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Letra Viva: práticas de leitura e escrita - TV Brasil

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SUMÁRIO<br />

PROPOSTA PEDAGÓGICA ......................................................................................................... 03<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA<br />

Cecilia Goulart<br />

PGM 1<br />

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA ESCOLA ................................................................ 11<br />

A escola, um espaço a conhecer: a diversida<strong>de</strong> e a aprendizagem da <strong>escrita</strong><br />

Helenice Aparecida Bastos Rocha<br />

PGM 2<br />

SABERES QUE PRODUZEM SABERES ..................................................................................... 20<br />

Angela Meyer Borba<br />

PGM 3<br />

O PLANEJAMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................................ 29<br />

Patrícia Corsino<br />

PGM 4<br />

AÇÕES, INTERAÇÕES E INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ...... 38<br />

Alice <strong>de</strong> La Roque Romeiro<br />

PGM 5<br />

PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E DE ESCRITA.................................................................. 46<br />

Eleonora Cretton Abílio e Margareth Silva <strong>de</strong> Mattos<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 2 .


PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA<br />

Cecilia Goulart 1<br />

A prática pedagógica cotidiana das primeiras séries/anos do Ensino Fundamental <strong>de</strong>safia os<br />

professores <strong>de</strong> várias maneiras. Na perspectiva <strong>de</strong> promover a educação escolar como prática<br />

<strong>de</strong>mocrática, trabalhamos para a formação <strong>de</strong> cidadãos críticos e criativos. A caminhada se<br />

faz cheia <strong>de</strong> perguntas, que procuramos respon<strong>de</strong>r por meio do que apren<strong>de</strong>mos: em nossos<br />

processos <strong>de</strong> formação; na vida cotidiana; em nossas experiências como alunos e, <strong>de</strong>pois,<br />

como professores; e também no encontro com as crianças, nas classes escolares.<br />

Como trabalhar <strong>de</strong> modo que as crianças:<br />

* tenham <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler e a escrever;<br />

* interessem-se pelos temas que a escola privilegia;<br />

* participem do processo <strong>de</strong> ensinar e apren<strong>de</strong>r;<br />

* aprendam <strong>de</strong> modo significativo; e<br />

* partilhem conhecimentos?<br />

O objetivo principal <strong>de</strong> um projeto pedagógico é fazer com que a escola tenha sentido para as<br />

crianças, para que sejam cumpridas suas funções sociais mais importantes: ensinar e apren<strong>de</strong>r.<br />

O papel do professor é fundamental nessa direção, atuando para que, tanto as crianças quanto<br />

as famílias, participem <strong>de</strong> forma ativa e interativa do processo escolar. O professor é o regente<br />

da “orquestra”, profissionalizou-se para <strong>de</strong>finir caminhos político-pedagógicos que garantam<br />

condições para a aprendizagem das crianças. Estes caminhos incluem a clareza sobre a função<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 3 .


social da escola, concepções <strong>de</strong> educação escolar, <strong>de</strong> ensino-aprendizagem, <strong>de</strong> infância, <strong>de</strong><br />

modos <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, entre outras. Estas concepções são básicas para a seleção <strong>de</strong> conteúdos,<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> metodologias e métodos <strong>de</strong> trabalho, organização dos espaços e dos tempos da<br />

escola, organização <strong>de</strong> turmas, <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, além da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> rotinas e <strong>de</strong><br />

propostas didáticas. Sabemos que todas estas questões e fatores têm influência nos modos <strong>de</strong><br />

ensinar e <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r.<br />

Para ilustrar brevemente o que foi abordado no parágrafo acima, lembramos uma reflexão<br />

recorrente <strong>de</strong> professoras alfabetizadoras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 80 do século passado,<br />

possibilitada pelo avanço <strong>de</strong> estudos na área. Começamos a observar que as crianças,<br />

principalmente as <strong>de</strong> classes populares, tinham dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar os padrões <strong>de</strong> texto<br />

acartilhado, mesmo que já tivessem se apropriado do princípio alfabético da <strong>escrita</strong> e<br />

conhecessem a representação das relações entre sons e letras. Como as crianças superariam<br />

aqueles padrões, se os textos que liam na escola tinham aquele formato? Se em suas casas<br />

materiais escritos circulavam pouco, tanto para <strong>leitura</strong> quanto para a <strong>escrita</strong>? O resultado<br />

daquele trabalho alfabetizador dificilmente seria diferente <strong>de</strong> A menina mima a boneca. A<br />

boneca é boba. Mimi é um gato mimoso, e <strong>de</strong> outras <strong>escrita</strong>s semelhantes.<br />

Assim como a questão abordada no parágrafo acima, muitas outras vêm sendo revisadas por<br />

nós. Se trabalhamos para a formação <strong>de</strong> sujeitos críticos, inventivos e comprometidos<br />

socialmente, precisamos superar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escola que vive <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s caracterizadas por<br />

repetições e padronizações rígidas, <strong>de</strong>senvolvendo nas crianças e nos jovens a curiosida<strong>de</strong>, a<br />

solidarieda<strong>de</strong> e a afetivida<strong>de</strong>. A turbulência do mundo nos leva também a criar condições para<br />

a constituição <strong>de</strong> pessoas capazes <strong>de</strong> suportar inquietações e incertezas. Desse modo, a<br />

convivência e o trabalho com a diversida<strong>de</strong>, com textos para <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> múltiplas origens<br />

(literários, científicos, filosóficos, entre outros) e com outras formas <strong>de</strong> expressão, além da<br />

linguagem verbal, po<strong>de</strong>m contribuir muito. O mundo é plural e tenso e po<strong>de</strong> ser conhecido e<br />

apreendido <strong>de</strong> diferentes formas.<br />

Temos percebido a importância <strong>de</strong> ler para as crianças, para que elas aprendam, além da<br />

<strong>escrita</strong> das palavras, novas maneiras <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> e os modos como a<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 4 .


linguagem <strong>escrita</strong> se organiza – escrever é diferente <strong>de</strong> falar. Mesmo crianças muito pequenas,<br />

antes <strong>de</strong> estarem alfabetizadas, po<strong>de</strong>m ser provocadas a ditar textos para que a professora<br />

escreva: um bilhete para casa, uma mensagem <strong>de</strong> amor, uma lista <strong>de</strong> material necessário para<br />

alguma ativida<strong>de</strong>, uma história inventada. Vendo a professora escrevendo, vão se<br />

apercebendo <strong>de</strong> seus conhecimentos, <strong>de</strong> suas dúvidas, e também vão observando e<br />

apren<strong>de</strong>ndo as diferenças entre oralida<strong>de</strong> e <strong>escrita</strong>, o modo como a <strong>escrita</strong> se organiza no<br />

papel, as marcas próprias aos diferentes gêneros textuais, etc. Essas ativida<strong>de</strong>s são, <strong>de</strong> certo<br />

modo, comuns em casas <strong>de</strong> pessoas letradas. Mas sabemos que nem todas as crianças<br />

vivenciam esses momentos. Estes aspectos da aprendizagem da língua <strong>escrita</strong> vêm-se<br />

associando à noção <strong>de</strong> letramento. Esta noção tem contribuído para contextualizar o processo<br />

<strong>de</strong> alfabetização <strong>de</strong> um modo mais amplo, social e politicamente.<br />

O conhecimento que temos hoje sobre características do espaço escolar, processos <strong>de</strong> ensino-<br />

aprendizagem, alfabetização, e outros, nos encaminha para dar atenção a muitos aspectos que<br />

também fazem parte do processo <strong>de</strong> alfabetizar. Sem dúvida o conhecimento das relações<br />

entre sons e letras, <strong>de</strong> diferentes padrões silábicos, <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> letra maiúscula, tão enfatizado<br />

há alguns anos, continua sendo relevante. A questão é como tratar os conteúdos <strong>de</strong> modo a<br />

promover aprendizagens significativas. Os conteúdos não po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como fins<br />

em si mesmos, mas elementos que propiciam a compreensão <strong>de</strong> aspectos <strong>de</strong> conhecimentos<br />

ligados a realida<strong>de</strong>s mais amplas.<br />

O processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem da língua <strong>escrita</strong>, historicamente, tem sido marcado por<br />

uma preocupação gran<strong>de</strong> com o que vamos chamar <strong>de</strong> microaspectos da linguagem <strong>escrita</strong>,<br />

isto é, com a relação fonema-grafema, com o <strong>de</strong>senho/caligrafia das letras e com aspectos<br />

ortográficos da <strong>escrita</strong>, contextualizados por uma visão estrutural da língua. Nesta visão se<br />

<strong>de</strong>stacam exercícios para separação <strong>de</strong> sílabas, para substituição <strong>de</strong> letras e sílabas na<br />

formação <strong>de</strong> novas palavras e mesmo frases, entre outros, voltados principalmente para o<br />

treino ortográfico e para estudos gramaticais <strong>de</strong> cunho normativista, como número e gênero<br />

<strong>de</strong> substantivos; grau <strong>de</strong> adjetivos; o uso <strong>de</strong> formas verbais, no singular e no plural, no<br />

presente, pretérito e futuro. Os microaspectos <strong>de</strong> um modo geral também são contextualizados<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 5 .


pela crença <strong>de</strong> que a <strong>escrita</strong> é a fala por escrito, o que po<strong>de</strong> acarretar uma série <strong>de</strong> equívocos<br />

metodológicos.<br />

Da forma como enten<strong>de</strong>mos, a noção <strong>de</strong> letramento ganha relevância na relação com o<br />

processo <strong>de</strong> alfabetização, principalmente, porque dá <strong>de</strong>staque (1) aos usos e funções sociais<br />

da linguagem <strong>escrita</strong>; (2) ao atravessamento da linguagem <strong>escrita</strong> na fala <strong>de</strong> quem é letrado;<br />

