obsolescência – se não como hoje, ao menos como esboço.
e recortes de jornais, até no que é considerada
sua principal realização, o “Merzbau”.
Trata-se de um híbrido entre instalação,
escultura e performance, que consistiu na
reorganização, ao longo de 15 anos (entre
1923 e 1937) de um apartamento, com tudo
que havia dentro, sem que nada fosse descartado,
mas com um rigoroso deslocamento
de função ou encaixe sistêmico de cada parte.
O edifício que abrigava a obra terminou por ser
destruído em um bombardeio aliado em 1943.
Em meados da década de 60, o francês
Arman funda o movimento do Nouveau
Réalisme juntamente com Yves Klein e
Jean Tinguely, dentre outros. Influenciado
por uma exposição de Schwitters ocorrida
em 1954, o artista vai progressivamente abandonando
a pintura bidimensional para realizar
suas séries mais notáveis, “Accumulation”
23
e “Poubelle” (do francês: lixeira). As “Acumulações”
consistiam de objetos comuns idênticos,
organizados em caixas de madeira, que se
transformavam em quadros. Arman afirmava
que as obras surgiam insconscientemente de
uma obsessão em colecionar coisas, hábito
herdado da mãe. Suas coleções de relógios,
câmeras, sapatos, instrumentos musicais e
bonecos transfiguravam-se em trabalhos que
sugeriam uma abstração pela repetição.
Assim como muitos de seus contemporâneos
no país, ela passou a reter objetos como
autodefesa ante o período de privações, evitando
descartar tudo que pudesse ter algum
uso no futuro. A obra de Dong evidencia
não só as cicatrizes de um período histórico
caro ao povo chinês, mas o intenso resgate da
memória que pode emergir de uma coleção
aparentemente banal, estabelecendo uma
desconcertante aproximação entre questões
gerais e locais, coletivas e pessoais, a partir de
objetos ordinários.
Colecionismo pop
"Infinity of Typewriters", obra de Arman (1962)
Memória ressignificada
O legado materno também serviu de fonte
criativa para o chinês Song Dong em sua
monumental instalação “Waste Not”, apresentada
pela primeira vez no MoMA em
2009. O trabalho consiste na disposição dos
mais de 10.000 itens compulsivamente acumulados
por sua mãe enquanto viva, obsessão
consequente da escassez de recursos durante
o “Grande Salto Adiante” de Mao Tsé-Tung,
entre 1958 e 1960. A desastrosa campanha,
que pretendia desenvolver a economia da
China em tempo recorde, resultou não só
em 20 milhões de mortos, mas também em
distúrbios como o da supracitada senhora.
Inúmeros criadores internacionais trilham os
caminhos da acumulação como crítica a uma
cultura de produção excessiva de resíduos
ou simplesmente opção estética. Da Índia
emergente, despontam nomes como Subodh
Gupta – que esculpe com centenas de panelas de
cozinha minuciosamente organizadas –
e Krisnajarad Chonat, que em 2011 apresentou
na mostra Paris-Delhi-Bombay (Centre
George Pompidou, Paris) a obra “My hands
smell of you”, uma enorme assemblage de
mouses, teclados e outros eletrônicos descartados.
Também o britânico Wayne Chisnal,
com suas esculturas de sucata, e a holandesa
Marjan Teeuwen, que cria e fotografa instalações-cenários
reproduzindo ambientes que
poderiam pertencer ao mais obstinado dos
acumuladores, parecem negar toda forma de
minimalismo para exacerbar o eterno ciclo de
uso e desuso das coisas.
Mas não é preciso ir tão longe, do outro
lado do Atlântico, a um velho mundo tão
mais acossado pelo peso de seu próprio passado,
tão mais repleto das coisas que já não
são mais, para flagrar profícuos exemplos de
artistas sucateiros – esse campo estético que
24
* ARTISTAS SUCATEIROS ARTISTAS *
" Archief 5 ", de Marjan Teeuwen (2011)
"Waste Not", de Song Dong, no Museum of Modern
Art, New York, 2006. Foto: Andrew Russeth
parece ser trincheira contra o consumismo
e que propõe questões que vêm desde
Duchamp e passam tanto pela psicanálise
quanto pela política.
No Brasil, já na década de 60, o genial Farnese
de Andrade (1926-1996), mineiro radicado
no Rio, passou a criar obras a partir materiais
descartáveis naturais e industriais que recolhia,
como brinquedos destruídos, estatuetas de
santos, cacos de vidro, conchas, mariscos e
outros rescaldos marinhos. Também utilizava
móveis adquiridos em antiquários,
depósitos, brechós ou mesmo catados na rua.
Fotografias antigas, inclusive de sua própria
família, constituem outro elemento de sua
obra, em que fica evidente o peso simbólico
de peças antigas como elo entre passado,
presente e futuro.
Jac Leirner - "Todos os Cem (Lista de compras)", 1998
Coleção particular. Foto: Eduardo Ortega
Cortesia Galeria Fortes Vilaça
Os processos de realização da paulistana Jac
Leirner também implicam um longo tempo
de coleta de objetos ordinários, normalmente
ligados ao sistema de consumo. Esses objetos,
retirados de seu lugar original e inseridos
no circuito artístico, passam a sugerir
novos significados. Jac pode, atuando como
colecionadora, gastar até quinze anos para
acumular o que acha necessário para uma
obra. Na década de 80, ela realizou uma série
de trabalhos com papel-moeda. Em “Os Cem”
(1987), valeu-se de notas de 100 cruzeiros.
As cédulas foram furadas, presas em longas
tiras e espalhadas pelo chão. Já em “Corpus
Deliciti” (1985-1993), a artista reuniu objetos
que, digamos, pegou à revelia de consentimento
em aviões de carreira, como cinzeiros,
copos, cobertores e outros.
De Sara Ramo já se disse que “se apropria de
elementos e cenas do cotidiano, deslocando-as
de seus lugares de origem e rearranjando-os
em vídeos, fotografias, colagens, esculturas
e instalações. Ramo investiga o momento
em que os objetos param de fazer sentido na
vida das pessoas para criar situações em que
a calma e a ordem se perdem”. Dentre muitos
exemplos da forma intrigante e sensível com
que Sara lida com esses objetos em sua obra,
estão a instalação “Jardim das Coisas do
Sótão” (2004) e o vídeo “Traslado” (2008),
em que a própria artista encena o esvaziamento
de uma mala contendo um número de
“tranqueiras” que parece nunca acabar. A artista
parece nos provocar: o quê e quanto nos
interessa guardar de cada mudança na vida?
A acumulação e reorganização de coisas também
está na base do trabalho de Márcia X (1959-
2005), com temas (ou obsessões?) muito
bem delineados. Utilizando objetos eróticos,
brinquedos infantis e ícones religiosos – grande
parte deles garimpada na tradicional feira do
Troca-Troca, na Praça XV, no Rio de Janeiro –
suas performances e instalações eram marcadas
pela relação sexo/infância, em que objetos pornográficos
são transformados em brinquedos infantis
e estes, em objetos eróticos. O movimento,
26
* ARTISTAS SUCATEIROS ARTISTAS *
Díptico "Baño", de Sara Ramo: mapeamento de uma realidade caótica
aplicado pelo uso de circuitos eletrônicos
em suas esculturas, evidencia a percepção do
objeto como um corpo vivo.
Artistas sucateiros
Com o trânsito fluido e impreciso entre
artista e sucateiro, há o caso exemplar de
Arthur Bispo do Rosário. Em determinado
momento de sua longa trajetória de mais de
50 anos como interno da Colônia Manicomial
Juliano Moreira, localizada no subúrbio
de Jacarepaguá (RJ), sob o diagnóstico de
esquizofrênico e paranoico, ele passou a
produzir objetos com diversos tipos de
materiais oriundos do lixo. Entre os temas,
destacam-se navios (recorrente devido à sua
relação com a Marinha na juventude), estandartes,
faixas de misses e objetos domésticos.
Bispo terminou por alcançar reconhecimento
póstumo, com sua obra sendo elevada à categoria
de arte vanguardista e frequentemente comparada
à de Marcel Duchamp. Ele foi o grande
homenageado da Bienal de São Paulo em 2012.
Nessa mesma linha, é impossível não citar
parte da obra de Vik Muniz. Suas esculturas
feitas com milhares de peças descartadas,
minuciosamente dispostas em proporções
enormes, transformam-se em imagens
fotográficas de aves, peixes e personagens
humanos literalmente compostos por sucata.
A função em Baudrillard
A questão do colecionismo, da acumulação
e da reorganização sistêmica de coisas ecoa
no campo da filosofia aplicada às mais diversas
áreas. O teórico francês Jean Baudrillard
sugere que os objetos passam continuamente
do enfoque funcional para o simbólico
dentro de um determinado sistema cultural.
Ele afirma que os objetos possuem significados
imanentes e que o próprio adjetivo “funcional”
não está ligado apenas à finalidade prática
das coisas, mas também à sua capacidade de
fazer parte de um jogo de relações. Tais ideias
estão expressas em seu Sistema de Objetos.
Arthur Bispo do Rosário, "Lutas" (1938-1982).
Foto © Rodrigo Lopes/Museu Bispo do Rosário 27
No livro, Baudrillard enfoca também o lugar
da coisa antiga, já desprovida de função. A importância
das antiguidades se dá justamente
na medida em que contradizem o raciocínio
funcional para cumprirem um propósito de
outra ordem: a sobrevivência do tradicional
e do simbólico através do testemunho, da
lembrança, da nostalgia e da evasão. Em sua
dissertação de mestrado em design para a
Universidade Federal do Paraná, o pesquisador
Marcos Beccari aponta que “para Baudrillard,
o homem não se sente em casa no meio funcional,
justificando assim a presença necessária
do objeto antigo como um reorganizador do
mundo e, simultaneamente, um álibi que
preserva o foro íntimo daquele que o possui.
Enquanto o objeto funcional refere-se à
atualidade e se esgota na cotidianidade, o
objeto antigo aparece (tanto ao nível dos objetos
quanto dos comportamentos e das estruturas
sociais) como uma dimensão regressiva que,
embora testemunhe um relativo fracasso do
sistema, paradoxalmente o faz funcionar”.
Na prática que a teoria sustenta, evitar o descarte
e o consumo de novos bens a que o mercado
e o próprio sistema impelem será sempre mais
do que simplesmente acumular tralhas. É só
uma questão de olhar de novas maneiras para
cada coisa que nos cerca e “garimpar” nelas
o valor simbólico apontado por Baudrillard.
Nada está perdido. DB / FP
Sucateiros artistas
Numa via contrária mas não muito distante
dos artistas sucateiros, haverá sempre os sucateiros
artistas. A mídia se encarrega de, vez
ou outra, trazer alguns deles à tona. É o caso
de Wagner Agnaldo de Souza, um vigilante
de Samambaia, no Distrito Federal, que há
dez anos reaproveita sucata para fazer enfeites
como relógios, guitarras e motos. Os preços
das peças, vendidas em uma feira da região,
variam entre R$ 40 e R$ 600. Geralmente
retirado de veículos, enxadas e panelas, o
material que ele emprega em suas obras é
recolhido nas ruas ou doado por vizinhos.
A habilidade para transformar ferro, plástico,
madeira e vidro em arte surgiu ainda na
infância. O vigilante conta que fez todos os
brinquedos dele e das seis irmãs com material
encontrado nas ruas.
É compreensível que o Brasil seja um solo fértil
para sucateiros artistas, por suas peculiaridades
culturais, mas assim como os artistas
sucateiros, seus contrapartes têm geografia
vasta. O fazendeiro chinês Wu Yulu ficou
famoso em todo o mundo depois de inventar
e construir 47 robôs com ferro velho no
quintal de sua casa. Os robôs desempenham
tarefas variadas, como pular, pintar, beber,
massagear e até levar o dono em um riquixá,
aquele típico veículo chinês que é puxado por
uma pessoa. Depois de um longo período
de dívidas e descrédito, motivados por sua
obsessão, ele foi convidado a exibir mais de
30 de seus robôs na Feira Mundial de Artes
de Xangai.
Foto: www.jingdaily.com
28
* ARTISTAS SUCATEIROS ARTISTAS *
Creative responses to a century of accumulation
What happens to things when they are used up? Numerous
artists and thinkers from various fields of knowledge
would say that things, after their end, continue. And as
argued by some, they continue more fulfilled, because
they are free from the character of functionality attributed
to them at birth. Everyday objects can, then, have their
original function transcended and become history,
meaning, ballast, memory, work of art.
From Dadaists to contemporaries, from the Far East
to Brazil, there are no few names in the panorama of
artistic and critical production that incorporate in their
creations and research the reuse of what no longer has
use, the employment of the precarious, the rehabilitation
and reorganization of objects already devoid of their first
meanings.
generations of artists have used the waste of consumer
society as raw material and source of inspiration, taking
advantage of accumulation, collecting and archiving as a
creative impulse. Because only by retaining what already
is, according to the logic of the market, appropriate for
disposal, do you have the ability to subvert the idea of
"useful " and, finally, the imperative of consumption.
Dadaists and hoarders
Kurt Schwitters, the central figure of Dada in the early
decades of the last century, was a pioneer in the redefinition
of the common object. The idea of accumulation is central
in his work, from his assemblages using bus tickets, found
objects and newspaper clippings, to what is considered
his main achievement, the "Merzbau". This is a hybrid
between installation, sculpture and performance, which
consisted in the reorganization, for over 15 years (between
1923 and 1937) of an apartment, with everything that
was inside, without anything being discarded, but with a
strict displacement of function or systemic fitting of every
part. The building that housed this piece ended up being
destroyed in an Allied bombing in 1943.
In the mid 60s, the French Arman founded the Nouveau
Réalisme along with Yves Klein and Jean Tinguely,
among others. Influenced by an exhibition of Schwitters
that occurred in 1954, the artist progressively abandons
the two-dimensional painting to make his most notable
series: "Accumulation" and "Poubelle" (French: trash). The
"Accumulations" consisted of identical common objects
arranged in wooden boxes which turned into paintings.
Arman claimed his works arose unconsciously from an
obsession with collecting things, a habit inherited from
his mother. His collections of watches, cameras, shoes,
musical instruments and dolls transfigured into works that
suggested an abstraction achieved by repetition.
Resignified memory
The maternal legacy also served as a creative source for
the Chinese Song Dong in his monumental installation
"Waste Not", first presented at MoMA in 2009. The
work consists of the exhibition of the more than 10,000
items compulsively accumulated by his mother while
she was alive, an obsession consequent to the scarcity of
resources during the "Great Leap Forward" of Mao Tse-
Tung, between 1958 and 1960. The disastrous campaign,
which aimed to develop China's economy in record
time, not only resulted in 20 million deaths, but also in
disorders like the one of the aforementioned lady. Like
29
many of her contemporaries in the country, she became an
object holder as a self-defense developed in the period of
deprivation, avoiding discarding anything that could have
some use in the future. The work of Dong highlights not
only the scars of a historical period costly to the Chinese
people, but also the intense rescue of memory that can
emerge from a seemingly trivial collection, establishing a
disruptive approach between local and general as well as
collective and personal issues raised from ordinary objects.
Pop collectionism
Numerous international designers tread the paths of
accumulation as criticism of a culture of excess waste
production or simply by aesthetic choice. From the
emerging India, there are names like Subodh Gupta - who
sculpts with hundreds of kitchen cookware thoroughly
organized - and Krisnajarad Chonat, who in 2011
presented in the Paris- Delhi –Bombay show (Centre
George Pompidou, Paris) the work "My hands smell of
you", a huge assemblage of mouses, keyboards and other
discarded electronics. Also, the British Wayne Chisnal,
with his sculptures of scrap, and the Dutch Marjan
Teeuwen, who creates and photographs installationsscenarios
reproducing environments that could belong to
the most obstinate of accumulators, seem to deny all forms
of minimalism to exacerbate the eternal cycle of use and
disuse of things.
But we don’t need to go as far, on the other side of the
Atlantic, to an old world so much harassed by the weight of
its own past, much more full of things that are no longer, to
catch some prolific examples of scrap artists - this aesthetic
field that seems to be a trench against consumerism and
proposes questions that come from Duchamp and touches
both psychoanalysis and politics.
In Brazil, already in the 60s, the genial Farnese de
Andrade (1926-1996), a man from Minas Gerais based
in Rio, began to create pieces from natural and industrial
disposables that he gathered, such as destroyed as toys,
statuettes of saints, broken glass, shells, shellfish and other
marine embers. He also used antique furniture that he
would acquire in deposits, thrift stores or even picked up in
the street. Old photographs, including of his own family,
are another element of his work, in which the symbolic
weight of antiques as a link between past, present and
future is evident.
The processes of realization of Jac Leirner, an artist from
São Paulo, also imply a long time for the collection of
ordinary objects, usually linked to the consumption
system. These objects, removed from their original place
and inserted into the art circuit, start to suggest new
meanings. Jac can, acting as a collector, spend up to fifteen
years to accumulate what she thinks is necessary for the
work. In the 80s, she held a series of works made with
paper money. In "The Hundred" (1987), she used notes of
100 cruzeiros. They were perforated, fixed in long strips
and scattered on the floor. In "Corpus Deliciti" (1985-
1993), the artist assembled objects, say, caught in default of
agreement from airliners, such as ashtrays, cups, blankets
and other things.
About Sara Ramo it has been said that she " appropriates
elements and scenes of everyday life, displacing them from
their places of origin and rearranging them in videos,
photographs, collages, sculptures and installations. Ramo
investigates the moment in which objects stop making
sense in people's lives to create situations where calm and
order are lost." Among many examples of the sensitive
and intriguing way that Sara deals with these objects in
her work are the installation "Garden of the Attic Stuff "
(2004 ) and the video "Ride" (2008 ), in which the artist
herself enacts the emptying of a bag containing an amount
of "junk " that seems to never end. The artist seems to
provoke us: what and how much we care to save from every
change in life?
The accumulation and reorganization of things is also the
basis for the work of Marcia X (1959-2005), with themes
(or obsessions?) that are well delineated. Using erotic
objects, children’s toys and religious icons - most of them
gotten in the traditional fair on the XV Square in Rio de
Janeiro - her performances and installations were marked
by the relation sex/childhood, in which porn objects are
turned into toys and these in erotic objects. The movement,
achieved by the use of electronics in her sculptures, shows
the perception of the object as a living body.
30
* ARTISTS SCRAP ARTISTS *
Scrap artists
With a flowing and imprecise traffic between artist and
wrecker, there is the exemplary case of Arthur Bispo do
Rosário. At one point in his long career of more than 50
years as an intern in the mental health institute Juliano
Moreira located in the suburb of Jacarepaguá in Rio
de Janeiro, under the diagnosis of schizophrenic and
paranoid, he began to produce objects with different types
of materials from trash. Among the themes, ships stand
out (recurring due to its relationship with the Navy in his
youth), banners, misses’ bands and household objects.
Bispo ended up achieving posthumous recognition, with
his work being elevated to avant-garde art and often
compared to that of Marcel Duchamp. He was greatly
honored at the Bienal de São Paulo in 2012.
Along the same lines, it is impossible not to mention part
of the work of Vik Muniz. His sculptures made from
thousands of discarded pieces, carefully arranged in huge
proportions, become photographic images of birds, fish
and human characters literally composed of scrap.
The function in Baudrillard
The issue of hoarding, accumulation and systemic
reorganization of things echoes in the field of philosophy
applied to various areas. The French theorist Jean
Baudrillard suggests that objects continually pass from the
functional to the symbolic realm within a given cultural
system. He claims that objects have imanente meanings
and that the very adjective "functional" is not just linked
to the practical purpose of things, but also to their ability
to take part in a game of relationships. These ideas are
expressed in his “The System of Objects”.
In this book, Baudrillard also focuses on the place of
antique stuff, now already devoid of its function. The
importance of antiques occurs, precisely, in that it
contradicts the reasoning function to fulfill a purpose
of another order: the survival of the traditional and the
symbolic through testimony, remembrance, nostalgia
and evasion. In his dissertation in design to the Federal
University of Paraná, the researcher Marcos Beccari points
out that "to Baudrillard, men don’t feel at home amongst
the functional, thus justifying the necessary presence
of the antique object as a reorganizer of the world and,
simultaneously, an alibi that preserves an intimacy of the
one who owns it. While the functional object refers to the
current and is depleted by the everydayness, the old object
appears (both in terms of objects and also in behaviors and
social structures) as a regressive dimension that, although
witness to a relative failure of the system, paradoxically
makes it work".
In practice this theory holds, to avoid the disposal and
consumption of new goods that the market and the
system itself impel will always be much more than simply
accumulating junk. It's just a matter of new ways of
looking to everything around us and ”mining” from them
the symbolic value pointed out by Baudrillard. Nothing
is lost.
Artist scraps
In the opposite direction but not far from the scrap artists,
there will always be the scrap artists. The media is responsible
for, occasionally, bringing some of them to the surface. This
is the case of Wagner Agnaldo de Souza, a vigilant from
Samambaia, in the Federal District, who for ten years now
recycles scrap metal to make ornaments and watches, guitars
and motorcycles. The prices of the pieces, sold at a fair in the
region, ranges from R$ 40 to R$ 600. Usually taken from
vehicles, spades and pans, the material he uses in his work is
collected in the streets or donated by neighbors. The ability
to transform iron, plastic, wood and glass into art originated
in childhood. The vigilante says he made all his and his six
sisters’ toys with material found on the streets.
It is understandable that Brazil is a fertile ground for scrap
artists, for its cultural peculiarities, but just like the scrap
artists, their counterparts have vast geography. Chinese
farmer Wu Yulu became famous around the world after
inventing and building 47 robots in his backyard with old
iron. These robots perform various tasks, such as jumping,
painting, drinking, massaging and even leading the owner
to a rickshaw, that typical Chinese vehicle that is pulled
by a person. After a long period of debt and discredit,
motivated by his obsession, he was invited to display more
than 30 of his robots at the World Arts Fair of Shanghai.
* ARTISTS SCRAP ARTISTS * 31
Menos
valia
[leilão]
Rosângela Rennó
Várias são as razões que levam os objetos ao abandono: o excesso
de uso e desgaste, a obsolescência natural ou programada, um
desaparecimento involuntário ou a simples perda de interesse
do proprietário em possuí-lo. Entretanto, o que os leva de volta
ao mercado, através das feiras de artigos de segunda mão, é a
certeza de que algum valor, mesmo que improvável, possa lhes
ser atribuído, sempre.
O projeto Menos-valia [leilão] foi constituído por um
conjunto de 73 desses objetos pertencentes ao universo
fotográfico, encontrados e adquiridos em diversas feiras, e
sua “denominação de origem” – inscrita, fisicamente, em cada
um deles – é tão importante quanto sua própria natureza.
