Lina Bo Bardi e a Fábrica da Pompéia: relações entre pensamento crítico, projeto e apropriação da arquitetura
Escola da Cidade Trabalho de Curso Graduação em Arquitetura e Urbanismo Aluna: Gabriela Fuganholi Silva Orientador: Cesar Shundi Iwamizu Banca avaliadora: André Vainer e Marina Grinover
Escola da Cidade
Trabalho de Curso
Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Aluna: Gabriela Fuganholi Silva
Orientador: Cesar Shundi Iwamizu
Banca avaliadora: André Vainer e Marina Grinover
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LINA
BO BARDI
E A FÁBRICA
DA POMPÉIA
RELAÇÕES ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO,
PROJETO E APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA
GABRIELA FUGANHOLI
LINA BO BARDI E A FÁBRICA DA POMPÉIA:
RELAÇÕES ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO,
PROJETO E APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA
TRABALHO DE CURSO
GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
GABRIELA FUGANHOLI
ORIENTADOR: CESAR SHUNDI IWAMIZU
ESCOLA DA CIDADE
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
SÃO PAULO, 2023
RESUMO
S586
SILVA, Gabriela Fuganholi
Lina Bo Bardi e a Fábrica da Pompéia: Relações entre
pensamento crítico, projeto e apropriação da arquitetura -- São
Paulo, 2023.
137 p., il.
TC (Trabalho de Curso) – Escola da Cidade, 2023.
Orientador: Cesar Shundi Iwamizu.
1. Arquitetura Moderna Brasileira. 2. Processo de projeto.
3. Desenho de Arquitetura. I. Título.
CDD 724.0981
Dentro da obra construída de Lina Bo Bardi (1914-1992), o
SESC Fábrica da Pompéia se destaca como um dos casos mais
exemplares da complexidade do pensamento da arquiteta.
Situado nos últimos momentos de sua trajetória, o SESC
Pompéia reúne em seu desenvolvimento diversos princípios
arquitetônicos, culturais e estéticos elaborados por Lina ao
longo de toda a sua carreira, que se apresentaram neste projeto
com especial maturidade e solidez. Este trabalho busca
investigar, portanto, a trajetória profissional de Lina Bo Bardi,
tendo como objetos centrais de análise a sua formação enquanto
arquiteta, o projeto arquitetônico e as diversas formas
de apropriação do espaço construído do SESC Fábrica
da Pompéia pelos seus frequentadores. Uma ênfase é dada
aos seus desenhos, considerados pela arquiteta como uma
ferramenta essencial para projetar, e que revelam muitas intenções
de Lina para os espaços que projetava representando
as diversas formas de apropriação da arquitetura. Com base
nas discussões feitas e nos argumentos apresentados sobre
esses conceitos na obra de Lina Bo Bardi, propõe-se analisar o
projeto a partir de desenhos. Em uma perspectiva isométrica,
os principais programas foram representados na tentativa de
encontrar relações entre as formas de apropriação pelas pessoas
e o espaço projetado. Por fim, esta pesquisa procura levantar
hipóteses sobre o que de fato significam esses conceitos
na obra de Lina Bo Bardi enquanto intenção arquitetônica,
intelectual, cultural e política de atuar no espaço social. E, da
mesma forma, refletir sobre a importância do pensamento e
da obra construída de Lina Bo Bardi no debate contemporâneo
sobre caminhos da arquitetura e da arte brasileira nos
campos de atuação do projeto arquitetônico, da cultura popular
e do patrimônio histórico, sobre os quais a arquiteta se
propôs a atuar intensamente no projeto do SESC Fábrica da
Pompéia.
Palavras-chave: arquitetura moderna brasileira, cultura popular
brasileira, função social da arquitetura, processo de
projeto, desenho de arquitetura, apropriação da arquitetura.
ABSTRACT
Among Lina Bo Bardi 's (1914-1992) built work, SESC Fábrica
da Pompéia disguises itself as one of the most exemplary cases
of her architectural thinking complexity. Situated in the
last moments of her trajectory, the SESC Pompéia project
brings in its conception and development several architectural,
cultural and aesthetical principles prepared by Lina throughout
her career, which present themselves at that project
with special maturity and consistency. This research intends
to investigate therefore Lina Bo Bardi's professional trajectory,
having as it's main objects of analysis her qualification
as architect, the architectural project and the several appropriation
forms of the built space in SESC Fábrica da Pompéia
by it's users. Enfasis to her drawings, considered by the architect
as a fundamental tool to design, and that reveal many
of Lina's intentions for the spaces she designed, representing
several appropriation forms of the architecture. Based on discussions
and points presented about those concepts in Lina
Bo Bardi's work, it's proposed analyzing the project after those
drawings. Through an isometric projection drawing, the
main spaces were represented on an attempt of finding relations
between designed space and forms of appropriation by
people. Finally, this research searches for rising hypothesis
about what in fact mean these concepts inside Lina Bo Bardi's
work as architectural, intellectual, cultural and political
intentions of acting in the social space. And, in the same way,
to reflect on the importance of Lina Bo Bardi's thoughts and
built work on contemporary discussion about the paths for
brazilian art and architecture in fields of action of architectural
project, popular culture and historical heritage, on which
the architect proposed to work intensively on SESC Fábrica da
Pompeia's project.
Key-words: brazilian modern architecture, brazilian folk culture,
social purpose of architecture, design process, architectural
design, appropriation of architectural space.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, professor Shundi Iwamizu, pelas
orientações acolhedoras e instigantes.
A professora Sabrina Fontenele, por ter participado da
banca de qualificação deste trabalho e trazer questões tão
pertinentes e essenciais para a finalização da pesquisa.
A professora Marina Grinover, por gentil e prontamente
aceitar o convite para esta banca avaliadora.
Ao professor André Vainer, por participar desta banca. E
também por ter me recebido tão bem como parte de sua
equipe e confiado em meu trabalho.
Às grandes amizades que fiz na faculdade, que tornaram tão
rica esta etapa tão difícil. Em especial à Marcella, por nossa
leve amizade.
Agradeço especialmente aos meus pais, por todo amor
e dedicação, por me proporcionarem tudo que estava ao
alcance e muito mais.
E ao Lucas, meu arquiteto preferido, por tantos bons
momentos e pela década de parceria ímpar.
SUMÁRIO
13
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1: Lina Bo Bardi - O pensamento crítico
16
26
36
1.1. Formação pessoal e experiências na Itália do início do
século XX
1.2. Chegada ao Brasil e convicções sobre arquitetura e
cultura popular brasileira
1.3. O ofício do arquiteto e a função social da arquitetura
CAPÍTULO 2: SESC Pompéia - O projeto
54
68
84
2.1. O Serviço Social do Comércio e a fábrica da Pompéia
2.2. O projeto - processo criativo
2.3. O escritório e o canteiro de obras - processo prático
CAPÍTULO 3: A apropriação da arquitetura
104
108
3.1. A apropriação da arquitetura
3.2. O desenho como método de análise
129
CONCLUSÃO
133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
É cada vez mais relevante, dentro da historiografia contemporânea
de arquitetura, a figura e a obra da arquiteta ítalo-brasileira
Lina Bo Bardi. Junto a mestres da arquitetura nacional,
como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas, e muitas
vezes em oposição teórica e prática a estes, Lina produziu
– através de seus projetos, textos, desenhos e expressão
pública – um discurso de muita força e pertinência acerca do
Brasil. Em perspectiva histórica, contemporânea e de hipóteses
para o futuro, Lina abordou questões de brasilidade,
cultura, modernidade e tecnologia de forma profundamente
crítica, ainda que propositiva, sendo agente participante no
processo de desenvolvimento destes conceitos que floresceram
ao longo do século XX no país.
Para buscar compreender a fundo a reflexão e a atuação de
Lina nestes campos, a metodologia deste trabalho consistiu
em escolher uma obra em particular da arquiteta e buscar
observar no espaço real – concebido, projetado, construído e
apropriado pelos seus usuários – o desenvolvimento e a materialização
dos conceitos presentes no debate contemporâneo
proposto pela autora. Desta forma, o projeto escolhido
foi o SESC Fábrica da Pompéia, por diversos motivos, dentre
os quais cabe destacar alguns mais evidentes e relevantes.
O caráter público e diverso do uso do espaço, combinando
atividades variadas e frequentação intensa de usuários muito
variados; a escala de um equipamento urbano que compõe a
paisagem e atrai o interesse de toda uma cidade e seus arredores;
o momento de sua produção na vida da arquiteta, de
grande maturidade profissional; o envolvimento direto com
questões advindas do campo do restauro e preservação do
patrimônio histórico. Assim, a decisão de organização das
análises, discussões, ideias e hipóteses deste trabalho foi de
elaborar a pesquisa em três fases estruturantes.
Na primeira parte, expõe-se acerca da trajetória pessoal e
profissional de Lina Bo Bardi. Durante sua carreira, Lina Bo
Bardi pôde incorporar nos projetos seus pensamentos sobre a
arquitetura moderna e tradicional brasileira, oriundos de sua
formação pessoal, arquitetônica e política. Sua juventude na
Itália, contemporânea ao período entre-guerras, deu a ela os
princípios para sua visão de mundo, estruturadora de toda
sua produção. Somada à sua origem europeia, ao chegar no
Brasil, Lina se depara com uma cultura diferente e extremamente
rica, na qual pôde apoiar mais um pilar de suas convicções
políticas e arquitetônicas. Desta forma, se torna uma
grande pensadora sobre o artesanato nordestino e crítica do
modernismo que estava sendo difundido no país através da
construção de importantes obras de interesse nacional. Sua
presença no canteiro de obras formou um repertório técnico
coerente com o contexto de seus projetos, somando e justificando
os princípios adquiridos anteriormente, criando um
ciclo capaz de produzir uma arquitetura extremamente coerente
com esses pensamentos.
A terceira parte se propõe a analisar o projeto a partir de
desenhos, feitos entre agosto de 2022 e março de 2023, retratando
o estado em que o SESC Pompéia se encontra no
período de produção deste trabalho. Os principais programas
existentes foram representados buscando encontrar as relações
entre as características arquitetônicas espaciais e as diversas
formas de apropriação da arquitetura pelos frequentadores
do SESC Pompéia. A apropriação dos espaços é a chave
de investigação, uma vez que esse era o principal elemento
considerado no projeto, e portanto, incapaz de ser desvinculado
da análise, além de ser essa apropriação também o que
faz o projeto ter sido considerado tão bem sucedido. Além
disso, será abordada uma breve discussão sobre as formas e
técnicas de representação, hipóteses que surgiram durante a
execução de todos os desenhos e que só puderam aparecer
pela prática do desenhar e pelo consequente enfrentamento
a questões de representação das formas, luzes, tons e outros
aspectos do desenho de arquitetura.
O SESC Pompéia é analisado na segunda parte deste trabalho
como projeto mais bem sucedido desse ciclo de aprendizado
e produção, embasado nos pensamentos políticos e arquitetônicos
de Lina Bo Bardi. Para além de sua forma final, o
interesse está no processo que tornou possível a arquitetura
que hoje conhecemos, local ímpar na cidade de São Paulo,
intrínseco ao que hoje chamamos de arquitetura moderna
brasileira. Seus desenhos, ferramenta essencial para projetar,
revelam as projeções sobre as pessoas que frequentariam
aquele espaço e suas formas de apropriação como partido
de projeto. O escritório montado dentro do canteiro de obras
criou uma virtuosa relação de transferência de conhecimento
capaz de enfrentar os desafios que o projeto apresentava,
considerando seu pioneirismo no restauro e revitalização de
uma estrutura pré-existente, alterando seu uso.