(3) aos modos como instituições, objetos, situações, procedimentos, <strong>de</strong> vários tipos, estão<br />

impregnados das marcas da <strong>escrita</strong> e <strong>de</strong> seus valores sociais.<br />

Conceber a alfabetização na dimensão do letramento possibilita aliar os microaspectos,<br />

comentados anteriormente, com macroaspectos, relacionados com o conhecimento da<br />

organização sintático-discursiva dos textos; conhecimento <strong>de</strong> instituições, ativida<strong>de</strong>s e<br />

situações sociais que são marcadas pela linguagem <strong>escrita</strong> em diferentes esferas sociais <strong>de</strong><br />

conhecimento; <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> suas particularida<strong>de</strong>s e usos, entre outros aspectos. A<br />

aliança entre os microaspectos e os macroaspectos do processo <strong>de</strong> aprendizagem da<br />

linguagem <strong>escrita</strong> vem recentemente merecendo a atenção <strong>de</strong> pesquisadores e professores, já<br />

que se observa uma tendência para se privilegiarem ora alguns aspectos, ora outros. De uma<br />

forma e <strong>de</strong> outra, conhecimentos importantes para a aprendizagem da <strong>escrita</strong> são <strong>de</strong>ixados <strong>de</strong><br />

lado. Segundo Soares (2004), os processos <strong>de</strong> alfabetização e <strong>de</strong> letramento, embora<br />

processos distintos, são inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e indissociáveis. Assim, enten<strong>de</strong>mos que os micro e<br />

os macroaspectos <strong>de</strong>vam ser trabalhados <strong>de</strong> modo inter-relacionado, já que ambos têm papéis<br />

fundamentais na produção <strong>de</strong> sentido na <strong>leitura</strong> e na produção textual – uns não vivem sem os<br />

outros.<br />

O objetivo <strong>de</strong>sta série é discutir aspectos da prática pedagógica <strong>de</strong> ensinar a ler e a escrever, a<br />

partir <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> programas editados em ví<strong>de</strong>o, intitulada <strong>Letra</strong> <strong>Viva</strong>, produzida pela <strong>TV</strong><br />

PUC <strong>de</strong> São Paulo, realizada e veiculada pela <strong>TV</strong> Escola/SEED/MEC. Alguns temas se<br />

<strong>de</strong>stacaram e vão merecer uma discussão mais cuidada em relação ao ensino e à<br />

aprendizagem da linguagem <strong>escrita</strong> na escola: a relação entre alfabetização e letramento; o<br />

papel fundamental do professor; o planejamento da prática pedagógica; metodologias <strong>de</strong><br />

trabalho; diferentes modos <strong>de</strong> organização das crianças; o ambiente da sala <strong>de</strong> aula; a<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 6 .


diversida<strong>de</strong> social; o papel da oralida<strong>de</strong>; os conhecimentos que as crianças levam para a<br />

escola; <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> <strong>escrita</strong>.<br />

Planejar e organizar o trabalho pedagógico na escola e nas salas <strong>de</strong> aula se revela como algo<br />

nada trivial. A compreensão das funções sociais da escola e o papel político do professor<br />

nesse contexto precisam ser continuamente discutidos. Hoje, na primeira década do século<br />

XXI, se olharmos para trás, veremos mudanças sociais <strong>de</strong> muitos tipos que contextualizam o<br />

ser humano <strong>de</strong> modo diferente daquele que existia há cem, ou mesmo há cinqüenta anos. A<br />

socieda<strong>de</strong> se mostra complexa <strong>de</strong> muitos modos, pelos novos conhecimentos e novas<br />

tecnologias, novos modos <strong>de</strong> produção, novas formas <strong>de</strong> viver no mundo, <strong>de</strong> se relacionar, <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> brincar e também <strong>de</strong> ensinar.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sconhecer essas mudanças, mantendo propostas pedagógicas atemporais, e<br />

<strong>de</strong>sejando resultados diferentes. A complexida<strong>de</strong> social se explicita <strong>de</strong> várias maneiras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

uma simples saída à rua para fazer consultas num banco ou num mercado, até novas questões<br />

que se impõem na educação <strong>de</strong> filhos, no casamento, no trabalho e, conseqüentemente, nas<br />

lutas por mudanças que dêem conta <strong>de</strong> transformações culturais <strong>de</strong> muitos tipos. A atenção a<br />

aspectos culturais e sociais recebe, hoje, muito mais ênfase do que recebia há tempos, na<br />

medida em que obtivemos respostas para algumas <strong>de</strong> nossas perguntas por essas vias.<br />

Muitos temas, histórias e fatos entram na escola, trazidos não só por professores, mas também<br />

por alunos, mobilizando <strong>de</strong>bates e, às vezes, situações difíceis que precisamos enfrentar. No<br />

dia-a-dia, as ativida<strong>de</strong>s que planejamos po<strong>de</strong>m nos levar a reações e conversas que sequer<br />

imaginamos quando as concebemos. Então, a prática pedagógica cotidiana precisa ser<br />

orientada por princípios e objetivos pedagógicos claros, em que a previsibilida<strong>de</strong> e também a<br />

imprevisibilida<strong>de</strong> estejam presentes, porque lidamos com seres humanos concretos, cultural e<br />

historicamente situados. Seres humanos que têm história, casos, que têm especificida<strong>de</strong>s, que<br />

estabelecem <strong>de</strong>terminadas relações e têm <strong>de</strong>terminados conhecimentos que algumas vezes<br />

soam completamente estranhos para nós.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 7 .


É no contexto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> cultural e <strong>de</strong> muitos conhecimentos que, com base em<br />

nossas intenções e princípios, tomamos <strong>de</strong>cisões pedagógicas, estabelecemos priorida<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong>finimos o rumo que o trabalho <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula terá, consi<strong>de</strong>rando on<strong>de</strong> queremos chegar.<br />

O nosso propósito na presente série é, junto com equipes pedagógicas e professores das<br />

classes <strong>de</strong> Educação Infantil e das primeiras séries/anos escolares do Ensino Fundamental <strong>de</strong><br />

nove anos, discutir caminhos pedagógicos para a construção <strong>de</strong> <strong>práticas</strong> cotidianas<br />

significativas para que as crianças possam apren<strong>de</strong>r mais e melhor na escola e continuar<br />

apren<strong>de</strong>ndo pela vida afora.<br />

Temas que serão abordados na série <strong>Letra</strong> <strong>Viva</strong>: <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong>,<br />

que será apresentada no programa Salto para o Futuro/<strong>TV</strong> Escola, <strong>de</strong> 19 a<br />

23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2006:<br />

PGM 1 – Alfabetização e letramento na escola<br />

A escola, um espaço a conhecer. A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s na escola e na aula. A relação<br />

entre a oralida<strong>de</strong> e a <strong>escrita</strong>: a <strong>escrita</strong> como uma "nova" forma <strong>de</strong> linguagem. A aprendizagem<br />

da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong> no conjunto das <strong>práticas</strong> escolares <strong>de</strong> linguagem: projetos, rodas <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong>, ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>bates e conversas. Os processos <strong>de</strong> alfabetização e <strong>de</strong><br />

letramento na escola e a participação dos responsáveis pelos alunos.<br />

PGM 2 – Saberes que produzem saberes<br />

A relação entre os saberes das crianças com outros saberes. As brinca<strong>de</strong>iras, as músicas e as<br />

histórias que as crianças conhecem como ponto <strong>de</strong> partida para novas aprendizagens. O<br />

ambiente <strong>de</strong> letramento na sala <strong>de</strong> aula. A <strong>escrita</strong>: importante na escola porque importante<br />

fora da escola, na vida. A importância do registro dos saberes das crianças para o<br />

planejamento e o <strong>de</strong>senvolvimento da prática pedagógica. As diferentes formas <strong>de</strong> expressão<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 8 .


<strong>escrita</strong>: a poesia, a biografia, os contos tradicionais, as parlendas. O trabalho com outras<br />

formas <strong>de</strong> expressão: a dança, o teatro, a música, as artes visuais e as artes plásticas.<br />

PGM 3 – O planejamento da prática pedagógica<br />

As transformações na orientação da prática pedagógica e novos modos <strong>de</strong> conceber o<br />

planejamento. O planejamento coletivo e participativo. A aprendizagem como norte e os<br />

saberes das crianças como ponto <strong>de</strong> partida. A organização do trabalho – anual, semestral,<br />

semanal e diária. A organização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s diferenciadas: ocasionais, seqüenciadas,<br />

permanentes. O planejamento e a seleção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e seus objetivos na perspectiva da<br />

aprendizagem. A importância da apresentação <strong>de</strong> cada ativida<strong>de</strong> para os alunos, seus objetivos<br />

didáticos, o tempo <strong>de</strong> duração, as expectativas, os resultados e a avaliação. A avaliação<br />

contínua do planejado: reflexões e mudanças. As várias formas <strong>de</strong> registro do trabalho pelo<br />

professor e a sua relevância. A responsabilida<strong>de</strong> política do professor pelos processos <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r e ensinar.<br />

PGM 4 – Ações, interações e intervenções no processo <strong>de</strong> alfabetização<br />

A <strong>leitura</strong> do professor como ação fundamental para a aprendizagem da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong>.<br />

Junto se apren<strong>de</strong> melhor: trabalhos em parceria entre crianças e a importância das trocas entre<br />

professores. Como organizar as duplas e os grupos produtivos. Leitura e produção <strong>de</strong> textos<br />

em grupos e em duplas. A socialização e a partilha <strong>de</strong> experiências em grupo. Conhecendo e<br />

apren<strong>de</strong>ndo com o outro. O conhecimento pela professora do que as crianças sabem e a<br />

natureza das necessárias intervenções.<br />

PGM 5 – Práticas sociais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>de</strong> <strong>escrita</strong><br />

A entrada no mundo da <strong>escrita</strong>: apren<strong>de</strong>r a ler, lendo. Leitura e <strong>escrita</strong> como processos <strong>de</strong><br />

construção. Práticas <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e formação do leitor. A <strong>leitura</strong> compartilhada: <strong>leitura</strong>s dos<br />

professores e <strong>de</strong> outros adultos para as crianças e <strong>leitura</strong>s das próprias crianças. A experiência<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 9 .


