Facta #2
Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"
Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"
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Da moda “chique” da taxidermia decorativa
à celebração do design retrô. E finalmente, o
hábito cada vez mais usual de cidadãos dos
grandes centros urbanos de colecionar ou
acumular objetos raros, únicos, exclusivos.
Quem não tem ao menos um conhecido que
gosta de “juntar trecos”, sem razão aparente?
Quantos de nós não consegue evitar o gesto
de, ao passar por uma caçamba cheia, conferir
rapidamente se não há algo que poderia ser
(in)útil em casa?
Em uma época em que nossas memórias estão
digitalizadas nas galerias das redes sociais,
tornando-se imediatamente passado com
um simples gesto de scroll, a acumulação
soa como compensação de um vazio
resultante da vida líquida. Se não há como
agarrar-se ao tempo, quem
sabe juntar objetos não seja
uma forma desesperada de
resgatar memórias…
t
A acumulação soa como
compensação de um vazio
resultante da vida líquida
de retenção de nossa experiência passageira
no mundo. As coisas valem como chave de
entrada para a memória e grande parte das
vezes, o apego a um objeto deve-se tanto mais
pelas lembranças a que ele remete do que por
seu valor monetário. As coleções nos transportam
ao mundo imaginário de um passado
inacessível: a recordação vaga de um país, a
saudade de alguém que partiu, o sabor de
um prato ou de um drink a dois. Há quem
colecione de tudo: selos, moedas, imagens
antigas, brinquedos estragados, lâmpadas
queimadas, insetos, tampinhas de garrafa,
rolhas, sachês de chá… Há também quem
colecione inimigos, rancores, frustrações
amorosas, listas que só fazem crescer, ideias
não realizadas... Há quem colecione todas
as coisas citadas e outras mais. Botonismo,
adesivoterapia, durexia,
ruinologia: novos substantivos
para incontáveis manias,
patologias e suas variações.
t
O ato de colecionar confunde-se com a passagem
do homem pela Terra. Desde muito cedo
até os dias atuais, o ser humano tem deixado
rastros por onde passa: pinturas em cavernas,
nomes em árvores, graffitis nos muros de uma
cidade e mesmo livros e filmes, por exemplo.
Mas nossa experiência é marcada não só pelo
que deixamos, mas também pelo que coletamos
e guardamos. Sejam itens materiais – objetos
que, por motivos diversos e inexplicáveis, simplesmente
queremos guardar – ou lembranças
impalpáveis, memórias. Assim como faz um
contador de histórias que declama seus “causos”
incorporando o saber de seu tempo ao de seus
antepassados, a vida é, acima de tudo, uma experiência
de acumulação. De coisas e de afetos.
Catar, agrupar, organizar objetos são gestos
A reutilização de objetos acumulados é
pertinente à criação artística contemporânea.
Além da inevitável questão da sustentabilidade
(muito conveniente para o marketing
corporativo, mas pouco colocada em prática),
nas mais diversas esferas da indústria
criativa os ciclos estéticos vão e retornam.
Muitas vezes, ser reconhecido como contemporâneo
é nada mais nada menos que saber
ressignificar, ou samplear, referências de
épocas distintas, relacionando-as com
questões da atualidade.
De forma mais específica, no repertório
da Gambiologia utilizamos objetos velhos,
incorporando neles novas ou precárias tecnologias
para que “renasçam” como novidade.
E já que nas obras usamos basicamente
* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *
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