CAPÍTULO 1
LINA BO BARDI
O PENSAMENTO CRÍTICO
16 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 17
1.1. FORMAÇÃO PESSOAL E EXPERIÊNCIAS
NA ITÁLIA DO INÍCIO DO SÉCULO XX
“Na Europa se reconstrói, e as casas são simples, claras,
modestas, pela primeira vez no mundo, talvez o
homem haja aprendido, e na manhã seguinte àquelas
noites chamejantes, sentido, sobre os escombros da
sua casa, que a casa é quem a habita, é ‘ele mesmo’, e
tiveram vergonha da sua velha casa como se tivessem
mostrado em público as próprias fraquezas e os próprios
vícios.” 1 - Lina Bo Bardi
Achillina Bo nasceu em Roma, capital da Itália, em 5 de dezembro
de 1914. Filha de Enrico Bo e Giovanna Bo, irmã de
Graziella, vivia com sua família num apartamento grande bem
próximo ao Vaticano. Seu pai, um homem bastante inventivo,
sustentava a família trabalhando como empreiteiro de residências
e ensinava suas filhas a desenhar; sua mãe era dona
de casa e bastante rigorosa com a criação das filhas, com ambição
de vê-las bem casadas. Mas Lina desde sempre afirmava
que não queria esposo, Lina queria trabalhar. 2
Nasceu em um período particularmente importante da história
da Europa, logo após o início da Primeira Guerra Mundial,
em 28 de julho de 1914, e viveu toda sua infância e juventude
sobre essa turbulenta ambiência. Estudou no Liceu Artístico,
curso de quatro anos de preparação arquitetônico-artística,
com aulas sobre teoria das sombras e desenho geométrico.
Diferentemente do que se esperava de uma moça burguesa e
talentosa, não foi cursar Belas Artes. Se matriculou no curso
predominantemente masculino de Arquitetura da Universi-
1 BARDI, Lina Bo. Na Europa a casa do homem ruiu. Revista Rio, Rio de
Janeiro, ed. 95, 1947. In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina
por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify,
2009.
2 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
Lina Bo em sua infância
com sua família.
(fonte: site Instituto
Bardi)
Desenho feito em
aquarela por Lina Bo
Bardi com 10 anos.
Roma, 26 de setembro
de 1925. Esta imagem
expressa o interesse
de Lina pelo desenho
e desde seus primeiros
anos.
(fonte: site Instituto
Bardi)
18 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 19
dade de Roma, 3 projetado e dirigido por Giovanonni e Piacentini,
no qual as disciplinas de história da arquitetura eram
consideradas mais importantes que as de composição. 4
Formada, ingressou no mundo dos arquitetos da Itália com diversas
correntes modernistas já estabelecidas. Mesmo entre
os arquitetos expostos aos pensamentos socialistas e soviéticos,
a arquitetura italiana da época se confunde com a instauração
do Fascismo, pois a maioria deles se comprometeu com
o discurso de modernização – social, econômica e industrial
– que Mussolini parecia representar. Muito antes de formar
um casal com Lina Bo, o influente jornalista Pietro Maria Bardi
fundou a revista Quadrante, que divulgava o racionalismo
como o movimento arquitetônico oficial do Fascismo. 5
Buscando um local mais desimpedido política e culturalmente,
a jovem architetto deixou a capital Roma e mudou-se para
Milão. Nesta pequena cidade industrial, Lina começou sua
trajetória profissional na área editorial, devido a escassez de
trabalho na área da arquitetura durante o período de guerra.
Trabalhou na edição de vários periódicos, como a revista
Stile – que tinha também como colaborador Pietro Bardi – e
a revista Domus. Fundou em 1946, junto com Bruno Zevi, a
revista A - Cultura della Vita, na qual escrevia sobre realidade
social, cultura e política da época. 6 Lina ocupou posições importantes
no contexto editorial italiano e também no Brasil,
anos mais tarde. Assim como muitos debates do século XX
Aquarela feita por Lina
Bo Bardi. Roma, 1933.
(fonte: site Instituto
Bardi)
3 RUBINO, Silvana. A escrita de uma arquiteta. In: RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
4 BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: FERRAZ, Marcelo (org.). Lina Bo
Bardi. 4. ed. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2018. p. 9-12.
5 RUBINO, Silvana. A escrita de uma arquiteta. In: RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
6 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
20 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 21
ocorreram por escrito, Lina também se apropriou da escrita
como forma de atuação, expondo seus pensamentos e posições
a respeito dos mais diversos assuntos no campo da arquitetura,
atividade que não pode ser ignorada na análise de
sua obra como um todo. 7
Lina como repórter
para o jornal Milano
Sera, após o fim da II
Guerra.
(foto: Federico
Patellani, fonte: site
Instituto Bardi)
Também em 1946, Lina Bo casou-se com Pietro Bardi – jornalista,
crítico e colecionador de arte, figura internacionalmente
conhecida nos círculos eruditos de arquitetura e artes visuais,
a quem admirava desde menina-soquete no tempo do Liceu
Artístico de Roma. 8 No mesmo ano mudaram-se para o Brasil,
chegando de navio ao Rio de Janeiro, desembarcando na
Baía de Guanabara. No ano seguinte, o casal mudou-se para
São Paulo após o convite de Assis Chateaubriand para Pietro
Bardi participar da fundação do MASP - Museu de Arte de São
Paulo, instalado na rua 7 de Abril — essa amizade resultou no
projeto da segunda sede do MASP, na Avenida Paulista, em
1957.
Sua trajetória até então havia despertado uma visão bastante
genuína sobre a arquitetura que se fazia na Europa durante
o período, que deixou para trás, no país ao qual já não pretendia
mais voltar. O impacto da guerra, que sempre foi um
espectro presente em sua vida, impactava a arquitetura e a
sua relação com a Itália como lar:
“Mas que estranho, que estranho que nada se visse da
nossa casa tão bela, que nada tivesse ficado capaz de
distingui-la das outras! Era tudo cinzento, tudo pó, tudo
igual aos outros montes cinzentos que também haviam
sido casas, mas certamente muito menos bonitas do
que a nossa.
Lina Bo Bardi no jardim
de seu escritório em
Vila Gesú. Milão, 1940.
(fonte: site Instituto
Bardi)
7 RUBINO, Silvana. A escrita de uma arquiteta. In: RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
8 BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: FERRAZ, Marcelo (org.). Lina Bo
Bardi. 4. ed. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2018. p. 9-12.
22 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 23
Sim, não pensávamos que as casas fossem assim frágeis,
assim sutis, assim ‘humanas’, e que pudessem
morrer assim. Foi então, quando esperávamos naqueles
momentos de pesadelo, que as casas começassem
a ruir que nos apercebemos que elas ‘eram humanas’,
que eram o ‘espelho’ do homem, que eram ‘o homem’.
[...] Foi então, enquanto as bombas demoliam sem piedade
a obra e a obra do homem, que compreendemos
que a casa deve ser para a ‘vida’ do homem, deve servir,
deve consolar; e não mostrar numa exibição teatral,
as vaidades inúteis do espírito humano;[...]
Casamento de Lina Bo
e Pietro Bardi. Itália,
1946. (fonte: site
Instituto Bardi)
Na Europa se reconstrói a casa com simplicidade, com
modéstia. Também o espaço é precioso. É preciso economizar:
onde antes viviam dois folgadamente, hoje
devem viver quatro. O desperdício é crime, também de
espaço. [...] A guerra terá finalmente ensinado o homem.”
9
Em sua formação política, para além da universidade, Lina
teve como grande influência a arquitetura moderna da escola
alemã Bauhaus (1918-1928), 10 fundada e dirigida por Walter
Gropius, fechada pelo regime nazista e tendo seu criador refugiado
nos Estados Unidos nos anos 1930. Essa vertente da
arquitetura e desenho industrial modernos visava estabelecer
relações entre o pensamento popular e a produção industrial.
Nas palavras de Gropius:
“Assim em 1919 foi inaugurada a Bauhaus. Seu esco-
Lina no Rio de Janeiro.
(fonte: site Instituto
Bardi)
9 BARDI, Lina Bo. Na Europa a casa do homem ruiu. Revista Rio, Rio de
Janeiro, ed. 95, 1947. In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina
por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify,
2009.
10RUBINO, Silvana. Rotas da Modernidade: Trajetória, campo e história
na atuação de Lina Bo Bardi, 1947-1968. Tese de doutorado - Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2002.
24 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 25
po específico era concretizar uma arquitetura moderna
que, como a natureza humana, abrangesse a vida em
sua totalidade. Seu trabalho se concentrava principalmente
naquilo que hoje se tornou uma tarefa de necessidade
imperativa, ou seja, impedir a escravização
do homem pela máquina, preservando da anarquia
mecânica o produto de massa e o lar, insuflando-lhes
novamente sentido prático e vida. Isto significa o desenvolvimento
de objetos e construções projetados expressamente
para a produção industrial.
conceitos modernos uma realidade: retomar a dignidade do
trabalhador, artesão, fazendo dele o criador e conhecedor
dos produtos da fábrica industrial, principal componente da
modernidade. 12
12 PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um Pensamento
Popular: Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.
[...] O livro e a prancheta não podem substituir a valiosa
experiência na oficina e no canteiro. Por isso, é
preciso que a experiência esteja desde o início unida
à formação e não seja meramente acrescentada mais
tarde, após o término de uma formação acadêmica.” 11
Assim, percebemos a relação entre os pensamentos de Lina
Bo Bardi e os ideais formadores da escola Bauhaus a respeito
da industrialização, sendo esta dependente do saber artesanal
repleto de inteligência e simplicidade e, portanto, capaz
de gerar uma produção em série efetiva e coerente com a
cultura de uma população. Ou seja, toda produção industrial
de um país deve estar diretamente relacionada com a sua
produção artesanal.
Considerando, então, não somente sua formação acadêmica,
mas sua formação política e sua experiência de uma Europa
devastada pela guerra, pode-se concluir que a arquitetura
feita por Lina Bo Bardi anos mais tarde – em especial o projeto
do SESC Pompéia que ainda discutiremos nesse trabalho
– é genuinamente moderna. Não devido a um formalismo
vazio, que para a geração que a arquiteta pertencia, poderia
ser inevitável. E sim por uma legítima vontade de fazer dos
11GROPIUS,Walter. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Editora
Perspectiva S.A., 1974. p. 28-44.
26 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 27
1.2. CHEGADA AO BRASIL E CONVICÇÕES SOBRE
ARQUITETURA E CULTURA POPULAR BRASILEIRA
A chegada ao Rio de Janeiro, em 1946, foi bastante marcante
para Lina Bo Bardi:
“Chegada ao Rio de Janeiro de navio, em outubro. Deslumbre.
Para quem chegava pelo mar, o Ministério da
Educação e Saúde avançava como um grande navio
branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz
após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti
num país inimaginável, onde tudo era possível. Me senti
feliz, e no Rio não tinha ruínas.
[...] Deslumbramento pela simplicidade inteligente e
capacidades pessoais. Deslumbramento por um país
inimaginável que não tinha classe média, mas somente
duas grandes aristocracias: a das Terras, do Café, da
Cana e… o Povo.
[...] Disse a Pietro que queria ficar, que reencontrava
aqui as esperanças das noites de guerra. Assim ficamos
no Brasil.” 1
Lina trouxe consigo, em meio a bagagens e quadros, o desejo
de fazer arquitetura moderna num país novo, sem vícios e
sem ruínas. Nessa perspectiva da arquiteta, o Brasil parecia
recebê-la de braços abertos, entregando-lhe a possibilidade
de um novo começo. A arquiteta, então, se tornou brasileira,
não apenas pelo seu documento de naturalização de 1953,
mas escolheu ser brasileira:
“Eu disse que o Brasil é meu país de escolha e, por isso,
meu país duas vezes. Eu não nasci aqui, escolhi este
lugar para viver. Quando a gente nasce, não escolhe
nada, nasce por acaso. Eu escolhi o meu país.” 2
1 BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: FERRAZ, Marcelo (org.). Lina Bo
Bardi. 4. ed. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2018. p. 9-12.
2 Palestra proferida por Lina Bo Bardi em 14 de abril de 1989. PERROT-
TA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo: Editora
Todavia, 2021.