<strong>de</strong> ser leitor. A biblioteca, o espaço <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> na sala <strong>de</strong> aula, o texto em seus diferentes<br />

gêneros. Leitura e <strong>escrita</strong> na vida e na escola. Os diversos espaços sociais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong>.<br />

Práticas sociais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>de</strong> <strong>escrita</strong> <strong>de</strong> diferentes textos socialmente referenciados.<br />

Referências bibliográficas:<br />

SOARES, M. (2004) <strong>Letra</strong>mento e alfabetização: as muitas facetas. Revista <strong>Brasil</strong>eira<br />

<strong>de</strong> Educação, n. 25, p. 5-17.<br />

Nota:<br />

Professora da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação/Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

Fluminense. Consultora <strong>de</strong>sta série.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 10 .


PROGRAMA 1<br />

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA ESCOLA<br />

A escola, um espaço a conhecer: a diversida<strong>de</strong> e a aprendizagem<br />

da <strong>escrita</strong><br />

Helenice Aparecida Bastos Rocha 1<br />

“A primeira lição. Ainda que viva cem, mil anos, não esquecerei o primeiro dia <strong>de</strong> aula, a<br />

primeira escola a que meu pai me levou, não sei se com orgulho <strong>de</strong> mim ou medo que eu<br />

<strong>de</strong>sse vexame, abrindo uma chora<strong>de</strong>ira ou tentando fugir – que era o que eu pretendia. Não<br />

compreendia o que se passava. Sabia que outros meninos <strong>de</strong> minha rua e <strong>de</strong> minha família,<br />

em <strong>de</strong>terminado momento, iam para a escola, em um pacto misterioso entre os pais e os<br />

professores(...).” Carlos Heitor Cony<br />

A escola é apenas “um” espaço? Viajando por nosso país, ou vendo fotografias <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong><br />

todo o mundo, percebemos que as escolas são muitas. Pobres ou ricas, pequenas ou gran<strong>de</strong>s.<br />

Com mobiliário precário ou mo<strong>de</strong>rno, com as pare<strong>de</strong>s nuas ou cheias <strong>de</strong> mensagens, com<br />

recursos didáticos rudimentares ou mais sofisticados, as escolas estão dizendo muito mais do<br />

que po<strong>de</strong> parecer a nós, professores, e aos alunos que ali realizam suas <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e<br />

ensinar.<br />

Nessa diversida<strong>de</strong>, poucas escolas parecem ter sido feitas para alunos <strong>de</strong> carne, osso,<br />

sentimento e história. Levando-se em conta que eles vão passar ali tantas horas, dias e até<br />

meses, ao longo <strong>de</strong> um ano escolar, é necessário que tais espaços sejam mais acolhedores.<br />

Entre os aspectos <strong>de</strong> acolhimento do aluno, está a interação que o professor vai estabelecer<br />

com ele e entre ele e o conhecimento, principalmente a <strong>escrita</strong>. Aí está algo que po<strong>de</strong> fazer<br />

uma importante diferença no <strong>de</strong>stino escolar das crianças que chegam a esse espaço.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 11 .


Será que, por vivermos na escola <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nossa infância, como alunos, esquecemos <strong>de</strong> sua<br />

complexida<strong>de</strong>? Muitos <strong>de</strong> nós nos sentimos como em nosso espaço natural. Entretanto, os<br />

iniciantes que ali chegam são atingidos diretamente em sua sensibilida<strong>de</strong> pela mensagem que<br />

o conjunto formado pela arquitetura, mobiliário, o escrito distribuído no espaço e as regras<br />

vigentes transmitem da escola. Nessa chegada, <strong>de</strong> acordo com aquilo que seus pais ou<br />

responsáveis lhes tiverem transmitido sobre o lugar, os alunos estarão receptivos ou arredios,<br />

alegres ou assustados.<br />

Além <strong>de</strong> um espaço físico e simbólico, que organiza outros espaços <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, como por<br />

exemplo, a sala <strong>de</strong> aula, a escola é um lugar <strong>de</strong> tempo regulado. Assim, o horário <strong>de</strong> entrar e<br />

sair, o horário <strong>de</strong> recreio, a hora em que é permitido conversar ou não, o tempo <strong>de</strong> fazer as<br />

ativida<strong>de</strong>s vão criando no professor e no aluno um modo regulado <strong>de</strong> encarar as ativida<strong>de</strong>s<br />

escolares. Essa regulação também orienta a rotina da aula. Quando nós iniciamos a aula<br />

seguindo o mesmo roteiro, fazemos ativida<strong>de</strong>s semelhantes a cada dia, orientamos os alunos a<br />

fazerem essas ativida<strong>de</strong>s do mesmo jeito, estamos ensinando uma forma rotinizada <strong>de</strong> se<br />

relacionar com o conhecimento. Essa forma <strong>de</strong> organização da aula funciona bem, e nos<br />

parece a correta. Mas será a única válida?<br />

A rotina da aula é um dos fatores para a organização da aula na escola. O cuidado que<br />

precisamos ter com ela, como na vida cotidiana, é que a rotina não nos <strong>de</strong>ixe per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista<br />

os sentidos possíveis para se estar ali: conhecer, ensinar e apren<strong>de</strong>r a ler e escrever, entre<br />

outras aprendizagens possíveis. A partir disso, a dimensão <strong>de</strong> prazer e <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio na relação<br />

com o conhecimento po<strong>de</strong> instigar professores e alunos <strong>de</strong> forma continuada, no espaço da<br />

escola e da sala <strong>de</strong> aula, com toda a sua diversida<strong>de</strong>.<br />

As relações entre a oralida<strong>de</strong> e a <strong>escrita</strong>: a <strong>escrita</strong> como uma “nova” forma <strong>de</strong><br />

linguagem<br />

Durante muitos séculos, a humanida<strong>de</strong> se comunicou principalmente pela oralida<strong>de</strong>. Muitas<br />

socieda<strong>de</strong>s ainda hoje têm na oralida<strong>de</strong> sua fonte principal <strong>de</strong> comunicação. Tal forma <strong>de</strong><br />

linguagem se mostra suficiente para elas, como se mostrava para outros diferentes povos que<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 12 .


habitavam nosso planeta há muito tempo. Eis que, para alguns <strong>de</strong>sses povos, por razões <strong>de</strong><br />

Estado, por causa da religião ou da necessida<strong>de</strong> dos cidadãos <strong>de</strong> registrar as leis que os<br />

protegiam, foram criados <strong>de</strong>senhos que significavam a fala ou os seres do mundo: símbolos e<br />

letras. Durante a Antigüida<strong>de</strong>, poucas pessoas escreviam, e quando o faziam, era por motivos<br />

específicos, como a <strong>escrita</strong> das leis, o registro <strong>de</strong> estoques <strong>de</strong> alimentos do reino, ou a<br />

correspondência real. Poucas obras religiosas, literárias ou filosóficas circulavam entre<br />

pessoas <strong>de</strong> classes privilegiadas. Alguns poucos liam entre si e, se fosse o caso, liam para<br />

outros.<br />

Essa circulação restrita <strong>de</strong>finiu duas características da própria <strong>escrita</strong> e <strong>de</strong> seus praticantes: a<br />

forma da <strong>escrita</strong> foi se organizando aos poucos e, como sua circulação ocorria apenas entre<br />

um pequeno público leitor, não havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que fosse muito estruturada. Do mesmo<br />

modo, não havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a <strong>escrita</strong> fosse difundida por não ser um i<strong>de</strong>al para<br />

todos, como é hoje.<br />

Dessa forma, po<strong>de</strong>mos dizer que a <strong>escrita</strong> surgiu e se estruturou relativamente há pouco tempo<br />

na história das socieda<strong>de</strong>s e que, mesmo nesse curto período <strong>de</strong> tempo, serviu a poucas<br />

pessoas, <strong>de</strong> esferas ou classes sociais bem <strong>de</strong>finidas e privilegiadas. Só mais recentemente, a<br />

partir da Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, com os i<strong>de</strong>ais iluministas <strong>de</strong> divulgação do conhecimento existente<br />

nos livros, é que se tornou uma aspiração comum, e até uma necessida<strong>de</strong>, que todos se<br />

tornassem letrados. Esse processo <strong>de</strong> divulgação das letras tem mais ou menos duzentos anos<br />

e em nosso país é ainda mais recente.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa compreensão, é possível registrar dois fenômenos: durante sua curta existência,<br />

a <strong>escrita</strong> distanciou-se da fala, constituindo uma forma diferente <strong>de</strong> linguagem. E, ao longo do<br />

tempo, as pessoas <strong>de</strong> pequenos grupos <strong>de</strong> classes privilegiadas dominaram com mais<br />

facilida<strong>de</strong> essas diferenças, pois foram esses mesmos grupos que criaram tais mudanças entre<br />

a fala e a <strong>escrita</strong>.<br />

Um exemplo <strong>de</strong> diferença entre a fala e a <strong>escrita</strong> é que a fala ocorre no espaço físico, por<br />

propagação sonora no ar. Ela é simultânea à audição e se esgota ao terminar <strong>de</strong> ser<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 13 .