Por meio de um longo processo de seleção, recomposição e
recondicionamento, transformação, recontextualização e
exposição, essas peças passaram por sucessivas agregações
de valor material e simbólico até seu destino final: um leilão
dentro de um espaço institucionalizado da arte.
O conjunto foi exposto na XXIX Bienal de São Paulo e
leiloado, lote por lote, pelo leiloeiro oficial Aloisio Cravo, no
dia 9 de dezembro de 2010, no próprio pavilhão da Bienal.
Cada comprador recebeu o certificado de propriedade de
uma parte do projeto Menos-valia [leilão] e, dessa maneira, a
incluiu em sua coleção de arte.
Livro: "Rosângela Rennó". Textos:
Moacir dos Anjos, Lucia Capanema,
Maria Angélica Melendi e
Cuauhtémoc Medina. São Paulo:
Cosac Naify, 2012 336 pp., 154 ils
Fotos: © Edouard Fraipont
No campo das ideias, esse projeto deve ser compreendido,
também, como exemplo de “recuperacionismo ativo de
transformação” – devidamente ancorado na Ruinologia –,
prática já bastante consolidada nos territórios da ética e da
estética contemporânea.
33
MInUs valUE
[AUCTION]
Rosângela Rennó
Objects are abandoned for several reasons: because they
have been worn and torn, because of a natural or planned
obsolescence, involuntary disappearance, or simple loss of
interest. However, what brings them back into circulation,
in the market for used goods, is the certainty that some
value, even if it seems unlikely, can always be attributed
to them.
The project Minus-Value [Auction] comprised a collection
of 73 objects, all belonging to the world of photography,
found and purchased in various flea markets, whose
“designation of origin” – inscribed on each of them – is as
important as their nature.
Through a long process of selection, recomposition and
reconditioning, transformation, recontextualization
and exhibition, these objects underwent successive
aggregations of material and symbolic value along the
way to their final destination: an auction held in an
institutionalized art space.
The collection was exhibited at the XXIX São Paulo Bienal
and auctioned, object by object, by Aloisio Cravo, official
auctioneer, on December 9, 2010, in the Bienal pavilion
itself. Each buyer received a certificate of ownership of
of part of the Minus-Value Auction] project and, in this
manner, included it in their art collection.
In the field of ideas, this project should be understood,
also, as an example of “active recuperation transformation”
– properly anchored in Ruinology – a practice already
well-established in the areas of ethics and contemporary
aesthetics.
35
Coisas Que
Caem do Céu
Things Falling From The Sky
Mudei-me
para um apartamento térreo
com duas áreas privativas,
cimentadas.
Logo percebi pequenas coisas
Que todos os dias,
aparecem sobre o chão
Coleciono-as.
i
I
I moved my home
to a ground level apartment
with two private
cemented areas
Soon I noted
Small things appearing
everyday in the ground
Some recur
I collect’ em
por PedroDavid
37
38
* COISAS QUE CAEM DO CÉU *
* THINGS FALLING FROM THE SKY * 39
40
* COISAS QUE CAEM DO CÉU *
* THINGS FALLING FROM THE SKY * 41
42
Encaixotando
os amores perdidos
Xico Sá
Por causa de uma mudança, estive um
pouco ausente aqui do nosso banco de praça.
Mudar de casa é uma trabalheira.
Só não é mais complicado do que mudar
de sexo. Ou mudar de mulher. Ou mudar de
marido.
No que o DJ imaginário solta a trilha
“Mudanças”, clássico da Jovem Guarda
da Vanusa. A musa recomenda: revirar
gavetas, sentimentos e ressentimentos tolos
etc. Estou dentro.
Mudar é bronca, mesmo no meu caso,
que farei a menor mudança do mundo: apenas
um gato e um pendrive com as crônicas do
amor louco para eventuais reciclagens.
Perdão, minha mulherzinha amada,
levarei também os vinis Burt Bacharach –
atenção que o cara faz show sábado em São
Paulo, imperdível. Burt Bacharach para
dançar de rostinho colado.
O pior da mudança, mesmo com o meu
desapego adquirido com a práxis cigana –não
com as ilusões do orientalismo de boutique-,
é tropeçar nos objetos que marcaram, de
alguma forma, os ex-amores.
Sem se falar nas cartas no fundo daquela
gaveta esquecida, caligrafia caprichada de
moça que ama, os beijos de batom impressos
para sempre, as promessas, venho por meio
desta… Uma romana me mandou uma
fábula de Morávia…
Os utensílios do lar também falam
alto, repetem antigas declarações, nos
lembram velhas dores mumificadas. Aquele
escorredor de macarrão que matou nossa
fome dominical com TV a cabo e DVDs
incompreensíveis.
Desapego. Cavaleiro solitário vende/
doa tudo.
Viva mais um ritual de passagem e
mudança. Aqueles lençóis que encobriram
nosso desamor final e nossa preguiça de
segunda-feira, nossa inércia, o edredon que
abafou e adiou o “the end” e os créditos
finais do nosso filme.
Solta a voz, Vanusa!
E como a gente guarda coisas que
nem sabia tê-las. Assim como cartas,
papéis avulsos, recortes sentimentais que
julgávamos esquecidos. Qual o quê, basta
uma polaroide borrada da Cindy para
rebobinar um amor que não houve.
É mandar tudo para a feira Benedito
Calixto dos amores perdidos ou para a rua
do Lavradio das paixões rústicas, trincadas
e envelhecidas.
Mudança é trabalheira por dentro e
por fora.
Vamos nessa. Um passo à frente e você
não está mais no mesmo lugar, já dizia o
filósofo do mangue.
43
Xico Sá
Because I was moving I've been a bit absent here in our
park bench. Moving home is a hassle.
It is just less complicated than performing gender change.
Or switch wives. Or switch husbands.
As my imaginary DJ launches the track "Mudanças", a
classic by the Velha Guarda movement artist Vanusa.
The muse recommends: to roll drawers, foolish feelings,
resentments and so on. I am in.
Change is scolding, even in my case; I will make the
slightest change in the world: only a cat and a pendrive
with chronics of crazy love for eventual recycling.
Excuse me, my beloved little wife, I'll also bring the Burt
Bacharach discs - note that the guy has a show on Saturday
in Sao Paulo, unmissable. Burt Bacharach to dance face
to face.
The worst change, even with my detachment acquired
with gypsy praxis – not with the Orientalism-boutique
illusions, is tripping over objects that marked, somehow,
my former lovers.
Without speaking about the letters at the bottom of that
forgotten drawer, neat handwriting of a girl who loves,
the lipstick kisses print forever, promises, I come through
this... A Roman sent me a Moravian fable...
The household utensils also speak loudly, repeating old
statements that remind us of old mummified pain. That
pasta drainer that helped us kill our hunger on a Sunday
with cable TV and incomprehensible DVDs.
Detachment. Lone Rider sells/donates it all.
Live one more rite of passage and change. Those sheets
that hid our final lovelessness and our Monday laziness,
our inertia, the blanked that stifled and postponed the "the
end" and the final credits of our film.
Unleash your voice, Vanusa!
And how we keep things we did not even know we had
them. Such as letters, loose papers, sentimental clippings
we thought were forgotten. Now what, just a blurry
Polaroid of Cindy is enough to rewind a love that wasn’t.
It is to send everything to the fair of Benedito Calixto of
lost loves or to the Lavradio street of rustic, cracked and
aged passions.
Change is hassle inside and out.
Let’s go. One step ahead and you are no longer in the same
place, used to say the philosopher of the swamp.
44
por Paulo Henrique Pessoa “Ganso”
Gravura de Ferrante Imperato "Dell'Historia
Naturale" (Nápoles, 1599): a primeira
ilustração de um gabinete de história natural
O
GABINETE
DE
CURIOSIDADES
Pintura a óleo do pintor italiano
Domenico Remps, idos de 1690
P
ouco se pensa a respeito, mas os
museus, que em boa parte dos
casos guardam o passado (excetuados
estão, naturalmente,
os que se dedicam à arte contemporânea),
também têm passado. Menos vinculados à
estética e à fruição do belo do que à ciência e
ao descobrimento, os Gabinetes de Curiosidades
ou Quartos das Maravilhas escrevem
essa pré-história dos museus. Ambas as
denominações, com toda a incontornável
carga poética que carregam, expressam o
esforço de quem empreendeu rumo ao desconhecido
na época das grandes explorações e
descobrimentos dos séculos XVI e XVII.
Exploradores que cruzavam os mares e as
terras colecionavam objetos raros ou estranhos
dos três ramos em que era dividida a biologia
na época: animalia, vegetalia e mineralia.
Também entravam no rol desse exercício
colecionista as realizações humanas, naturalmente
as que eram estranhas aos olhos
de quem as colecionava, já que falamos de
“descobridores” e suas “descobertas” (as aspas
chamam a atenção para o quão relativa é essa
dinâmica de quem descobriu o quê).
Os Gabinetes de Curiosidades eram
normalmente uma exposição de coisas
exóticas e achados procedentes
das novas explorações ou de instrumentos
tecnicamente avançados,
como foi o caso da coleção do czar Pedro,
o Grande, que elevou a Rússia a uma outra
janela de pensamento ao retornar de uma expedição
pelos Países Baixos, de onde trouxe
cartas topográficas, livros e invenções de
48
* O GABINETE DE CURIOSIDADES *
" Trinity - Pharmacology, Physiology,
Pathology, 2000" - Damien Hirst, 2000
© Hirst Holdings Limited and Damien Hirst.
All rights reserved / Licenciado por AUTVIS,
Brasil, 2013
Os gabinetes tiveram um papel fundamental
para o desenvolvimento da ciência moderna
Isaac Newton, além de mestres, técnicos,
médicos e homens letrados de todas as áreas.
Em outros casos, os Quartos das Maravilhas
eram amostras de quadros e pinturas, como
as que o arquiduque Leopoldo Guillermo
promoveu e que podem efetivamente ser
consideradas como as precursoras dos atuais
museus de arte.
Os gabinetes tiveram um papel fundamental
para o desenvolvimento da ciência moderna,
embora refletissem a opinião popular de seu
tempo – assim, não era raro encontrar coisas
tidas como sangue de dragão secado ou
esqueletos de animais míticos. A edição de
catálogos, geralmente ilustrados, permitia acessar
e difundir o conteúdo para os cientistas
da época. Mesmo em algumas enciclopédias e
dicionários ilustrados da primeira metade do
século XX esse tipo de edição ainda ecoava.
O tema, de modo geral, ainda é explorado
pelo mercado editorial. Bom exemplo é a
coleção “O Gabinete das Curiosidades”, lançado
pela editora Dantes com oito volumes
em 2008. Trata-se de material que vinha
sendo levantado desde 1999.
Cinco dos títulos constituem uma espécie
de “Brasiliana” (termo que, no conceito do
bibliófilo e historiador Rubens Borba de
Moraes, designa livros sobre o Brasil – no
todo ou em parte, impressos ou gravados
desde o século XVI até o final do século XIX,
e os livros de autores brasileiros impressos ou
gravados no estrangeiro até 1808): foram
escritos por boticários, naturalistas e curiosos
nascidos no Brasil no século XVIII com o
intuito de narrar, classificar ou pesquisar
* O GABINETE DE CURIOSIDADES * 49
o território e a natureza brasileira e suas
potencialidades numa época em que o novo
mundo e seus artigos não eram sequer verbetes
consolidados nas enciclopédias. Os outros três
títulos tratam de termos e questões técnicas
que costuram o conjunto das obras.
Os Gabinetes de Curiosidades desapareceram
durante os séculos XVIII e XIX,
sendo substituídos por instituições oficiais e
coleções privadas. Os objetos considerados mais
interessantes ou valiosos foram transferidos
para museus de artes e de história natural que
começaram a ser fundados. Tiveram grande
importância no estudo pioneiro de certas
disciplinas de biologia ao criar coleções de
fósseis, conchas e insetos.
Mas assim como na esfera editorial, o conceito
e a própria conformação dos Quartos
das Maravilhas acabaram reverberando
para além de seu tempo, até a atualidade.
São, por exemplo, referência para a produção
no universo das artes. Vários trabalhos do
controverso britânico Damien Hirst (mais
conhecido por suas exposições de animais
mortos conservados em formol) têm ligação
com a estética dos Gabinetes, como os
“Trinity Cabinets”, que dispõem em estantes
objetos da farmacologia. Nomes como Tim
Holtz e Mark Dion também desenvolvem
trabalhos que dialogam com o tema.
No Brasil, o artista gráfico, designer de produto
e integrante do Coletivo Gambiologia Paulo
Henrique Pessoa “Ganso” já lançou um olhar
sobre o tema com seu “Gabinete de Curiosidades
Jean Baptiste 333” - obra que integrou
a exposição “Gambiólogos”, apresentada em
Belo Horizonte em 2010. DB
“Gabinete de Curiosidades Jean
Baptiste 333”, por Ganso (2010)
Little thought is given to it, but museums, which
in most cases keep the past (except, of course, those
dedicated to contemporary art), also have a past. Less
related to aesthetics and the enjoyment beauty than to
science and discovery, the cabinets of curiosities, or the
Wonder Rooms, write this pre-history of museums. Both
denominations, with all the inescapable poetics they
carry, express the effort of those who embarked into the
unknown at a time of great explorations and discoveries of
the sixteenth and seventeenth centuries.
Explorers who crossed seas and lands collected rare or
strange objects of the three branches that biology was
divided into at the time: animalia, vegetalia and mineralia.
Also entered into the list of this collectionist effort were
those human doings strange to the eyes of those who
collected them, since we speak of "discoverers" and their
"discoveries" (quotation marks draw attention to how
relative is this dynamic of who discovered what).
The Cabinets of Curiosities were usually a display of exotic
things and new findings coming from explorations or
technically advanced instruments, as was the case of the
collection of Tsar Peter, the Great, who raised Russia to
another window of thinking upon his returning from
an expedition through the Netherlands, from where he
brought topographic maps, books and the invention of
Isaac Newton, as well as technical teachers, coaches,
doctors and educated men from all areas. In other cases,
the Rooms of Wonders were samples of pictures and
paintings, such as ones the Archduke Leopoldo Guillermo
promoted and that could effectively be considered as the
precursor of today's art museums.
The cabinets had a key role in the development of modern
science, although they reflected the popular opinion of
their time - so, it wasn’t uncommon to find things taken
as dried dragon's blood or skeletons of mythical animals.
The editing of catalogs, usually illustrated, allowed access
and distribution of content to scientists of the time. Even
in some encyclopedias and illustrated dictionaries from
the first half of the twentieth century this type of editing
still echoed. Generally, the topic is still operated by the
publishing market. A good example is the collection
"The Cabinet of Curiosities", released by the publisher
Dantes in eight volumes in 2008. It deals with material
that had been researched since 1999.
Five of the titles make up a kind of "Brasiliana" (term with
which the concept of the bibliophile and historian Rubens
Borba de Moraes, designates books about Brazil - in whole
or in part, printed or written abroad, from the sixteenth
century until the late nineteenth century; and the books
by Brazilian authors printed abroad until 1808): They were
written by apothecaries, naturalists and curious people
born in Brazil in the eighteenth century with the purpose
of narrating, classifying or researching the Brazilian
territory, its nature and its potential at a time when the
new world and its articles were not even consolidated
entries in encyclopedias. The other three titles deal with
technical terms and link all the other pieces.
The Cabinets of Curiosities disappeared during the
eighteenth and nineteenth centuries, being replaced by
official institutions and private collections. The objects
considered more interesting or valuable were transferred to
art and natural history museums that were being initiated.
They had great importance in the pioneering study of
certain disciplines of biology by creating collections of
fossils, shells and insects.
But as in the editorial scope, the concept and the actual
conformation of the Cabinets ended up reverberating
beyond its time, until today. They are, for example,
reference to production in the world of arts. Several works
of the controversial British Damien Hirst (best known for
his exhibitions of dead animals preserved in formaldehyde)
are connected with the aesthetics of the Room of Wonders,
such as the "Trinity Cabinets", which display objects of
pharmacology on shelves. Names like Tim Holtz and
Mark Dion also develop works that dialogue with it.
In Brazil, the graphic artist, product designer and
member of the Gambiologia collective, Paulo Henrique
"Ganso", have already cast a glance on the topic with his
"Cabinet of Curiosities Jean Baptiste 333" - piece that was
part of the exhibition "Gambiólogos", presented in Belo
Horizonte in 2010.
51
Little great things
During a visual arts workshop taught
at the Red Balloon School, in Belo
Horizonte, students 6 to 9 years old
received a challenge: from a talk on
hoarding, each one should create a set
of objects that featured a collection.
But, with a twist: it would have to fit in
a matchbox! The little ones showed that
creativity has no size nor age.
Pequenas
grandes coisas
por Beatriz Leite
Durante uma oficina de
artes visuais ministrada
na Escola Balão Vermelho,
em Belo Horizonte, alunos
de 6 a 9 anos receberam um
desafio: a partir de muita
conversa sobre colecionismo,
cada um deles deveria
criar um conjunto de
objetos que caracterizasse
uma coleção. Porém,
com uma peculiaridade:
ela teria que caber em
uma caixa de fósforos!
Os pequenos mostraram
que criatividade não tem
tamanho, nem idade.
52
53
56
por Lucas Mafra
57
Proteja
Sua
Coleção
Newton C. Braga
Para os colecionadores de qualquer coisa, proteger
a sua coleção é a coisa mais importante do mundo.
Para os que gostam de mexer com eletrônica, a
possibilidade de se montar o próprio sistema de
proteção para seus preciosos objetos, obtidos com
tanto sacrifício, é algo que atrai. Mais do que isso,
não é tão complicado, pois isso pode ser feito com
componentes comuns e de baixo custo. Baseados
na nossa ampla “coleção” de circuitos, escolhemos
alguns que podem ser muito interessantes para você
proteger os tão valiosos objetos.
C
om tecnologia simples e sensores que podem até ser improvisados, podemos
elaborar alarmes que, apesar disso, são extremamente eficientes. Os circuitos
dados a seguir são apenas um pequeno exemplo do que pode ser feito.
Muito mais pode ser encontrado no site e nos livros do autor.
Alarme Psicológico
O melhor meio de proteger alguma coisa
nem sempre é um alarme que toca quando
o ladrão já está de posse do objeto. Um
meio alternativo que deve ser analisado, é
desestimular qualquer ação de um ladrão
evitando que ele tente qualquer coisa, por
verificar que o objeto ou área se encontra
protegido. Um "engana ladrão" que fará com
que os amigos do alheio se afastem, é o que
descrevemos como nosso primeiro projeto.
Mais vale prevenir do que remediar!
Com esta frase resumimos a proposta de
nosso projeto.
Descrevemos a montagem de um circuito
que consiste simplesmente num pisca-pisca
de LEDs, mas colocado num local bastante
visível, por exemplo, junto ao objeto a ser
protegido, e que possui dois elos de ligação
com esse objeto.
Evidentemente, o circuito não acionará
alarme ou qualquer dispositivo de proteção
real, mas dará a impressão visual de que ele
protege e muito bem o objeto!
Observando o carro antes de uma ação,
o ladrão terá a nítida impressão que o elo
60
feito com fios comuns enlaçando o objeto,
consistem em proteções reais.
Os elos são simples de instalar, já que
podem ser encaixados por meio de plugues
e quando isso é feito, o circuito é ativado
imediatamente fazendo com que os LEDs
pisquem alternadamente.
Na condição de espera, sem os elos (que
podem ser retirados facilmente) o consumo é
praticamente nulo e com os LEDs piscando o
consumo é baixo, o que significa que ele pode
ficar permanentemente ligado.
Para um intruso, tudo vai indicar que
removendo este elo, o alarme vai disparar.
É claro que o aparelho pode também ser
usado em lojas para simular a proteção de
objetos valiosos ou mesmo em passagens para
desestimular a entrada de intrusos.
Como Funciona
O circuito funcionalmente consiste num
multivibrador com dois transistores onde a
freqüência é determinada pelos capacitores
C1 e C2. O montador pode experimentar
capacitores de 1 uF a 22 uF, de modo a obter
a freqüência que desejar para as piscadas.
Quando em funcionamento, os transistores
conduzem alternadamente fazendo com que
os LEDs ligados aos seus coletores pisquem.
Os resistores em série com os LEDs
determinam a intensidade das suas piscadas
e podem ser alterados, mas não muito para
não elevar demais o consumo de energia do
aparelho.
Montagem
Na figura 1 temos o diagrama completo do
"engana ladrão".
Figura 1 – Diagrama completo do alarme psicológico
* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 61
A montagem pode ser feita numa placa
de circuito impresso. Nesta montagem, o
montador deve ter cuidado para não deixar os
terminais dos componentes encostarem uns
nos outros nos pontos em que eles se cruzam.
Também é muito importante observar as
posições dos transistores e as polaridades dos
LEDs e capacitores eletrolíticos. Observe que
a conexão dos elos de proteção é feita através
de bornes.
Na figura 2 temos a disposição dos componentes
numa placa de circuito impresso.
Figura 2 – Montagem numa placa de circuito impresso
A alimentação pode ser feita com 6 V de 4
pilhas comuns ou ainda por uma fonte de 6 V
a 12 V com pelo menos 250 mA.
No entanto, na versão com pilhas o circuito
não deve ficar ligado permanentemente para
não haver desgaste muito rápido da fonte de
energia.
Para testar o aparelho ligue os elos de
proteção e alimente o circuito com 12 V.
Os LEDs devem piscar alternadamente. Se
quiser modificar a freqüência das piscadas
altere os valores dos capacitores C1 e C2.
Lista de Material
• Q 1 , Q 2 , Q 3 - BC548 ou equivalente -
transistores NPN de uso geral
• LED1, LED2 - LEDs vermelhos ou de outra
cor, comuns
• R1, R4, R5, R6 - 1 k ohms - marrom, preto,
vermelho
• R2, R3 - 100 k ohms - marrom, preto,
amarelo
• C1, C2 - 4,7 uF/16V - eletrolíticos
• C3 - 47 uF/16V - eletrolítico
Diversos:
• J1, J2, J3, J4 - bornes comuns isolados
• F1 - 250 a 500 mA - fusível
• Placa de circuito impresso ou ponte de
terminais, caixa para montagem, suporte
para o fusível, elos com plugues para
proteção, fios, solda, etc.
62
* PROTEJA SUA COLEÇÃO *
Alarme de Passagem
Um projeto muito solicitado é o que detecta
a passagem de objetos ou pessoas por um
local. Com a passagem de alguém ou algo um
alarme dispara, e assim permanece por um
tempo que pode ser programado entre alguns
segundos a diversos minutos. Se o leitor está
a procura deste tipo de projeto a versão que
damos é sensível e usa componentes comuns
de baixo custo.