Em 1951, já ambientada no país que a recebera, Lina Bo Bardi
publica suas impressões a respeito da arquitetura que se fazia
no Brasil. Não gratuitamente, cita o edifício do Ministério da
Educação e Saúde do Rio de Janeiro – projeto de uma equipe
de arquitetos de grande renome no país, entre eles Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy –, primeira
construção que chamou sua atenção, logo na chegada à Baía
de Guanabara, e escreve:
“A nova arquitetura brasileira tem muitos defeitos: é jovem,
não teve muito tempo para se deter e pensar, nasceu
subitamente como uma bela criança; concordamos
que os brise-soleil e os azulejos são ‘fatores internacionais’,
que certas formas livres de Oscar são complacências
plásticas [...], mas não concordamos, entretanto,
sobre o fato de que a arquitetura brasileira já marca
estrada para uma academia [...], e não a marcará até
quando seu espírito for o espírito do homem, sua pesquisa,
a busca dos valores de sua vida em evolução, até
quando colher sua inspiração da poesia íntima da terra
brasileira; estes valores na arquitetura contemporânea
brasileira existem. A arquitetura contemporânea brasileira
não provém da arquitetura dos Jesuítas, mas
do ‘pau a pique’ do homem solitário, que trabalhosamente
cortara os galhos na floresta, provém da casa
do ‘seringueiro’, com seu soalho de troncos e o telhado
de capim, é aludida, também ressonante, mas possui,
em sua resolução furiosa de fazer, uma soberbia e uma
poesia, que são a soberbia e a poesia do homem do
sertão, que não conhece as grandes cidades da civilização
e os museus, que não possui a herança de milênios,
mas suas realizações – cuja concretização foi somente
possível por esta sua soberba esquiva –fazem deter o
28 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 29
homem que vem de países de cultura antiga.” 3
Em sua crítica, Lina se mantém firme em suas convicções políticas:
a arquitetura de um país deve surgir e remeter a sua
própria produção artesanal. Porém, soma-se a esse pensamento
– que a acompanha desde a Europa – um conhecimento
e uma inabitual visão a respeito das origens brasileiras, até
então ignoradas pelos próprios conceituadores da arquitetura
moderna brasileira. Ao chegar como imigrante e tornar-se
brasileira, Lina também se posiciona como uma pensadora
dessa arquitetura jovem e bela – não se juntando ao grupo
de arquitetos-imigrantes que reproduziam a arquitetura europeia
–, mas que precisava ser aprimorada:
“A arquitetura brasileira nasceu como uma bela criança,
que não sabemos por que nasceu bonita, mas que
devemos em seguida educá-la, curá-la, encaminhá-la,
seguir sua evolução;[...]” 4
Edifício do Ministério
da Educação e Saúde,
no Rio de Janeiro.
Projeto realizado por
uma equipe brasileira
com consultoria
de Le Corbusier.
Ensaio experimental
de um movimento
estético que viria a
se tornar a busca por
uma modernidade
autenticamente
brasileira.
(fonte: divulgação na
internet)
A origem de toda a arquitetura que estava nascendo deveria
estar na cultura popular brasileira. Para Lina, autêntico era o
povo. E este pensamento ia em contraposição aos pensamentos
de Lúcio Costa – um dos principais arquitetos brasileiros
deste contexto, e o principal pensador dos fundamentos da
arquitetura moderna brasileira – e de toda uma geração de
arquitetos e pensadores, que encontrava no passado colonial
do Brasil as chaves da arquitetura moderna. 5
A teoria histórica criada por Lúcio Costa que justificava a fun-
3 BARDI, Lina Bo. Bela criança. Revista Rio, Rio de Janeiro, ed. 95, 1947.
In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos
escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
4 BARDI, Lina Bo. Bela criança. Revista Rio, Rio de Janeiro, ed. 95, 1947.
In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos
escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
5 RUBINO, Silvana. A escrita de uma arquiteta. In: RUBINO, Silvana;
GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo
Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
30 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 31
dação de um modernismo singular que expressasse brasilidade
– pautado nos princípios de Le Corbusier e sua estética do
funcionalismo – convocava arquitetos brasileiros a aprender
com “a nossa antiga arquitetura”. 6 Este revivalismo colonial
expôs os ideais de uma supremacia branca, possuindo fortíssimo
caráter racista nos discursos de toda uma geração de
pensadores, não somente do campo da arquitetura, como
também da historiografia e sociologia. 7 Ainda que sem a intenção
direta de reforçar os discursos eugenistas e supremacistas
– em alta no debate acadêmico contemporâneo – as
noções românticas de Lúcio Costa e Gilberto Freyre sobre a
sociedade colonial brasileira esconderam a natureza violenta
das contradições raciais do Brasil, em nome da construção de
uma idealizada “democracia racial” moderna e progressista.
A oposição entre os dois pensamentos, de Lina Bo Bardi e Lúcio
Costa, ia para além das divergências de forma, era uma
divergência política. O pensamento racista, por se tratar de
um componente fundamental do espírito da época, era ainda
mais difícil de ser superado e permitir a visão além.
As particularidades de Lina Bo Bardi fizeram com que ela enxergasse
uma outra origem para a modernidade brasileira – e
quisesse produzir essa nova forma de arquitetura moderna.
Sua arquitetura resgatava as origens do Brasil pela chave do
índio, do negro, do sertanejo, do artesão, do operário, do
não-branco, nisso estava a força brasileira. Nesses elementos,
ela encontrou uma conjuntura cultural extremamente favorável
para fundir as experiências que trouxe consigo da Itália. 8
“Esta força latente existe em alto grau no Brasil, onde
uma forma primordial de civilização primitiva (não
no sentido de ingênua, e sim composta de elementos
essenciais, reais e concretos) coincide com as formas
mais avançadas do pensamento moderno.” 9
De 1958 a 1964, a arquiteta morou na Bahia, período de fundamental
importância para a sua visão a respeito da cultura
brasileira, especificamente sobre o artesanato nordestino.
Lina via nessa forma de agremiação popular – partindo do
princípio de que o artesanato encontrado no Brasil equivalia
as corporações da Antiguidade Clássica até a Idade Média
européia 10 – uma cultura desinstitucionalizada, dotada de liberdade
coletiva, ciente de sua responsabilidade social, que
não tinha como objetivo a erudição, mas sim a busca pelas
condições de sobrevivência. 11
“Importante na minha vida foi a minha viagem ao Nordeste
e o trabalho que desenvolvi em todo o Polígono
da Seca. Aí eu vi a liberdade. A não importância da beleza,
da proporção, dessas coisas, mas a de um outro
sentido profundo, que eu aprendi com a arquitetura,
especialmente a arquitetura dos fortes, ou primitivas,
6 TAVARES, Paulo. Lúcio Costa era racista? Notas sobre raça, colonialismo
e a arquitetura moderna brasileira. São Paulo: N-1 edições, 2022.
7 Lúcio Costa não foi o primeiro arquiteto a expor suas reflexões sobre
o passado colonial. Ricardo Severo e José Marianno, na década de
1920, já haviam mostrado que a arquitetura brasileira tinha suas raízes
na arquitetura vernacular colonial, branca e européia. E antes mesmo
desse pensamento chegar à arquitetura, autores de outros campos do
conhecimento como Gilberto Freyre já expressavam pensamentos que
hoje em dia podemos enxergar como claramente racistas. O pensamento
colonial, era mais que um conceito, era um espírito de época.
8 GRINOVER, Marina. A forma a partir do espaço em uso, construções de
Lina Bo Bardi. 9º Seminário Docomomo, Brasília, 2011.
9 BARDI, Lina Bo. Cultura e não cultura. Diário de Notícias, Salvador, 1958.
In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos
escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
10 BARDI, Lina Bo. Discurso sobre a significação da palavra artesanato. In:
FERRAZ, Isa Grinspum (Org.). Tempos de grossura. O design no impasse.
Série Pontos sobre o Brasil, São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994.
11 PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um Pensamento
Popular: Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.
32 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 33
populares, em todo o Nordeste de Brasil.” 12
“Procurar com atenção as bases culturais de um País,
(sejam quais forem: pobres, míseras, populares) quando
reais, não significa conservar as formas e os materiais,
significa avaliar as possibilidades criativas originais.
Os materiais modernos e os modernos sistemas
de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos,
conservando, não as formas, mas a estrutura profunda
daquelas possibilidades.” 13
“A arte popular é o que mais longe está daquilo que se
12 BARDI, Lina Bo. Solar do Unhão, 1986. In: FERRAZ, Marcelo (org.). Lina
Bo Bardi. 4. ed. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2018. p. 152-157.
13 BARDI, Lina Bo. Por que o nordeste? In: FERRAZ, Isa Grinspum (Org.).
Tempos de grossura. O design no impasse. Série Pontos sobre o Brasil, São
Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994
Paulo Gil Soares, o
câmera Waldemar
Silva, Glauber Rocha
e Lina Bo Bardi,
expressando suas
concepções de espaço
e cultura como
cenógrafa e figurinista,
na filmagem "Deus e o
Diabo na Terra do Sol".
Bahia, 1963.
(fonte: site Instituto
Bardi)
costuma chamar de Arte pela Arte.
Arte popular, nesse sentido, é o que mais perto está da
necessidade de cada dia, NÃO-ALIENAÇÃO, possibilidade
em todos os sentidos.
Mas essa não-alienação artística coexiste com a mais
baixa condição econômica, com a mais miserável das
condições humanas. Assim, não é a apologia da arte
popular que cumpre fazer se essa arte, para sobreviver,
necessita da conservação do status-quo, nem tampouco
a consolação através da arte em lugar da solução
técnica e do planejamento econômico. Precisamos desmistificar
imediatamente qualquer romantismo a respeito
da arte popular, precisamos nos libertar de toda
mitologia paternalista, precisamos ver, com frieza crítica
e objetividade histórica, dentro do quadro da cultura
brasileira, qual o lugar que à arte popular compete,
qual a sua verdadeira significação, qual o seu aproveitamento
fora dos esquemas “românticos”do perigoso
folklore popular.” 14
Lina Bo Bardi apontou as qualidades dessa cultura popular e
primitiva, porém desiludida de uma visão romântica, enxergando
seus aspectos úteis à sobrevivência e à não-alienação.
A beleza estava nisso, na grossura e no suplantar criativo, não
no belo do modelo primitivo. 15 E é dessa beleza que viriam
as bases da arquitetura moderna brasileira que ela se empenhou
em conceituar e projetar.
Além de contribuir para as bases mais imediatas do que hoje
chamamos de arquitetura moderna, o esforço em retornar
14 BARDI, Lina Bo. Arte popular e pré-artesanato nordestino. In: FERRAZ,
Isa Grinspum (Org.). Tempos de grossura. O design no impasse. Série
Pontos sobre o Brasil, São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994.
15 GRINOVER, Marina. A forma a partir do espaço em uso, construções de
Lina Bo Bardi. 9º Seminário Docomomo, Brasília, 2011.
34 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 35
a produção de Lina Bo Bardi, especificamente, está na convicção
de que seu pensamento possui algo a mais. Como hipótese
deste trabalho, podemos dizer que a arquiteta tenha
apresentado em seu discurso e intenções alguns conceitos
muito à frente de seu tempo, e que podem ser utilizados no
desenvolvimento de várias problemáticas atuais – e, quem
sabe, ser o ponto de partida de novos debates.
Avant la lettre, 16 diferentemente dos demais conceituadores
da arquitetura moderna brasileira, Lina sustentou a ideia que
hoje nomeamos como decolonialidade. 17 Muito antes da palavra
surgir e ser uma busca real de arquitetos pós-modernos,
a arquiteta se empenhava em propor uma arquitetura que
retomasse a cultura popular e primitiva, ao invés da proposta
da volta ao colonial como propôs Lucio Costa e muitos outros
arquitetos.
Também podemos destacar o pioneirismo de Lina Bo Bardi
na intervenção ao patrimônio arquitetônico. Ao analisarmos
especificamente o projeto do SESC Pompeia, que abordaremos
detalhadamente ao longo deste trabalho, percebemos
que seu pensamento vanguardista possibilitou a preservação
de uma estrutura industrial que nem sequer era considerada
passível de preservação para seus contemporâneos – Estado,
população ou arquitetos. Sua formação e vivência em Roma
permitiu que suas ideias sobre preservação e patrimônio fossem
bastante sólidas, mas não a ponto de serem inquestionáveis
pela arquiteta. Ao pensar a Fábrica da Pompéia sob
a chave da preservação, ela considerou como patrimônio o
material – a estrutura hennebiqueana de concreto e tijolos –
e o imaterial – a vivência social e cultural das pessoas que já
ocupavam a fábrica – ali presentes.
E assim, foi capaz de projetar sobre parte da história, utilizando
princípios que ultrapassam a lógica da preservação pela
não utilização ou imobilização. Totalmente consciente das dificuldades
brasileiras – que não permitiriam que a preservação
do patrimônio arquitetônico fosse uma prioridade –, Lina
sabia que o caminho mais fácil para manter viva aquela arquitetura
seria através do recondicionamento do espaço, adequando
seu uso para as necessidades do momento. E para
manter viva toda a vitalidade que encontrou ao visitar a fábrica
– este momento será melhor abordado no decorrer deste
texto –, tomou como caminho a menor intervenção possível.