pronunciada, a não ser no caso <strong>de</strong> gravação da fala. Já a <strong>escrita</strong> é produzida no papel ou em<br />

outra superfície tangível, distribuindo-se em direções preestabelecidas e permanecendo ali<br />

para posteriores <strong>leitura</strong>s. Na <strong>escrita</strong> oci<strong>de</strong>ntal, <strong>de</strong> cima para baixo, da esquerda para a direita.<br />

Além <strong>de</strong>ssa característica geral, relativa à direção da <strong>escrita</strong> e da <strong>leitura</strong>, há aquelas relativas<br />

aos gêneros em que essa <strong>escrita</strong> ocorre: em forma <strong>de</strong> listas, <strong>de</strong> textos com títulos e escritos em<br />

parágrafos, <strong>de</strong> textos com imagens legendadas ou com notas <strong>de</strong> rodapé.<br />

É lugar comum que a criança que entra na escola precisa apren<strong>de</strong>r o valor sonoro das letras,<br />

ou seja, a relação fonema-grafema, como tradicionalmente se preten<strong>de</strong> no processo da<br />

alfabetização. Isso se dá com a utilização <strong>de</strong> diferentes metodologias e, inclusive, utilizando a<br />

abordagem psicogenética, <strong>de</strong>nominada correntemente <strong>de</strong> construtivista. Acontece que a ênfase<br />

unicamente nesse aspecto ten<strong>de</strong> a reforçar na criança sua hipótese <strong>de</strong> que a <strong>escrita</strong> é a fala por<br />

escrito. Como vimos no parágrafo anterior, a <strong>escrita</strong> é mais do que isso. Para mudar essa<br />

hipótese, nossos alunos precisarão apren<strong>de</strong>r o que torna a <strong>escrita</strong> diferente da fala.<br />

A aprendizagem da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong> no conjunto das <strong>práticas</strong> escolares <strong>de</strong> linguagem:<br />

rodas <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong>, projetos, ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>bates e conversas<br />

Muitas <strong>práticas</strong> têm sido realizadas na busca <strong>de</strong> juntar o ensino-aprendizagem dos aspectos<br />

relacionados à relação letra-som e os aspectos da <strong>escrita</strong> como objeto que se organizou na<br />

história e na cultura humana. Veremos algumas <strong>de</strong>ssas possibilida<strong>de</strong>s a seguir.<br />

A roda <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> <strong>de</strong> textos recupera e integra a roda <strong>de</strong> conversa ancestral em torno<br />

da fogueira e também a rodinha <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s da Educação Infantil. Inicialmente, a <strong>leitura</strong> ou<br />

<strong>escrita</strong> po<strong>de</strong> ser feita principalmente pelo professor e acompanhada pelos alunos, para que<br />

eles <strong>de</strong>scubram que esses textos po<strong>de</strong>m nos propiciar mais do que a fala, em algumas<br />

situações. Um exemplo do que é específico da <strong>escrita</strong> está na remissão. Quando, em um texto,<br />

remetemos o leitor a um parágrafo anterior, ou a uma nota <strong>de</strong> rodapé, se ele tiver dúvidas<br />

sobre o que foi dito, po<strong>de</strong> ler esse parágrafo ou a nota. Para isso, o conhecimento sobre a<br />

organização espacial <strong>de</strong>sses escritos precisa ser um conhecimento compartilhado pelo escritor<br />

e leitor, e é produzido nas <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e na escolarização. Esse exemplo mostra que,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 14 .


entre as relações possíveis na <strong>leitura</strong>, também estão a estruturação das idéias em parágrafos,<br />

notas <strong>de</strong> rodapé e tantas outras codificações, e não apenas a relação entre letras e sons.<br />

O exemplo contrário também é possível. A oralida<strong>de</strong> funciona em situações e condições que<br />

suplantam a <strong>escrita</strong> em diversos aspectos. Por conta disso, é necessário reconhecer on<strong>de</strong> a<br />

linguagem oral ou a <strong>escrita</strong> se mostra mais interessante para a comunicação. Nossa<br />

experiência <strong>de</strong> praticantes da linguagem po<strong>de</strong> nos ajudar a selecionar as ativida<strong>de</strong>s mais<br />

a<strong>de</strong>quadas em uma ou outra modalida<strong>de</strong>, conforme veremos a seguir, no caso <strong>de</strong> um projeto<br />

<strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> receitas.<br />

Projetos temáticos resgatam o contexto <strong>de</strong> produção da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong>, bem como da<br />

oralida<strong>de</strong>. Mas o que é um projeto? Sua característica principal é a <strong>de</strong> ser uma situação <strong>de</strong><br />

ensino com um objetivo compartilhado por todos os envolvidos para se chegar a um produto<br />

final, em função do qual todos trabalham. Assim, o primeiro passo <strong>de</strong> um projeto po<strong>de</strong> ser o<br />

professor propor ou perceber a emergência <strong>de</strong> um tema que se mostra produtivo na turma. Isto<br />

porque os projetos permitem associar propósitos comunicativos e didáticos, dispor do tempo<br />

didático <strong>de</strong> forma flexível, pois sua duração correspon<strong>de</strong> ao tempo necessário para se alcançar<br />

um objetivo: po<strong>de</strong> durar dias ou alguns meses. Sua execução envolve planejamento, previsão,<br />

divisão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s e procedimentos específicos.<br />

O projeto é um processo <strong>de</strong> elaboração coletiva das crianças com seu professor ou professora.<br />

Seu sentido é o <strong>de</strong> um compromisso constante pela construção <strong>de</strong> certezas compartilhadas e<br />

pela discussão <strong>de</strong> incertezas que permitirão a todos compreen<strong>de</strong>r o texto e o conhecimento<br />

relacionado a ele. Tais características do trabalho com projetos tornam tal trabalho pautado<br />

na conversa e no <strong>de</strong>bate sobre os temas em estudo.<br />

Vejamos o exemplo <strong>de</strong> um projeto em que há a <strong>escrita</strong> <strong>de</strong> receitas, para a criação <strong>de</strong> um livro.<br />

Quando trazemos receitas para a escola, didatizando-as, antes ou juntamente com o trabalho<br />

<strong>de</strong> sua <strong>escrita</strong>, po<strong>de</strong>mos explorar seu aspecto <strong>de</strong> texto oral na comunicação entre as pessoas. A<br />

prática <strong>de</strong> ensinar e apren<strong>de</strong>r receitas oralmente, no contexto da <strong>de</strong>gustação <strong>de</strong> pratos, po<strong>de</strong><br />

ensejar o <strong>de</strong>senvolvimento, na linguagem oral, do gênero em que são dadas instruções para<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 15 .


atingir <strong>de</strong>terminado fim, como é o caso da receita, que po<strong>de</strong> ser <strong>escrita</strong>. Mas a apreciação do<br />

prato, as observações sobre as preferências pessoais, como a <strong>de</strong>gustação em si, é algo que<br />

circulará naturalmente, via oralida<strong>de</strong>.<br />

O texto escrito apresenta especificida<strong>de</strong>s que é possível investigar juntamente com os alunos<br />

em rodas <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> ou projetos. Um bom exemplo é a iconicida<strong>de</strong> presente na história em<br />

quadrinhos: os balões em que surge a fala dos personagens e sua or<strong>de</strong>m espacial, a forma<br />

típica <strong>de</strong> introduzir a fala do narrador, sua interação com as imagens. Outro bom exemplo, no<br />

que se refere às obras <strong>de</strong> referência, está no dicionário, que, ao longo do tempo, tornou-se um<br />

objeto cultural complexo. Ele organiza <strong>de</strong> forma codificada os significados <strong>de</strong> um verbete em<br />

or<strong>de</strong>m alfabética e muito mais, como a orientação na página pelas palavras-guia, as<br />

abreviaturas <strong>de</strong> classes gramaticais, a origem das palavras. Assim, as informações presentes<br />

no dicionário po<strong>de</strong>m nos ajudar a encontrar outras informações, que po<strong>de</strong>m ser usadas <strong>de</strong><br />

diversos modos.<br />

Essas e outras aprendizagens acerca dos portadores <strong>de</strong> textos e dos gêneros precisam<br />

acontecer juntamente com a aprendizagem da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong>, no que se refere à relação<br />

entre letra e som, ou grafema e fonema. E não <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la. A escola é um espaço <strong>de</strong><br />

colocarmos as coisas em <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m para melhor aprendizagem. Mas, ao pensarmos<br />

em um ensino-aprendizagem mais contextualizado, precisamos lembrar que, na vida, as<br />

aprendizagens sociais não são postas didaticamente uma após a outra.<br />

Juntamente com a contextualização das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rodas <strong>de</strong> <strong>leitura</strong>, <strong>escrita</strong> e conversa e<br />

com os projetos temáticos, é possível e necessária a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s permanentes <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> em que as aprendizagens sejam consolidadas. Elas ocorrem <strong>de</strong> modo regular,<br />

<strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s das crianças: diariamente, três vezes por semana,<br />

semanalmente, ou até quinzenalmente, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permitir a convivência freqüente e<br />

intensa com <strong>de</strong>terminado gênero <strong>de</strong> texto, para que possam <strong>de</strong>senvolver <strong>práticas</strong><br />

diversificadas <strong>de</strong> <strong>leitura</strong>. Esta tarefa está entre aquelas que fazem parte da rotina da turma e<br />

<strong>de</strong>ve sempre respon<strong>de</strong>r à pergunta do sentido que a <strong>leitura</strong> e a <strong>escrita</strong> terão para os alunos, no<br />

contexto das aprendizagens que estão ocorrendo na turma.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 16 .