Descrevemos a montagem de um alarme
foto-elétrico de passagem, ou seja, que
detecta a passagem de um objeto por um local
pela interrupção de um feixe de luz.
Bem ajustado e usando alguns recursos
ópticos, o alarme pode proteger corredores,
janelas ou outros locais. Outra aplicação
para o circuito é na detecção de objetos que
eventualmente passem entre os sensores, caso
em que encontramos aplicações industriais
para o circuito.
A sensibilidade obtida é grande graças ao uso
de um LDR como sensor, e a velocidade de
resposta relativamente elevada possibilitando
a detecção da passagem muito rápida de
objetos entre a fonte de luz e o sensor.
O circuito pode funcionar tanto com
alimentação de 6 V como 12 V conforme o
relé, e seu consumo na condição de espera
depende somente da fonte de luz usada. No
nosso caso usamos uma pequena lâmpada
de 6 ou 12 V, mas nada impede que uma
lâmpada ligada à rede de energia seja usada.
Pode também ser usado como emissor
um LED infravermelho e assim o alarme
trabalhará com uma fonte invisível.
Encontramos dois ajustes no projeto. O
primeiro permite ajustar a sensibilidade
do LDR de acordo com a luz ambiente e
a distância que se encontra a lâmpada de
referência. O segundo é o ajuste de tempo,
que determina por quanto tempo o relé vai
permanecer fechado depois da detecção.
Como Funciona
O LDR permanece iluminado por uma fonte
de luz remota. Se algum objeto ou pessoa
interromper a luz que incide sobre o LDR,
sua resistência aumenta por um instante e
com isso, o transistor Q1 que se encontrava
no corte conduz. A corrente de condução em
função da resistência do LDR é ajustada em
P1. Na figura 3 mostramos como o corte de
luz pode ocorrer num alarme.
Figura 3 – Interrompendo o feixe de luz
* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 63
Com a condução de Q1 a tensão no seu
coletor cai por um instante fazendo com que
o pino 2 seja momentaneamente aterrado
via C1. Isso é suficiente para disparar o
555 que se encontra ligado na configuração
monoestável.
Com o disparo, a saída do 555 vai ao nível
alto por um tempo que vai depender do ajuste
de P2 e do valor de C2. Com 100 uF obtemos
tempos que podem chegar a um minuto. Se o
leitor desejar maiores tempos pode aumentar
C2 até 1 000 uF que é um valor razoável.
Ir ao nível alto, significa que a saída do
555 que tinha uma tensão de 0 V passa a
apresentar uma tensão praticamente igual
a da alimentação usada no circuito, 6 V ou
12 V. Essa tensão é suficiente para saturar o
transistor Q2.
Saturado, o transistor aciona o relé ligado
em seu coletor, fechando seus contactos.
Nos contactos do relé podemos então ligar
o dispositivo a ser controlado pela passagem:
uma sirene, buzina ou outro dispositivo que
pode ter alimentação independente.
Na figura 4 mostramos como podemos ligar
ao relé uma campainha alimentada pela rede
de energia ou ainda outra carga que será
acionada pela passagem.
Figura 4 – Conectando o alarme a uma cigarra ou campainha
Montagem
O diagrama do Alarme de Passagem é mostrado na figura 5.
Figura 5 – Diagrama do alarme de passagem
64
* PROTEJA SUA COLEÇÃO *
Nessa figura não mostramos a fonte de
alimentação, já que ela dependerá do relé
usado. Uma sugestão de fonte de alimentação
é mostrada na figura 6.
Se for usada uma lâmpada ligada à rede de
energia para iluminar o sensor, o alarme
pode ser alimentado por pilhas comuns já
que na condição de espera o seu consumo será
muito baixo.
Figura 6 – Fonte de alimentação para o alarme
Figura 7 – Placa de circuito impresso para a montagem
A placa de circuito impresso para o alarme é
mostrada na figura 7.
O LDR é do tipo redondo comum e deve
ser montado num tubinho opaco que ficará
apontado para a lâmpada, conforme mostra
a figura 8.
A lâmpada usada pode ser de 6 ou 12 V,
conforme a tensão de alimentação. Lâmpadas
de lanterna ou de carro com correntes de 50
Figura 8 – Instalação do sensor
* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 65
mA a 500 mA podem ser usadas. É claro
que, quanto mais potente a lâmpada maior
a distância que pode haver até o sensor, mas
também teremos um consumo maior.
Para provar basta alimentar o circuito e
iluminar o LDR. O trimpot P2 deve estar na
posição de mínima resistência.
Em seguida vá ajustando P1 e ao mesmo
tempo fazendo sombra sobre o LDR. No
momento do disparo do relé percebemos isso
pelo ruído de seus contactos.
Depois dos ajustes o leitor verificará que
sempre que fizer sombra no LDR o relé
dispara e permanece dessa forma por alguns
segundos. Atuando sobre P2 o tempo em que
o relé permanece disparado aumenta.
Comprovado o funcionamento, os mesmos
ajustes devem ser feitos quando o dispositivo
for instalado no local definitivo de proteção.
Na figura 9 mostramos como usar o alarme
para proteger uma passagem.
Lista de Material
• CI-1 – 555 – circuito integrado
• Q1, Q2 – BC548 ou equivalente – transistores
• NPN de uso geral
• D1 – 1N4148 – diodo de uso geral
• R1, R4 – 10 k ohms – marrom, preto, laranja
• R2 – 22 k ohms – vermelho, vermelho, laranja
• R3 – 47 k ohms – amarelo, violeta, laranja
• R5 – 1 k ohms – marrom, preto, vermelho
• P1, P2 – 1M ohms – trimpots
• LDR – foto-resistor redondo comum
• C1 – 10 uF – eletrolítico
• C2, C3 – 100 uF – eletrolítico
Diversos:
Figura 9 – Instalação do alarme
• X1 – Lâmpada de 6 ou 12 V – ver texto
• K1 – 6 ou 12 V x 50 mA - relé sensível
• Placa de circuito impresso, fonte de
alimentação, fios, solda, etc.
* PROTEJA SUA COLEÇÃO *
PROTEÇÃO
GARANTIDA
ou...
As receitas eletrônicas de Facta possuem padrão
de funcionamento reconhecido por certificações
internacionais. Nossos DIY's são testados
exaustivamente, em décadas de experiência.
atestado de qualidade
Newton C. Braga + Gambiologia
Não oferecemos garantia para casos
de dislexia eletrônica ou má-notas.
Alarme de Uso Geral
O circuito de alarme que descrevemos neste
artigo pode proteger os mais diversos tipos
de patrimônios. Sua casa, os objetos de sua
coleção, ou simplesmente uma área que não
deva ser invadida. Alimentado por pilhas
ou bateria, ele incorpora o circuito de aviso,
com um sinal de áudio de boa intensidade.
Os sensores são do tipo NA ou NF e podem
ser instalados em qualquer quantidade.
O alarme que descrevemos pode ser
alimentado por pilhas ou bateria e na
condição de repouso tem um consumo
extremamente baixo. Quando disparado, ele
aciona um relé, passando nessa condição a ter
um consumo maior.
Os sensores podem ser do tipo reed-switch
ativados por imãs ou ainda fios comuns para
atuarem por interrupção. Também podem ser
usados sensores NA (normalmente abertos)
como micro-switches. O circuito não possui
trava. Isso significa que, se o sensor for
reativado o alarme para de soar.
Como Funciona
As etapas sensoras usam duas das portas
disparadoras do 4093 operando como
inversores/comparadores ativados pelos
sensores.
Os sensores NF, por exemplo, podem ser
fios colocados em portas e janelas, conforme
mostra a figura 10.
A primeira porta tem sua saída indo ao
nível baixo quando qualquer dos sensores
normalmente fechados for aberto. Esses
sensores podem ser fios finos enlaçados nos
objetos a serem protegidos. Seu rompimento
causa o disparo do alarme.
A segunda porta é ativada quando qualquer
dos sensores normalmente abertos é fechado.
A saída dessa porta vai ao nível baixo quando
o disparo ocorrer.
Os sensores podem ser reed-switches, microswitches
ou chaves de outros tipos NA.
Veja então que temos dois conjuntos de
sensores diferentes que podem ser usados à
vontade conforme o tipo de proteção desejado.
Figura 10 – Protegendo um obejto de madeira
Ao serem interrompidos, o alarme é
disparado. Os fios para os sensores podem
ser bem longos, mas devem ser isolados.
* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 67
Montagem
Na figura 11 temos o diagrama completo do alarme.
Figura 11 – Diagrama completo do alarme
A montagem pode ser feita com base numa placa de circuito impresso,
conforme mostra a figura 12.
O conjunto pode ser instalado numa pequena
caixa plástica com pontes de parafusos para
conexão dos sensores, conforme mostra a
figura 13.
Figura 12 – Placa de circuito impresso para o alarme
Para uma alimentação por pilhas, recomendase
o uso dos tipos médios ou grandes, dado o
consumo maior quando o alarme é disparado. Na
condição de espera, o consumo é muito baixo.
Figura 13 – Montagem em caixa com bornes
68
* PROTEJA SUA COLEÇÃO *
O circuito também pode ser alimentado por
uma fonte, mas neste caso existe o perigo do
intruso cortar a energia do local antes de sua
invasão, justamente para desativar alarmes.
Prova e Instalação
Para provar o aparelho, basta manter aberto
qualquer dos sensores ligados em série. O
relé deve fechar seus contactos, ativando o
circuito externo.
Comprovado o funcionamento, é só fazer a
instalação definitiva. Na figura 14 damos uma
sugestão de sistema de proteção doméstico
usando este alarme.
Para rearmar o circuito, basta desligar a
alimentação e refazer a conexão dos sensores
disparados.
Lista de Material
• CI-1 – 4093 – circuito integrado CMOS
• Q1 – BC548 ou equivalente – transistor
NPN de uso geral
• D1, D2, D3 – 1N4148 – diodos de uso geral
• R1, R2 – 1 M ohms x 1/8 W – marrom,
preto, verde
• R3 – 100 k ohms x 1/8 W – marrom, preto,
amarelo
• R4 – 4,7 k ohms x 1/8 W – amarelo, violeta,
vermelho
• C1 – 100 uF x 16 V – eletrolítico
Diversos:
• X1 a X6 – sensores NA e NF
• K1 - Relé de 6 ou 12 V com bobina de 50
mA e contactos conforme o circuito externo
controlado
• Placa de circuito impresso, pilhas, bateria ou
fonte de alimentação, caixa para montagem,
fios, solda, etc.
Figura 14 – Instalação do alarme
* PROTEJA SUA COLEÇÃO * 69
Newton C. Braga
For collectors of anything, protecting their collection is
the most important thing in the world. For those who
like to mess with electronics, the possibility of setting
up their own system of protection for their precious
objects, obtained with much sacrifice, is something
appealing. More than that, it's not complicated,
as it can be done with common and inexpensive
components. Based on our broad "collection" of
circuits, we chose some that can be very interesting for
you to protect those very valuable objects.
With simple technology and sensors that can even be
improvised, one can produce alarms that, though simple,
are extremely efficient. The circuits given below are just
a small example of what can be done. Many more can be
found on the website and in the author’s book.
PSYCHOLOGICAL ALARM
The best way to protect something is not always an alarm
that sounds when the thief is already in possession of the
object. An alternative way that should be considered is to
discourage any possible actions of a thief, preventing him
from trying anything as he realizes the object or area is
protected. A "thief- trick" that will make these “friends”
depart; this is what we describe as our first project.
Better safe than sorry! With this expression we summarize
our proposed project.
We describe the assembly of a circuit that is simply an
LED flasher placed in a very visible place, for example,
together with the object to be protected, and with two
links connecting to that object.
Evidently, this circuit won’t trigger any alarm or device of
real protection, but it gives the visual impression that it is
protecting the object very well!
Observing from the car before an action, the thief will
have the distinct impression the link made with common
wires connected to the object consists of a real protection.
The links are simple to install, as they can be fitted with
plugs, and when this is done, the circuit is immediately
activated, making the LEDs blink alternately.
In standby, without the links (which can be easily
removed) consumption is practically zero, and with the
LEDs flashing consumption is low, which means that it
can be always on.
To an outsider, everything will indicate that removing this
link will trigger the alarm.
Of course this device can also be used in stores to simulate
the protection of valuable objects or even in entrances to
discourage intruders.
How it works
The circuit functionally consists of a multivibrator with
two transistors where the frequency is determined by the
capacitors C1 and C2. The assembler can experience with
capacitors of 1 uF to 22 uF to get the desired frequency
for it to blink. When in operation, the transistors conduct
alternately, causing the LEDs connected to their collectors
to blink.
The resistors in series with the LEDs determine the
intensity of their flashes and can be changed, but not
too much in order not to raise the power consumption
of the device.
70
Assembly
In Figure 1 we have the complete diagram of the
"thief- trick."
Figure 1 – Complete diagram of the psychological alarm
The assembly can be done on a printed circuit board. In
this assembly, the assembler must be careful not to let the
component leads touch each other at the points where they
intersect.
It is also very important to note the positions of the
transistors, the LEDs’ polarity and the electrolytic
capacitors. Note that the connection of the protection
links is made via bornes.
In figure 2 we have the arrangement of components in a
printed circuit board.
Figure 2 - mounting on a printed circuit board
The feeding can be made with 6 V from 4 ordinary batteries
or from a source of 6 V to 12 V and at least 250 mA.
However, in the version with batteries, the circuit
shouldn’t be permanently on so there isnt’ a very rapid
waste of energy source.
To test the device, connect the protection links and feed
the circuit with 12 V. The LEDs should flash alternately.
If you want to modify the frequency of blinks, change the
values of the capacitors C1 and C2.
List of materials
• Q1, Q2, Q3 - BC548 or equivalent -
NPN general purpose transistors
• LED1, LED2 - red LEDs or colored, common
• R1, R4, R5, R6 - 1 k ohms - brown, black, red
• R2, R3 - 100 k ohms - brown, black, yellow
• C1, C2 - 4.7 uF/16V - electrolytic
• C3 - 47 uF/16V - electrolytic
Miscellaneous:
• J1, J2, J3, J4 - common isolated bornes
• F1 - 250-500 mA - fuse
• Printed circuit board or bridge, mount box, support for
fuse, links with plugs for protection, wires, solder, etc..
THE PASSAGE ALARM
The circuit can operate both with a supply of 6 V or 12
V according to the relay, and its consumption in standby
mode depends only on the light source used. In our case,
we used a small bulb of 6 or 12 V, but nothing prevents the
use of a lamp connected to the power grid.
An infrared LED can also be used as an emitter so the
alarm will work with an invisible source.
We found two settings in the project. The first adjusts the
sensitivity of the LDR according to the ambient light and
the distance of the reference lamp. The second is the time
setting, which determines how long the relay will remain
closed after detection.
How it works
The LDR remains illuminated by a remote light source. If
any object or person blocks the light falling on the LDR,
its resistance increases for an instant, and with that, the
transistor Q1, which a broken circuit, is completed. The
driving current, because of the resistance of the LDR, is
set at P1. In figure 3 we show how the interruption of light
may occur in an alarm.
Figure 3 - Interrupting the light beam
With the conduction of Q1 the voltage at its collector falls
for a moment, causing pin 2 to be momentarily grounded
via C1. This is sufficient to trigger 555, which is connected
with a monostable configuration.
With the trigger, the output of 555 goes to high level for a
time that will depend on the setting of the value of P2 and
C2. With 100 uF we get times that can reach a minute. If
the reader wants more time, she/he can increase C2 up to
1000 uF, which is a reasonable value.
Go to high level means that the output of 555, which had
a voltage of 0 V, changes to a voltage substantially equal to
the power used in the circuit, 6 V or 12 V. This voltage is
sufficient to saturate the transistor Q2.
Saturated, the transistor drives the relay connected to its
collector, closing its contacts. In the relay contacts we can
connect the device to be controlled by the passage: a siren,
horn or other device that can be self-powered.
* PROTECT YOUR COLLECTION * 71
In Figure 4 we show how we can connect a buzzer powered
by the power grid or other charge that will be triggered by
the passage to the relay
Figure 4 - Connecting the alarm to a buzzer or a bell
Assembly
The alarm passage diagram is shown in Figure 5.
Figure 5 – Passage Alarm Diagram
In this figure we don’t show the power supply, since it
depends on the relay used. A suggestion of power supply
is shown in figure 6.
Figure 6 - Power supply for the alarm
If a lamp connected to the power grid to light the sensor is
used, the alarm can be powered by ordinary batteries, as in
standby condition its consumption is very low.
The printed circuit board for the alarm is shown in Figure 7.
Figure 7 - Printed circuit board for mounting
The LDR is of the common round type and must be
mounted in a small opaque tube which will be pointed to
the lamp, as shown in Figure 8.
Figure 8 - Installing the sensor
The light used can be of 6 or 12 V, depending on the supply
voltage. Flashlight bulbs or car lamps with currents of
50 mA to 500 mA can be used. It is clear that the more
powerful the lamp, the longer the distance up to the sensor
can be, but there will also be a greater consumption.
Test and Use
To test just feed the circuit and light the LDR. The P2
trimpot should be in the position of least resistance.
Then adjust P1 while shading on the LDR. We can hear
the sound of the contacts when the relay is triggered.
After the adjustments the reader will find that whenever
this is a shadow on the LDR, the relay triggers and stays
that way for a few seconds. Acting on P2 increases the
time the relay continues triggered.
Once the operation is tested, the same adjustments should
be made when the device is installed in the definitive place
of protection.
In Figure 9 we show how to use the alarm to secure a
passage, firing an alarm.
Figure 9 - Installing the alarm
List of Materials
• CI - 1- 555 - IC
• Q1, Q2 - BC548 or equivalent -
NPN general purpose transistors
• D1 - 1N4148 - General Purpose Diode
• R1, R4 - 10 k ohms - brown, black, orange
• R2 - 22 k ohms - red, red, orange
• R3 - 47 k ohms - yellow, violet, orange
• R5 - 1 k ohms - brown, black, red
• P1, P2 - 1M ohms - Trimmers
• LDR - common round photo-resistor
• C1 - 10 uF - electrolytic
• C2, C3 - 100 uF - electrolytic
Miscellaneous:
• X1 - Light 6 or 12 V - see text
• K1 - 6 or 12 V x 50 mA – sensitive relay
• Printed circuit board, power supply, wire, welding, etc.
72
* PROTECT YOUR COLLECTION *
General Use Alarm
The alarm circuit we have described in this article can
protect various types of assets - Your house, the objects
of your collection, or simply an area that should not be
invaded. Powered by a battery, it incorporates the warning
circuit with an audio signal of good intensity. The sensors
are of the type NA or NF and can be installed in any
quantity.
The alarm we have described can be powered by batteries
or a battery and at rest it has a extremely low consumption.
When triggered, it triggers a relay, having a higher
consumption then.
The sensors can be of reed-switch type, activated by
magnets or common wires to work by interruption.
NA sensors can also be used (normally open) as microswitches.
The circuit has no lock. This means that if the
sensor is reactivated the alarm stops sounding.
How It Works
The sensing steps use two 4093 triggering ports operating
as inverters / comparators activated by the sensors.
The first port has an output going to the low level when
any sensor normally open is closed. These sensors can be
thin wires entwined in the objects to be protected. Their
disruption causes the triggering of the alarm.
The second port is activated when any sensor is normally
open are closed. The output of this port goes to low level
when the trigger occurs.
The sensors can be reed-switches, micro-switches or other
NA type.
See then that we have two different sets of sensors that
can be used as desired depending on the type of protection
desired.
The sensors NF, for example, can be wires placed on doors
and windows, as shown in Figure 10.
Figure 10 - Securing a wood object
When interrupted, the alarm is triggered. The wires to the
sensors can be quite long, but they must be insulated.
Assembly
In Figure 11 we have the complete diagram of the alarm.
Figure 11 – Full diagram of alarm
The assembly can be made based on a printed circuit board,
as shown in Figure 12.
Figure 12 - Printed circuit board for alarm
The assembly can be installed in a small plastic box with
bridges of screws for connecting the sensors, as shown in
figure 13.
Figure 13 – Mounting in box with bornes
For a battery power supply, it is recommended to use the
medium or large types, due to the increased consumption
when the alarm is triggered. In standby mode, the
consumption is very low.
The circuit can also be powered by a source, but in this
case there is the danger of the intruder cutting the power
supply of the place before the invasion, in order to disable
alarms.
Test and Installation
To test the device, just keep open any of the sensors
connected in series. The relay should close its contacts,
activating the external circuit.
With operation tested, just do the final installation. In
Figure 14 we give a suggestion of domestic protection
system using this alarm.
Figure 14 - Installation of the alarm
To reset the circuit, just turn off the power and re-connect
the fired sensors.
List of Materials
• CI- 1- 4093 - CMOS integrated circuit
• Q1 - BC548 or equivalent
NPN general purpose transistor
• D1, D2, D3 - 1N4148 - General purpose diodes
• R1, R2 - 1 M ohms x 1/8 W - brown, black, green
• R3 - 100 k ohms x 1/8 W - brown, black, yellow
• R4 - 4.7 k ohms x 1/8 W - yellow, violet, red
• C1 - 100 uF 16 V - electrolytic
Miscellaneous:
• X1 to X6 – NA and NF sensors
• K1 - Relay of 6 or 12 V with a 50 mA coil and contacts
as controlled external circuitry
• Printed circuit board, batteries or power supply, mount
box, wire, welding, etc..
* PROTECT YOUR COLLECTION *
73
P
arece policial noir, e aliás daria
um dos bons. No dia 21 de março
de 1947, a polícia de Nova
York foi chamada por vizinhos
de um prédio na esquina da Quinta Avenida
com a 128th Street, no Harlem, em
Manhattan. Eles acusavam o mau cheiro que
emanava do endereço, mais precisamente
do apartamento onde moravam os irmãos
Homer Lusk Collyer, que tinha então 68 anos,
e Langley Wakeman Collyer, de 62. Eram
figuras reclusas, consideradas excêntricas
por quem morava ali por perto, e justamente
por isso acabavam por despertar a curiosidade
da vizinhança.
Quando chegou ao local e tentou entrar à
força no apartamento, já que nenhum outro
tipo de contato ou abordagem era possível,
a polícia descobriu que não seria uma
empreitada fácil. A porta da frente estava
barrada por uma muralha de papéis, catálogos e
entulho genérico. As janelas do porão
estavam quebradas, mas protegidas por
grades. A solução encontrada foi arrombar
e entrar pela janela de um quarto no
segundo andar. O cenário dentro do cômodo se
omparava ao do andar de baixo: uma enormidade
de caixas, papéis, objetos diversos, a estrutura
de um carrinho de bebê, vários guarda-chuvas
amarrados em um molho e todo tipo de
material que se possa imaginar. O primeiro
policial a entrar levou duas horas para
engatinhar através do entulho e chegar ao
corpo de Homer, encontrado sentado em uma
cadeira, vestindo um roupão de banho azul
e branco.