Os dois caminhos se justificavam, um pelo outro.
Dessa forma, visto todas as dificuldades que atualmente encontramos
para a preservação do patrimônio arquitetônico
brasileiro, a volta à Lina mostra-se necessária. A breve história
deste país – quando comparado aos países europeus,
criadores dos mais diversos conceitos sobre este assunto e
que realizam a preservação de sua história exitosamente –
necessita de princípios próprios, adequados às especificidades
da história deste local, mas também à realidade, virtudes
e dificuldades aqui encontradas.
16 Avant la lettre – antes da letra, em tradução literal – , expressão
em francês empregada para assinalar o uso anacrônico de uma ideia,
conceito.
17 Decoloniality, em inglês, termo cunhado pela primeira vez em 2005 por
Nelson Maldonado-Torres, filósofo Porto-riquenho.
36 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 37
1.3. O OFÍCIO DO ARQUITETO
E A FUNÇÃO SOCIAL DA ARQUITETURA
Durante a primeira década que Lina Bo Bardi esteve em São
Paulo, de 1948 a 1958, a arquiteta elaborou uma tese sobre a
propedêutica do ensino da arquitetura. Neste trabalho, ela se
posiciona criticamente a respeito do ensino, defendendo uma
formação ligada à filosofia e história da arte, para que o arquiteto
fosse capaz de “teorizar”, etapa essencial na atividade de
projeto e, assim, preparar alunos capazes de observar o contexto
e desenvolver um olhar aguçado sobre o ambiente. Lina
propunha o ensino da teoria a partir da dialética entre tempo
e espaço, do confronto entre tempo presente e passado, entre
conhecimento histórico e prático. 1
“Este caráter de existência tangível, real e utilitária é
o verdadeiro caráter da Arquitetura, o único que pode
incluir em seu conceito o palácio de governo, a casa
popular, a escola, bem como o desenho de uma cama
ou um prato; o único que justifique a atitude humilde,
quase eclética, do arquiteto hoje.” 2
Ao chegar em Salvador, em 1958, Lina Bo Bardi aprimora sua
tese sobre a propedêutica em seu curso sobre Teoria e Filosofia
da Arquitetura, 3 na Faculdade de Belas Artes da Universidade
Federal da Bahia, propondo “essa cadeira que poderia
se chamar: Prática profissional, Questões de Método ou, ainda,
O Sentido Histórico da profissão de arquiteto.” 4 Para ela,
o arquiteto deve estar a serviço da sociedade, é dever dele
implementar uma visão crítica em sua arquitetura. Assim, ao
1 GRINOVER, Marina. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi.
Dissertação (Mestrado) - FAUUSP, São Paulo, 2010.
2 BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da teoria da
arquitetura. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, 2002, p.43.
3 GRINOVER, Marina. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi.
Dissertação (Mestrado) - FAUUSP, São Paulo, 2010.
4 BARDI, Lina Bo. Teoria e filosofia da arquitetura. 1958. In:RUBINO,
Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos escolhidos de
Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
construir, desempenha sua função social. 5
“Nesse ponto temos que definir a personalidade do
arquiteto: o arquiteto é um operário qualificado que
conhece seu ofício não só prática como teórica e historicamente,
e tem precisa consciência que a sua humanidade
não é fim de si mesma, mas se compõe, além da
própria individualidade, dos homens e da natureza.” 6
Ainda em 1958, Lina escreve:
“O arquiteto que projeta um edifício não convive com
o pedreiro, o carpinteiro ou o ferreiro. O desenhista de
objetos domésticos, com o ceramista, o vidraceiro. O
desenhista de móveis com o marceneiro. Cada um por
conta própria. O desenhista técnico tem complexo de
inferioridade pela ausência de competência prática. O
operário executor é aviltado pela falta de satisfação
ética do próprio trabalho. O assunto central poderia
ser colocado na base da colheita imediata de todo o
material artesanal antigo e moderno existente em cada
país, na criação de um grande museu vivo, um museu
que poderia se chamar de Artesanato e Arte Industrial
e que constituísse a raiz da cultura histórico-popular do
país.” 7
Paralelamente a esse pensamento, João Vilanova Artigas
também propunha em seu discurso a reflexão a respeito da
função social do arquiteto. Em suas aulas na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, in-
5 PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um Pensamento Popular:
Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.
6 BARDI, Lina Bo. Teoria e filosofia da arquitetura. 1958. In:RUBINO,
Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos escolhidos de
Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
7 BARDI, Lina Bo. Arte industrial. Diário de Notícias, Salvador, 1958.
In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos
escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
38 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 39
fluenciou gerações de arquitetos paulistas através da crítica
social, da ética no desenho de arquitetura e da construção
menos alienada. 8 A militância na arquitetura era constante,
e qualquer traço desenhado tinha um fundamento crítico e
uma implicação social. Para Artigas, a arquitetura seria a arte
que tem como finalidade a necessidade de exercer função no
campo social: 9
“Mas é claro que, enquanto a ligação entre os arquitetos
e as massas populares não se estabelecer, não se
organizar, enquanto as obras dos arquitetos não tiverem
a suma glória de ser discutida nas fábricas e nas
fazendas, não haverá arquitetura popular.” 10
Bo Bardi e Artigas possuem concordâncias em seus princípios
– como arquitetos contemporâneos e pensadores dos fundamentos
para a arquitetura moderna brasileira e paulista,
como também em meio a muitas divergências –, considerando
a contaminação do projeto pela obra, adaptando suas
arquiteturas pela lógica do trabalho e da mão de obra trabalhadora,
do brasileiro como detentor de um conhecimento
autêntico, produtor de cultura material. Não à toa, os dois se
dedicaram também a refletir sobre o ensino, que seria capaz
de formar gerações que pensassem a arquitetura a partir desse
posicionamento sobre a profissão do arquiteto.
Lina possuía uma compreensão da construção a partir do conhecimento
e trabalho humano que a permitiu pôr em prática
suas convicções políticas a respeito das origens que a arquitetura
brasileira deveria resgatar. “Ela acreditava que manter
a integridade da obra fora da autoridade do artista era condição
fundamental para estabelecer um ponto de vista so-
8 GRINOVER, Marina. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi.
Dissertação (Mestrado) - FAUUSP, São Paulo, 2010.
9 FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
10 ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo:
Cosac Naify, 2004.
Lina Bo Bardi com
mestre Canova no
canteiro de obras do
Museu de Arte de
São Paulo (MASP) da
Avenida Paulista.
(fonte: site Instituto
Bardi)
Lina Bo Bardi
restaurando azulejos
na obra do Solar do
Unhão, adentrando o
campo do patrimônio
artístico e cultural.
Salvador, início da
década de 1960.
(fonte: site Instituto
Bardi)
40 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 41
bre o qual a obra pudesse sintetizar um discurso comum que
apreendesse a realidade”, 11 e para isso era necessário saber
“teorizar”, como propunha em sua propedêutica do ensino da
arquitetura. Também seria necessário o não afastamento das
etapas de projetar e construir, e por esse motivo Lina trouxe o
escritório de arquitetura para dentro do canteiro de obras nos
projetos do Solar do Unhão, em 1959, e do SESC Pompéia, em
1977 – olharemos para a relação entre projeto e canteiro ao
longo deste trabalho.
Outra similaridade entre as atividades de Artigas e Lina é a
relação de suas produções com o desenho. Para ambos, o
desenho é elaboração, não representação, sua linguagem é
direcionada para o fazer, para o onde o como. Para Artigas, a
forma nasce de uma plena leitura de potências das circunstâncias
do contexto, e é imposta à obra no desenho das partes
construtivas. A síntese está na união entre a forma e a
estrutura, e a isso acompanha a elaboração do desenho, em
uma exaustiva relação entre conteúdo e forma, resultando na
sofisticação de formas que ressaltam a construção da essência
estrutural. 12
Lina Bo Bardi
restaurando azulejos
na obra do Solar do
Unhão, adentrando o
campo do patrimônio
artístico e cultural.
Salvador, início da
década de 1960.
(fonte: site Instituto
Bardi)
Lina Bo Bardi também busca a síntese estrutural, mas atinge
esse objetivo a partir da simplificação da forma, não de sua
sofisticação. Ela não se preocupa com o impacto que a elaboração
de arranjos formais podem provocar. O uso de formas
simples e figuras geométricas puras pode ser analisado em
primeira impressão como certa limitação da arquiteta, mas
só até entendermos que o foco está em outra dimensão da
possibilidade de elaboração: a vivência 13 – sendo essa uma
11 GRINOVER, Marina. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi.
Dissertação (Mestrado) - FAUUSP, São Paulo, 2010.
12 GRINOVER, Marina. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi.
Dissertação (Mestrado) - FAUUSP, São Paulo, 2010.
13 GRINOVER, Marina. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi.
Dissertação (Mestrado) - FAUUSP, São Paulo, 2010.
42 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 43
LINHA DO TEMPO:
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS ATIVIDADES
E PRODUÇÕES DE LINA BO BARDI
dimensão de outra ordem, sujeita a eventuais influências que
não podem ser previstas por reflexões geométricas ou estéticas.
1914-1917 1918 1919 1920-1938
Ao utilizar o desenho, seja o croqui ou o desenho técnico
para execução, como ferramenta de projeto e não representação,
ambos conseguem elaborar seus projetos e embutir a
eles todas as suas vocações políticas, mesmo que as formas
resultantes do processo sejam, em certo grau, bastante distintas.
Apesar disso, para Lina Bo Bardi o desenho se torna
ferramenta para a concepção do projeto considerando a vivência
da pessoa que irá frequentar o espaço que está sendo
elaborado. Seus desenhos, principalmente os croquis iniciais
do projeto, revelam muito mais preocupação com as diversas
possibilidades de uso dos espaços pelas pessoas do que com
a forma que os espaços irão tomar. Antes mesmo de se debruçar
em questões construtivas ou formalistas, Lina projeta
a vida que esses espaços irão tomar. Esse método de elaboração
do projeto satisfaz, ainda, as convicções de Lina a respeito
da arquitetura moderna brasileira, a partir de suas referências
européias a uma arquitetura que abrangesse a natureza humana
e a vida em sua totalidade 14 e de sua crítica ao que era
proposto para as referências da arquitetura moderna brasileira.
Primeira Guerra Mundial
5 de
dezembro
de 1914,
nascimento
de Lina Bo
Fundação
da Bauhaus
14 GROPIUS,Walter. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Editora
Perspectiva S.A., 1974. p. 28-44.