Os processos <strong>de</strong> alfabetização e <strong>de</strong> letramento na escola e a participação dos<br />

responsáveis pelos alunos<br />

Conforme dito inicialmente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo, os pais ou responsáveis<br />

ajudam a criança a construir uma idéia sobre a escola, antes mesmo <strong>de</strong> entrar nesse espaço.<br />

Há pais que nunca foram à escola, e que consi<strong>de</strong>ram o saber escolar muito importante. Outros<br />

que sabem ler e escrever, mas que acham que isso não é o que mais importa. De diferentes<br />

maneiras, os pais oferecem aos filhos seus valores, idéias e <strong>práticas</strong> iniciais sobre a <strong>leitura</strong> e a<br />

<strong>escrita</strong>, o que constitui o letramento inicial dos alunos.<br />

Nem sempre as idéias dos pais coinci<strong>de</strong>m com as dos professores sobre o que é importante<br />

ensinar e apren<strong>de</strong>r na escola. Certamente, sua história escolar e profissional é diferente da dos<br />

professores. Cabe a esses últimos esclarecer e conquistar os pais para o trabalho que precisam<br />

fazer com os alunos e o que precisam esperar dos pais, como parceiros na escolarização da<br />

criança.<br />

Ao recebermos tais alunos em sala <strong>de</strong> aula, com sua diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> idéias e <strong>práticas</strong> sobre a<br />

<strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong>, vamos iniciar com eles um outro letramento. Ou seja, começar a falar e fazer<br />

outras <strong>práticas</strong> sobre a <strong>leitura</strong> e a <strong>escrita</strong>, diferentes daquelas que acontecem em suas casas.<br />

Essa combinação <strong>de</strong> experiências continua durante a escolarização dos alunos, pois eles<br />

retornam à sua casa, on<strong>de</strong> as idéias, <strong>práticas</strong> e valores são mais ou menos diferentes da escola.<br />

Daí que os processos <strong>de</strong> alfabetização e <strong>de</strong> letramento <strong>de</strong> cada um vão acontecer <strong>de</strong> forma<br />

singular, pois a constituição da experiência familiar e escolar é única.<br />

Uma das relações produtivas em torno da <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> tem sido a proposta para que um<br />

leitor, seja pai, outro responsável ou um leitor da casa ou da vizinhança, leia textos <strong>de</strong><br />

diversos tipos para e com o aluno, <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>scontraída e ao mesmo tempo intensa,<br />

constituindo uma “comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitores”, mais do que cobrando que eles tenham<br />

<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>sempenho escolar.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 17 .


A partir <strong>de</strong>ssa ação tão simples, ganha a própria família, pois se po<strong>de</strong>m estabelecer relações<br />

mais próximas entre pais e filhos, e entre eles e o conhecimento presente nos materiais <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong>. Em conseqüência, ganha a escola, pois os alunos passam a atribuir sentidos<br />

diferenciados para a <strong>leitura</strong>, a <strong>escrita</strong> e o próprio conhecimento.<br />

Concluindo nossa conversa<br />

Nestas páginas procurei compartilhar com professores que lidam com alunos dos anos<br />

iniciais do Ensino Fundamental uma característica <strong>de</strong> nossas escolas, alunos e pais: sua<br />

diversida<strong>de</strong>. Procurei evi<strong>de</strong>nciar que essa diversida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser positiva, à medida que seja<br />

percebida como fator <strong>de</strong> troca entre as pessoas que compõem a relação <strong>de</strong> ensino. Somos<br />

quem ensinará aos alunos a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong>sse mundo complexo da <strong>escrita</strong>, mas eles já trazem<br />

informações diversas sobre ele, e o que não trouxerem, vamos lhes apresentar.<br />

Ao mesmo tempo, procurei mostrar como organizamos essa diversida<strong>de</strong> com a rotina escolar.<br />

Apontei algumas alternativas que propõem uma rotina <strong>de</strong> forma flexível. Para isto, projetos,<br />

rodinhas e ativida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m constituir, com sentido, o cotidiano da sala <strong>de</strong> aula viva. De<br />

nossa parte, <strong>de</strong>sejamos uma boa caminhada para todos.<br />

Sugestões <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> para os professores<br />

CARDOSO, Beatriz e EDNIR, Madza. Ler e Escrever, Muito Prazer. São Paulo: Ática,<br />

2001.<br />

CHARTIER, Anne-Marie, CLESSE, Christiane, HÉBRARD, Jean. Ler e Escrever:<br />

entrando no mundo da <strong>escrita</strong>. Porto Alegre: ArtMed, 1996.<br />

CONY, Carlos Heitor. A primeira Lição. In: Ruth Rocha (org.) Contos <strong>de</strong> Escola. 1 a ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 2003. Coleção Literatura em Minha Casa.<br />

GNERRE, Maurizio. Linguagem, Escrita e Po<strong>de</strong>r. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 18 .


KAUFMAN, Ana M., RODRIGUES, Jussara H., CASTEDO, Mirta. Alfabetização <strong>de</strong><br />

crianças: construção e intercâmbio. Porto Alegre: ArtMed, 1998.<br />

TEBEROSKY, Ana e TOLCHINSKY, Liliana. Além da alfabetização: a aprendizagem<br />

fonológica, ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 1996.<br />

Nota:<br />

Professora do Colégio Pedro II e da Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro - UERJ.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 19 .


PROGRAMA 2<br />

SABERES QUE PRODUZEM SABERES<br />

Angela Meyer Borba 1<br />

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para <strong>de</strong>scobrir o mar.<br />

Viajaram para o Sul.<br />

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.<br />

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas <strong>de</strong> areia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito<br />

caminhar, o mar estava na frente <strong>de</strong> seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu<br />

fulgor, que o menino ficou mudo <strong>de</strong> beleza.<br />

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a<br />

olhar!<br />

Eduardo Galeano<br />

Na busca <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mundo em que vivem, criar formas <strong>de</strong> agir sobre ele e se<br />

comunicar com os outros ao seu redor, as crianças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nascem, constroem saberes que<br />

lhes possibilitam <strong>de</strong>terminadas formas <strong>de</strong> inserção no mundo, participação social e<br />

compreensão <strong>de</strong> novas experiências. Na medida em que conhecem novos objetos e pessoas,<br />

vivem novas situações e relações, confrontam pontos <strong>de</strong> vista e modos <strong>de</strong> ação sobre a<br />

realida<strong>de</strong>, as crianças ampliam e transformam esses saberes, construindo novas formas <strong>de</strong><br />

compreensão da vida e <strong>de</strong> ação sobre a realida<strong>de</strong>.<br />

Nesse contexto, po<strong>de</strong>mos dimensionar o significado que tem a escola para as crianças, como<br />

espaço socialmente organizado, on<strong>de</strong> circulam e são transmitidos conhecimentos dos diversos<br />

ramos da ciência e <strong>de</strong> outros campos do saber. Mas qual é efetivamente a função social da escola?<br />

Como esses conhecimentos que circulam na escola dialogam com os conhecimentos das crianças?<br />

Que implicações têm para suas vidas e sua formação como sujeitos?<br />

Muitas vezes, os conhecimentos escolares e a forma como são trabalhados estão muito<br />

distantes das <strong>práticas</strong> sociais das crianças. Estas, conseqüentemente, não conseguem atribuir-<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 20 .


lhes um sentido e mobilizar os seus saberes para compreen<strong>de</strong>r o que está sendo ensinado. A<br />

falta <strong>de</strong> articulação dos conhecimentos escolares com os saberes das crianças não apenas<br />

enfraquece ou mesmo elimina a motivação, a curiosida<strong>de</strong> e a disposição para a aprendizagem,<br />

como também reduz as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação das crianças com novos conhecimentos,<br />

gerando dificulda<strong>de</strong>s na sua apropriação.<br />

Mas como os saberes das crianças po<strong>de</strong>m ser reconhecidos e dialogar com a escola? Uma<br />

primeira condição é que a escola seja um espaço real, <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> relações entre sujeitos reais,<br />

e não um lugar em que adultos e crianças <strong>de</strong>ixam do lado <strong>de</strong> fora suas histórias, valores e<br />

sentimentos. Outra condição é que os conhecimentos não sejam artificializados e reduzidos a<br />

objetos a serem ensinados e aprendidos na escola através <strong>de</strong> treinos, repetições, memorização<br />

e exercícios, mas sim que sejam significativos e socialmente relevantes, tanto na escola, como<br />

fora da escola, na vida.<br />

É fundamental favorecer a expressão e a comunicação dos saberes das crianças e <strong>de</strong> suas<br />

produções, para que possamos conhecê-las melhor, perceber seus valores, sentimentos e formas<br />

<strong>de</strong> compreensão sobre o mundo. Teremos assim referências fundamentais para o trabalho<br />

pedagógico. Para tanto, é importante convidá-las e provocá-las a falar, conversar e discutir em<br />

rodas <strong>de</strong> conversas, <strong>leitura</strong>s <strong>de</strong> textos <strong>de</strong> diferentes gêneros, discussão sobre temas, apreciação <strong>de</strong><br />

produções artísticas, observação <strong>de</strong> imagens, ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras, entre outras<br />

possibilida<strong>de</strong>s. Os temas <strong>de</strong>senvolvidos também <strong>de</strong>vem ser interessantes, provocadores da<br />

curiosida<strong>de</strong> e do investimento das crianças na interação com os outros, na expressão <strong>de</strong> seus<br />

saberes, no diálogo com outros saberes, na busca <strong>de</strong> novas informações, <strong>de</strong> novas <strong>de</strong>scobertas.<br />