A perícia médica constatou que ele
provavelmente morreu vítima de uma
combinação de desnutrição, desidratação e
complicações cardíacas, há não mais que dez
horas, o que significava que o mau cheiro que
exalava do apartamento não podia ser dele.
Polícia e bombeiros seguiram tirando o
entulho do local, na esperança de também
encontrar Langley no apartamento. Cerca
de 600 curiosos acompanhavam da rua
os trabalhos. Dois dias depois, já haviam
sido retiradas mais de 19 toneladas de lixo,
papéis e tralha que os irmãos Collyer
acumulavam compulsivamente. E nem sinal
de Langley.
Nove dias depois, quando equipes ainda
retiravam coisas do apartamento – já eram
contabilizadas, então, cerca de 84 toneladas
de entulho – rumores apontavam que
o mais novo dos Collyer tinha sido visto
pelos lados de Atlantic City. Teve início uma
busca por Langley que cobriu nove diferentes
Estados. E nada. No dia 8 de maio daquele ano,
finalmente ele foi encontrado, no próprio
apartamento, a poucos metros de distância de
onde estava o cadáver de Homer, soterrado
por uma pilha de catálogos telefônicos, livros
e outros papéis. Seu corpo em decomposição
havia sido parcialmente comido por ratos.
A demora para se chegar até ele deveu-se,
fundamentalmente, à dificuldade de remoção
de tanto entulho.
Ficou constatado que ele havia morrido antes
de Homer, e era dele, portanto, o mau cheiro
que exalava da casa. Langley se esgueirava por
um corredor entre as toneladas de objetos para
levar água e comida ao seu irmão mais velho,
que tinha problemas de locomoção, causados
pelo reumatismo e porque havia perdido a
visão em 1933 – vivia, portanto, praticamente
inválido. O Collyer mais novo foi vítima de
uma armadilha que ele mesmo preparou.
Ao passar por ela, causou o desabamento
da tralha sobre si e morreu esmagado.
As armadilhas – havia várias pelo apartamento
– foram feitas com o intuito de impedir a
entrada de estranhos.
Foram retiradas ao todo da casa dos Collyer
aproximadamente 140 toneladas de coisas
indistintas que eles haviam acumulado
ao longo dos anos: armas, 14 pianos, uma
máquina de raio-X, a carcaça de um Ford T
Model, muitos papéis, incluindo catálogos de
telefone de datas vencidas, cerca de 25 mil
livros e pilhas de jornais, mesas, cadeiras,
caixas, órgãos humanos conservados em
frascos, berços, violinos, acordeons e outros
instrumentos musicais, garrafas de vidro,
bolas de boliche, bicicletas velhas, gramofones,
discos, camas, sofás, penteadeiras, relógios,
quadros e tantos quantos mais objetos se
possa imaginar, tudo à maneira de lixo
compactado, além de oito gatos vivos.
O caso dos irmãos Collyer, pouco conhecido
no Brasil, é referencial nos Estados Unidos
do que se denominou compulsive hoarding –
a acumulação obsessiva de qualquer coisa, não
raro sem qualquer foco. O termo “Collyer
Mansion” se tornou um jargão entre os
bombeiros de Nova York e é usado até hoje.
Durante décadas, Langley e Homer juntaram
e mantiveram objetos em seu apartamento
sem um propósito aparente. Progressivamente
foram também se afastando do convívio social,
76
* COLLYER BROTHERS *
transformando o próprio lar numa espécie
de fortaleza inexpugnável, com direito às
armadilhas. Por falta de pagamento, o serviço
telefônico dos Collyer foi cortado em 1917, a
água, a eletricidade e o gás, em 1928, o que
significa que eles passaram os últimos 19 anos
de suas vidas no improviso – um lampião a
querosene para iluminar, uma engenhoca
criada por Langley para gerar alguma energia
e a água conseguida em um posto nas
proximidades. Também a comida era obtida
graças às andanças mendicantes do irmão
mais novo pela cidade.
Poderia haver alguma justificativa ou moral
da história para o caso que registra o comportamento
dos Collyer, mas não, trata-se
apenas de uma degeneração patológica do ato
tão comum a qualquer pessoa de colecionar.
O caso dos irmãos Collyer reverberou tanto,
a propósito, que muitos dos itens que acumularam
– incluindo a cadeira em que Homer
foi achado morto – acabaram reunidos em
uma exposição no Hubert’s Dime Museum,
em Nova York, no início dos anos 1950,
e seguiram em exibição pública por um bom
tempo, numa excêntrica espécie de metacoleção
de coleções.
Além de exposição, o episódio também
gerou outros produtos culturais, como livros
(é o caso de “My Brother’s Keeper”, de Marcia
Davenport, de 1954, ou “Ghosty Men”, de
Franz Lidz, que veio à luz em 1991) e filmes
(o curta “Collyer Brother Syndrome”, de David
Willing e Jessica Birnbaum, lançado em 2003
e que pode ser visto no YouTube, e o longa
“Unstrung Heroes”, de 1995, dirigido por
Diane Keaton) – o que atesta a vocação do bizarro
episódio para o universo da ficção. DB
* SOTERRADOS PELO ACÚMULO *
77
It seems a police noir, and indeed it would make a good one.
On March 21,1947, the New York City police were called
by neighbors of a building at the corner of Fifth Avenue and
128th Street, in Harlem, in Manhattan. They reported the
stench emanating from the address, more precisely from
the apartment where the brothers Homer Lusk Collyer,
who was then 68 years old, and Langley Wakeman Collyer,
62, lived. They were inmates figures, considered eccentric
by those who lived nearby, and rightfully so they ended up
arousing neighborhood curiosity.
When the police reached the spot and tried to forcibly enter
the apartment, since no other type of contact or approach was
possible, they learned that it would not be an easy endeavor.
The front door was barred by a wall of papers, catalogs and
general debris. The basement windows were broken, but
protected by railings. The solution was to break and enter
the window of a room on the second floor. The scene inside
the room was comparable to the downstairs: a multitude
of boxes, papers, various objects, the structure of a stroller,
several umbrellas tied in a bundle and every imaginable type
of material. The first officer to enter took two hours to crawl
through the rubble and get to the body of Homer, found
sitting in a chair, wearing a blue and white bathrobe.
The medical team found that he probably died from a
combination of malnutrition, dehydration and cardiac
complications, no more than ten hours before, which meant
that the stench exuded from the apartment could not be
his. Police and firefighters continued taking the debris out
of the site, hoping to find Langley also in the apartment.
About 600 onlookers followed the work from the street.
Two days later, more than 19 tons of garbage had been
removed, papers and junk the Collyer brothers compulsively
accumulated. And no sign of Langley.
Nine days later, when crews were still taking things from
the apartment - about 84 tons of debris had been already
accounted for by then - rumors abound that the youngest
of the Collyer brothers had been seen near Atlantic City.
A search for Langley which covered nine different states
began. But nothing. On May 8 of that year, he was finally
found inside the apartment, a few meters away from where
the corpse of Homer had been, buried under a pile of phone
books, books and other papers. His decomposing body had
been partially eaten by rats. The delay to reach him was
fundamentally due the difficulty of removing so much debris.
It was found that he had died before Homer, and it was his
stench, therefore, that exuded from that house. Langley crept
down a hallway from tons of objects to bring water and food
to his older brother, who had mobility problems caused by
rheumatism and because he had lost his sight in 1933 – he
lived thus practically an invalid. The youngest Collyer had
been a victim of a trap he had prepared himself. When
passing by it, he caused the collapse of the junk on him and
died, crushed. The traps – there were several in the apartment
- were made in order to prevent entry by outsiders.
There were taken, in whole, from the Collyer house,
approximately 140 tons of indistinct things they had
accumulated over the years: guns, 14 pianos, one X-ray
machine, the carcass of a Ford Model T, much paper,
including telephone books of old date, approximately
25,000 books and piles of paper, tables, chairs, boxes,
human organs preserved in jars, cradles, violins, accordions
and other musical instruments, glass bottles, bowling balls,
old bicycles, gramophones, records, beds, sofas, dressers,
clocks, paintings and many many more objects imaginable,
all in the way of compressed garbage, plus eight live cats.
The case of the Collyer brothers, little known in Brazil, is
referential in the United States to what is called compulsive
hoarding - the obsessive accumulation of anything, often
without any focus. The term "Collyer Mansion" became a
jargon among New York firefighters and is used even today.
For decades, Langley and Homer brought objects together
in their apartment without apparent purpose. They were
also gradually moving away from social life, turning their
home into a kind of impregnable fortress, complete with
traps. Because of non-payment, the Collyer phone service
was cut in 1917, water, electricity and gas in 1928, which
means that they have spent the last 19 years of their lives in
improvisation - a kerosene lamp to light, a gadget created
by Langley to generate some energy and the water from a
station nearby. Also their food was obtained thanks to the
mendicant strolls of the younger brother in the city.
Could there be any justification or moral of the story for
the case that records the behavior of the Collyers? No,
it's just a pathological degeneration of the so common act
of collecting that could happen to any person. The case
of the Collyer brothers reverberated far, by the way, and
many of the items that have been accumulated by them
- including the chair in which Homer was found dead
- were gathered in an exhibition at the Hubert's Dime
Museum in New York in the early 1950s, and followed on
public exhibition for a long time, in an eccentric kind of
metacollection of collections.
Besides the exhibition, the episode also generated other
cultural products such as books (it is the case of "My
Brother's Keeper" by Marcia Davenport, 1954, or "Ghosty
Men" by Franz Lidz, which came to light in 1991) and films
(the short "Collyer Brother Syndrome", by David Willing
and Jessica Birnbaum, launched in 2003 and that can be
seen on YouTube, and the feature "Unstrung Heroes",1995,
directed by Diane Keaton) - a testament to the vocation of
this bizarre episode to the universe of fiction.
78
contÉm
VíDEo
SAIbA
mAIS
onlIne
FActA
vocÊ
mESmo
laboratório de
gambiologia
com
Lucas Mafra
Web Aula • Eletrônica e Gambiarras
Projeto#2
Aprenda a montar uma:
LUMINária
GAMBIOLÓGICA
Acesse já
facta.art.br
DO IT YOURSELF
SUPER TRIAC
DIMMER
por Lucas Mafra
esta Facta #2 lhes apresento
N
meu amigo Super TRIAC
(Triode for Alternating
Current): BTA41600B. Eu o
conheci quando perguntei ao vendedor
da eletrônica: qual é o TRIAC mais nervoso
que você tem? Tudo começou quando
eu estagiava, fazendo luminárias com o
nosso amigo “Ganso”. Ele tem lampadões
incandescentes antigos, de 300, 500, 750, até
de 1000 Watts! São gigantes em comparação
com uma mera lâmpada de 100W. A mais
potente que encontramos no mercado
geralmente é de 200W. Pararam de fabricar
os “lampadões”, pois surgiram alternativas
mais eficientes; e elas se tornaram uma
raridade. A problemática era encontrar um
DIMMER potente o suficiente para construir
luminárias com esses belos lampadões, já que
encontrávamos nas lojas apenas dimmers de
150 a 400W. Solucionática: trocar o TRIAC,
a alma do DIMMER. Resolvido! Poderia ter
usado o TIC263 que
também é potente (25A),
mas a diferença de preço
entre ele e o “super BTA”
(40A) era mui pequena.
Na vídeo-aula dessa edição, você aprenderá
a construir uma luminária profissional,
em que poderá posteriormente instalar um
DIMMER comum e realizar o procedimento
de substituição do TRIAC. Para os
entusiastas e colecionistas da eletrônica, aqui
está um esquemático da Eletrônica Popular
de 1967, onde LP1 é uma pequena lâmpada
neon (Figura 1). Veja também outro esquema
mais atual, encontrado no portal do mestre
Newton C. Braga (Figura 2).
Caso utilize o dimmer para cargas maiores
que 1000W, motores ou resistências, convém
usar um radiador de calor no triac e conectores
de porcelana, para suportar o aquecimento.
FIG. 2
Links:
Controle de potência (dimmer):
www.newtoncbraga.com.br/index.php/eletronica/57-artigos-eprojetos/6507-controle-universal-de-potencia-art997
Datasheet do TRIAC BTA41600B e família:
www.datasheetcatalog.org/datasheet/stmicroelectronics/7469.pdf
* SUPER TRIAC DIMMER * 81
SUPER TRIAC
DIMMER
by Lucas Mafra
On this #2 issue of FACTA magazine I introduce my friend Super
TRIAC (Triode for Alternating Current): BTA41600B. I met him when
I asked the electronics seller: what is the most nervous triac you have?
It all started when I was interning, making fixtures with our friend the "Goose".
He has huge old incandescente lamps, of 300, 500, 750, and up to 1000 Watts!
They are giant in comparisson with a simple 100W lamp. The most powerful we
usually find in the market is of 200W. They stopped making these beautiful large
lamps because more efficient alternatives emerged, and they became a rarity. The
problem was finding a powerful enough DIMMER to build fixtures with these
beautiful great lamps since we were able to find in the shops only 150 to 400W
dimmers. Solutionatic: to replace the TRIAC, the dimmer’s soul. Problem
solved. I could have used the TIC263, which is also powerful (25A), but the price
difference between it and the "super BTA" (40A) was very small.
In this edition’s instructional video you will learn how to build a professional
lamp in which you will be able to install a common DIMMER and later replace
the TRIAC. For enthusiasts and collectors of electronics, we present in Figure
1 a schematic from the Popular Electronics of 1967, where LP1 is a small neon
lamp. In Figure 2 you can check a more recent scheme, taken from the website of
our master Newton C. Braga.
If you use the dimmer for a greater than 1000W charge, motors or resistors, you
should use a heat radiator at the triac and also porcelain connectors in order to
withstand the heat.
References:
Dimmer control:
www.newtoncbraga.com.br/index.php/eletronica/57-artigos-e-projetos/6507-controle-universal-de-potencia-art997
TRIAC BTA41600B and family datasheets:
http://www.datasheetcatalog.org/datasheet/stmicroelectronics/7469.pdf
83
Prólogo
Apesar de ter sido uma das maiores catástrofes
fabris na história, o desabamento da fábrica Rana
Plaza em Bangladesh, que matou cerca de 1100 pessoas e feriu
perto de outras 2000, parece pouco afetado a indústria da
moda. A fábrica produzia peças para gigantes como Primark,
WallMart, GAP, H&M e outras (é difícil, hoje, o armário de
um consumidor de moda não conter ao menos uma peça de
alguma delas). Mas dos pedidos de assinatura de um Tratado
que melhorasse a qualidade de vida dos trabalhadores naquele
país, muitas dessas grandes marcas ficaram de fora.
texto por Julia Valle • fotos por Thais Mol
“A cada semana uma nova coleção”
Chilli Beans
P
ara 162 modelos, produzidos
em tiragens com variação entre
35 e 140 unidades, 2 estilistas,
15 costureiras, 5 modelistas, 1 mês de
pesquisa (por materiais, formas, acabamentos,
volumes, cores e aviamentos), 3 meses
na produção de um mostruário de peças
pilotos, 15 minutos de desfile, 5 meses de
venda, seguidos por 2 meses de liquidação,
a fim de reduzir ao máximo os estoques da
estação, correspondendo a quase 50% de toda
a produção 1 . Com períodos de sobreposições
de etapas, o ciclo se repete ininterruptamente.
A moda é rápida, para o semioticista
francês Roland Barthes ao reconhecer a
criação do design de obsolescência em seu
“O Sistema da Moda” (ainda que não nestes
termos) via instituição de durações específicas
para estações, tendências e coleções e
diferenciação clara entre moda (tendência)
e Moda (estilo); para estilistas que, a fim de
alcançar metas de vendas estabelecidas pelas
empresas, são obrigados a criar coleções de
primavera, verão, resort, alto verão, outono,
inverno, e ainda compartimentam cada
estação em 3 ou 4 meses; para o consumidor,
que encontra a impossibilidade de
acompanhar e adquirir peças a cada novo
lançamento, de ampliar seus armários a
cada seis, quatro, três meses; e para as
fábricas de tecido, continuamente pressionadas
por novidades que devem ser
apresentadas com mais de um ano de
antecedência dos lançamentos nas lojas.
A moda é rápida, rápida o suficiente para
não conseguir processar um termo em língua
estrangeira e traduzi-lo para a língua local
e, na urgência da incorporação, transforma,
por exemplo, peep-toes 2 em peep-tools.
86
* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO *
1 Uma coleção é considerada um sucesso por análises de marketing e vendas
quando as vendas a preço cheio ultrapassam 60% do total da produção.
2 Sapato ou sandália com pequena abertura na frente, que deixa visível
(‘peep’ do inglês, pode ser traduzido como ‘vista parcial’) apenas parte
dos dedos do pé.
3 Termo utilizado para descrever mulheres jovens e atraentes, normalmente
ícones populares. Não estranhamente, o termo remete de alguma forma
também, em uma dura tradução, à idéia de garota-objeto.
Verão 2013/2014
• 12 casacos
• 22 blusas malha
• 25 blusas tecido plano
• 14 camisas; 7 delas, brancas
• 17 calças tecido
• 2 calças malha
• 14 saias/shorts/bermudas
• 16 vestidos malha
• 25 vestidos tecido
• 15 vestidos festa
Pensar o termo coleção neste cenário parece
absurdo, com um número infindável de
objetos entrando em cadeias de produção
e inseridos em lojas a cada 3 meses, 1 mês,
ou ate mesmo 1 semana (como sugerido na
campanha da marca de óculos Chilli Beans).
Acompanhar a última tendência adquirindo
um par de óculos com armações em cores
neon, porque eles caíram perfeitamente
naquela it-girl 3 , não é um investimento,
por mais que vendedores tentem nos
convencer disso.
Não é pretendido aqui construir um guia
de melhor custo-benefício para compras em
moda, mas sim propor uma forma de análise
qualitativa que beneficie o desenvolvimento
de um mercado de consumo mais sustentável
e uma reflexão sobre os caminhos que
este campo do conhecimento e do comércio
tem traçado.
87
Desde suas origens, nas maisons dos
primeiros criadores na França, a moda depende
de uma sazonalidade com extensão não muito
prolongada de validade de tempo para
sobreviver como indústria e estabelecimento
comercial. No século XVI esta duração
chegava a alcançar décadas. Com o
aumento da disponibilidade de materiais pós
industrialização, o crescimento da mão-deobra
qualificada disponível, e mais tarde, a
diminuição da quantidade de tecido utilizada
na confecção de uma peça (mudança natural
decorrente das guerras), esta vida útil vai
sofrendo diminuições. No momento em que
nos encontrarmos hoje, uma ‘tendência’ pode
durar menos que uma estação.
Mas se a moda participa de um conjunto de
expressões criativas, a partir do momento
em que os criadores passam a assinar suas
peças inserindo etiquetas, tendo sido elas
contemporâneas ou não, aplicar a proposta
de colecionismo do curador norte-americano
Bruce Altschuler em “Collecting the New”
(2005) parece muito sensata. Para ele, compor
uma coleção compreende tanto momentos
de aquisição e análise quanto momentos de
troca, cessão e destruição. Sua proposta é
direcionada ao desenvolvimento constante
(inevitável quando se trata da produção que
acontece no momento evolutivo do presente)
de coleções em arte contemporânea, e levanta
diversas questões como qual a duração válida
para o contemporâneo. Pensar essa idéia para
a aquisição de peças em moda nos leva ao
reconhecimento e esclarecimentos de movimentos
que vem sendo iniciados desde o
surgimento do pret-a-porter e que, nos dias
de hoje, parecem fazer cada vez mais sentido.
Troca e Cessão
Por sorte, preocupação ambiental, falta de
espaço ou por simples ausência de fundos
disponíveis, muitas iniciativas interessantes
concorrem com o comércio tradicional de peças
de roupa. Olhares variados sobre a moda e a
roupa encontram, nestas formas de transferência,
possibilidades de diálogo. Para muitos, o
uso da roupa ainda estabelece uma relação de
mera necessidade básica com o usuário. Para
outros, se expande para espaços de expressão
cultural, afirmação social, tratamento estético.
O surgimento de brechós, lojas de segundamão,
aluguel de roupas, e encontros promovidos
entre conhecidos para trocas de peças têm
movimentado de forma saudável, sustentável e
acessível o mercado de moda.
uma ‘tendência’ pode durar
menos que uma estação
88
* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO *
Short Promocional
planilha de Custos
Tecido R$ 10,00
Mão-de-obra (separação, corte, costura) R$ 8,00
Beneficiamentos R$ 4,00
Aviamentos R$ 3,00
Transporte+outros+lucro facção R$ 7,00
Total por unidade (produção mínima 300 peças) R$ 32,00
Preço final venda R$ 128,00
Destruição (ou Auto-Destruição)
O exemplo acima apresenta uma sugestão
real em planejamento de vendas de uma
marca ‘rápida’ brasileira. O algodão utilizado
aqui talvez tenha uma trama pouco fechada e
deforme irregularmente ao lavar, a costureira
talvez seja proveniente de outro país latinoamericano
e, para pagar suas dívidas com a
imigração ilegal mantenha seu custo de
mão-de-obra abaixo de R$4/hora para o
empregador e sendo cobrada uma velocidade
bem acima do comum (fazendo
as contas, jamais alcançaria um salário mínimo
trabalhando as normais 45h/semana), dentre
outras possíveis irregularidades na produção.
A qualidade, portanto, garante que ainda
que o design do objeto ultrapasse um
semestre, sua integridade física certamente
não conseguirá.
O fast-fashion (e ainda tantos outros caminhos
na moda, visando lucro máximo acima de
qualquer outro valor) elimina parte do trabalho
na construção e/ou seleção de uma
coleção pelo consumidor. Estabelecendo
limites de custo para tecidos, aviamentos e
mao de obra a serem utilizados em uma peça,
com estratos bem definidos dentro de cada
linha, a moda que mais cresce no mundo no
momento poupa seus consumidores da seleção
para destruição. Com valores definidos
inquestionavelmente baixos, H&M, Zara,
Forever21, C&A, Primark, e tantas outras,
garantem que a durabilidade de seus produtos
não ultrapassará muito mais que os 6 meses
de uma estação, se auto destruindo, em
aspectos visuais e funcionais.