44 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 45
1939 1940-1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950
Segunda Guerra Mundial
Inauguração
do Ministério
da Educção e
Saúde
Lina se
forma na
Universidade
de Roma
Lina trabalha em Milão,
na área editorial
Lina se casa
com Pietro Bardi
e se muda para
o Brasil
Lina e Pietro
Bardi mudam-se
para São Paulo
Projeto do
Estúdio Palma,
de Pietro Bardi
Inauguração da
revista Habitat
Lina elabora sua tese "Contribuição
propedeutica ao ensino da teoria da
arquitetura", tese apresentada ao
Concurso de Cadeira de Teoria de
Arquitetura na FAUUSP
46 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 47
1951 1952 1953 1954-1956 1957 1958 1959 1960
Governo Kubitschek
Inauguração
de Brasília
Lina se
naturaliza
brasileira
Lina vai para a Bahia
Projeto da
Casa de Vidro
Projeto para
o MASP na
Avenida Paulista
Projeto do Solar do Unhão
Lina elabora sua tese "Contribuição
propedeutica ao ensino da teoria da
arquitetura", tese apresentada ao Concurso de
Cadeira de Teoria de Arquitetura na FAUUSP
Aulas de Teoria e Filosofia da Arquitetura na
Faculdade de Belas Artes da UFBA
48 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 49
1961 1962-1963 1964-1965 1966-1967 1968 1969-1975 1976 1977
Governo Quadros / Goulart
Ditadura Militar
Lina passa por
um período de
ostracismo
Projeto do Solar do Unhão
Retorno da
obra do MASP
Inauguração do
MASP
Projeto do
SESC Pompéia
Aulas de Teoria e Filosofia da Arquitetura
na Faculdade de Belas Artes da UFBA
Projeto da Igreja do
Espírito Santo do Cerrado
50 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 51
1978-1981 1982 1983-1984 1985 1986 1987-1989 1990-1991 1992
Ditadura Militar
Falecimento
de Lina Bo
Bardi
Projeto do
SESC Pompéia
Inauguração
da primeira
etapa do
projeto do
SESC Pompéia
Continuação do projeto
do SESC Pompéia
Inauguração da
segunda etapa
do projeto do
SESC Pompéia
Projeto Palácio
das Indústrias
Projeto da Igreja do
Espírito Santo do Cerrado
Projetos para o centro
histórico de Salvador
CAPÍTULO 2
SESC POMPÉIA
O PROJETO
54 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 55
2.1. O SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
E A FÁBRICA DA POMPÉIA
SESC é a sigla usada para Serviço Social do Comércio, instituição
brasileira que faz parte do chamado “sistema S”, composto
por SESC, SENAC, SENAI e SESI. Foram criadas na década de
1940, 1 em um momento que era preciso mudar a capacitação
de uma população rural, habituada a produzir matéria prima,
para uma que se adaptasse ao processo de industrialização. 2
O termo “sistema” é uma forma um pouco forçada de se referir
a essas instituições pois, apesar de terem sido criadas com
os mesmos objetivos gerais de atendimento de demandas de
um período, todas elas foram criadas de maneira independente
e ainda são até hoje, administrativamente falando. 3
Além de oferecerem aprendizagem e capacitação técnica, a
criação das instituições “S” evidenciam os reforços ideológicos
gerais do domínio do capital sobre o trabalho, num contexto
neoliberal. As instituições passam a substituir o papel do
Estado, sua principal característica passa a ser o assistencialismo
ao fornecer bons hábitos de alimentação, saúde, ensino,
recreação e lazer – sendo este um conceito até então associado
ao ócio, mas que no contexto histórico dos anos 1960 se
associou a ideia de cultura, sob uma ótica social 4 –, suprindo
as carências da população e atuando até mesmo como uma
forma de disciplinarização do tempo livre do trabalhador. Assim,
o proletariado que se formava naquela época se preocuparia
menos com as condições de trabalho e alienação.
Nos anos 1950 e 1960, em uma movimentação populista,
o Estado buscava de fato melhorar as condições de vida de
parte considerável da população, concedendo direitos aos
trabalhadores e formando um cenário favorável aos avanços
político-sociais. Seguindo esse movimento, as instituições do
SESC e SESI adicionaram aos seus quadros de funcionários
os chamados “orientadores sociais”, figuras responsáveis em
realizar articulações entre os sindicatos do comércio e promovendo
avanços políticos-sociais – mesmo que orientados a
partir das perspectivas dos empresários. Dessa forma, apesar
das instituições do “sistema S” serem uma forma de controle
por parte da classe patronal sob os interesses da classe operária,
com o passar dos anos, acabou influenciando consideravelmente
no interesse por política e a valorização da cultura
pelos trabalhadores. 5
Em 1971, a instituição SESC adquire uma antiga fábrica, que
se encontrava desativada há alguns anos, localizada em São
Paulo, no bairro da Pompéia, na rua Clélia, 93. O edifício havia
sido construído em 1938, em um período de ocupação da
1 SESC, Serviço Social do Comércio, criado em em 13/09/1946. SESI,
Serviço Social da Indústria, criado em 25/06/1946. SENAC, Serviço
nacional de Aprendizagem, criado em 10/01/1946. SENAI, Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial, criado em 22/01/1942.
2 BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do
SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP, São Carlos-
SP, 2017.
3 MIRANDA, Danilo Santos de. X Seminário Internacional: Tempo Livre na
Cidade. Escola da Cidade e SESC São Paulo. Palestra realizada no dia 23 de
março de 2015 no SESC Bom Retiro. Publicada em 1 de jun de 2015.
4 O sociólogo francês Joffre Dumazedier (1914-2002), na segunda metade
da década de 1950, sistematiza o lazer na perspectiva da sociologia
do trabalho, demonstrando-o como fenômeno de classe e de massa,
situando seu estudo e apropriação inclusiva como uma prioridade para
as civilizações contemporâneas. O SESC, através do seu gestor Renato
Requixa, foi um dos precursores dessa perspectiva sobre o lazer no Brasil,
nos anos 1960. BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na
criação do SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP,
São Carlos-SP, 2017.
5 BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do
SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP, São Carlos-
SP, 2017.
56 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 57
Foto aérea da fábrica,
anos 1940, em meio
ao bairro industrial
da Pompeia, nas
franjas da metrópole
paulistana em
crescimento.
(foto: Peter Sheier,
fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Galpões da Fábrica
Nacional de Tambores,
na época em operação.
(foto: Hans Gunter
Flieg, fonte: acervo
pessoal André Vainer)
região por indústrias, e era sede da empresa alemã Mauser
& Cia. Ltda., tendo seu nome original alterado para Fábrica
Nacional de Tambores Ltda. quando chegou ao Brasil. A fábrica
funcionou por algum tempo, produzindo tonéis metálicos,
mas teve sua produção embargada durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) e o edifício foi leiloado em 1945. O
comprador da fábrica foi a Indústria Brasileira de Embalagens
S.A., mais conhecida por Ibesa. Produzia as geladeiras “Gel-
-o-matic”, que funcionam por combustão a querosene, ideal
para locais onde ainda não existia o fornecimento de energia
elétrica. Nos anos 1960, a Ibesa foi vendida e transferida
para o interior do estado de São Paulo, e assim a fábrica ficou
abandonada por alguns anos. 6
Antes de adquirir o imóvel, a sede do SESC se localizava na
mesma região, na Avenida Francisco Matarazzo, 249, vizinho
ao Parque da Água Branca. Dividia seu espaço físico com a
instituição SENAC, que se encontra no endereço até hoje. Em
1973, o SESC se muda para o endereço da rua Clélia, ocupando
provisoriamente o edifício projetado para ser uma fábrica.
“As atividades não ocupavam todo o velho complexo industrial:
alguns galpões permaneceram fechados, outros viraram
depósitos repletos de tralha e entulhos. Nada ali estava numa
condição primorosa. Tudo continha uma aura meio amadora.”
7
A intenção inicial do SESC era a demolição total do edifício
existente. Em 1975, o arquiteto Júlio Neves – dono de um
dos maiores escritórios de arquitetura de São Paulo nos anos
1970 – já tinha um projeto pronto para aquele terreno, desconsiderando
completamente a velha fábrica – sua existência
material e sua importância histórica. Devido a forma que o
6 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
7 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
58 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 59
SESC organizava seus recursos, o edifício projetado pelo arquiteto
só seria construído no próximo quinquênio. 8
Durante o tempo em que a fábrica foi ocupada, dois frequentadores
do local e nomes importantes no corpo institucional
foram conquistados pelo que naquele espaço ocorria: Gláucia
Amaral e Renato Requixa – Diretora da Divisão de Pesquisa
e Aplicação e Diretor Regional do SESC, respectivamente. Os
dois juntos confabularam sobre a possibilidade de um projeto
de restauro das instalações industriais, e transformá-lo
definitivamente em um centro de lazer. Como nos anos 1970,
o restauro no Brasil ainda não era algo usual entre os arquitetos,
principalmente em um edifício com menos de 40 anos,
Gláucia se lembrou de um raro exemplo, o Solar do Unhão
em Salvador. 9 E assim, em 1976, os dois decidiram fazer um
convite a Lina Bo Bardi, para elaborar um novo projeto, desta
vez considerando a pré-existência da fábrica – e suspender a
execução do projeto de Júlio Neves.
Após bastante insistência dos representantes do SESC e uma
resistente recusa de Lina – “Tudo uma porcaria! Manda pôr
abaixo mesmo” –, finalmente a arquiteta aceitou o convite
para uma visita ao local. Lina passava por um período de ostracismo,
em plena ditadura militar, sem projetos em andamento.
Assim que entrou na fábrica, a arquiteta elogiou a
estrutura de concreto armado como “muito elegante” e identificou
a aplicação do sistema construtivo criado por François
Hennebique, engenheiro francês do final do século XIX, sendo
o único exemplo de aplicação na América Latina 10 e, portanto,
um patrimônio arquitetônico a ser preservado.
8 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
9 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
10 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São
Paulo: Editora Todavia, 2021.
Esquina da atual
rua Clélia com a rua
Barão do Bananal,
Fábrica com letreiro da
IBESA, fabricante das
geladeiras a querosene
“Gel-o-matic”.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Maquete eletrônica
feita posteriormente
do projeto de Júlio
Neves para o Sesc, no
terreno da Rua Clélia,
propondo a remoção
de toda pré-existência
e implementando
um edifício
completamente novo.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
60 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 61
Fachada da rua Clélia,
antes das intervenções
de Lina Bo Bardi.
(fonte: perfil de
Instagram do Sesc
Pompéia)
Crianças jogando
basquete no galpão
da fábrica, antes das
intervenções de Lina
Bo Bardi.
(fonte: perfil de
Instagram do Sesc
Pompéia)
Crianças na rua interna
da fábrica, antes das
intervenções de Lina
Bo Bardi.
(fonte: perfil de
Instagram do Sesc
Pompéia)
Final de semana na
Fábrica da Pompeia,
antes das intervenções
de Lina Bo Bardi.
(fonte: Sesc Memórias)
62 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 63
“Todavia, o que me encantou foi a elegante e precursora
estrutura de concreto. Lembrando cordialmente o
pioneiro Hennebique, pensei logo no dever de conservar
a obra.” 11
Após uma segunda visita, outra característica do espaço encantou
a arquiteta:
“Na segunda vez que lá estive, um sábado, o ambiente
era outro: não mais a elegante e solitária estrutura
hennebiqueana, mas um público alegre de crianças,
mães, pais, anciãos passava de um pavilhão a outro.
Crianças corriam, jovens jogavam futebol, debaixo da
chuva que caía dos telhados rachados, rindo com os
chutes da bola na água. As mães preparavam churrasquinhos
e sanduíches na entrada da rua Clélia; um teatrinho
de bonecos funcionava perto da mesma, cheio
de crianças. Pensei: isso tudo deve continuar assim,
com toda essa alegria.
Voltei muitas vezes, aos sábados e aos domingos, até
fixar claramente aquelas alegres cenas populares.” 12
Lina Bo Bardi encontrou naquele espaço todas as condições
para pôr em prática os seus valores acumulados ao longo dos
anos: sua formação na Itália, suas convicções sobre as potencialidades
da cultura popular brasileira e seus princípios sobre
a função social da arquitetura. Todos esses conceitos estão
presentes no SESC Pompéia, sendo esse projeto considerado
sua obra prima.
A arquiteta iniciou seu projeto em 12 de abril de 1977, tendo
11 BARDI, Lina Bo. A fábrica da Pompéia. 1986. In: FERRAZ, Marcelo.
VAINER, André (org.). Cidadela da Liberdade: Lina Bo Bardi e o SESC
Pompéia. São Paulo: Edições SESC SP, 2013.
12 BARDI, Lina Bo. A fábrica da Pompéia. 1986. In: FERRAZ, Marcelo.
VAINER, André (org.). Cidadela da Liberdade: Lina Bo Bardi e o SESC
Pompéia. São Paulo: Edições SESC SP, 2013.
como partido a manutenção das relações existentes na antiga
fábrica, antes de suas alterações, com seu entorno e público.
É possível estudar cada decisão projetual – desde características
macro como implantação e volumetria, até decisões de
detalhes como os revestimentos e materiais – e relacioná-las
com suas intenções políticas e sociais aplicadas àquele espaço.
Lina tinha uma pergunta fundamental: como fazer o projeto?
13 Essa investigação revela a genuína intenção da arquiteta
pela valorização do trabalho humano, manual. Sendo assim,
os materiais estão sempre aparentes, em sua forma bruta,
para que seja evidenciado o trabalho lá realizado, tal como o
artesanato brasileiro, nordestino, que não possuía acabamentos
e não apagava os vestígios do esforço humano. 14
Sobre as intervenções que ali foram feitas, Lina escreve:
“Ninguém transformou nada. [...]
Nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco
de água, uma lareira.