Cria-se assim um ambiente discursivo, no qual as crianças vão revelando o que e como<br />

pensam, o que já sabem e o que querem saber, suas perguntas, suas histórias e seus modos <strong>de</strong><br />

sentir e viver. Elas também vão se reconhecendo, se conhecendo e conhecendo a nós,<br />

professores. Vão também percebendo que o mundo é bem maior do que pensavam, que<br />

existem diferentes realida<strong>de</strong>s e modos <strong>de</strong> viver, e diferentes formas <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os fatos<br />

ou problemas, produzidas pelos conhecimentos organizados pelos diversos ramos da ciência,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 21 .


pela arte, pela filosofia, pelas religiões. E nós, professores, vamos <strong>de</strong>scobrindo pistas e<br />

caminhos para fundamentar e ajustar melhor nossas ações.<br />

Nesse contexto, uma maneira <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r muito sobre e com as crianças e seus saberes é<br />

através das brinca<strong>de</strong>iras, canções e histórias que elas já conhecem e que compõem o conjunto<br />

<strong>de</strong> conhecimentos produzidos no âmbito da cultura e das relações sociais cotidianas. Brincar,<br />

cantar, dramatizar, contar histórias, dançar são <strong>práticas</strong> que fazem parte da experiência<br />

cultural das crianças, representando ações e conhecimentos partilhados, através dos quais elas<br />

se constituem como membros <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado grupo sociocultural, apren<strong>de</strong>ndo sobre si<br />

mesmas e sobre o mundo ao seu redor.<br />

Valorizar esses saberes na escola é abrir portas <strong>de</strong> comunicação entre as crianças, a vida e a<br />

escola. Para as crianças que partilham os mesmos espaços e tempos escolares, as brinca<strong>de</strong>iras,<br />

danças, parlendas, lendas, contos tradicionais, entre outros conhecimentos culturais, po<strong>de</strong>m<br />

constituir um repertório comum sobre o qual po<strong>de</strong>m agir conjuntamente, estabelecer laços <strong>de</strong><br />

amiza<strong>de</strong>, construir e transformar significados, regras e rotinas <strong>de</strong> ação e, através <strong>de</strong> <strong>práticas</strong><br />

sociais coletivas e cotidianas, criar novos saberes e novas formas <strong>de</strong> brincar, cantar, contar<br />

histórias.<br />

O trabalho com esses saberes é um rico recurso, não apenas para se conhecer as crianças e criar<br />

vínculos com elas, mas também para se instaurar o diálogo dos seus saberes com outros saberes,<br />

explicitando e explorando o que já conhecem e trazendo novas possibilida<strong>de</strong>s a partir daí. Saberes<br />

produzem saberes, palavras produzem palavras, significados produzem significados, histórias<br />

produzem histórias, brinca<strong>de</strong>iras produzem brinca<strong>de</strong>iras, <strong>de</strong>scobertas produzem <strong>de</strong>scobertas. Em<br />

uma corrente contínua, se ligam escola, vida, cultura e saber.<br />

Nesse movimento, a escola tem a função social <strong>de</strong> proporcionar situações para que as crianças<br />

possam ampliar e aprofundar conhecimentos que lhes permitam compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

várias formas, ampliando o sentido <strong>de</strong> ser e estar no mundo, <strong>de</strong> pertencer a <strong>de</strong>terminados grupos<br />

sociais, <strong>de</strong> viver em dado tempo e lugar, <strong>de</strong> partilhar <strong>práticas</strong> e conhecimentos. Nesse contexto,<br />

um dos seus compromissos fundamentais é garantir às crianças o direito <strong>de</strong> se apropriarem dos<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 22 .


conhecimentos historicamente produzidos e dos significados e usos que estes assumem na vida e<br />

nas <strong>práticas</strong> sociais humanas. Vamos refletir, nesta perspectiva, sobre o significado do processo<br />

<strong>de</strong> ensino-aprendizagem da língua <strong>escrita</strong> na escola.<br />

De um lado, po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r a língua <strong>escrita</strong> como conhecimento que traz novas<br />

formas e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação, registro, ação, criação e inteligibilida<strong>de</strong> do mundo.<br />

De outro lado, afigura-se também como ferramenta fundamental para o acesso aos<br />

conhecimentos das várias áreas do saber – ciência, filosofia, religião, história, entre outras –<br />

que se estruturam com base na língua <strong>escrita</strong>, através <strong>de</strong> discursos específicos constituídos por<br />

lógicas, compreensões e formas <strong>de</strong> comunicação e registro que lhes são próprias.<br />

Dessa forma, a língua <strong>escrita</strong> não po<strong>de</strong> ser reduzida nas <strong>práticas</strong> escolares apenas a um<br />

sistema <strong>de</strong> comunicação produzido pelo homem, mas precisa ser compreendida como uma<br />

linguagem social que nos permite participar das <strong>práticas</strong> sociais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> que<br />

permeiam as relações entre os homens nas socieda<strong>de</strong>s letradas, bem como penetrar no mundo<br />

letrado das várias áreas do saber.<br />

As crianças <strong>de</strong>vem ler e escrever na escola não para codificar/<strong>de</strong>codificar sons em letras e<br />

vice-versa, mas porque se lê e se escreve fora da escola e para escrever e ler fora da escola,<br />

na vida. Enfim, para tornar-se letrado, no sentido que vem sendo usado por autores como<br />

Soares (1998) e Kleiman (1995), ou seja, para participar das <strong>práticas</strong> sociais orais e <strong>escrita</strong>s da<br />

socieda<strong>de</strong> em que vivem.<br />

Na perspectiva do letramento, é necessário que os espaços escolares contenham materiais<br />

escritos diversificados, com diferentes suportes – jornais, livros, revistas, embalagens,<br />

televisão, telas <strong>de</strong> computador, entre outros – e tipos <strong>de</strong> textos variados: poesia, contos<br />

tradicionais, história em quadrinhos, biografias, tiras <strong>de</strong> humor, propagandas, textos<br />

científicos e informativos, mapas, tabelas, entre outros.<br />

Mas os materiais não bastam! É necessário criar situações interativas em que estes tenham<br />

significados e as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> tenham sentido. Não escrevemos sobre o nada,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 23 .


mas sobre o que conhecemos, sentimos e pensamos. Não escrevemos para treinar habilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>escrita</strong>, mas para registrar, comunicar, informar, entre outras funções. Não lemos para<br />

<strong>de</strong>codificar sons em letras, mas para sentir prazer, para nos informar, conhecer outros mundos<br />

e outras explicações da realida<strong>de</strong>.<br />

É escrevendo e lendo com sentido que as crianças constroem habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> e se<br />

constituem também como sujeitos letrados. É agindo sobre a <strong>escrita</strong>, a partir dos conhecimentos<br />

que já têm e <strong>de</strong> novas informações e reflexões, que ampliam seus conhecimentos. É incorporando<br />

o valor e o prazer <strong>de</strong> conhecer cada vez mais sobre o mundo, <strong>de</strong> interagir e conversar em torno<br />

dos conhecimentos produzidos pelo homem nos vários campos do saber, que vão se interessando<br />

pela <strong>leitura</strong> e pela <strong>escrita</strong> e se apropriando, não apenas das habilida<strong>de</strong>s para ler e escrever, mas das<br />

<strong>práticas</strong> sociais em que essas ativida<strong>de</strong>s estão envolvidas.<br />

Dessa forma, os saberes das crianças sobre a linguagem e os conhecimentos das diferentes<br />

áreas são fontes privilegiadas para novas aprendizagens. Conhecê-los é base para um trabalho<br />

pedagógico mais significativo e eficaz. E registrá-los é uma forma <strong>de</strong> explicitá-los e valorizá-<br />

los, colocando-os em um outro plano, na dinâmica do processo <strong>de</strong> ensinar e apren<strong>de</strong>r na<br />

escola. O registro dos saberes das crianças po<strong>de</strong> ser incluído no trabalho escolar cotidiano,<br />

através <strong>de</strong> várias possibilida<strong>de</strong>s: <strong>de</strong>senho, <strong>escrita</strong>, ví<strong>de</strong>o e audiogravações, <strong>de</strong> acordo com os<br />

recursos existentes e o que se quer registrar. Mas o que e para que registrar?<br />

Registrar é antes <strong>de</strong> tudo valorizar os saberes das crianças. É também instrumento para<br />

reflexão/avaliação, tanto para as professoras como para as crianças, dos conhecimentos que<br />

estas já têm e sobre aqueles que estão construindo. É suporte para as professoras planejarem<br />

ativida<strong>de</strong>s significativas que cruzem os saberes das crianças com outros saberes, pois revelam<br />

em que medida as situações oferecidas têm permitido o avanço das crianças no seu processo<br />

<strong>de</strong> aprendizagem. É também importante para orientar a participação das crianças no<br />

planejamento das ativida<strong>de</strong>s junto com os professores.<br />

Dentre as formas <strong>de</strong> registro, a <strong>escrita</strong> sobressai como uma ferramenta fundamental, que sempre<br />

está ao nosso alcance. Quando vamos trabalhar um tema em um projeto, por exemplo, é preciso<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 24 .


egistrar o que as crianças já conhecem sobre o mesmo, as perguntas que possuem, os aspectos<br />

que serão investigados, as fontes <strong>de</strong> pesquisa, as ativida<strong>de</strong>s que serão <strong>de</strong>senvolvidas. É importante<br />

registrar também tudo o que vai sendo produzido, as <strong>de</strong>scobertas. Registramos para conhecer,<br />

pensar, refletir, planejar, organizar, memorizar, avaliar. E as crianças, quando registram suas<br />

produções ou analisam registros feitos pelos professores, refletem sobre sua aprendizagem e se<br />

percebem autoras do processo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, construir e criar conhecimentos.<br />