A constante luta pelo menor custo e maior
lucro já tão estabelecida no universo produtivo
da moda faz com que clientes deixem de
questionar a razão de um short ‘rápido’ custar
R$128 e considerem ‘roubo’ uma outra cadeia
de produção, que prioriza sustentabilidade dos
processos, durabilidade do produto e qualidade
de vida dos profissionais envolvidos, a qual não
encontra formas de tornar sua ‘marca menor’
competitiva em relação às grandes marcas.
Além da planejada obsolescência nas funções
(como alterações de tamanho graves após a
primeira lavagem, bolsos com costuras abertas
nos primeiros usos, perda de botões, dentre
outros), a obsolescência de estilo é peça central
no desenvolvimento de um produto de moda.
* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO * 91
O que a moda parece nos entregar
hoje é uma coleta de objetos
Auto-Regulação
Terrível constatação: essa precariedade em qualidade, combinada
com a expertise em design de obsolescência, acaba fazendo
com que a moda em seu sistema se auto-regule até certo ponto.
Se mantivéssemos o volume produzido atualmente em
unidades, substituindo a matéria prima por tecidos de qualidade
e utilizando mão de obra que leva o tempo necessário para
executar bem todas as etapas do fechamento de uma peça,
poderíamos gerar um grande problema. Tramas mais bem
construídas podem levar mais tempo para degenerar, todos os
armários se tornariam pequenos para comportar toda a
coleção que, ainda que utilizada por anos, perduraria. Cenário
ridiculamente absurdo, claro. Porém, um controle rigoroso
nas produções resultariam em peças caras, duráveis, menos
prováveis a variações de tendências, redução no consumo,
armários mais compactos, e um horizonte muito mais valioso
em produções estilísticas e interessante, tanto para a cadeia
produtora quando para a cadeia de consumo.
O que a moda parece nos entregar hoje é uma coleta de objetos
que participam de um movimento de tendências de uma estação.
Os critérios seletivos e os métodos utilizados para precificação
priorizam quantidade sobre qualidade, maior lucro,
menor durabilidade.
Colecionar é bem diferente de coletar.
92
* MODA, ROUPAS E AUTODESTRUIÇÃO *
modelo:
Aline Paiva
Agência Ford MG
Prologue:
Despite being one of the largest manufacturing disasters in history, the collapse of the Rana Plaza factory in Bangladesh, which
killed about 1,100 people and injured around other 2000 seemed to affect little in the fashion industry. The factory produced
products for giants like Primark, Walmart, GAP, H & M and others. (Today it is hard to find a closet of a fashion consumer
that doesn’t have at least one item from one of them.) But in the requests to sign a treaty that would improve the quality of life of
workers in that country, many of these big brands were not included.
“Each week a new collection”
Chilli Beans
text by Julia Valle / photos by Thais Mol
Summer 2013/2014
12 coats, 22 knitted sweaters, 25 T-shirts of flat fabric,
14 shirts, 7 of them white, 17 fabric pants, 2 mesh pants,
14 skirts /shorts/bermudas, 16 knitted dresses, 25 fabric dresses
and 15 party dresses
For 162 models, produced in runs varying between 35 and
140 units, 2 designers, 15 sewers, 5 designers, 1 month of
research (for materials, shapes, finishes, volumes, colors,
and trims), 3 months in production of a showcase pilot,
15-minute fashion show, five months of sales, followed by
two months of discount sale in order to reduce the season’s
inventories as much as possible, equaling nearly 50% of all
production 1 . With periods of overlapping stages, the cycle
repeats continuously.
Fashion is fast, according to the French semiotician
Roland Barthes, who recognizes the creation of designed
obsolescence in his "The Fashion System" (though not in
these terms) via the definition of specific 'durations' for
seasons, trends and collections and clear differentiation
between fashion (trend) and Fashion (style); for designers
who, in order to achieve sales targets set by companies, are
required to create collections for spring, summer, resort,
high summer, autumn, winter, and still compartmentalize
each season in 3 or 4 months; for the consumer, who
faces the inability to follow and purchase parts with each
new release, to expand their closets every six, four, three
months; and for fabric factories, continually pressured
by novelties that must be presented with more than 1
year in advance of the launches in stores. Fashion is fast,
fast enough not to be able to process a term in a foreign
language and translate it into local language, and, in the
urgency of merging, transforms, eg, peep-toes 2 into peeptools.
To think about the term 'collection' in this scenario
sounds absurd, with a number of endless objects entering
production chains and inserted into stores every three
months, one month, or even one week (as suggested in the
Chilli Beans eyewear brand campaign).
To follow the latest trend by purchasing a pair of glasses
with frames in neon colors because they fell perfectly in
that it-girl 3 , is not an investment, as much as sellers try to
convince us of that.
It is not intended here to build a guide for better costbenefit
for fashion shopping, but rather to propose a form
of qualitative analysis that benefits the development of a
more sustainable consumption market and a reflection on
the ways that this field of knowledge and commerce has
traced.
Since its origins, in the maisons from the first stylists in
France, fashion depends on a not too prolonged seasonal
extension to survive as an industry and commercial
establishment. In the sixteenth century this time came
to take decades. With the post-industrial increase in
availability of materials, the growth of available skilled
labor, and later, the reduction of the amount of fabric used
in the making of a piece (a natural change due to wars),
this life span will suffer decreases. Today, a 'trend' may last
less than a season.
But, if fashion participates in a range of contemporary
creative expressions, from the moment the creators sign
their pieces by inserting labels, whether contemporary or
not, applying the proposal of collecting of the American
curator Bruce Altschuler in "Collecting the New"(2005)
seems very sensible. For him, composing a collection
comprises both time for acquisition and analysis as
moments of exchange, transfering and destruction. His
proposal is directed to the constant development (inevitable
when it comes to what happens in the production of this
current evolutionary time) of collections of contemporary
art, to think about these ideas raises several questions such
as the valid duration for the contemporary. Thinking about
this idea for athe acquisition of products in fashion leads to
the recognition and clarification of movements that have
been started since the emergence of pret-a-porter and, that,
these days, seems to make more and more sense.
94
Shift and Delivery
Because of luck, environmental concerns, lack of space or
simple lack of available funds, many interesting initiatives
compete with traditional trade in garments. Various looks
on fashion and clothing found in these transfer forms
possibilities for dialogue. For many, the use of clothes also
establishes a relationship of mere necessity with the basic
user. For others, it expands to spaces of cultural expression,
social statement, aesthetic treatment. The emergence
of thrift stores, second-hand clothes stores, rente of
clothing and meetings promoted between acquaintances
to exchange pieces have moved the fashion market in a
healthy, sustainable and affordable way.
Destruction (or Self-Destruction)
Short on sale:
Costs Limits (minimum production of 300 pieces):
• Fabric . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 10
• Hand labor (separation, cutting, sewing) . . . . . . . R$ 8
• Benefits. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .R$ 4
• Trimmings . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 3
• Shipping + others + faction profit . . . . . . . . . . . . R$ 7
Total per unit . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 32
Final sales price. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 128
The example above shows an actual hint in sales planning of
a 'fast' Brazilian brand. The cotton used here may have a bit
closed pot and therefore deform irregularly when washing;
the seamstress is perhaps from another Latin American
country and to pay her debts with illegal immigration
keeps her labor cost under $ 4/hour for the employer and
is being charged a well above the ordinary rate (doing the
math, she will never reach the minimum wage working
the normal 45h/week), among other possible irregularities
in production. Quality, therefore, ensures that even if the
design of the object exceeds one semester, its physical
integraty won’t.
The fast-fashion (and still many other ways in fashion,
seeking maximum profit above any other value) eliminates
most of the work in construction and/or selection of
a collection by the consumer. Establishing cost limits
for fabrics, trims and manpower to be used in a piece,
with well defined strata within each row, the fashion
that is fastest growing in the world right now saves its
consumers from selection to destruction. With defined
values unquestionably low, H&M, Zara, Forever21,
C&A, Primark, and many others, ensure the durability
of its products will not exceed more than the six
months of a season, being auto wrecking, in visual and
functional aspects.
The constant struggle for lower cost and higher profit
already so established in the productive universe of
fashion makes customers stop questioning the reason for
a short 'quick' cost R$ 128 and consider 'stealing' another
production chain that prioritizes sustainability processes,
product durability and quality of life of the professionals
involved, which does not find ways to make its 'mark less'
competitive with major brands.
In addition to planned obsolescence in functions (such
as serious changes in size after the first wash, pockets
with open seams in the earliest uses, lost buttons, among
others), the obsolescence of style is central in developing a
fashion product.
Self-Regulation
Terrible realization, this precariousness in quality
combined with an expertise design of obsolescence ends
up making fashion to self-regulate itself to some extent.
If we kept the current produced volume in units, replacing
raw materials by using quality fabrics and workmanship
that takes the necessary time to perform well all stages
of closing a piece, we could generate a big problem. The
most well done plots may take longer to degenerate and all
drawers would become small to hold an entire collection
that, although being used for years, would endure. This
is of course a ridiculously absurd scenario. However,
strict control on production would result in expensive
parts, durable, less likely to variations in trends, reduced
consumption, more compact cabinets, and a much more
valuable and interesting horizon of stylistic productions,
both for the production and the consumption chains.
What fashion seems to give us today is a collection
of objects that participate in a movement of trends of
a season. The selection criteria and methods used for
pricing prioritize quantity over quality, higher profits, less
durability.
To collect is quite different than collecting.
1 A collection is considered a success by marketing analysis when the sells
in full price are bigger than 60% of the total amount produced.
2 Shoe or sandal with a small opening in front, leaving visible ('peep' in
English can be translated as 'partial') only part of the toes.
3 Term used to describe attractive young women, usually popular icons.
Not strangely, the term also refers in some way, in a tough translation,
the idea of an object-girl.
* FEAR, FASHION AND SELFDESTRUCTION * 95
PULGAS de
fino trato
Diz-se que o termo “mercado
de pulgas” vem do francês
“marché aux puces”, bazar ao ar livre
surgido em meados de 1860, no subúrbio
norte de Paris. O nome remete ao abundante
vestuário de segunda mão à venda no local
e sua inevitável infestação pelos miúdos e
incômodos parasitas da ordem Siphonaptera.
Apesar da origem do termo ser muitas
vezes questionada, esses mercados de rua, hoje
espalhados por todo o mundo com diferentes
nomes, formatos e tamanhos, são uma
unanimidade quando se trata de “garimpar”
objetos interessantes e raros por ótimos preços.
Mesmo que mais recentemente tenham
sido, em grande parte, invadidos pela safra
de produtos chineses descartáveis, ou que os
artigos encontrados possuam muitas vezes
procedência duvidosa, a visita a um desses
paraísos da barganha em qualquer cidade
do mundo é uma experiência imperdível.
Não somente para adquirir peças únicas
como objetos, móveis, roupas, obras de arte,
ou experimentar novos sabores locais,
mas principalmente pela rica possibilidade
de encontro com diferentes culturas e
variadas épocas, em um ambiente quase
sempre caótico.
O fato é que os "flea markets"
são um prato cheio para qualquer
gambiólogo que se preze.
Facta resolveu então convocar quinze
colaboradores em diferentes cidades do
mundo para uma missão: ir ao seu mercado
predileto, documentá-lo fotograficamente,
adquirir um objeto curioso (o mais barato
possível) e levá-lo para casa como recordação.
Confira, nas páginas a seguir, as diferentes
respostas ao nosso desafio. FP
Daniel Ribão • Lisboa, Portugal
“Eis-me aqui, gambiologizando!
Dei algumas voltas pela Feira da
Ladra nos últimos dias, em outros dias
choveu. Aqui em casa, fiz um bestiário
gambiológico. Diz lá se Jean
Baptiste Gambièrre ficou satisfeito.”
It is said that the term "flea market" comes from the French
"marché aux puces", an outdoor bazaar that emerged in
the mid 1860s in the northern suburb of Paris. The name
refers to the abundance of second-hand clothing for sale
at the place and its inevitable infestation by these tiny and
troublesome parasites of the order Siphonaptera. Although
the origin of the term is sometimes questioned, these street
markets, today scattered all over the world with different
names, shapes and sizes, are unanimous when it comes to
"mining" for rare and interesting objects for great prices.
Even with the markets being, recently, in large part,
invaded by the crop of Chinese disposable products, or
with the items found having often a dubious source, to visit
one of these bargain havens, in any city in the world, is an
FLEAS OF FINE TRACT
unmissable experience. Not only to acquire unique pieces
such as objects, furniture, clothing, or artwork, or to try
new local flavors, but also, mainly, for the rich possibility
of encountering different cultures and different epochs in
an environment almost always chaotic.
The fact is that flea markets are a full plate for any selfrespecting
gambiólogist. So, Facta decided to call upon
15 collaborators from different cities around the world on
a mission: go to your favorite market, photograph it, and
purchase a curious object (the cheapest possible) and take
it home as a souvenir.
Check out the different responses we had to our challenge
in the following pages.
Adauany Zimovski • Porto Alegre, Brasil
“Olha que eu me contive, cada vez q vou no Brique saio com uns dinheiros
a menos no bolso.... Tb comprei uns copos um outro dia q fui, livros, revista
velha, etc. Mas essa pintura eu adorei, primeiro pq eu trabalho com
paisagem e pq tava um clima muito do bizarro aqui o dia q fui, pq foi
o domingo seguinte à tragédia de Santa Maria. E o nome do quadro
é "Silêncio Noturno"!! Pra mim soou mórbido e bonito ao mesmo tempo.”
Paulo Barcelos • Estocolmo, Suécia
“Acabei comprando um minigame retrô do Space
Invaders. Feito no Japão, com joystick analógico e um
display com luz azulada. Não saiu tão baratinho, pois o
Thasan, dono da barraca, era um mala... Mas eu curti
tanto que não resisti :). Custou SEK 80 (deve dar uns
20 reais), incluindo um pacote com 4 baterias AA novas.”
Zedu Carvalho • Salvador, Brasil
“Seguem as fotos lá do Cabral
Descobertas. Nem deletei as que
estão ruins. Meu cartão de memória
está com problema, foi um parto para
extrair as fotos. Desculpe o atraso.
Escolha e trato a luz, as cores etc. Abs.”
Zoe Clayton • Londres, Reino Unido
"These ones are of my local market in Elephant and Castle. It is one
of the oldest street markets in London- it started as a market in the
16th century. On Sunday they have 'antiques', which means cheap
1970s knick knacks and ornamental plates. I love cheap 1950s and
1960s science fiction and have quite a collection now, most of
which I bought for 10p each. The cover art is worth that alone!”
Evan Roth • Paris, França
“I have my homework assignment ready! As far
as I know it's the largest market in Paris. The
piece I ended up buying (for 5 euros) is for blowing
bubbles, haha. Thanks for the invitation to
participate, it was fun. Please let me know how
the magazine comes out, I look forward to seeing it.”
Mariana Pinheiro • Rio de Janeiro, Brasil
“As fotos custaram 10 reais todas, sendo que
a das gatas de maiô era a mais cara e o vendedor
fez um pacote promocional. Acho que vou mandálas
em cartas escritas no papel para uns amigos e
familiares, descrevendo como se fossem retratos do
nosso passado.”
Simone Pazzini • Cidade do México
“Eu acabei indo no Mercado da Lagunilla que é o mais famosão mesmo,
o que era mais longe e mais toscão, ficou difícil, porque não tive companhia
no dia e lá é perigoso ir sozinha, ainda mais com câmera. O objeto que
escolhi comprar no dia, tbm queria mandar pros "gambiólogos" porque se
trata de uma mão mecânica, que nela mesma encontrei uma pequena
gambi já que não funciona... Beijo e saludos desde el Valle de Mexico.”
Janina Pessoa • Montreal, Canadá
“O objeto que eu escolhi me chamou atenção por
ser uma das coisas mais kitschy que eu já vi na
vida. E não! Il n'est pas une pipe. É um after shave.
Dentro da cabeça do Tio Sam ainda tem a loção
pós barba rsrs. Espero que as fotos funcionem!
Custou $9.00. O dono do lugar ficou todo feliz!”
Felipe Rocha • Padova, Itália
“Opa, demorou mas chegou. Eu comprei esse
cobertor térmico pra gatos (?) e foi tipo 5 euros rs.
Acabei indo não no mercado de Treviso, mas um
que tem perto de Padova e é muito mais legal.
PS: semana passada conheci uma menina do
Havaí que conhece a Gambiologia! ”
Bárbara Soalheiro • São Paulo, Brasil
“CARA, UM MILHÃO E MEIO DE PERDÕES.
É assim: eu fui na feira do Bixiga. Fiz as fotos. Comprei
meu castiçal lindo. Só não te mandei e não te mandei e não
te mandei... Li seu email num corre louco. Enfim, parando
tudo agora, nesse instante. Mas olha, não é falta de amor
ou dedicação meu pouco talento para fotos ok? Não mesmo!”
Eduardo Imasaka • Buenos Aires, Argentina
“Perdona, estoy ‘orbitando’ con mucho trabajo y movimiento
estos meses. Finalmente nada compre, los vendedores estan
ausentes y son dificiles de convencer...Ellos quieren vender a
turistas, los porteños no. Pero te saque varias fotos a objetos
que deseo pero no pago ese precio por ellos.”
Ângelo Abu • Atenas, Grécia
“Fiz umas fotos incríveis hj em um mercado de
pulgas de Athenas. Estou saindo pra Creta, qdo chegar
eu te mando, amanhã. Mesmo n sendo + p a revista.
Composições incríveis de trecos. Comprei nada não
pq achei q o prazo estava vencido. Mas te envio
anyway algumas delas... Abraço!”
Lucas Resende • Nova Iorque, EUA
“Foi mal a demora. As fotos eu não gostei, now it's up
to you. O mercado é esse aqui: www.brooklynflea.com/
markets/williamsburg/. O livro se chama ‘Have I ever
lied to you?’ e tem um relógio adaptado. Gostei da capa
tipo Tio Sam que sempre mente, mas faz propaganda
que não. E o tempo, que nunca mente. Fica a pergunta...”
Giuliano Obici • Berlim, Alemanha
“Comprei um Kreisel-Peão. Porém esse peão tem a capacidade
por as cobras pra dançarem, ou encantar as serpentes, como
diz na caixa do brinquedo. Comprado no Flohmarket do
Mauerpark Berlin, 27 Jan 2013. Custou 3,5 euros. Olha só:
Fiz os videos e depois saquei que a bateria da câmera estava
fraca. Sei lá, dá pra ter pelo menos uma ideia de como funciona.”
Acesse já
facta.art.br
TOUR gambiológica
na praça XV
Feira do Troca-Troca, Rio de Janeiro com
Paulo Henrique Pessoa “Ganso”
contÉm
VíDEo
SAIbA
mAIS
onlIne
VIMEO.COM/GAMBIOLOGIA
* YoUTUBE.COM/GAMBIOLOGIA
O queniano Cyrus Kabiru
ficou famoso mundialmente
por seus óculos produzidos com
materiais achados na rua
UPCYCLING
o Ciclo Tecnológico
por Nícia Mafra
S
ão facilmente perceptíveis as
dificuldades enfrentadas neste
novo milênio, algumas já previstas
no início do século XX.
Problemas novos e sérios convivem com
antigos, como a persistência da pobreza e das
necessidades essenciais não satisfeitas –
ameaças cada vez mais graves ao ambiente e à
sustentabilidade da vida econômica e humana.
Para combatê-los, é preciso considerar a
liberdade individual como um comprometimento
social (Sen: 2010). A noção de liberdade
– que inclui oportunidades econômicas,
liberdades políticas, facilidades sociais,
garantias de transparência e segurança
protetora, assim como acesso ao
conforto na forma estabelecida
pelo desejo (tão bem manipulado
pelas ferramentas de marketing)
– traz uma cultura de desconexão
com o todo.
Com o processo de globalização, a questão
da democracia como modelo de liberdade
relaciona-se de perto com um problema
cultural merecedor de atenção. Trata-se do
poder esmagador da cultura e do estilo de
vida ocidentais para solapar modos de vida
e costumes sociais tradicionais. Uma ameaça
inescapável, sendo difícil resistir às forças
do intercâmbio econômico e da divisão do
trabalho em um mundo competitivo impulsionado
pela revolução tecnológica.
“Lixo nada mais é do que a matéria desprovida de sentido”
Rafael Cardoso
A noção de liberdade
traz uma cultura de
desconexão com o todo
produtiva, após a revolução industrial e
influenciada por Marx, deveria ter se tornado
mais estável e ordenada. No entanto, o
mundo de hoje parece estar em descontrole.
Algumas situações consideradas de risco,
decorrentes da mudança do clima global
e resultantes da intervenção humana ao
ambiente, não são de todo apenas fenômenos
naturais e estão inextricavelmente ligados à
globalização. Para minimizar estes riscos é
necessário uma visão integrada (ou integradora)
da relação dinâmica entre as partes e o
todo, onde o que afeta também é afetado em
quase todos os aspectos. “O que vai, volta”.
No funcionamento do mundo
social, os indivíduos atribuem
determinado significado ao seu
ambiente e agem de acordo com
essa atribuição. As interpretações
individuais baseiam-se num conjunto
de pressupostos fornecidos pela história e
pela tradição. O termo em inglês tradition
tem origem no latim tradere, que significa
transmitir, ou confiar algo à guarda de
alguém. Tradere foi originalmente usado no
O sociólogo britânico Anthony Giddens tem
dado contribuições significativas à teoria social,
explorando as interações entre estruturas
sociais e a atividade humana. A sociedade
Bijouteria feita de "sea glass", vidro lapidado
produzido espontaneamente na natureza
114
* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *
O norte-americano Boris Bally produz
mobiliários " humanofaturados"
a partir de placas de trânsito.
Fotos: J.W. Johnson (www.borisbally.com)
contexto do direito romano, em que se referia
às leis da herança. Considerava-se que uma
propriedade passava de uma geração a outra
em confiança. O herdeiro tinha obrigação de
protegê-la e promovê-la (Giddens, 2011:49).
Algumas tradições perdidas podem fazer
muita falta, causando angústia e um
sentimento de perda.
É comum permanecer
certa nostalgia por objetos
especializados e elegantes,
como uma velha máquina
a vapor ou um relógio
antigo, mas em geral as
máquinas obsoletas e descartadas não são
particularmente desejadas.
Há tempos convivemos com objetos produzidos
para atender a uma função ou necessidade.
Segundo Giddens, a idéia de que as tradições
são impermeáveis à mudança é um mito.
Elas podem ser inventadas e reinventadas,
ainda que algumas, como as associadas às
grandes religiões, durem centenas de anos.
Tradições sucumbem à
modernidade, são esvaziadas de
seu conteúdo e, comercializadas,
tornam-se objetos de
herança ou kitsch
Nossa sociedade vive o fim da
tradição e poderá viver o fim
da natureza, ou certamente passar
por uma grande transformação.