A ideia inicial de recuperação do dito conjunto foi a de
‘arquitetura pobre’, isto é, não no sentido da indigência,
mas no sentido artesanal que exprime comunicação
e dignidade máxima através dos menores e humildes
meios.” 15
A arquitetura “pobre” a qual Lina Bo Bardi se refere é a arquitetura
que visa a recuperação do modo de construção introduzido
pelo povo, de maneira simples e funcional, utilizando
os objetos em sua utilidade máxima, porém a partir dos meios
13 FERRAZ, Marcelo. A arquitetura política de Lina Bo Bardi. 2014.
Entrevista concedida à Escola da Cidade em outubro de 2014.
14 PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um Pensamento
Popular: Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.
15 BARDI, Lina Bo. A fábrica da Pompéia. 1986. In: FERRAZ, Marcelo.
VAINER, André (org.). Cidadela da Liberdade: Lina Bo Bardi e o SESC
Pompéia. São Paulo: Edições SESC SP, 2013.
64 65
mais humildes, dotados de uma simplicidade plasticamente
bela, sem excessos. 16 Porém, isso não impediu que a arquiteta
empregasse tecnologias construtivas complexas, que tornaram
possível a existência de grandes vãos e uma infraestrutura
robusta, adequadas às necessidades daquele complexo
programa e também ao contexto moderno da arquitetura em
que o projeto era pensado e executado. A junção das duas
características torna o SESC Pompéia um projeto exemplar de
uma arquitetura verdadeiramente moderna e brasileira.
16 PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um Pensamento
Popular: Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.
Manchete do jornal O
Estado de São Paulo,
edição de 19 de janeiro
de 1978, pág. 80.
(fonte: Acervo
Estadão)
66 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 67
LINHA DO TEMPO:
O SESC E A FÁBRICA DA POMPÉIA
1938
1945
1960
1971
1973
CONSTRUÇÃO
DA FÁBRICA
Mauser & Cia,
empresa alemã de
tonéis metálicos
(nome no Brasil:
Fábrica Nacional
de Tambores
Ltda).
FÁBRICA
LEILOADA
Comprada
por Indústria
Brasileira de
Embalagens S.A. -
Ibesa.
FÁBRICA
DESATIVADA
Ibesa vendida e
transferida para
o interior de São
Paulo.
SESC COMPRA
A FÁBRICA
Anteriormente, o
Sesc dividia o espaço
na avenida Francisco
Matarazo 249 com o
Senac. So adquirir o
imóvel da rua Clélia,
teve que se retitar do
primeiro endereço.
SESC SE MUDA
PROVISORIAMENTE
"As atividades não ocupavam
todo o velho complexo
industrial: alguns galpões
permaneceram fechados,
outros viraram depósitos
repletos de tralha e entulhos.
Nada ali estava numa condição
primorosa. Tudo continha
uma aura meio amadora." -
Francesco Perrota-Bosch
Glaucia Amaral - diretora da Divisão de
Pesquisa e Aplicação (Dipa) do Sesc -
conhecia o projeto do Solar do Unhão
em Salvador e pensou que Lina seria uma
boa arquiteta para fazer um projeto de
restauro para a Fábrica.
Renato Requixa -diretor regional do Sesc -
um dos precursores do conceito de Lazer
como prática positiva, necessária e a se
incentivar (pósditadura miliar, o lazer
ainda era visto como ócio, vadiagem).
1975
1977
12 abril 1977
20 janeiro 1982
PROJETO DE JULIO
NEVES PRONTO
O projeto previa a
demolição total da
fábrica pré-existente.
Por motivos que
envolviam orçamento
e liberação de fundos,
a obra só começaria
mais tarde.
LINA É CONVIDADA
PARA FAZER O PROJETO
PRIMEIROS DESENHOS
DO SESC POMPÉIA
A necessidade de agilidade
devido mudança de planos
sobre o projeto fez com que
o escritório de projeto fosse
montado na própria obra.
Para realizar os desenhos
técnicos Lina contrata dois
estagiários, Marcelo Ferraz e
André Vainer.
INAUGURAÇÃO DO
SESC POMPÉIA
Gáucia Amaral e Renato
Requixa tentam entrar em
contato com a arquiteta para
convidá-la, e só depois de
muita insistência e de bastante
resistência ("Tudo uma
porcaria! Manda pôr a baixo
mesmo.") ela aceita o convite.
Ao visitar a Fábrica, Lina
identifica a estrutura
Henebiqueana, exemplo
único da aplicação do
sistema construtivo de
concreto armado na
América Latina.
68 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 69
2.2. O PROJETO - PROCESSO CRIATIVO
Tão importante quanto seu resultado, o processo de projeto
empregado por Lina Bo Bardi foi essencial para a forma
final em que todo o conjunto da fábrica da Pompéia se transformou.
O processo e seus resultados são influenciados por
vários aspectos como a personalidade da autora, pelas experiências
vividas, pelas linguagens utilizadas e oportunidades
aliciadas. 1
ela representava em seus croquis. O mesmo ocorre no projeto
do SESC Pompéia: Lina identifica a presença das pessoas
como elemento existente a ser potencializado, e seus croquis
mostram como o espaço está sendo projetado para receber
essas pessoas e permitir os mais diversos e espontâneos usos.
Em relação às linguagens, um dos recursos mais utilizados por
Lina Bo Bardi durante o processo de projetar o SESC Pompéia
é o desenho. Como dito em capítulos anteriores, Lina possui
no desenho uma relação mais forte que a simples representação
do espaço que era concebido, o desenho tem a função
e força de elaborar o projeto. Seus desenhos livres e croquis
apresentam através de traços singelos as suas convicções a
respeito do que deveria se tornar aquela fábrica, revelando
ao mesmo tempo o prazer e o carinho com que ela pensava
o projeto.
Em projetos anteriores, os desenhos livres de Lina sempre
consideravam o existente 2 e o que está sendo projetado é
incluído como elemento potencializador da pré-existência.
No projeto da Casa de Vidro, por exemplo, todos os croquis
revelam a presença de uma vegetação no entorno, como se
a casa fosse implantada em plena floresta tropical. A casa e
seu perímetro envidraçado têm a função, para além daquela
evidente de uma casa, valorizar a natureza presente no local
que o projeto está localizado – e essa escolha provém das leituras
que a arquiteta faz sobre o Brasil. Pelas fotos de obra,
vemos que o terreno se encontrava um pouco menos ocupado
pela vegetação do que o representado por Lina, mas o
projeto da casa permitiu que a vegetação se tornasse o que
1 TANNURI, Fabiana. O processo criativo de Lina Bo Bardi. Dissertação
(Mestrado). FAU USP, São Paulo, 2008.
2 TANNURI, Fabiana. O processo criativo de Lina Bo Bardi. Dissertação
(Mestrado). FAU USP, São Paulo, 2008.
Primeiros croquis de
Lina Bo Bardi para
a Casa de Vidro, no
Morumbi. O desenho,
incluindo vegetação,
mobília e pessoas,
assume a perspectiva
do futuro usuário
como premissa para o
projeto do espaço.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
70 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 71
Casa de Vidro logo
após a inauguração,
nos anos 1950.
(fonte: site Archdaily)
Casa de Vidro
atualmente
(fonte: site Archdaily)
72 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 73
Sempre expressivos – detalhados, coloridos, muito claros no
que pretendiam dizer –, os croquis de Lina bo Bardi para o
projeto do SESC Pompéia mostravam, antes mesmo da forma
material que os espaços deveriam ter, a apropriação do
projeto pelas pessoas que frequentariam o lugar e de como
a forma está submetida às circunstâncias do usufruir. “Podemos
ver o planejamento da vida que ocorre mais do que a
arquitetura que a abriga. [...] Para a arquiteta, o importante é
como aquele lugar novo vai ter vida.” O uso pelas pessoas é
mais definidor de cada ambiente projetado que a forma que
eles viriam a ter.
livres de concepção do projeto – feitos em 1977 e apresentados
ao SESC – não representam o que de fato foi construído
no projeto real, mas a ideia prevalece como intenção de usabilidade
e espacialidade. A seguir, os croquis de Lina:
Os conceitos trazidos de sua experiência de vida são incorporados
ao procedimento de projetar quando Lina Bo Bardi
investiga através dos desenhos o sentido de realidade e a contextualização
dos usos. Ela analisa o sentido cultural, os hábitos
populares e as características morfológicas pré-existentes
ao representar a presença dos usuários e as possibilidades de
utilização com ênfase na vivência dentro do espaço projetado.
Existe nesses desenhos uma despretensiosa relação com a
escala, distorcidas em detrimento de uma melhor visão dos
acontecimentos no espaço. A representação da figura humana
não está presente como um referencial de escala, mas
como exemplo de possibilidade de uso e vivência de cada ambiente
criado. Essa peculiaridade com que Lina representa as
apropriações do projeto difere seus desenhos da representação
"asséptica" modernista, se opondo à ideia de projetar
um espaço vazio. O chamado “desenho universal” moderno
era considerado por Lina um fetichismo ultrapassado e equivocado.
O processo do projetar utilizado por Lina Bo Bardi conduzido
através dos croquis é capaz de revelar todo o potencial
do projeto que, por suas peculiaridades, poderia ser incompreendido.
Nota-se que, comparativamente, seus desenhos
Desenho 01: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1977.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
A rua interna, mais que uma rua, um espaço entre. Espaço
sob o céu, com nuvens. O paralelepípedo, trabalho do homem,
divide presença com a vegetação rasteira, trabalho da
natureza. Os rios, à esquerda e à direita da rua, se formam
quando a chuva vem. Atravessar o rio significa adentrar um
novo espaço ainda não visitado. A família entra na fábrica,
exploram o desconhecido, os adultos conversam, a criança
aponta, curiosa sobre o ambiente que a acolhe.
74 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 75
A velha estrutura de concreto e o telhado que nela se apoia
recebem sob si um autêntico espaço, completamente diferente
dos motivos de sua construção. Um lago e algumas
plantas, que afloram na rígida superfície de concreto. Um
novo piso intermediário é criado, o caminho inclinado mostra
o percurso para alcançá-lo. As pessoas ali celebram, livres
para fazerem todas as coisas, mostram sua presença necessária
ao construído.
Desenho 02: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1977.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Desenho 03: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1977.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
O notório telhado, que divide o dentro e o fora, deixa os raios
de sol passarem, requisitam sua presença para que a vida ali
cresça. No espaço dentro, se reproduz o mundo afora: o natural
e o construído coexistem, e as pessoas são o intermediário
a tudo isso. Caminham, sobem e descem, observam do alto,
dão as mãos, movimentam e promovem o espaço à lugar.
76 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 77
Um teatro e todas as suas exigências estão perfeitamente
ajustados entre os módulos da velha fábrica. Uma rua interna
surge, acomoda os que chegam e esperam. O palco recebe os
olhares de todos os lados, das arquibancadas e dos camarotes.
O espetáculo não há frente ou costas, pois nada passará
despercebido pela platéia atenta aconchegada no concreto.
Os mil lugares ainda não estão ocupados, as pessoas representadas
no desenho ainda são poucas, como em um ensaio.
O desenho e as ações projetam o futuro.
Desenho 04: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1977.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Desenho 05: SESC
Pompéia. Lina
Bo Bardi, data
desconhecida.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Um desenho do vazio, do non edificandi. O rio corre, as plantas
crescem, o vento conduz as nuvens. Para completar tamanha
naturalidade, o ambiente permite elevar o ócio à atividade
fundamental de socialização e de reafirmação da presença
humana. Há uma ideia de como a arquitetura se organizará,
“almoxarifado e ateliers”, mas em posição secundária a verdadeiras
intenções de Lina para o espaço. O seu desenho projeta
o não construído.
78 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 79
Em todas as escalas possíveis de um projeto, a forma surge da
relação com o ser humano. O balcão tem almofadas porque
recebe os cotovelos; tem o degrau pois as pernas, eretas o
dia todo, merecem relaxar. Tudo se justifica a partir de um
parâmetro maior: o ser humano.
Desenho 06: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1981.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Desenho 07: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1984.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Conforme os anos passavam, a clareza com que Lina desenhava
a arquitetura aumentava. As pessoas agora são mais que
movimentos simples, tem suas personalidades traduzidas em
cores e formas claras. Elas sentam e deitam sobre o banco,
apoiam os braços no encosto de madeira, se debruçam sobre
o balcão, carregam as bandejas sobre acima dos ombros. As
mães e pais dão as mãos para as crianças e as carregam no
colo. É ideal para ler jornal, mas também para comer, conversar,
descansar e trabalhar. Todas essas possibilidades são
acompanhadas pelo entorno, as luzes, cores e desenhos refletem
a vitalidade com que o espaço acontece.