Outro exemplo mais específico <strong>de</strong> utilização do registro é o trabalho que se po<strong>de</strong> fazer com a<br />

língua <strong>escrita</strong> através do registro escrito dos conhecimentos que permeiam o cotidiano das<br />

brinca<strong>de</strong>iras e grupos sociais infantis, como, por exemplo, a <strong>escrita</strong> das canções, quadrinhas,<br />

parlendas, jogos e brinca<strong>de</strong>iras que as crianças conhecem. A <strong>leitura</strong> e a <strong>escrita</strong> <strong>de</strong> textos que as<br />

crianças sabem <strong>de</strong> memória é um recurso interessante para as crianças analisarem as relações<br />

entre a língua oral e a língua <strong>escrita</strong>, estabelecerem relações entre sons e letras, observarem<br />

marcas da língua <strong>escrita</strong> e se constituírem como autores <strong>de</strong> <strong>práticas</strong> sociais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e a <strong>escrita</strong>. É<br />

também um rico material para conhecermos o que as crianças já sabem e que estratégias estão<br />

usando para se apropriarem da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong>. A partir daí, po<strong>de</strong>mos ajustar melhor as<br />

intervenções necessárias para provocar avanços na aprendizagem.<br />

A documentação e o acompanhamento dos registros <strong>de</strong> diferentes momentos do processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem, seja da língua <strong>escrita</strong> ou <strong>de</strong> outros conhecimentos, são estratégias importantes<br />

para a visibilida<strong>de</strong> e a reflexão do processo <strong>de</strong> aprendizagem das crianças e das <strong>práticas</strong><br />

pedagógicas. É também um importante canal através do qual a escola po<strong>de</strong> compartilhar com<br />

os pais o processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem. Para as crianças, a reflexão sobre suas produções<br />

e sobre as mudanças nestas ocorridas ao longo do tempo contribui para que se percebam como<br />

autoras do seu processo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e conhecer cada vez mais sobre o mundo. Contribui para<br />

que entendam que os saberes por elas já construídos formam a base para alcançar novos<br />

saberes, em uma dinâmica que envolve aplicações, hipóteses, rupturas, ampliações,<br />

questionamentos e transformações na busca <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e se apropriar <strong>de</strong> novas<br />

explicações e formas <strong>de</strong> ação sobre o mundo.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 25 .


Nesse processo <strong>de</strong> reconhecimento e <strong>de</strong> ampliação dos saberes das crianças, além do trabalho<br />

com a linguagem e com os conhecimentos das várias áreas da ciência, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

fora o trabalho com a arte. As diferentes produções artístico-culturais produzidas pelo homem<br />

constituem possibilida<strong>de</strong>s diferenciadas <strong>de</strong> diálogo com o mundo, oferecendo novas formas<br />

<strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> inteligibilida<strong>de</strong>, compreensão e relação com a vida.<br />

O trabalho com diferentes formas <strong>de</strong> expressão, como a literatura, as artes visuais, as artes<br />

plásticas, a dança, o teatro, entre outras, contribui para as crianças expressarem e ampliarem seus<br />

saberes <strong>de</strong> diferentes modos, abrindo janelas para novas compreensões e também para a<br />

construção <strong>de</strong> novos modos <strong>de</strong> comunicação sobre o que pensam e como vêem o mundo.<br />

Assim, é importante explorar a arte que se faz com a <strong>escrita</strong>, através da poesia, da biografia,<br />

dos contos tradicionais etc. Lendo para as crianças e incentivando suas próprias produções,<br />

estaremos mobilizando sua sensibilida<strong>de</strong>, afetivida<strong>de</strong>, emoção, imaginação e criação.<br />

Estaremos contribuindo também para que elas percebam que existem diferentes sistemas <strong>de</strong><br />

referência do mundo, que se abrem para muitos sentidos ao se conectarem com as<br />

experiências singulares <strong>de</strong> diferentes sujeitos.<br />

A apropriação <strong>de</strong> produções literárias pelas crianças envolve construir o gosto, o prazer, da<br />

<strong>leitura</strong> e da escuta sensíveis, conduzindo-as a novos planos <strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong> si mesmas e da<br />

vida. Envolve também compreen<strong>de</strong>r as lógicas, técnicas e formas <strong>de</strong> organização próprias<br />

<strong>de</strong>ssas produções. E ainda expressar-se através <strong>de</strong>las, brincar com as palavras, trabalhar suas<br />

combinações, buscando novos sentidos, novas significações.<br />

O trabalho com outras formas <strong>de</strong> expressão artística como o teatro, a dança, a pintura, a<br />

música também abre muitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reconhecimento, <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> alargamento<br />

dos saberes das crianças. Assim, é importante que as crianças possam participar <strong>de</strong> exposições<br />

variadas, assistir a filmes, danças, peças <strong>de</strong> teatro, ouvir músicas <strong>de</strong> diferentes compositores<br />

(os CDs, DVDs, a televisão po<strong>de</strong>m facilitar esse trabalho). O acesso a livros <strong>de</strong> arte e<br />

biografias <strong>de</strong> autores <strong>de</strong> produções artísticas também amplia as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

conhecimento e <strong>de</strong> recriação do mundo. Apreciando, imaginando, sentindo, significando,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 26 .


analisando as características e formas <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> diferentes produções, as crianças vão<br />

se apropriando <strong>de</strong> novas linguagens e <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> expressão e criação.<br />

Dentre outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho com a arte, po<strong>de</strong>mos apresentar obras <strong>de</strong> diferentes<br />

pintores para as crianças, <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>senvolver o processo <strong>de</strong> apreciação, reflexão e<br />

produção artística. Um exemplo nesse sentido foi o projeto sobre Portinari <strong>de</strong>senvolvido pelas<br />

professoras Juju Andra<strong>de</strong> Rodrigues e Noêmia Fabíola Costa do Nascimento, da Creche<br />

Municipal Maria Alice Gonçalves Guerra, em Camaragibe/PE (Prêmio Qualida<strong>de</strong> na<br />

Educação Infantil, 2004, p. 70-73). Através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> textos <strong>de</strong> revistas,<br />

livros e sites da Internet, e <strong>de</strong> apreciação e observação <strong>de</strong> imagens, as crianças conheceram a<br />

história <strong>de</strong> Portinari menino, resgataram as brinca<strong>de</strong>iras populares retratadas pelo pintor,<br />

contextualizando-as com as situações por elas vivenciadas em casa e na creche, e recriaram as<br />

obras analisadas através <strong>de</strong> seus próprios <strong>de</strong>senhos. Dessa forma, pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>senvolver o<br />

senso da observação e da produção estéticas, construindo novos olhares sobre o mundo.<br />

Essa experiência nos faz ver que é possível trabalhar arte com crianças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenas. Não<br />

como exercícios <strong>de</strong> técnicas, treinamentos psicomotores ou cópia <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los, mas como<br />

forma <strong>de</strong> linguagem que mobiliza a nossa emoção, a afetivida<strong>de</strong>, a reflexão sobre a vida e o<br />

processo <strong>de</strong> comunicação e expressão dos nossos saberes e sentimentos. O acesso à<br />

pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagens nos ajuda a nos constituirmos autores, críticos e criativos, pois<br />

“alarga o acervo <strong>de</strong> referências relativas às características e funcionamento <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong><br />

expressão bem como amplia a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> significados e modos diferenciados <strong>de</strong><br />

comunicabilida<strong>de</strong> e compreensão” (Borba e Goulart, 2006).<br />

Saberes que produzem saberes. Como um tecido que se tece, fios se cruzam, se conectam, se<br />

alongam, se alargam e compõem novas formas. Nesse tecer saberes, vimos que é importante a<br />

criação, na escola, <strong>de</strong> diferentes possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conexões dos saberes das crianças com os<br />

saberes historicamente produzidos. Conexões que se fazem pelo trabalho com a linguagem, com<br />

as ciências, com a arte. E nesse trabalho, também nós, professores, produzimos saberes. Junto<br />

com as crianças apren<strong>de</strong>mos sobre o mundo, sobre a natureza e a cultura. Com o olhar atento<br />

sobre seus saberes, suas construções e sobre os nossos próprios saberes, ampliamos, nós também,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 27 .


nossos saberes sobre o mundo, sobre as crianças, sobre nós mesmos e sobre a nossa prática<br />

docente.<br />

Referências bibliográficas<br />

BORBA, A. M. e GOULART, C. As diversas expressões e o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

criança na escola. Circulação restrita. A sair em documento do MEC sobre o<br />

Ensino Fundamental <strong>de</strong> Nove Anos, 2006.<br />

SOARES, M. B. <strong>Letra</strong>mento - um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica:<br />

1998.<br />

KLEIMAN, A. B. Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> letramento e as <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> alfabetização na escola. In:<br />

Kleiman, A. B. (org.). Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado<br />

das <strong>Letra</strong>s, 1995.<br />

Sugestões <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> para os professores<br />

KRAMER, S. e LEITE, M. I. Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus,<br />

1998.<br />

MEC/SEF. Prêmio incentivo à educação fundamental 2004: experiências premiadas.<br />

Brasília: Ministério da Educação, 2005.<br />

MEC/COEDI. Prêmio qualida<strong>de</strong> na Educação Infantil, 2004: projetos premiados.<br />

Brasília, 2005.<br />

OSTETTO, L. E. e Leite, M. I. Arte, infância e formação <strong>de</strong> professores: autoria e<br />

transgressão. Campinas, SP: Papirus, 2004.<br />

Nota:<br />

Professora da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

Fluminense/UFF.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 28 .


