Facta #2
Revista de Gambiologia #2 Gambiologia magazine - 2nd issue 10/2013 "Acúmulo, ação criativa" / "Accumulation, a creative action"
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uma humanização do tempo”. Sendo assim,
quanto mais uma sociedade se conscientiza
sobre a passagem do tempo, mais ela o nega,
tratando-o não como o que passa, mas o
que regressa. Em contraponto, a burguesia,
“senhora do poder”, estaria ligada ao tempo
do trabalho. O imperativo da produtividade,
do acúmulo de mercadorias e capital faria
surgir a ideia de tempo irreversível, unificado
mundialmente. “O triunfo do tempo irreversível
é também a sua metamorfose em tempo
das coisas, porque a arma da sua vitória foi
precisamente a produção em série dos objetos,
segundo as leis da mercadoria.”
Mas acontece que as mercadorias,
hoje, são descartáveis. Bauman (2005) 2
define nossa sociedade como regida
por uma “vida líquida”
que “projeta o mundo e todos
os seus fragmentos animados
e inanimados como objetos
de consumo,
ou seja, objetos que
perdem a utilidade (e portanto
o viço, a atração, o poder de sedução e o valor)
enquanto são usados”. E acrescenta: “estes têm
uma limitada expectativa de vida útil e, uma
vez que tal limite é ultrapassado, se tornam
impróprios para o consumo”. Ou seja: o tempo,
agora ditado pelas regras da produção em um
contexto de economia especulativa, literalmente
nos escapa pelas mãos.
Linkando as análises de ambos os autores,
fica a questão: a irreversabilidade de nossa
história estaria, então, diluída num instante
de tempo perdido?
2 BAUMAN, Z ygmunt. "Vida Líquida", Editora Zahar, 2007.
t
A ansiedade em vislumbrar
o futuro e o saudosismo de
cultuar o passado
Neste século acelerado por demais, de ritmo
pautado por corporações e suas estratégias
de avanço tecnológico e obsolescência
programada, podemos observar dois fatos
recorrentes, que talvez sejam tão-somente
escapes para compensar nossa provável relação
mal resolvida com o tempo: a ansiedade
em vislumbrar o futuro e o saudosismo de
cultuar o passado.
No primeiro caso, a insaciedade pela
atualização nos impele, mesmo de maneira
inconsciente, a estar sempre antenados com
“o próximo modelo”. Seja o mais novo smartphone
do mercado, a versão mais recente de
um app ou a tendência para vestir na próxima
estação, vivemos curiosos pelo que há por
vir, antecipando o momento futuro e não
nos permitindo viver plenamente
a experiência do
hoje. “As preocupações mais
intensas e obstinadas (…)
são os temores de ser pego
tirando uma soneca, não
conseguir acompanhar a rapidez dos eventos,
ficar para trás, deixar passar as datas de vencimento,
ficar sobrecarregado de bens agora
indesejáveis, perder o momento que pede
mudança e mudar de rumo antes de tomar
um caminho sem volta. A vida líquida é uma
sucessão de reinícios…”.
Por outro lado, me parece que o ser humano
insiste, paradoxalmente, em incorporar os
rastros do antigo em seu cotidiano. São exemplos
vários: das câmeras digitais que reproduzem
filmes analógicos ao dia das crianças
online, quando nos pegamos divertidos a postar
fotos da infância. Das roupas que já são
produzidas envelhecidas à valorização do
mercado de móveis antigos reformados.
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* ACÚMULO, AÇÃO CRIATIVA *