80 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 81
O totem é o arquétipo da arquitetura de Lina. Ergue-se um
prisma simples, de seis faces. Este desenho é lapidado para
que grandes placas de madeira sejam encaixadas. O encaixe,
sem fixação, revela o refinamento do projeto pela forma e
técnica, mas principalmente pela indicação do uso. A possibilidade
da disposição do programa está indicada, mas pode ser
alterada. Uma fábrica vira um sesc, um estar vira uma exposição,
um foyer vira um café, um deque de madeira vira uma
praia, um parque, um local de show. As possibilidades estão
todas projetadas.
Desenho 08: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1981.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
82 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 83
Feito a partir da observação do real, o desenho revela a concretização
do projetado. O projeto vislumbrava pessoas e
suas atividades, e o desenho do construído mais uma vez tem
foco neste elemento tão importante para o projeto. Desenhar
o espaço, mais uma vez, é desenhar quem o utiliza.
Desenho 09: SESC
Pompéia. Lina Bo
Bardi, 1984.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
84 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 85
2.3. O ESCRITÓRIO E O CANTEIRO DE OBRAS - PROCESSO PRÁTICO
A obra do SESC Pompéia se iniciou em 1977, após os gestores
do SESC terem se convencido de abandonar totalmente
o projeto de Júlio Neves, com base no argumento de Lina Bo
Bardi acerca de o seu projeto ser de execução mais rápida
e mais barata. Para a realização da obra, a arquiteta propôs
uma contratação que considerasse a prestação contínua dos
serviços de arquitetura no canteiro de obra. Dessa forma, Lina
poderia assumir pessoalmente a fiscalização de todos os trabalhos,
tendo como justificativa para essa necessidade o fato
de se tratar de uma obra fora dos padrões convencionais e,
portanto, que exigia maior atenção na execução. Para isso,
foi necessária a montagem de uma estrutura equivalente a
de um escritório de projetos, com uma equipe de arquitetura
que trabalhasse integralmente no canteiro de obras. 1
O primeiro local a ser montado o escritório de arquitetura foi
o galpão de esquina, entre a rua central e a área non edificandi.
Quanto a obra atingiu aquele galpão, o escritório mudou-
-se para o galpão que já estava quase pronto, bem próximo a
entrada da Rua Clélia. Após a inauguração da primeira fase do
projeto e durante a construção do bloco esportivo, o escritório
mais uma vez foi transferido para uma terceira instalação,
apelidada pelos arquitetos de “catetinho” ou “casinha”, por se
tratar de uma construção provisória somente para esse uso. 2
Lina Bo Bardi – presente no canteiro por duzentas horas mensais,
de segunda a sábado – contava com uma equipe formada
por dois estagiários, André Vainer e Marcelo Ferraz, alunos
da FAU USP, e um projetista de estruturas, Francisco, cedido
pelo escritório Figueiredo Ferraz, responsável pelos cálculos
Croqui feito por
Marcelo Ferraz durante
entrevista cedida à
Renata Bechara, em
sua tese de mestrado.
Legenda:
1 - primeira ocupação,
2 - segunda ocupação,
3 - terceira ocupação.
1 BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do
SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP, São Carlos-
SP, 2017.
2 FERRAZ, Marcelo. Entrevista cedida a Renata Bechara, em sua tese de
mestrado. In: BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na
criação do SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP,
São Carlos-SP, 2017.
Marcelo Suzuki, André
Vainer e Marcelo
Ferraz com Lina na
Casa de Vidro, 1990.
(fonte: acervo pessoal
Marcelo Ferraz)
86 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 87
estruturais. Ao fim da obra da primeira fase do projeto, Marcelo
Suzuki, também jovem e recém-formado na FAU USP, foi
adicionado à equipe para contribuir na montagem das exposições.
3
O projeto de arquitetura – projeto de adaptação da antiga fábrica
para os novos usos e projeto dos dois novos edifícios
interligados – foi desenvolvido ao longo dos nove anos de
obra, acompanhando o ritmo de reforma e construção. A pequena
equipe trabalhava no escritório do canteiro estudando
e criando soluções, desenvolvendo os desenhos técnicos,
testando protótipos executados in loco e acompanhando a
execução. Apesar do pensamento comum entre os arquitetos
sobre a produção de Lina Bo Bardi, os desenhos técnicos
também eram de grande importância, como ressalta Marcelo
Suzuki:
Foto do escritório
montado no galpão
próximo a rua Clélia
(segunda ocupação).
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
“Menos divulgados, seus desenhos técnicos são também
muito importantes para que não se tenha de Lina
a visão de que ela teria feito tudo apenas com desenhos
livres e aquarelas. Pelo contrário, sabendo desenhar
muito bem e fazer aquarelas, os desenhos para arquitetura
apresentados assim são fruto de quem também
dominava muito bem a linguagem técnica.” 4
Sobre o processo de projeto e obra vivido intensamente, Marcelo
Ferraz afirma:
“Durante nove anos (1977 a 1986), desenvolvemos com
Lina o projeto do Sesc Pompéia, numa atividade diária
em meio ao canteiro de obras: acompanhamento
dos trabalhos, experimentações in loco e grande envol-
Teste do piso de
mosaico de cacos
de cerâmica para os
banheiros.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
3 BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do
SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP, São Carlos-
SP, 2017.
4 SUZUKI, Marcelo. Lina e Lúcio. Tese (Doutorado). EESC USP, São
Carlos-SP, 2010. In: PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um
Pensamento Popular: Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.
88 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 89
vimento de técnicos, artistas e, sobretudo, operários.
Essa postura foi, também, uma verdadeira revolução
no ‘modus operandi’ da prática arquitetônica vigente.
Tínhamos um escritório dentro da obra, o projeto e o
programa eram formulados como em uma amálgama,
juntos e indissociáveis; ou seja, a barreira que separava
o virtual e o real não existia. Era Arquitetura de obra
feita, experimentada em todos os detalhes.” 5
Lina sempre considerou essencial a ligação do arquiteto com a
realidade da obra. Ela assumia a necessidade de um trabalho
com colaboradores – dos engenheiros aos operários – mas
sempre guardava para si o papel decisivo na obra de arquitetura,
deixando muito clara a presença de um sujeito autor do
projeto, 6 sem apagar a presença do trabalho manual, artesanal.
Parte da necessidade da arquiteta de estar presente na
obra era projetar o exequível, considerando as habilidades da
mão de obra, mas também suas limitações.
Outro assunto considerado de extrema importância por Lina
Bo Bardi é a relação entre os materiais e o projeto que está
sendo executado. No projeto do SESC Pompéia, ela utiliza concreto,
tijolos, paralelepípedos, seixos rolados, vidro, madeira,
criando um diálogo entre o moderno e a tradição construtiva
a partir dos materiais disponíveis. A mistura de materiais
empregados pela arquiteta reflete a busca pela coerência
construtiva de cada um dos elementos criados. Aplicados em
soluções que aparentam estar inacabadas, Lina ressalta o viés
artesanal de toda aquela construção, evidenciando ser um
produto possível a partir do trabalho humano. Nas palavras
de Eduardo Rossetti:
“Os valores plásticos dos materiais empregados são
organizados pela arquiteta como referências para a
construção do projeto e de seu discurso. As escolhas se
dão em função do rendimento plástico que o uso deste
ou daquele material, junto com este ou aquele outro,
podem estabelecer. Não é uma escolha feita a partir do
material em si. É uma escolha relacional, tratando-se
de um raciocínio eminentemente moderno.” 7
A obra do SESC Pompéia ganha um sentido didático de transferência
de conhecimento aplicado durante o processo. Lina
transforma o canteiro em um laboratório experimental e criativo,
onde as soluções se criam coletivamente. Em seu projeto,
a arquiteta utiliza novas tecnologias ao mesmo tempo
que incorpora a capacidade de elaboração dos trabalhadores,
transferindo a inventividade do povo brasileiro para a execução
do projeto, e assim, rompendo a distância entre o desenho
técnico e a obra. 8 A volta à Lina é, portanto, necessária
também pela retomada desta forma de se projetar e construir,
produzindo arquitetura. A ponte entre desenho e obra,
entre a academia e o conhecimento prático, deve ser uma
busca constante dos arquitetos em suas rotinas de trabalho e
metodologias de projeto.
7 ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Tensão moderno/popular em Lina Bo Bardi:
nexos de arquitetura. In: Arquitextos. Vitruvius. São Paulo, 2003.
8 TANNURI, Fabiana. O processo criativo de Lina Bo Bardi. Dissertação
(Mestrado). FAU USP, São Paulo, 2008.
5 FERRAZ, Marcelo. Numa velha fábrica de tambores. SESC Pompeia
comemora 25 anos. In: Minha Cidade. Vitruvius. São Paulo, 2008.
6 BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do
SESC Pompéia (1977-1986). Dissertação (Mestrado). IAU USP, São Carlos-
SP, 2017.
90 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 91
Operários concretando
o "rio" do galpão,
técnica construtiva
de caráter bastante
artesanal.
(fonte: Sesc Memórias)
Operários assentando
dos paralelepípedos
da rua interna. Cada
bloco, disposto
precisamente, marca a
presença do trabalho
manual, artesanal.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Torre da caixa d’água
em execução. O
método construtivo
foi criado em obra, a
partir de testes feitos
in loco, com aprovação
da arquiteta. A nova
caixa d’água remete às
chaminés das fábricas,
que na fábrica da
Pompéia em questão,
havia sido demolida
antes das intervenções
de Lina Bo Bardi.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
92 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 93
LINHA DO TEMPO:
PROJETO E OBRA
Anos 1930-40
1945
Mauser & Cia
fábrica de tambores
Ibesa
Geladeiras Gelomatic
(fonte das fotos: acervo pessoal
André Vainer e Sesc Memórias -
fotógrafos Ênio e Paquito)
94 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 95
1971
1974
Fábrica abandonada
Fábrica preparada
para as atividades
96 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 97
1977
1978
Início da obra
Revestimento dos tijolos retirado, telhado restaurado,
telhado do foyer feito, terreno preparado para edifícios
novos
98 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 99
1979
1980
Teatro, fundações dos edifícios novos
Concretagem biblioteca, oficinas,
odontologia, rua interna
100 CAPÍTULO 2 SESC POMPÉIA - O PROJETO 101
1981
1982
Teatro
Fase final da fábrica, cozinha, comedoria, galpão.
Concretagem do conjunto esportivo.
CAPÍTULO 3
A APROPRIAÇÃO
DA ARQUITETURA
104 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 105
3.1. A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA
“Como um artifício de decompor as forças da tensão,
pode-se entender que em Lina Bo Bardi, moderno é a
escala das preocupações, o alcance social dos projetos,
a relação projeto/cidade, seu espaço contínuo, o uso de
tecnologias disponíveis e a preocupação com a transformação
dos meios técnicos de produção. Moderna
é a qualidade das aspirações para a existência deste
projeto, o desejo pleno da participação democrática e
de uma vida pública coletiva para seus usuários. Também
pode-se entender que em Lina Bo Bardi, popular
é o procedimento de relacionar as coisas, os materiais
e operacionalizar referências culturais; é uma ação de
“fazer fazendo” e de invenção plástica sobre as referências.
Popular é a digna vitalidade dos espaços e sua
singela materialidade, própria para espaços públicos.
Moderno é o modo de Lina Bo Bardi tomar a cultura
popular.”
“Diziam eles: ‘pare 1 ce que vocês não fizeram nada’. Isso
poderia soar como uma ofensa, depois de anos de trabalho,
mas acabava sendo um elogio para uma arquiteta
que quando foi pela segunda vez à velha fábrica
com a demolição agendada, pensou: ‘Isso tudo deve
continuar assim, com toda essa alegria’.” 2
Como parte essencial do projeto, Lina Bo Bardi preocupou-se
em assimilar a arquitetura do SESC Pompéia a diversos elementos
da cultura popular. A busca pela coerência construtiva,
a preocupação com as materialidades e técnicas construtivas
que deixassem as evidências do trabalho manual, a
absorção do conhecimento do trabalhador no canteiro de
obras, a preservação do patrimônio industrial que referencia
1 ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Tensão moderno/popular em Lina Bo Bardi:
nexos de arquitetura. 032.06. Ano 03. Vitruvius, 2003.