Tradições sucumbem à modernidade, são
esvaziadas de seu conteúdo e, comercializadas,
tornam-se objetos de herança ou kitsch.
A nova economia em
rede transformou profundamente
as relações
sociais entre o capital e
o trabalho, como analisa
Manuel Castells. O capital
é global, ao passo que o
trabalho é local. As grandes redes empresariais
difundem o poder de forma hierárquica, em
um processo controlado e linear. Mas nas
redes e inter-relações ecológicas, o processo
é não-linear e envolve múltiplos anéis de
realimentação, sendo os resultados, muitas
vezes, imprevisíveis. Num ecossistema,
nenhum ser é excluído da rede. Todas as espécies,
até mesmo as menores dentre as bactérias,
contribuem para a sustentabilidade do todo.
* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *
115
Portanto, há uma diferença crucial entre as
redes ecológicas da natureza e as redes da
sociedade atual.
Uma das grandes vantagens de reconhecer a
complexidade do mundo é compreender que
todas as partes estão interligadas. As ações
de cada um juntam-se às
ações de outros para gerar
movimentos que estão além
da capacidade individual
de seus componentes. A
interação entre as estruturas
sociais e a atividade humana
tem caráter cíclico: “os tempos mudam, e
muda com eles o significado das coisas que
parecem fixas.” (Cardoso, 2012)
Assim pode ser verificada a noção de ciclo
no complexo sistema de hoje, que conceitua
o tema principal deste artigo, o Upcycling.
Cunhado pelo arquiteto William McDonaugh
e o químico Michael Braungart, o termo
define o processo de conversão de um nutriente
industrial (material) em algo de valor
Upcycling: conversão de
um nutriente industrial em
algo de valor semelhante ou
maior, em sua segunda vida
semelhante ou maior, em sua segunda vida.
Como registrado no livro “Do Berço ao Berço:
refazendo o caminho para fazer coisas”, o
conceito é contrário ao da “obsolescência
programada”. Ou seja, as coisas devem ser
projetadas de forma a prever sua reintrodução
no ciclo, seja por reciclagem, por reaproveitamento,
ou utilizadas como
matéria-prima para serem
transformadas em outros
produtos, não perdendo a
qualidade quando recicladas
e ainda reforçando os
conceitos dos 3 R’s: reduzir,
reutilizar e reciclar.
Pode-se dizer que a obsolescência
programada é filha da sociedade
de consumo, mais especificamente do
chamado consumismo. Aqui já cabe uma
distinção feita por Bauman entre consumo e
“consumismo”. Para o autor, o consumo é um
elemento inseparável da própria sobrevivência
biológica, já a “revolução consumista”
surge mais recentemente:
Consumo x consumismo: Carrinho de
supermercado "upcycled", por Etienne Reijnders.
Foto: Lindholm Interior Concepts
Luminárias gambiológicas utilizando LED's em lâmpada queimada, lata antiga e fitas cassete: obsolescência iluminada.
Por Lucas Mafra, Coletivo Gambiologia e www.recycled-market.com
"Aparentemente o consumo é algo banal, até
mesmo trivial. É uma atividade que fazemos
todos os dias. Se reduzido à forma arquetípica
do ciclo metabólico de ingestão, digestão e
excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto,
permanente e irremovível, sem limites temporais
ou históricos; um elemento inseparável da
sobrevivência biológica que nós humanos
compartilhamos com todos os outros organismos
vivos. [...] Já o consumismo, em aguda oposição
às formas de vida precedentes, associa a felicidade
não tanto à satisfação de necessidades (como suas
“versões oficiais” tendem a
deixar implícito), mas a um
volume e uma intensidade
de desejo sempre crescentes, o
que por sua vez implica o uso
imediato e a rápida substituição
dos objetos destinados a satisfazê-la."
Consideremos os bens produzidos para serem
consumidos, não só para a satisfação de
necessidades, mas também para atender aos
desejos das pessoas. Alguns produtos são
compostos por matérias-primas que podem
ser biodegradáveis, ou seja, transformadas
no ciclo biológico; outros por materiais
tecnológicos que estão no ciclo técnico.
Ao serem reciclados,
produtos de papel e fibras
celulósicas geram resíduos
inservíveis
Produtos de fibras celulósicas, como papel e
papelão, são essencialmente compostáveis,
biodegradáveis, recicláveis. São produtos a
serem usados para vários fins. Ao receberem
qualquer impressão, passam a conter resíduos
de carbono e metais pesados provenientes
das mais diversas composições de tintas e
acabamentos gráficos. As modernas e atrativas
embalagens transformam a matéria-prima do
papel em um complexo amálgama de polpa
de madeira, polímeros, vernizes, tintas, metais
pesados, halogenados e hidrocarbonetos.
Caso seja incinerado
produzirá dioxinas, algumas
destas muito perigosas
e cancerígenas.
Ao serem reciclados,
produtos de papel e fibras celulósicas
(aparas) geram resíduos inservíveis, como
polietilenos (plásticos), alumínio e colas.
Além disso, o ciclo de aproveitamento
das fibras celulósicas é curto: elas podem
ser recicladas de cinco a sete vezes,
sempre perdendo resistência, sendo que a cada
novo ciclo de reciclagem são acrescentadas
fibras virgens ou longas. Considerando que
aparas pós-consumo contêm impressões, a
reciclagem será cada vez menos nobre e as
* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO * 117
fibras serão aproveitadas para outros fins, por
exemplo, servindo como miolo de papelão ou
papelões prensados (aqueles cinzas). Ou seja,
um processo complexo que envolve o uso
de químicos para branqueamento, gerando
necessidade de adaptações eco-eficientes ao
processo produtivo.
O mesmo acontece com plásticos que são
misturados a outros, produzindo materiais
híbridos com qualidade inferior. Da mesma
forma acontece com metal, alumínio e
vidro, pois quase sempre são acrescentadas
matérias-primas virgens para melhoria de
qualidade, ou até mesmo para viabilização do
processo. Toxinas, entre outros componentes
químicos presentes nos produtos de polietileno,
são danosos à saúde. Desta forma, uma
camiseta produzida com fibras
PET não irá para o solo
com segurança, ao contrário
das 100% algodão, sendo
este mais um novo dilema
da reciclagem.
Reciclar muitas vezes não é um
processo vantajoso. Produtos
descartados como resíduos são reintroduzidos
como matéria-prima
secundária e provenientes de um intrincado
processo em cadeia, que depende de
|inúmeros elos (frágeis) no complexo
sistema da coleta seletiva. Desta forma, a
reciclagem não pode nunca ser considerada
um ciclo fechado, mas um “downcycling”, pois
a qualidade do material é sempre reduzida.
Entretanto, o conceito de eco-eficiência
aplicado aos modernos modelos de manufatura
deve ser considerado positivo quando o ciclo
tecnológico e os produtos forem desenhados
para retornarem ao ciclo técnico, numa forma
de metabolismo industrial.
Pensar em
desenvolvimento sustentável
significa reaprender com
a natureza
Henry Ford inovou os sistemas produtivos
da indústria do automóvel, no final do século
XIX, introduzindo conceitos de produção que
reduziam o tempo de preparação das máquinas
e os custos e aumentavam a produtividade
com o ciclo contínuo de projeto em uma
seqüência lógica, além da produção de todos
os componentes dentro da própria empresa.
De forma simplificada e inovadora à época,
Ford praticou a primeira forma de upcycling
- uma nova concepção de design industrial
que deve reduzir consideravelmente a
emissão de resíduos tóxicos no ar, no solo e
na água; medir a prosperidade na relação de
menor atividade; cumprir com as inúmeras e
complexas legislações para manter as pessoas e
os sistemas naturais livres de envenenamento;
produzir menos materiais perigosos
e quantidades menores
de resíduos não utilizáveis;
aterrar o mínimo
de materiais, sabendo
que estes nunca mais
poderão ser recuperados.
Nesta concepção, o design de produtos passa
a ser concebido em todas as suas partes e
condizente com o conceito de “nutriente tecnológico”,
ou seja, o produto para o serviço, a
geração de resíduos como recursos.
Pensar em desenvolvimento sustentável
significa reaprender com a natureza, imitando
o metabolismo natural, onde não existe resíduo,
pois o resíduo de um é alimento para o outro.
Eliminar o conceito de “lixo” significa desenhar
coisas - produtos, embalagens e sistemas -
desde o mais inicial entendimento de que
resíduo pode ser re-significado como recurso,
na valorização de todos os componentes,
matérias-primas, nutrientes, determinando
o desenho e buscando a forma, não somente
a função ou aparência. Porém, não é esta a
118
* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *
www.potterybarn.com
Luminária a partir de peças de carro,
por "The Rag and Bone Man"
Descansos de panela feitos com
rolhas e abraçadeiras metálicas
(www.dailydanny.com)
Luminária Molotov (www.gambiologia.net)
www.etsy.com
Restos de isqueiros promovidos a pendrive, antena wi-fi e conexão bluetooth - por Saulo Policarpo / Lucas Mafra / Coletivo Gambiologia
definição mais usual do termo upcycling,
entre as inúmeras “propostas de design
ecologicamente correto”. O que é divulgado são
aplicações de materiais recicláveis em forma
de artesanato, que têm uma vida útil muito
curta e não consideram todo o ciclo de vida do
produto até o seu descarte. São produtos que
tratam apenas da reutilização de materiais,
usando partes de produtos, comumente
embalagens, muitas vezes mantendo a mesma
configuração e ainda deixando aparentes as
marcas, ou logotipos, o que invariavelmente
será motivo de polêmicas.
Resta-nos planejar qual a duração do ciclo se
está propondo manter, seja pensando na vida
humana individual com duração máxima de
100 anos, na dos nossos descendentes, ou até
mesmo no futuro de um planeta que serve de
morada à humanidade há milênios, acolhendo
e suprindo a vida.
120
* UPCYCLING O CICLO TECNOLÓGICO *
REFERÊNCIAS:
Braungart, M.; McDonough, W. Cradle to Cradle: remaking the way
we make things. London: Vintage Books, 2009.
Bauman, Z. Vida para o Consumo: a transformação de pessoas em
mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008.
_______________________. A sociedade individualizada:
vidas contadas e histórias vividas. Trad. José Gradel. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.
Capra, F. As conexões ocultas - ciência para uma vida sustentável. São
Paulo: Cultrix, 2002.
Cardoso, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac
Naify, 2012.
Giddens, A. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo
de nós. Rio de Janeiro: Record, 2011.
NBR ISO 14040: Gestão Ambiental: Avaliação do Ciclo de Vida -
Princípios e Estrutura. Rio de Janeiro: ABNT, 2001.
Sen, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
Simonetto, E. O.; Borestein, D. A Decision Support System for the
Operational Planning of Solid Waste Collection. Waste Management,
27 (10), p. 1286-1297, 2007.
United Nations Environment Program (UNEP). Life cycle
management: a business guide to sustainability. Genebra: UNEP,
2007.
UPCYCLING
The TECHnological cycle
by Nícia Mafra
"Trash is simply matter without meaning”.
Rafael Cardoso
The difficulties faced in this new millennium are easily
noticeable, some had been predicted in the early twentieth
century. New and serious problems coexist with old, such
as the persistence of poverty and unmet basic needs -
health and nutrition - increasingly serious threats to the
environment, the sustainability of economics and human
live, especially after the advent of globalization.
To fight these problems, one must consider individual
freedom as a social commitment (Sen: 2010). The notion of
freedom, which includes economic opportunities, political
freedom, social facilities, guarantees of transparency and
protective security, as well as access to comfort in the form
established by desire (so manipulated by marketing tools),
brings up a culture of disconnection from the whole.
With the process of globalization, the question of
democracy, as a model of freedom, is closely related
to a cultural problem worthy of attention. It is the
overwhelming power of culture and Western lifestyle to
undermine ways of living and traditional customs. An
inescapable threat, it is difficult to resist the forces of
economic exchange and division of labor in a competitive
world driven by the technological revolution.
Anthony Giddens, a leading British sociologist, has made
significant contributions to social theory, exploring the
interactions between social structures and human activity.
The productive society after the industrial revolution and
influenced by Marx, should have become more stable and
orderly. However, today it seems to be a runaway world.
Some situations, considered at risk, resulting from global
climate change and from intervention in the environment,
are not all just natural phenomena. New risks and
uncertainties affect us wherever we live, no matter how
privileged or poor we are, and are inextricably linked to
globalization, an era of transformation. To understand and
minimize these risks, we need an integrated, or integrating
vision of the dynamic relationship among the parts and
the whole, where what affects is also affected in almost all
ways, or: "what goes around comes around."
In the functioning of the social world, individuals assign
certain meaning to their environment, act according to
this meaning and the individual interpretations are based
on a set of assumptions provided by history and tradition.
The linguistic roots of the word "tradition" are old. The
English word comes from the Latin term tradere, which
means transmitting, or entrusting something to another.
Tradere was originally used in the context of Roman law,
where it referred to the laws of inheritance. Presumably, a
property that passed from one generation to another was
given in trust - the heir had an obligation to protect it and
promote it (Giddens, 2011:49).
Some lost traditions may be greatly missed, as the
extinction of ancient ways of life that may cause anxiety
and a sense of loss. A certain nostalgia for specialized
objects may prevail, such as an elegant, old steam engine
or an antique clock, but in general obsolete machines and
discarded things are not particularly desired.
For a while we have been living with objects produced to
meet a need or function. According to Giddens, the idea
that tradition is impervious to change is a myth. Traditions
can be invented and reinvented. However, some, such as
those associated with the great religions, last hundreds of
years. Thus, two basic changes are occurring today under
the impact of globalization; not only public institutions
but also everyday life is liberating itself from tradition.
This society is experiencing the end of tradition and may
experience the end of nature, or, indoubtably, undergo a
major transformation. Traditions succumb to modernity,
they are emptied of their contents, and, commercialized,
they become objects of inheritance or kitsch.
This new network economy has profoundly transformed
the social relations between capital and labor, as Manuel
Castells analyzes. The capital is global, while the labor
is local. Large enterprise networks diffuse power in a
hierarchical manner, where the exercise of power is a
controlled and linear process. In networks and ecological
interrelationships, the process is nonlinear an involves
multiple feedback cycles, being the results often impossible
121
to predict. So there is a crucial difference between
ecological networks of nature and human society’s
networks of businesses or industry. In an ecosystem, no
being is excluded from the network. All species, even the
smallest among bacteria contribute to the sustainability of
the whole.
One of the great advantages of recognizing the complexity
of the world is to understand that all parts are interrelated.
Thus, the actions of each join the actions of others to
form movements that are beyond the capacity of any one
individual parts or componentes. The interaction between
social structures and human activity is cyclical, "times
change, and with them change the significance of things
that seem fixed. "(Cardoso, 2012)
Then we can verify the notion of cycle in the complex current
system, which defines the main theme of this article the
"Upcycling". The term, coined by William McDonaugh
(architect) and Michael Braungart (chemist), means the
process of converting an industrial nutrient (material) into
something of similar or greater value, in its second life,
theme of this article, the book "Cradle to cradle: remaking
the way to do things," whose main premise is the opposite
of the concept of "planned obsolescence". In other words,
things should be designed anticipating its reintroduction
to the cycle, either by recycling for reuse, or used as raw
material for processing into other products, not losing
quality when recycled and further reinforcing the concept
of the 3 R's: reduce, reuse and recycle.
We can say that planned obsolescence is the daughter of
the consumer society, more specifically of the so-called
consumerism. Here it fits a distinction made by Bauman
between consumption and "consumerism". For this author,
consumption is an inseparable element of biological
survival, but the "consumer revolution" comes much later
with the passage of consumption to consumerism:
Apparently consumption is banal, even trivial. It is an
activity that we do every day. When reduced to the
archetypal form of the metabolic cycle of ingestion,
digestion and excretion, consumption is a condition,
and a permanent and immovable aspect, without time
or historical limits, an inseparable element of biological
survival that we humans share with all other living
organisms. [...] Yet, consumerism, in sharp contrast to
previous forms of life, associates happiness not so much
with the satisfaction of needs (as its "official versions" tend
to imply), but an Always increasing volume and intensity
of desire, which in turn implies the immediate and rapid
replacement of objects designed to satisfy it.
Consider the goods produced to be consumed, not only
for the satisfaction of needs, but also to meet the desires
of people. Some products are made of raw materials which
may be biodegradable, ie transformed into the biological
cycle; others made of technological materials within the
cycle or technical metabolism.
Products of cellulose fibers, such as paper and cardboard,
are essentially compostable, biodegradable, recyclable.
Products are to be used for various purposes. Upon
receiving any kind of printing, they receive residues
of carbon and heavy metals from the most diverse
compositions of inks and graphic finishes. Modern and
attractive packaging transforms the raw material of paper
into a complex mixture of wood pulp, polymers, varnishes,
inks, heavy metals, halogenates and hydrocarbons. If
incinerated, they produce dioxins some of which are very
dangerous and cancerous. Materials created by humans,
therefore, are in a technology cycle.
Paper or pulp fibers products (scraps), when recycled,
generate many useless wastes, such as polyethylene
(plastic), aluminum glues. Furthermore, the cycle of use of
cellulosic fibers has a short life. They can be recycled from
5 to 7 times, each time generating less resistance, since in
each new recycling virgin or longer fibers are added. Since
post-consumer scrap contains printing, recycled material
becomes less pure and fibers are used for other purposes,
for example, serving as cardboard core or pressed cardboard
(the gray ones). That is, a complex process involving the
use of bleaching chemicals, generating the need for ecoefficient
adjustments to the production process.
The same goes for plastics, which are mixed with other
materials, producing hybrids of lower quality. The same
happens with metal, aluminum and glass, since almost
always virgin materials are added to improve quality
or facilitate the process. Toxins, among many other
chemicals, mainly present in the polyethylene products
are damaging to health. Thus, a shirt produced from PET
fibers will not safely go to the ground, unlike the 100%
cotton shirts. This is a new dilema of recycling.
Recycling is often not an advantageous process. Discarded
products such as waste are reintroduced as secondary
raw material and from an intricate chain process, which
depends on numerous links (fragile) in the complex
system of selective collection. Thus, recycling can never
be regarded as a closed loop process, but a "downcycling",
because the quality of the material is always reduced.
However, the concept of eco-efficiency applied to the
manufacture of modern designs should be considered
122
* UPCYCLING THE TECHNOLOGICAL CYCLE *
as positive when the technology cycle and products are
designed to return to the technical cycle in a form of
industrial metabolism.
Henry Ford innovated the productive systems of the
automobile industry in the late nineteenth century,
introducing concepts of production that reduced the
preparation time of machines and costs and increased
productivity with a continuous cycle of the project in a
logical sequence, in addition to producing all components
within the same company. In a simplified and innovative
form at the time, Ford practiced the first form of
"upcycling" - a new concept of industrial design that
should considerably reduce the emission of toxic waste
into the air, soil, and water each year; measure prosperity
in relation to less activity; comply with numerous and
complex laws to keep people and natural systems free
of poisoning as soon as possible; produce less hazardous
materials and smaller amounts of unusable waste; using
the minimum of materials, knowing that they may never
be recovered.
Within this concept, the design of products is now viewed
in all its parts and it is consistent with the concept of
"technical nutrient", in other words, the product to the
service, the generation of waste as a resource.
REFERENCES:
Braungart, M., McDonough, W. Cradle to Cradle:
remaking the way we make things. London: Vintage Books,
2009.
Bauman, Z. Life for consumption: the transformation of
people into merchandise. Trad. Carlos Alberto Medeiros.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
_______________________. The individualized
society: lives lived and stories told. Trad. José Gradel. Rio de
Janeiro: Zahar, 2008.
Capra, F. The hidden connections - science for sustainable
living. Sao Paulo: Cultrix, 2002.
Cardoso, R. Design for a complex world. Sao Paulo: Cosac
Naify, 2012.
Giddens, A. Runaway world: what globalization is doing
to us. Rio de Janeiro: Record, 2011.
ISO 14040: Environmental Management: Life Cycle
Assessment - Principles and Structure. Rio de Janeiro:
ABNT, 2001.
Sen, A. Development as Freedom. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
Simonetto, E. O.; Borenstein, D. A Decision Support
System for the Operational Planning of Solid Waste
Collection. Waste Management, 27 (10), p. 1286-1297,
2007.
United Nations Environment Program (UNEP). Life cycle
management: a business guide to sustainability. Geneva:
UNEP, 2007.
To think about sustainable development means relearning
with nature, mimicking the natural metabolism, where
there is no waste because the waste of one is food for
another. To eliminate the concept of "waste" means
designing things - products, packages and systems – using
the minimum of materials, knowing that they can be
redefined as resource in the appreciation of all components,
raw materials, nutrients, determining the design and form,
not only the function or appearance.
However, as there are many meanings, this is not the most
widespread definition of the term "upcycling", among
numerous interpretations attributed to "proposals for
environmentally-friendly design." What is disclosed are
applications of recyclable materials in the form of artifacts,
which have a very short life and do not consider the entire
life cycle of the product until disposal. These are products
with "design" that only address the reuse of materials,
using parts of products, commonly packaging, often
keeping the same configuration and still leaving visible
marks, or logos, which will invariably cause controversy.
It remains for us to plan how long the cycle is proposing
to preserve itself, being thinking about the individual
human life lasting a maximum of 100 years, in the future
descendants, or even the future of a planet that serves to
host humanity for millennia, accepting and supplying life.
* UPCYCLING THE TECHNOLOGICAL CYCLE * 123
por Ângelo Abu
texto e ilustrações por Evandro Castro
Cleptô
mano
D
esesperado, um colega psiquiatra
um dia desabafou comigo: "só me
aparece doido!". Não era verdade,
ele estava cansado e às vezes até nós
nos surpreendíamos com a alma humana.
Há anos trabalhávamos na mesma clínica,
cada um em sua sala, atendendo em psicoterapia
os clientes que nos procuravam com
os mais variados problemas, desde os mais
banais aos mais complexos. Entretanto, todo
mundo sabe que as profissões “psi” sempre
foram cercadas de preconceitos e fantasias.
O dono da lanchonete localizada no andar
térreo de nosso prédio e que também era poeta,
com sarcasmo provocava:
“... eles eram doidos, pareciam
normais, mas eram
clientes do doutor, por isto
eu sabia, eram doidos”.
Numa lenta manhã, alguns
dias mais tarde, durante um intervalo entre
clientes, bateram na porta de meu consultório.