2 PERROTTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. 1ª edição. São Paulo:
Editora Todavia, 2021.
o trabalho operário, e o zelo com as vívidas atividades que já
ocorriam naquela velha fábrica. O projeto de Lina sintetizou o
conhecimento dos trabalhadores pelos trabalhadores e para
os trabalhadores.
Como síntese máxima desse partido, a chave de todo seu projeto
é a apropriação da arquitetura pelo próprio trabalhador.
O partido do projeto é também seu resultado. No SESC Pompéia,
a característica mais moderna de seu projeto é “o desejo
pleno da participação democrática e de uma vida pública coletiva
para seus usuários”. 3
Como vimos anteriormente, o processo utilizado por Lina ao
projetar aquele espaço foi essencial para a forma final que
todo o conjunto se tornou. Seus desenhos investigam todas
as possibilidades de usos por parte das pessoas, da mesma
forma que reafirma essa apropriação no projeto.
Diferentemente de quando se projeta sobre elementos materiais
– táteis, tangíveis –, o desafio de projetar a partir do
uso que o ser humano dará ao espaço está na imprevisibilidade
dos resultados. Essa imprevisibilidade tornava seu projeto
incapaz de se resumir em algumas simples plantas ou cortes.
As centenas de desenhos que Lina produziu para representar
este evento imprevisível foi o suporte para materializar
o que estava sob seu controle: o meio material. Os despojados
desenhos em aquarela e lápis permitiram representar as
atividades realizadas pelas pessoas de maneira precisa, mas
não restritiva dos usos de cada um dos espaços retratados do
programa.
Mais de quatro décadas depois, o SESC Pompéia se mantém
perfeitamente igual ao que se projetou. Não falamos aqui
sobre os elementos materiais. Sobre isso, muito se alterou.
As demandas de uma arquitetura viva foram atendidas nes-
3 ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Tensão moderno/popular em Lina Bo Bardi:
nexos de arquitetura. 032.06. Ano 03. Vitruvius, 2003.
106 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 107
sas décadas. Rampas e pisos deixaram o projeto mais acessível,
corrimão e guarda corpo o deixou mais seguro, troca
de telhas para a chuva não atrapalhar, instalações de novas
máquinas de ar-condicionado para manter o uso de todos os
ambientes mesmo no verão. Justamente por isso, naquilo que
é fundamental na concepção de Lina, o projeto se permitiu
continuar, uma vez que o SESC é continuamente feito, mantendo
assim inalterado o seu partido original: a apropriação
popular da arquitetura.
Pessoas "pescando"
no rio do galpão.
Ocupação inusitada
e não prevista
por Lina, mas sua
arquitetura, desde o
projeto, sugere essa
apropriação.
(fonte: acervo pessoal
André Vainer)
Pessoas tomando
banho de sol no
deck da área non
aedificandi. Sob o
deck, corre o córrego
da Água Preta.
(fonte: acervo pessoal
Marcelo Ferraz)
108 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 109
3.2. O DESENHO COMO MÉTODO DE ANÁLISE
Como método de conectar todas as características identificadas
e descritas neste trabalho, se tomou como objetivo
redesenhar todo o SESC Pompéia. Para isso, foram utilizados
os desenhos do SESC consultados 1 – os desenhos técnicos
originais da época de sua construção, as representações técnicas
atuais e os projetos de reforma ao longo dos anos –, a
experiência pessoal do projeto em 2022 e 2023, período de
elaboração do trabalho, e algumas representações já ensaiadas
por outros arquitetos. 2 Após algumas tentativas, variando
técnicas e métodos de representação, desde o desenho de
observação até o desenho técnico em escala, optou-se por
realizar uma perspectiva isométrica feita a mão, com caneta
nanquim e tinta aquarela.
O uso da aquarela – assim como Lina fazia – foi a técnica
que tornou possível representar os elementos materiais que
melhor remetem ao SESC na realidade. Com mais ou menos
água, o desenho marca o exercício da pintura e ganha textura,
capaz de representar os diversos materiais que o projeto
possui. A imprecisão desta tinta leve e clara permite o erro e
não precisão do que se representa, fazendo caminhos menos
controlados, e portanto, mais libertador. Ao mesmo tempo, a
perspectiva isométrica traz à representação toda a precisão
que esta análise busca, iguala em grau de importância os ambientes
representados, pois todo o desenho está na mesma
escala em relação ao real. A escala escolhida – 1:125, em sua
versão original – gera um desenho feito em 17 folhas tamanho
A3 e 5 folhas tamanho A4, dispostas convenientemente
para totalizar o que se pretende desenhar. Essa proporção
permitiu que se representasse o projeto como um todo, conjuntamente,
mas sem ignorar os pequenos elementos que
são intrínsecos ao projeto, como os visitantes, o mobiliário e
as materialidades.
O desenho tenta criar uma grande narrativa sobre o que ocorre
cotidianamente no SESC Pompéia. Suas proporções e detalhes
fazem os olhos sempre encontrarem algo novo para se
observar. Em uma visão total, o projeto de arquitetura, e nos
detalhes, as diversas possibilidades de uso e apropriação pela
representação humana. E, mais uma vez, a técnica escolhida
configura precisão das ações das pessoas representadas, ao
mesmo tempo que permite imprecisão, como se tudo pudesse
acontecer de outra forma.
A seguir, alguns desenhos feitos no local iniciam a narrativa
criada sobre a apropriação da arquitetura. Em um caderno
anexo, o desenho geral do Sesc Pompéia se encontra dobrado.
1 Consultados através de André Vainer em seu escritório.
2 Como referência de representação, utilizou- se os desenhos dos
arquitetos Guilherme Pianca, Gabriel Sepe e Danilo Zamboni para a
exposição “Access for all: São Paulo 's architectural infrastructures”
realizada no Architekturmuseum der tum, em Munique, Alemanha, 2019.
Também como referência de representação, os desenhos do escritório
japonês Atelier Bow-Wow em seu livro “Made in Tokyo: Guide Book”,
2001, Tokyo, Japão. E os desenhos do projeto La Cabina de La Curiosidad,
de Marie Combette e Daniel Moreno Flores, publicados na coleção de
livros “Viajes del cotidiano: colecciones del patrimonio intangible de
Quito”, 2022, Quito, Equador. Como referência de método de análise, foi
utilizada como referência a dissertação de Mestrado de Eduardo Gurian
“Marquise do Ibirapuera: suporte ao uso indeterminado”, FAU USP, São
Paulo, 2014.
110 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 111
112 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 113
114 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 115
116 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 117
118 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 119
120 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 121
122 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 123
124 CAPÍTULO 3 A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA 125
CONCLUSÃO
129
CONCLUSÃO
Chegando ao final deste trabalho de pesquisa sobre o pensamento
e a atuação de Lina Bo Bardi e os desdobramentos
destes aspectos no projeto do SESC Fábrica da Pompéia, buscou-se
elaborar conclusões. É importante ressaltar que estas
conclusões não pretendem ser definitivas mas, na verdade,
sugerem hipóteses que tem como objetivo embasar e incentivar
futuras reflexões sobre os temas, dada a já repetidamente
mencionadas complexidade e importância da figura de Lina
Bo Bardi.
Recapitulando alguns pontos fundamentais anteriormente
apresentados, cabe relembrar que, ainda na Europa, Lina teve
contato com as ideias de Walter Gropius e a Bauhaus, que
tinham como proposta vincular o pensamento popular e a
produção industrial e concretizar uma arquitetura moderna
que abrangesse a vida em sua totalidade. Já no Brasil, Lina
critica as bases escolhidas pelos arquitetos da época para propor
uma arquitetura moderna que expressasse brasilidade –
Lúcio Costa, principalmente, por todo seu empenho em criar
uma historiografia que justificasse a busca pelo revivalismo
colonial através da arquitetura. Após uma profunda investigação
sobre a cultura popular brasileira e o artesanato nordestino,
e também após discussões acadêmicas a respeito do
ofício do arquiteto e do ensino da arquitetura – em paralelo
com o arquiteto paulista Vilanova Artigas –, Lina elabora, em
seus textos e projetos, princípios norteadores que podem ser
sintetizados nos parágrafos a seguir.
Quanto a materialidade, Lina Bo Bardi aponta a necessidade
de adaptação do projeto à lógica do trabalho e da mão de obra
trabalhadora, para que o projeto seja exequível, considerando
as habilidades do trabalhador e suas limitações. Para isso,
é necessário o não afastamento entre as etapas de projetar e
construir, pois o arquiteto deve ser consciente dos métodos
construtivos e seu projeto de arquitetura deve se contaminar
pela obra, uma vez que o brasileiro é detentor de um conheci-
130 131
mento autêntico. Para deixar evidente a genuína valorização
do trabalho manual, artesanal, o projeto deve sempre buscar
manter os materiais utilizados em sua forma bruta, para que
seja evidenciado o trabalho realizado, sem apagar os vestígios
do esforço humano, tal como o artesanato brasileiro.
Em relação a forma, a arquitetura deve ser “pobre”, ou seja,
deve ser simples e funcional, utilizando os materiais e técnicas
em sua capacidade máxima, porém dotados de uma simplicidade
plástica, sem excessos. Para isso, Lina busca formas
simples e figuras geométricas puras, que em primeira análise
pode ser considerada uma limitação da arquiteta, até considerarmos
o seguinte ponto.
Na obra de Lina Bo Bardi, em especial no SESC Pompéia, o foco
da elaboração do projeto esteve em uma outra dimensão,
muito mais complexa do que a elaboração formal: a vivência,
a apropriação da arquitetura pelo trabalhador, criada pelo
trabalhador e para o próprio trabalhador – e esta dimensão
está sujeita a influências que não podem ser previstas pelas
reflexões geométricas e estéticas do projeto. Para a arquiteta,
o desenho tem a força de elaborar, não apenas representar.
Assim, ao analisar os desenhos de Lina – com traços simples
mas cheios de cores e detalhes – entendemos que o uso do
projeto pelas pessoas é mais definidor de cada ambiente projetado
que a forma que eles viriam a ter.
A elaboração e a execução do desenho incluído neste trabalho
foi fundamental para compreender a existência e os desdobramentos
destes princípios projetuais no SESC Pompéia.
Desenhar os espaços, elementos e atividades presentes no
projeto permitiu refletir profundamente, ao longo do processo,
sobre a natureza de cada um deles. O uso da técnica
de aquarela, também usada por Lina em seus desenhos
conceituais, obriga o desenhista a enfrentar constantemente
questões de materialidade, cores, luzes e texturas, fatores
que possuem importância central na obra de Lina Bo Bardi.
Assim, redesenhar o SESC Pompéia serviu como exercício de
reprodução dos desafios experimentados pela arquiteta nas
suas primeiras reflexões sobre o projeto e o espaço que dele
resultaria.
É necessário ter em conta que estes princípios não aparecem,
contudo, na obra de Lina Bo Bardi de forma determinística,
acrítica ou excludente de outras estratégias e abordagens. Assim
sendo, parece claro que faz parte do legado da arquiteta
olhar sempre de maneira crítica à sua obra e os fatores materiais,
construtivos, sociais e culturais presentes nela, questionando
as estratégias adotadas frente a eles e refletindo sobre
alternativas possíveis e suas consequências, de forma a embasar
a arquitetura contemporânea e futura através da rica
experiência de Lina.
A arquitetura se vê constantemente obrigada a apresentar soluções
práticas e diretas para questões que a realidade impõe
e, para tal, assume verdades na forma de princípios técnicos.
Tais verdades, no entanto, são sempre contextuais e apresentam
em si mesmo contradições que levam inevitavelmente
à sua superação futura. Como uma ciência social, que leva
em consideração tantas outras disciplinas de diferentes naturezas,
a arquitetura – incluindo a teoria, a crítica e a historiografia
próprias deste campo – não tem a capacidade e
nem mesmo a pretensão de alcançar conclusões definitivas
e indiscutíveis.
Dito isso, as melhores expectativas da autora deste trabalho
têm a esperança de que as discussões, reflexões e hipóteses
aqui apresentadas sirvam de ponto de partida para diversas
outras investigações sobre a obra e o pensamento de Lina Bo
Bardi, sobre a arquitetura brasileira e sobre a modernidade,
da mesma forma como esta pesquisa em particular se serviu
de tantos materiais previamente produzidos.
133
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