Era um sujeito baixinho, careca e com uma
barbinha que lhe emoldurava o queixo e a
boca. Muito simpático, me disse ter vindo
ao prédio e por acaso havia visto minha
plaquinha de psicólogo. Por impulso resolveu
me procurar. Geralmente eu só aceitava
clientes indicados, o que me possibilitava uma
primeira triagem. Talvez por curiosidade e
por estar disponível naquele momento,
resolvi atender o sujeito que me disse seu
nome e insistiu que eu o chamasse pelo
apelido: "Mestre".
Experimentou sensações
incríveis desde o momento
em que pensou pegar para
si o singelo cinzeirinho até o
instante em que o surrupiou
Sua história era cinematográfica. Desde uma
infância carente até a vida adulta suportada
por um alcoolismo severo, havia cenas
comoventes. Era artista, freelancer desenhista
de joias, inteligente, bem informado, mas
um pouco esquisito. Havia acabado de se
separar de uma mulher louca, segundo ele,
e tinha dois filhos que o preocupavam e o
faziam temer o futuro. Surpreendentemente,
nada disto era o motivo de sua consulta.
O que lhe trouxera ali era uma compulsão
atroz que o perseguia desde a adolescência
e que ultimamente tinha se especializado.
"– Como?" Perguntei sem entender.
Aos dezoito anos, sem querer,
aconteceu seu primeiro
furto. Simplesmente sentiu
uma vontade irresistível de
colocar no bolso o cinzeiro
de lata que estava em cima
da mesa do Bar do Português, na esquina de
sua casa. Experimentou sensações incríveis
desde o momento em que pensou pegar para
si o singelo cinzeirinho até o instante em que
o surrupiou. Inicialmente sentiu uma atração
misturada com medo e tensão e depois, alívio
e euforia. Foi andando para casa morrendo de
rir com sua travessura e não havia lugar para
arrependimento ou dúvidas: aquilo tinha que
ser feito, e conseguiu fazer bem feito. Para sua
desdita, a coisa não parou e daí alguns dias
“teve” que se apropriar ilicitamente de uma
colherinha numa lanchonete, e da mesma
forma foi obrigado por uma força interna a
127
colecionar facas, gravatas, pentes, garrafas
vazias, bonés, a parte de cima de biquínis,
pés esquerdos de sandálias e outras coisas
absolutamente inúteis. Apesar de ser uma
pessoa geralmente deprimida, de um modo
ou de outro conseguiu ir levando uma
vida normal como artista e ativa na prática
daquilo que para ele era um vício excitante.
Sua mulher sempre se mostrou extremamente
solidária e muitas vezes o ajudou a efetuar
suas ações emocionantes protegendo-o
para não ser flagrado.
Foi em 1983, durante a 17ª Bienal de São
Paulo, que sua compulsão começou a se
dirigir para objetos específicos. Havia lido
Marcel Duchamp e entendera muito bem suas
proposições fundadoras
da Arte Contemporânea.
Principalmente a parte
dos readymades e sua
definição, a qual coincidia
impressionantemente com
sua atividade artística
marginal. Para ele estava
claro, o que sempre
havia feito era arte: descobrir objetos inúteis,
comuns, anestéticos e apropriar-se deles, deslocá-los
de seu lugar original. Por não saber
que aquilo que praticava por impulso poderia
ser arte, vivera até então na marginalidade
mas, a partir de então, teria oportunidade
de ser artista contemporâneo, reconhecido e
valorizado. Foi pensando assim que, diante
da obra minimalista de Piet Stockmans,
montada no chão do 2º andar do pavilhão da
Bienal, Mestre abaixou-se, pegou e colocou
no bolso da jaqueta uma pequena xícara de
porcelana branca sem alça com uma mancha
azulada no fundo, a qual fazia parte de
uma espécie de tapete montado pelo artista
belga. Era o começo de uma série de furtos
Apesar de ser uma pessoa
geralmente deprimida, de um
modo ou de outro conseguiu
ir levando uma vida normal
como artista e ativa na prática
daquilo que para ele era um
vício excitante.
de pequenas peças componentes de obras de
arte. A última, para fechar sua instalação de
pequenos objetos de arte (furtados), havia
sido na 29ª Bienal de São Paulo, poucos dias
antes de nossa entrevista. Foi uma de suas
proezas mais difíceis: uma intervenção cirúrgica
na obra "350 Points Towards Infinity,
de 2009". Conseguira cortar o fio de prumo
que sustentava um pêndulo obliquamente
suspenso e qual, junto com outros 349, compunha
a belíssima obra da italiana Tatiana
Trouvé. Claro que correra sério risco de ser
pego e pior, mal entendido, apesar de já possuir
quase uma centena de pequenas peças,
sua coleção de readymades “artísticos” ainda
não havia sido consagrada pelo público, pelas
instituições de arte e nem pelos críticos e ele
poderia ser confundido
com um ladrão.
Compreendi, então que
o motivo de me procurar
era um conflito que se
estabelecera a partir do
momento em que ele foi
seduzido pela possibilidade
de mostrar o produto de seus furtos em
forma de arte. Sua exposição acabaria com sua
proteção, sua capa de impunidade e ele poderia
tornar-se não só um artista conhecido, como
também um réu-conhecido. "Que faço,
doutor? Me ajuda!"
Havia sumido todo meu interesse por
Mestre, senti repulsa e uma vontade de recitar
Manoel Bandeira: "... a única coisa que posso
fazer é mandar tocar um tango argentino".
Mas foi aí que meu cliente com horário
marcado bateu à porta, aumentando minha
ansiedade em parar com aquela entrevista
que já durava duas horas. Abruptamente
encerrei nossa conversa, dei-lhe meu cartão
128
* CLEPTÔMANO *
e disse-lhe para marcar uma próxima sessão,
caso quisesse.
Recebi o próximo cliente, mas logo percebi
que não tinha condições para atendê-lo.
Dei uma desculpa e fechei a porta. Meus
conflitos, que coincidentemente também
envolviam questões com a arte, tinham sido
atingidos. Eu havia acabado um curso de
Artes Plásticas e decidira não seguir carreira,
abandonar sonhos de sucesso, reconhecimento
público e talvez até de uma Bienal,
algum dia. Pensava em me dedicar apenas à
construção de pequenos objetos inúteis pelo
resto de minha vida. Fazer como Aureliano
Buendia, personagem de Garcia Marquez em
seu livro "Cem Anos de Solidão" que, no final
da vida, se trancou em sua oficina a produzir
peixinhos dourados, iguais àqueles três que
eu mesmo fizera e que ficavam na mesinha ao
meu lado. Nada disto, porém, explicava meu
descontrole e a angústia que comecei a sentir
no final da entrevista com Mestre.
Lembrei-me que foi logo depois de me levantar
para tomar um copo d’água que aquela
sensação começara. A partir daí, fui ficando
incomodado, com raiva, sem entender meus
sentimentos. Para piorar veio-me à memória,
como um flash, o título grotesco de uma
das poesias do meu amigo da lanchonete:
“Seria o doutor um louco furioso?” Nem tanto.
Ao olhar com atenção em cima de minha
mesinha de apoio, descobri um possível
motivo inconsciente para minhas reações
emocionais: um peixinho dourado sumira!
* CLEPTÔMANO * 129
text and illustrations by Evandro Castro
Desperate, a colleague psychiatrist vented with me one day - Only crazy people
show up to me! It was not true, he was tired and sometimes we were surprised
by the human soul. For years we were working in the same clinic, each in his
room, attending in psychotherapy clients who came to us with a wide variety
of problems, from the most mundane to the most complex. However, everyone
knows that “psi” professions have always been surrounded with prejudices
and fantasies. The owner of the coffee shop located on the ground floor of our
building and who was also a poet, sarcastically teased, "... they were crazy, they
looked normal but they were clients of the doctor, so I knew they were crazy."
On a slow morning, a few days later, during an interval of several hours between
clients, someone knocked on my office door. He was a short man, bald, and with
a beard that framed his chin and mouth. Very friendly, he told me he had come to
the building and by chance had seen my psychologist nameplate and decided on
impulse to look for me. I usually only accept indicated clients, which facilitated
an initial screening. Perhaps out of curiosity and because I was available at that
time I decided to attend the guy who told me his name and insisted that I call
him by his nickname - Master.
His story was like a film, from a poor childhood to adulthood, supported by
severe alcoholism, it had its moving scenes. He was an artist, a freelance jewelry
designer, intelligent, well-informed, but a little weird. He had just separated from
a crazy woman, he said, and had two children who made him worry and fear the
future. Surprisingly, none of this was the reason for his visit; what had brought
him there was a gnawing compulsion that haunted him since adolescence and
that lately he became specialized. How? I asked blankly.
At eighteen, unwittingly, his first theft happened. He just felt an irresistible urge
to put in his pocket the tin ashtray that was on the table of the Portuguese Bar,
on the corner of his home. He experienced amazing sensations from the moment
he thought of getting it for himself to the moment he pilfered the little ashtray.
Initially he felt an attraction mixed with fear and tension and then relief and
euphoria. He went walking home laughing with his mischief and there was no
room for regret or doubt, that had to be done and he managed to do it well.
To his misfortune, the thing has not stopped and a few days later he "had" to
unlawfully appropriate a teaspoon at a diner and likewise he was forced by an
internal drive to collect knives, ties, combs, empty bottles, caps, the tops of
bikinis, the left feet of sandals and other absolutely useless things. Despite being
a generally depressed person, one way or another he managed to lead a normal
life as an artist, and was active in the practice of what for him was an exciting
vice. His wife has always been extremely supportive and has often helped him
make his exciting actions, protecting him from being caught.
130
It was in 1983, during the 17th Bienal de São Paulo, that his compulsion began
to turn to specific objects. He had read Marcel Duchamp and understood very
well his founding propositions of contemporary art. Especially the part of the
ready-mades and its definition, which coincided strikingly with his marginal
artistic activity. For him it was clear that what he had always done was art:
to discover useless, common, anesthetic objects and take possession of them,
move them from their original place. Not knowing that what he practiced by
impulse could be art, hitherto living on the margins, he learnt since then he
had a chance to be a contemporary artist, recognized and valued. Thinking this
way, before Piet Stockmans’minimalist piece, mounted on the floor of the 2nd
floor pavilion at the 17th Bienal de São Paulo, Master bent down, picked up
and put in his jacket pocket a small white porcelain cup, without a handle and
with a blue spot in the background, which was part of a kind of tapestry put
together by the Belgian artist. It was the beginning of a series of thefts of small
components of artwork pieces. The last, to close his installation of small (stolen)
art objects, was a few days before our interview. It was at the 29th Bienal de
São Paulo and it was one of his most difficult feats. A surgical intervention in
the piece 350 Points towards Infinity, of 2009. He managed to cut the plumb
line that held a pendulum suspended obliquely, and which along with other 349
pieces composed the beautiful work of the Italian Tatiana Trouvé. Of course he
had run a serious risk of being caught and worse, misunderstood, despite already
owning nearly a hundred small pieces, his collection of "artistic" ready- mades
had not yet been consecrated by public institutions of art nor by critics and he
could be mistaken for a thief.
I realized then that the reason he was looking for me was a conflict that had been
established from the moment he was seduced by the possibility of showing the
product of his thefts in an art form. His exhibition would end his protection, his
cloak of impunity, and he could become not only a well-known artist but also a
well-known defendant. What do I do doctor ? - Help me!
All my interest for Master had fled, I felt revulsion and a desire to recite Manoel
Bandeira: "... the only thing I can do is to ask to play an Argentinean tango." But
that was when my scheduled client knocked on the door, increasing my anxiety
to stop with that interview that had already lasted two hours. I abruptly shut
our conversation, I gave him my card and told him to schedule a next meeting
if he wanted to.
I received my next client, but soon I realized that I was in no condition to attend
him, so I gave an excuse and shut the door. My conflicts, which coincidentally
also involved art issues, had been reached. I had just finished a Fine Arts course
and had decided not to pursue a career, to abandon dreams of success, public
recognition and maybe even a biennal one day. I thought of dedicating myself to
building small useless objects for the rest of my life. Do as Aureliano Buendia
did, a Garcia Marques character in his book One Hundred Years of Solitude,
who late in life locked himself in his workshop to produce goldfish - like those
three I had done myself and that were on the table beside me. None of this,
however, explained my disarray and anguish that I began to feel at the end of
that interview with Master. I remembered it was right after I got up for a glass of
water that that feeling had begun. From there on I was getting annoyed, angry,
without an understanding of my feelings. To make matters worse, it came to
mind, like a flash, the title of one of the grotesque poems of my cafeteria friend:
"Might the doctor be a furious madman ?" Not really, looking carefully over
my support table I discovered a possible unconscious reason for my emotional
reactions - a goldfish was gone!
131
Foto: Department of Psychiatry, UCSD
COMPULSIVE
HOARDING
Síndrome de Diógenes: a irrefreável compulsão por acumular
caso dos irmãos Collyer, relatado
nesta edição, é um exemplo
clássico da acumulação patológica,
a compulsão por juntar coisas e
a extrema dificuldade para livrar-se delas.
São relativamente recentes os primeiros
estudos sobre a Acumulação Compulsiva (ou
Pathological Collecting). Somente no final da
década passada surgiu no Reino Unido a
primeira terapia de grupo para pessoas que
padecem deste mal. Ao longo dos últimos
anos foram detectados os traços típicos dos
acumuladores compulsivos, os problemas que
normalmente enfrentam, as possíveis causas
desse comportamento e até mesmo um mapa
neurológico deles. Depressão, ansiedade,
déficit de atenção e hiperatividade são
sintomas comuns em pessoas que desenvolvem
ssa desordem obsessivo-compulsiva. A maior
incidência se dá entre os mais velhos, que
comumente já não são mais assistidos pela
família e, assim, podem transformar suas
casas em apertados depósitos de tudo.
O
Também conhecido como Síndrome de
Diógenes, "síndrome de miséria senil",
Syllogomania, Disposophobia ou ainda, informalmente,
como Packratting, o Compulsive
Hoarding apresenta riscos conexos diretos e
indiretos, como doenças que podem surgir
com a sujeira (problemas respiratórios causados
por poeira) ou trazidas por ratos, baratas e
animais congêneres afeitos ao lixo, bem como o
risco de incêndio e, num caso mais extremo – o
dos irmão Collyer é exemplar – o esmagamento
pelo entulho. Segundo algumas correntes
médicas, a Síndrome de Diógenes ainda não
pode ser considerado uma desordem mental
claramente configurada, e muitos acumuladores
podem não apresentar nenhum outro
sintoma de transtorno obsessivo-compulsivo.
Tampouco costumam reconhecer em si
algum distúrbio.
Casas de acumuladores compulsivos podem
ter cômodos totalmente interditados
pela tralha e, assim sendo, é normal que
essas pessoas evitem e até mesmo impeçam
visitas, tornando-se cada vez mais isoladas.
O Compulsive Hoarding pode ser dividido em,
por assim dizer, variantes específicas, como
a bibliomania, cujo foco da atração são os
livros, catálogos e textos dispersos em geral,
ou o Animal Hoarding, que trata da obsessão
pelos animais de estimação.
Depressão, ansiedade, déficit de atenção e
hiperatividade são sintomas comuns em pessoas que
desenvolvem essa desordem obsessivo-compulsiva
133
O pesquisador David Tolin, da Escola de
Medicina da Universidade de Yale, quis
descobrir o que acontece no cérebro desses
acumuladores usando imagens obtidas com
ressonância magnética funcional. Nesse
trabalho, ele e sua equipe diagnosticaram o
problema como a “aquisição excessiva
e a incapacidade de descartar
objetos, resultando em uma
desordem debilitante”. Os exames
mostraram que os acumuladores tinham
diferenças importantes no cérebro, tanto no
córtex cingulado anterior, associado com
a atenção e a capacidade de concentração,
quanto na ínsula anterior, ligada à avaliação
de riscos, importância de estímulos e
decisões emocionais.
www.orvallisadvocate.com
Os acumuladores submetidos às experiências
de Tolin mostraram uma capacidade de processamento
mais baixa na atividade cerebral
nessas regiões no momento de tomada de
decisões, motivada quase sempre por uma
incerteza acerca do resultado. A conclusão foi
que eles não necessariamente precisam manter
o que têm porque amam seus pertences.
Na verdade, eles evitam tomar decisões sobre
o que fazer pelo medo extremo de estar cometendo
um erro ao optar por jogar qualquer
coisa fora (por acharem que poderão precisar
dela mais tarde).
www.wikimedia.org
www.thehoardingproject.org
Além do emblemático caso dos irmãos
Collyer, há outros – que inclusive já foram
tema de documentários e reportagens
televisivas –, como o de um homem que tinha
compulsão por guardar informações: revistas,
livros, jornais, tudo espalhado pelos cômodos
de sua casa. Ele chegava a vasculhar o lixo
regularmente para ver se algum escrito podia
ser recuperado e guardado. Mas o Compulsive
Hoarding não está exclusivamente ligado
134
www.wikimedia.org
ao lixo, a velharias ou às coisas sem uso.
Há registrado o caso de uma mulher que
era uma acumuladora-consumidora, ou seja,
a tralha que estorvava os cômodos de sua
casa era quase toda fruto de suas compras.
Mesmo sem ter necessidade, mas por um desejo
incontrolável, ela comprava de tudo.
A reportagem que focalizou o drama
desta mulher apontava que a escada que
dava acesso ao segundo piso de sua casa havia
sido interditada pelos objetos e, na sala,
era preciso encontrar trilhas
entre as montanhas de compras,
boa parte ainda lacrada e com as etiquetas.
www.wikipedia.org
www.orvallisadvocate.com
É digno de menção, ainda, o relato de
uma outra mulher, que dizia não achar que
acumulava coisas, mas que as estava “salvando”.
O detalhe é que o pai dela era lixeiro e
sempre levava para casa objetos que encontrava
na rua, o que denota uma espécie de
acumulação compulsiva hereditária. Já em
idade avançada, com cinco filhos criados e
encaminhados na vida, morando sozinha,
ela justificava que os objetos lhe faziam
companhia. Ela e o marido – alcoólatra,
internado diversas vezes por esquizofrenia
– foram expulsos de modo recorrente dos
locais onde moravam pela vizinhança,
incomodada com o entulho que se espalhava
pelo quintal e com os animais pestilentos que
o lixo atraía.
São casos não tão raros quanto se imagina e
justamente por isso vêm sendo merecedores
de atenção, tanto pela ótica científica quanto
pela esfera do entretenimento. Personagens
que são acumuladores compulsivos, reais ou
fictícios, já povoam a literatura, o cinema e
mesmo a televisão. O foco da abordagem é
que naturalmente varia, do humor ao drama.
DB
135
www.messiemother.com
PATOLOGIA ENTRETENIMENTO
Colecionismo, acumulação compulsiva e afins são temas de várias séries de TV
ACUMULADORES (Hoarders)
A&E • www.aetv.com/hoarders
Antiques Roadshow
PBS • www.pbs.org/wgbh/roadshow
AUCTION Hunters
Spike • www.spike.com/shows/auction-hunters
Bizarrices (oDDITIES)
Discovery Science
science.discovery.com/tv-shows/oddities
caçadores de relíquias (AMERICAN PICKERS)
The History Channel
www.seuhistory.com/programas/cacadores-de-reliquias.html
Caos
The History Channel
www.seuhistory.com/programa/caos.html
Confessions: Animal Hoarding
Animal Planet
animal.discovery.com/tv-shows/confessions-animal-hoarding
Hoarding: Buried Alive
TLC
www.tlc.com/tv-shows/hoarding-buried-alive
Tibira e Carrô são os protagonstas da série Caos, que acompanha o diaa-dia
de uma loja em São Paulo que também é balada, bar e antiquário.
Foto: Reinaldo Meneguim - cortesia The History Channel
mestres da restauração
(AMERICAN RESTORATION)
The History Channel
www.seuhistory.com/programas/mestres-da-restauracao.html
QUEM DÁ MAIS? (Storage Wars)
A&E • www.aetv.com/storage-wars
STORAGE HUNTERS
TruT V • www.trutv.com/shows/storage-hunters
trato feito (PAWN STARS)
The History Channel
www.seuhistory.com/programas/trato-feito.html
136
COMPULSIVE
HOARDING
Diogenes syndrome:
The unbridled compulsion to accumulate
The case of the Collyer brothers, which is reported in
this FACTA issue, is a classic example of pathological
accumulation, the compulsion to gather things and the
extreme difficulty to get rid of them. Preliminary studies
on Compulsive Hoarding (or Pathological Collecting)
are relatively recent. Only at the end of the last decade,
in the UK, that the first group therapy for people who
suffer from this evil took place. [I know this looks weird,
but: …the UK, did the first group therapy for people who
suffer from this evil take place] Over the last few years the
traces of typical compulsive collectors were detected, the
problems they usually face, the possible probable causes
of this behavior, and even a neurological map of them.
Depression, anxiety, attention deficit and hyperactivity
disorder are common symptoms in people who develop
this obsessive-compulsive disorder. The highest incidence
occurs among older people, who are no longer commonly
attended by family and thus can transform their homes
into tight deposits of everything.
Also known as Syllogomania, Disposophobia or
informally as Packratting, compulsive hoarding has direct
and indirect risks associated with it, such as diseases that
can arise with the dirt (respiratory problems caused by
dust) or brought by rats, cockroaches and related animals
attracted to waste, as well as the risk of fire and, in the
most extreme case - the example is of the Collyer brothers
- the risk of being crushed by the debris. According to
some current medical thought Compulsive Hoarding can
not yet be considered a clearly configured mental disorder,
and many accumulators may have no other symptoms
of obsessive - compulsive disorder. Nor do they often
recognize a disorder in themselves.
Homes of compulsive accumulators may have rooms
totally blocked by stuff and, therefore it is normal for
these people to avoid and even prevent visits, becoming
increasingly isolated. Compulsive Hoarding can be divided
into specific variants, so to speak, such as bibliomania, in
which the focus of attraction are is books, catalogs and
texts in general, or Animal Hoarding, which deals with
the obsession with pets.
Researcher David Tolin, from the School of Medicine at
Yale University, wanted to find out what happens in the
brain of these accumulators by using images obtained with
fMRI. In this work, he and his team diagnosed the problem
as an "excessive acquisition and the inability to discard
objects, resulting in a debilitating disorder." The tests
showed that the accumulators had important differences in
the brain, both in the anterior cingulate cortex, associated
with attention and the ability to concentrate, and in the
anterior lobe, linked to risk assessment and the importance
of stimuli and emotional decisions.
The collectors subjected to Tolin's experiments showed a
lower processing capacity of brain activity in these regions
at the moment of making decisions, often motivated by
uncertainty about the outcome. The conclusion was that
they do not necessarily need to keep what they have
because they love their belongings. In fact, they avoid
making decisions about what to do by extreme fear of
making a mistake by choosing to throw anything away
(because they think they may need it later).
Besides the emblematic case of the Collyer brothers,
there are others - which also have been the subject of
documentaries and TV shows - such as the man who
had a compulsion to save information: magazines, books,
newspapers, all scattered through the rooms of his home.
He came to scour the garbage regularly to see if there
were any writings that could be recovered and saved. But
Compulsive Hoarding is not exclusively linked to waste,
junk or things of no use. There is a recorded case of a
woman who was a hoarder - consumer, i.e. the stuff that
messed the rooms of her house was almost entirely the
result of her purchases. Quite without necessity, but moved
by an ungovernable desire, she would buy everything. The
report, which focused on the drama of the woman, showed
that the stairs that led to the second floor of her house had
been blocked by the objects, and in the living room it was
necessary to find paths among the mountains of stuff,
most still sealed and with tags.
It is worth mentioning also the story of another woman
who said she did not think she accumulated things but
instead she was "saving" them. The detail is that her father
was a garbage man and had always brought home objects
found in the streets, which denotes a kind of hereditary
compulsive hoarding. Already in advanced age, with five
children raised and already independent in life, living
alone, she justified her hoarding by saying the objects
kept her company. She and her husband - an alcoholic
hospitalized several times for schizophrenia - were
expelled recurrently from the places where they lived by
neighbors troubled with the rubble that spread across the
yard and with the stinking animals the garbage attracted.
These cases are not as rare as one may think, and rightfully
so they have been worthy of attention, both by the scientific
view as by the sphere of entertainment. Characters who are
compulsive accumulators, real or fictitious, already populate
the literature, films and even television. The focus of the
approach is what naturally ranges from humor to drama.
137
Quem passa pela fachada do
galpão da Matiz Arte Objeto,
discretamente localizado em
um prédio da região central de
Belo Horizonte, não faz ideia das
preciosidades que habitam seu
interior. Antônio Carlos Figueiredo,
proprietário do espaço, tem acumulado
durante 30 anos um formidável conjunto de
peças antigas, relíquias, raridades da cultura
mineira, brasileira e mundial que pretende
transformar em um Museu do Cotidiano.
O acervo, além de exalar as memórias de
tempos antigos, faria inveja em qualquer
diretor de arte hollywoodiano, tamanha a
variedade e quantidade de peças: Antônio
orgulhosamente afirma serem mais de cem
mil, dispostas não só nessa locação, mas
também em mais três galpões, uma casa,
quatro salas e uma loja. Todos lotados.
Apesar da aparência de caos e mesmo sensação
de claustrofobia em um primeiro momento
– os objetos estão muitas vezes empilhados
do chão ao teto –, o espaço vai se mostrando
surpreendentemente organizado. “Conto com
a ajuda do Santo Expedito”, diz o anfitrião.
Expedito é na verdade o braço direito
“ambidestro, nordestino e paciente” que
ajuda na lida do dia a dia, limpando e
organizando, de tempos em tempos, o acervo.
O galpão contém “departamentos” de quase
tudo: TV’s, rádios, garrafas, placas, taxímetros,
latas, opalinas, filtros de água, talheres,
geladeiras, pias de trens, brinquedos, papéis e
também uma sala reservada, estão guardadas
obras de arte mais valiosas e que sutilmente
não fomos convidados a conhecer.
As quase quatro horas de visita pela reportagem
de Facta, seguindo o que nos pareceu ser
um já tradicional roteiro de visita guiada do
espaço, são pouco, muito pouco tempo para
adentrar o universo secular a que as peças
remetem. Por isso preferimos, ao invés de
tentar mapear itens específicos, assumir o
impacto causado pelo percurso dentre as
pilhas de itens falando aleatoriamente um
pouco de tudo: antiguidades, gambiologia,
valor afetivo, programas de TV, especulação
imobiliária, tecnologia, cachaça, lobby, ferros
velhos, luminárias, psicanálise…
Apesar de preservar a maior parte dos objetos
originais, nosso personagem evita tratá-los
somente como memorabilia ou lembranças
estáticas de tempos idos. Surpreendentemente
mostra, ao contrário, um ponto de vista
bastante gambiológico: “Não trabalho com
objetos decorativos, do tipo que os decoradores
procuram. Eu trabalho com objetos decolativos.
Quero na verdade que você, a partir dos objetos
que estou te mostrando, faça a sua viagem.”
Mesmo com a impressionante dimensão do
acervo, objetos “banais” são dispensados.
Cada item é minuciosamente escolhido por
seu desenho, origem, história e adquiridos
somente se apresentarem alguma peculiaridade
especial. Como por exemplo uma
geladeira que pertenceu ao ex-presidente JK
e por isso “não é uma qualquer”, ou a máqui-
na de escrever em grego, ou um filtro em
formato de abacaxi, ou mesmo uma balança
para medição de ovos. Quando se empolga sobre
alguma peça, Antônio indaga: “tem jeito
de viver sem isso?”. Mais recentemente,
ele garimpou em Brumadinho um baú
no qual havia inscrito o sobrenome Tim.
Fácil deduzir que trata-se de algum parente
do Nhô Tim, senão o próprio minerador
inglês que inspirou o nome do Centro de Arte
Contemporânea Inhotim.
Somente após muita insistência e quase no
fim da visita – em que, diga-se, erramos 99%
das perguntas e provocações proferidas por
Antônio sobre as peças mais curiosas – ele
aceita dar algumas dicas sobre as estratégias
para se conseguir acumular um acervo de
raridades. Os “macetes” são poucos e valiosos,
mas a conclusão sobre a forma mais eficiente
de tornar-se um colecionador é simples:
andar nas ruas (“cobra que não anda não
engole sapo”), conversar com as pessoas,
trocar. Mais uma vez, a experiência de
colecionar parece surgir inevitavelmente da
mais simples e cotidiana vivência de mundo.
Ao ser indagado se seria
um acumulador compulsivo,
Antônio Carlos nega. Também não
se diz colecionador. Nem artista. Prefere ser
chamado de “Objeteiro”. Profissionalmente
originário do mercado financeiro, ele hoje
sustenta-se vendendo uma ou outra peça
e alugando parte do acervo histórico para
filmes e novelas de época, além de eventuais
exposições, ensaios de moda, etc. Mas é fácil
perceber o que o Objeteiro parece gostar na
verdade: adquirir novos itens para juntar mais
e mais e mais e mais e mais… FP
Fotos: Nidin Sanches
Who passes through the facade of Matiz Arte Objeto
warehouse, discreetly located in a building in the central
region of Belo Horizonte, has no idea of the treasure
there is inside. Antônio Carlos Figueiredo, owner of the
space, has accumulated over 30 years a formidable array of
antiques, relics and rarities of our state culture, as well as of
Brazil and the world, which he would like to transform into
a Museum of Everyday Life. The collection, in addition
to venting the memories of old times, would be the envy
of any Hollywood art director, such are the variety and
quantity of its pieces: Antonio proudly claims he has over
one hundred thousand pieces, which are not only at this
location but also in three other warehouses, a house, four
rooms and a shop. All crowded.
Despite the appearance of chaos and even the claustrophobic
feeling at first - the objects are often stacked from floor
to ceiling - the space is surprisingly organized. "I count
on the help of Saint Expedite," says the host. Expedite is
actually the right arm "ambidextrous, northeastern and
patient" that helps him in his daily dealings, cleaning and
organizing his archive. The shed contains "departments"
of almost everything: TV's, radios, bottles, plates, taxi
meters, cans, opal, water filters, cutlery, refrigerators,
trains, toys, papers and also a private room where the most
valuable artworks are stored and which we were subtly not
invited to know.
The nearly four-hour tour of our Facta crew, following
what seemed to be a traditional scripted guided tour of the
space, is very, very little time to enter the secular world
which the pieces refer to. Therefore we chose, rather than
trying to map specific items, to assume the impact caused
by our journey through the piles of items randomly talking
about a bit of everything: antiques, Gambiologia, affective
value, TV shows, speculation, technology, rum, lobby, old
irons, lamps, psychoanalysis...
While preserving most of the original objects, our
character avoids treating them only as memorabilia or
static souvenirs of bygone days. Surprisingly, he rather
shows a quite gambiologic point of view: "I do not work
with decorative objects, the type that decorators look for.
I work with take-off objects. What I actually want is that
you, from the objects that I'm showing you, take off on
your own trip."
Even with the impressive size of the collection, "banal"
objects are discarded. Each item is carefully chosen for its
design, origin, history, and only acquired if they have some
special peculiarity. Such as a refrigerator that belonged to
the former president Juscelino Kubitschek and therefore "is
not any one, " or the typewriter in Greek, or a filter with a
pineapple shape, or even a scale for measuring eggs. When
he is excited about a piece, Antonio asks, " Is there a way to
live without it ?" More recently, he dug up in Brumadinho
a chest in which there was inscribed the surname Tim. It
is easy to deduce that it belonged a relative of Nhô Tim, if
not the English miner himself who inspired the name of
the Inhotim Centre for Contemporary Art.
Only after much insistence and almost at the end of the
visit - which, we must say, we got 99 % of the questions
and provocations delivered by Antonio wrong about the
most curious pieces - he accepts to give us some tips and
strategies to achieve a collection of rarities. The "tricks"
are few and valuable, but the conclusion about the most
efficient way to become a collector is simple: walk the
streets (" a snake that does not go around does not swallow
a frog "), talk to people, exchange. Again, the experience
of collecting seems to arise inevitably from the most simple
and everyday experience of the world.
When asked if he would be a compulsive accumulator,
Antonio Carlos denies it. Nor he is a collector. Nor
an artist. He prefers to be called an "Objecteer."
Professionally originated from the financial market, he
now holds up selling one or another piece and renting part
of his historical archive for movies and period soap-operas,
in addition to occasional exhibitions, fashion shoots, etc.
But it is easy to see what the Objecteer actually likes: to
acquire new items to add more and more and more and
more and more...
142
O
sol vem de mansinho avisar que o
dia chegou. O ar ainda está fresco
e úmido da madrugada. J estica as
pernas. Esfrega os olhos, olha para o mar
que aparece em meio a uma estreita fresta da
mata. Seria um fantástico dia de praia, mas
não vai rolar. Tem novato chegando na área,
e o velho gosta que o gambimestre esteja por
perto nessas horas.
J enrola a colcha em volta do travesseiro e
guarda na estante feita de tábuas apoiadas
em esqueletos de gabinetes de computadores.
Veste bermuda cargo azul, regata amarela
estampada e chinelos de dedo. Ele atravessa
em silêncio o dormitório para não acordar
ninguém. Os três beliches estão ocupados.
Aqui e ali, o cheiro de álcool sugere que
o luau foi longe na noite passada. Mais
tarde, vai pôr a molecada para suar nos
pedais geradores.
Faz uma rápida pausa na casinha do banheiro
seco, depois usa o tanque para lavar as mãos
e o rosto. Besunta braços, pernas e cintura
com o óleo de citronela disponível no pote de
plástico na mesinha. A dengue está na área,
outra vez. Em seguida, sobe o caminho de
terra batida até o salão comum – um quiosque
alto e largo, voltado para o mar. O ambiente
cheira a pão quente e café recente. O velho
está à mesa. Ele tem cabelos brancos e barba
espessa. A pele é enrugada, queimada de sol.
Veste uma bata clara e calça de algodão cru.
Que belo dia, não é, Jota? - O velho, olhando
para o horizonte.
Promete. Que horas chega o novo ráquer?
Sempre com pressa, não?
Cê me conhece. Muita coisa para deixar
pronta hoje.
Ele vem no caminhão. Chega no meio da
tarde, se não houver contratempos. Deve vir
desequipado.
OK. Preparei ontem à noite um tablete e um
telinha. Só o sistema limpo, não instalei nada
ainda. Achei que ele ia gostar de passar alguns
dias explorando nossas redes.
E assim você aproveita para testá-lo
também, não?
J responde com um raro sorriso e pede licença.
Reparte com as mãos um pedaço do
pão integral, cobre-o com uma fatia de queijo
meia-cura e se serve de café em uma caneca
de metal. Sai andando, acelerado. Depois de
matar o pão e o café, pendura a caneca no
mosquetão preso a um passante de cinto na
143
lateral da bermuda. Pára à beira da mata, bate
palmas três vezes e leva a mão direita aos
lábios para soltar um assovio alto e agudo.
Pega no batente da porteira um facão
embainhado, e continua.
O solo está úmido. J desce a trilha até o riacho.
Segue por alguns metros até a turbina, que
gira em ritmo constante. É um dispositivo
relativamente pequeno, feito com uma roda
de bicicleta e ímãs extraídos de discos rígidos
descartados. Aparentemente, a chuva intensa
das últimas semanas não deixou sequelas
na instalação. J atravessa o curso d'água e
continua seguindo pelo outro lado. Logo,
chega ao local onde está instalado o fim do
cano que desce trezentos metros de morro
para chegar a outro gerador elétrico, este
industrial. Ali também a estrutura parece
intacta. Ele toma o caminho que sobe para o
outro lado do vale.
Depois de muitas voltas, chega à cabana de
bambu, quase no topo do morro. Senta-se em
um banco e saca seu telinha. Identifica-se com
a senha do dia e um comando de voz que é
praticamente um resmungo. Navega um pouco
pelo sistema. Dezoito pontos de geração
estão ativos agora. Outros oito não mandam
sinal nenhum, como esperado. Estes são em
sua maioria pontos complementares: pedais,
retorno de tração das roldanas e outros.
No geral, tudo está bem. Em continuando
com os padrões de consumo atuais, a
propriedade tem autonomia para três semanas
de eletricidade. Nada mal, levando em conta
que têm transformado em média cento e
trinta por cento da demanda diária. Ou seja,
o tempo de autonomia só tende a crescer.
J aprendeu com o velho que eletricidade
geralmente não é “gerada”. Quase sempre é
um processo de transformação: de energia
mecânica em elétrica ou de potencial químico
em energia elétrica, ou então transformação
de formas diversas a partir da radiação solar.
Ele olha para cima e agradece a Oxalá e
Apolo pela dádiva, e também a Prometeu,
Mercúrio e Exu pelo acesso a ela.
As cigarras cantam, sugerindo que o sol vai
firmar durante o dia. É bom sinal para a
primeira noite de lua cheia. Ele se levanta.
Uma das antenas do lado de fora da casa está
torta. Deve ter sido o forte vento da noite
passada. Saca do bolso a chave de fenda,
encaixa uma ponta de chave estrela e
aperta os parafusos até que a antena esteja
novamente alinhada.
J devolve o facão à porteira. Passa no salão comum
– que já tem oito pessoas conversando
alegremente e comendo - para pegar a caixa
de sinc e seu boné vermelho. Já saindo da
144
propriedade, desbloqueia o telinha. Aciona
o programa para abrir a porta da garagem.
Pega uma das bicicletas e percorre mais dois
quilômetros pela estrada de terra. O entorno
de mata fechada começa a dar lugar a pequenos
sítios onde se criam bananas, jussara e
mandioca. Um pouco mais adiante, casas
simples e alguns estabelecimentos comerciais.
J cumprimenta com um aceno todas as
pessoas que encontra pelo caminho.
Ocasionalmente, chama os interlocutores
pelo time de futebol pelo qual torcem.
Chegando ao asfalto, atravessa a estrada e
espera no ponto. Em menos de cinco minutos,
o ônibus amarelo chega, pára e abre a
porta dianteira. O motorista parece verificar
alguma coisa em seu telinha, pressiona
algumas teclas. Para os passageiros, ele pode
estar enviando uma mensagem à esposa
ou à amante. Alguns fazem cara feia, mas
ninguém reclama. Após pouco mais de um
minuto, ouve-se um bip curto. O motorista
olha para o horizonte, fecha as portas do ônibus
e segue seu rumo. J tira do bolso um par
de fones sem fio e os encaixa nos ouvidos.
Monta na bicicleta e ruma de volta à propriedade.
Assim que tem certeza de que está
sozinho, aperta o botão do fone e fala com o
telinha:
Quanto veio hoje?
Uma voz metálica (mais uma opção estética
do que limitação tecnológica) lhe responde
após alguns segundos:
Vinte e oito megabytes.
J está esperando há alguns dias que uma
prima responda a seu e-mail perguntando
por notícias da família. E sabe também que
o velho aguarda informações sobre o avanço
dos ráqueres de cristo no litoral norte.
Pelos últimos relatos que tiveram, algumas
igrejas neopentecostais têm se esforçado em
identificar e converter jovens que costumavam
prestar serviços de captura,
monitoramento e compilação de dados para
organizações criminosas. A esses profissionais
é oferecida a oportunidade de
trabalhar “para a obra do senhor” em troca
do perdão divino e, em alguns casos, judicial.
Existem cidades em que pastores obtêm
informação suficiente para chantagear toda
a classe política local. O velho falou uma
vez que “dados bem escolhidos acusam a
qualquer um”.
J sabe que o velho trabalhou por décadas
na indústria de segurança da informação.
E já percebeu que ele está disposto a agir.
Tempos interessantes se aproximam, pensa o
gambimestre enquanto abre a porta e
retorna para seu mundo.
145
The sun comes softly to announce that the day has come.
The air is still cool and damp from dawn. J stretches his
legs. Rubs his eyes, looks at the sea that appears in the
middle of a narrow crack in the woods. It would be a
fantastic day on the beach, but it won’t happen. There is
a rookie coming in the area, and the old man likes the
gambimaster to be around at these hours.
J wraps the quilt around the pillow and puts it on the shelf
made of planks supported by skeletons of computer cases.
He wears blue cargo shorts, tank top and yellow patterned
flip-flops. He crosses the dorm quietly not to wake anyone.
The three bunks are occupied. Here and there, the smell of
alcohol suggests that a luau took place the former night.
Later, he will put the kids to sweat on the generator pedals.
After a brief pause in the outhouse, he then uses the
washtub to wash his hands and face. He smears his arms,
legs and waist with citronella oil from a plastic pot on the
table. Dengue fever is in the area again. He then goes up
the dirt road to the common room - a tall and wide gazebo,
facing the sea. The atmosphere smells like hotcakes and
recently made coffee. The old man sits at the table. He
has white hair and bushy beard. The skin is wrinkled,
sunburned. He wears a clear smock and raw cotton pants.
What a beautiful day, isn’t it, Jota? - The old man, looking
at the horizon.
Promises. What time does the new hacker arrive?
Always in a hurry, right?
You know me. Many things to get ready today.
He comes in the truck. He arrives in the afternoon, if there
aren’t any setbacks. He should come unequipped.
OK. I prepared a tablet and a small screen last night. It
is only a clean system, I have not installed anything yet.
I thought he'd like to spend a few days exploring our
networks.
And so you took the opportunity to test it also, no?
J responds with a rare smile and excuses himself. He parts
with his hands a piece of bread, covers it with a slice of
half-aged cheese and pours himself a coffee in a tin cup.
He walks away, fast. After finishing off his bread and
coffee, he hangs the mug on a carabiner attached to a belt
on the side of his shorts. He stops at the edge of the forest,
claps three times and puts his right hand to his lips to let
out a high-pitched whistle. He takes a sheathed machete
from the gate, and continues.
The soil is moist. J descends the trail to the creek. He
walks a few meters until the turbine, which rotates at a
constant rate. It is a relatively small device, made from a
bicycle wheel and magnets extracted from discarded hard
drives. Apparently, the heavy rain of recent weeks did not
leave any problems in the installation. J crosses the stream
and continues on the other side. Soon, he gets to where is
installed the end of the pipe that goes down the hill three
hundred meters to reach another electrical generator, this
one industrial. Again, the structure appears intact. He
takes the path that goes up to the other side of the valley.
After many turns, he reaches the bamboo hut near the
top of the hill. He sits on a bench and takes out his small
screen. He identifies himself with a daily password and
a voice command that is almost a growl. He navigates
the system a bit. Eighteen points of generation are active
now. Eight others do not send any signal, as expected.
These are mostly complementary points: pedals, return
traction of sheaves, and others. Overall, everything is fine.
146
In continuing with the current consumption patterns,
the property has autonomy for three weeks of electricity.
Not bad, considering it is transforming an average of one
hundred thirty percent of the daily demand. That is, the
runtime will only grow.
J learned with the old man that electricity is usually not
"generated". It is almost always a process of transformation:
from mechanical energy into electrical or from chemical
potential to electric power, or transformation in various
forms from solar radiation. He looks up and thanks Oxalá
and Apollo for their gift, and also Prometheus, Mercury
and Exu for his access to it.
The cicadas sing, suggesting that the sun will firm up
during the day. It is a good sign for the first night of full
moon. He gets up. One of the antennas on the outside of
the house is crooked. It must have been the strong wind
from last night. He gets a screwdriver from his pocket,
he fits a tip wrench to it and tightens the screws until the
antenna is aligned again.
J returns the knife to the gate. He passes through the
communal lounge - which already has eight people happily
chatting and eating - to pick up the sync box and his red
cap. Leaving the property, he unlocks the small screen. He
triggers the program to open the garage door. He grabs
one of the bikes and rides two miles down the dirt road.
The surroundings with forests begin to give way to small
ranches where people grow bananas, cassava and jussara.
A little further on there are simple houses and some shops.
With a wave J greets all the people he meets along the way.
Occasionally, he calls to his interlocutors with the name of
their preferred soccer team.
Coming to the asphalt, he crosses the road and waits. In less
than five minutes the yellow bus arrives, stops and opens
the front door. The driver seems to check something on
his small screen and presses a few keys. To the passengers,
he could be sending a message to his wife or lover. Some
do frown, but nobody complains. After a little more than
a minute, there is a short beep. The driver looks to the
horizon, closes the doors of the bus and continues on his
way. J takes from his pocket a pair of wireless headphones
and fits them to his ears. He gets on his bike and heads
back to the property. Once he is sure he is alone, he presses
the headset button and talks to the small screen:
How much came today?
A metallic voice (more of an aesthetic choice than
technological limitation) responds after a few seconds:
Twenty-eight megabytes.
For several days J has been expecting a cousin of his to
respond to his e-mail asking for news about his family. And
he also knows that the old man is waiting for information on
the progress of the hackers of Christ on the north coast. From
recent reports he learned that some neo-Pentecostal churches
have struggled to identify and convert young men who used
to provide services of capturing, tracking and compiling data
for criminal organizations. To these employees are offered the
opportunity to work "for the work of the Lord" in exchange
for divine and, in some cases, judicial forgiveness. There are
cities in which pastors get enough information to blackmail
the entire local political class. The old man once said that
"well-chosen data can accuse anyone."
J knows the old man worked for decades in the
information security industry. And he has already noticed
that he is willing to act. Interesting times are coming, the
gambimaster thinks as he opens the door and returns to
his world.
147
148
149
Siga @conradoalmada no Instagram
Realização
Patrocínio
Incentivo