PROGRAMA 3<br />

O PLANEJAMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA<br />

Patrícia Corsino 1<br />

Pombada contava aos meninos <strong>de</strong> Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os<br />

holan<strong>de</strong>ses, na fuga apressada do <strong>Brasil</strong>, faziam nos seus quintais para escon<strong>de</strong>r suas<br />

moedas <strong>de</strong> ouro (...). Mas eu estava a pensar em achadouros <strong>de</strong> infâncias. Se a gente cavar<br />

um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se<br />

a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo <strong>de</strong><br />

uma lagartixa. Sou hoje um caçador <strong>de</strong> achadouros <strong>de</strong> infância. Vou meio <strong>de</strong>mentado e<br />

enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Manoel <strong>de</strong> Barros<br />

O poeta nos instiga a procurar os achadouros <strong>de</strong> infância. Tesouros que escon<strong>de</strong>m a menina<br />

ou o menino que fomos e que permitem também olhar os meninos e as meninas que<br />

convivem diariamente conosco. O <strong>de</strong>safio é escavar no quintal, no pátio da escola, nos<br />

armários, nas mesas, nas caixas, nos brinquedos, nas brinca<strong>de</strong>iras, nos programas <strong>de</strong> <strong>TV</strong>, nos<br />

livros, nos CDs ou em qualquer outro escon<strong>de</strong>rijo e achar o maior número possível <strong>de</strong><br />

achadouros <strong>de</strong> infância para, a partir <strong>de</strong>les e com eles, po<strong>de</strong>r pensar e planejar as ações<br />

pedagógicas.<br />

Escolhemos esta imagem para iniciar a discussão sobre o planejamento pedagógico das<br />

classes <strong>de</strong> Educação Infantil e das primeiras séries/anos do Ensino Fundamental <strong>de</strong> Nove<br />

Anos, por enten<strong>de</strong>r que a criança é o ponto <strong>de</strong> partida do trabalho e que a educação é uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação das suas experiências emocional, corporal, cognitiva, sócio-<br />

afetiva, sensorial etc. Partimos da compreensão <strong>de</strong> que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ida<strong>de</strong> e da<br />

origem social, étnica, cultural ou religiosa, toda criança é sujeito ativo e nas suas interações<br />

está o tempo todo significando e re-criando o mundo ao seu redor. No contato com a<br />

realida<strong>de</strong>, as crianças criam sentidos singulares e a aprendizagem é justamente esta<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuir sentido às suas experiências. Nesta perspectiva, planejar inclui<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 29 .


escutar a criança para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>senhar uma ação que amplie as suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produzir<br />

significados. O que implica dar espaço para as diferentes falas e expressões da criança e,<br />

conseqüentemente, para o imprevisível.<br />

O planejamento: características e dimensões<br />

Nas últimas décadas, os estudos e pesquisas, principalmente <strong>de</strong> Jean Piaget e <strong>de</strong> Lev<br />

Vygostsky, têm trazido para a educação as dimensões interativas, processuais e construtivas<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento e da aprendizagem da criança. Não cabe neste texto discutir estas teorias,<br />

mas apenas apontar o quanto elas provocaram e provocam mudanças <strong>de</strong> paradigma na forma<br />

<strong>de</strong> conceber o <strong>de</strong>senvolvimento infantil e o próprio trabalho pedagógico. Assumir uma<br />

proposta construtivista <strong>de</strong> educação tem várias implicações. A começar pela compreensão <strong>de</strong><br />

que o conhecimento é uma construção coletiva, que é na troca dos sentidos construídos, no<br />

diálogo e na valorização das diferentes vozes que circulam nos espaços <strong>de</strong> interação, que a<br />

aprendizagem vai se dando. Isto faz da sala <strong>de</strong> aula um lugar <strong>de</strong> confronto <strong>de</strong> diferentes<br />

pontos <strong>de</strong> vista – das crianças, do professor, dos livros e <strong>de</strong> outras fontes –, portanto, <strong>de</strong> troca,<br />

<strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> saberes. Professores e alunos, mesmo que <strong>de</strong> lugares<br />

diferentes, participam <strong>de</strong>ste processo.<br />

E é do lugar <strong>de</strong> um sujeito mais experiente que o professor po<strong>de</strong> conhecer e acompanhar os<br />

processos das crianças, perceber como cada uma está apren<strong>de</strong>ndo e se <strong>de</strong>senvolvendo. Isto<br />

direciona o foco do trabalho para a aprendizagem da criança e instiga o professor a se<br />

questionar: como ela apren<strong>de</strong>? Quais são as suas conquistas? Como posso organizar o<br />

trabalho para <strong>de</strong>safiá-la a ir adiante? Que perguntas e intervenções eu preciso formular para<br />

provocar reflexões e avanços no seu <strong>de</strong>senvolvimento? Como organizar o tempo e o espaço<br />

escolar <strong>de</strong> forma a ampliar as possibilida<strong>de</strong>s socializadoras e criativas das crianças?<br />

Desse modo, o planejamento passa a ter novas dimensões e características. Entre elas,<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar algumas como:<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 30 .


1) O inacabamento – como afirma Geraldi (2003), a vida, concebida como acontecimento<br />

ético aberto, não comporta acabamento (p. 47). É na relação com o outro que po<strong>de</strong>mos ver o<br />

que, do nosso ponto <strong>de</strong> observação, não é possível. E é no confronto <strong>de</strong> diferentes saberes e<br />

pontos <strong>de</strong> vista que o planejamento po<strong>de</strong> ir se completando e ganhando novos contornos. O<br />

planejamento não é algo solitário feito pelo professor. É uma construção que envolve a equipe<br />

pedagógica da escola e as crianças também. Cabe ao professor prever o que po<strong>de</strong>rá ser<br />

<strong>de</strong>senvolvido, mas é na troca coletiva que ele vai se ajustando e se aproximando dos<br />

interesses e necessida<strong>de</strong>s do grupo <strong>de</strong> crianças.<br />

2) A participação – o planejamento, quando coletivo e participativo, <strong>de</strong>scentralizado do<br />

professor, passa a ser responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, da elaboração e execução à avaliação.<br />

Envolver as crianças no planejamento das ativida<strong>de</strong>s do dia-a-dia e/ou <strong>de</strong> um projeto que será<br />

<strong>de</strong>senvolvido pela turma é importante pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as crianças pensarem juntas,<br />

fazerem escolhas, negociarem pontos <strong>de</strong> vistas, anteverem o que vão fazer etc. Todo este<br />

processo <strong>de</strong> participação, além <strong>de</strong> ser uma experiência coletiva interessante, possibilita um<br />

maior envolvimento no processo e, por isso mesmo, maior comprometimento com as<br />

propostas e com o próprio grupo. Ao se sentirem protagonistas do processo, autorizadas a<br />

discutir, opinar e a fazer escolhas, as crianças tornam-se co-autoras do trabalho. Neste sentido,<br />

é importante a apresentação das ativida<strong>de</strong>s para as crianças, seus objetivos didáticos, o tempo<br />

<strong>de</strong> duração, as expectativas, os resultados e a avaliação, isto faz com que elas se situem,<br />

dando clareza ao que terão que fazer, aos objetivos a serem alcançados, possibilitando a<br />

organização, a gestão do tempo e a auto-avaliação – elementos básicos para a construção da<br />

autonomia.<br />

3) A previsibilida<strong>de</strong> e a imprevisibilida<strong>de</strong> – o que se po<strong>de</strong> e o que não se po<strong>de</strong> antecipar em<br />

relação à aprendizagem das crianças? Quais são os pontos (conteúdos, objetivos, processos<br />

etc.) que necessitam <strong>de</strong> discussões em reuniões <strong>de</strong> planejamento da escola, do segmento e/ou<br />

da série? Que objetivos precisam ser alcançados por cada grupo e por cada criança, durante<br />

um <strong>de</strong>terminado período? Que intervenções e encaminhamentos são necessários prever para<br />

que a aprendizagem ocorra? Que ajustes o planejamento precisa sofrer para atingir os<br />

objetivos? Estas e outras questões fazem parte <strong>de</strong> uma proposta pedagógica comprometida<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 31 .


com a aprendizagem das crianças. O planejamento é o lugar <strong>de</strong> reflexão do professor que, a<br />

partir <strong>de</strong> suas observações e registros, prevê ações, encaminhamentos e seqüências <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s, organiza o tempo e o espaço, seleciona e disponibiliza materiais. Mas, ao partilhar<br />

com o grupo o previsível, se abre ao imprevisível. Nesta tensão entre o previsível e o<br />

imprevisível, cabe ao professor, como coor<strong>de</strong>nador e organizador do processo, ficar atento às<br />

negociações, ao que ele po<strong>de</strong> ou não abrir mão, ao que precisa ser retomado, às necessida<strong>de</strong>s<br />

do grupo e <strong>de</strong> cada criança individualmente.<br />

4) A continuida<strong>de</strong> e o enca<strong>de</strong>amento – o planejamento é uma forma <strong>de</strong> organizar o tempo<br />

didático. Po<strong>de</strong>-se lidar com as rotinas escolares preenchendo o tempo como se cada espaço<br />

e/ou áreas do conhecimento fossem recipientes isolados entre si, ou seja, seguindo um mo<strong>de</strong>lo<br />

disciplinar, fragmentado, ou po<strong>de</strong>-se também pensar o tempo e as propostas num duplo<br />

movimento, em que se entrecruzam: o processo <strong>de</strong> interação horizontal, que abarca a<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong> e/ou a articulação entre as áreas, e o processo <strong>de</strong> interação vertical, que<br />

enca<strong>de</strong>ia e aprofunda processos, ampliando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> conhecimentos<br />

e conceitos. O que dá sentido ao cotidiano das crianças é justamente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estabelecerem relações, <strong>de</strong> participarem <strong>de</strong> processos que se inter-relacionam, em que uma<br />

ativida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sdobra em outra <strong>de</strong> forma integrada. Por exemplo, a <strong>escrita</strong>, os <strong>de</strong>senhos, as<br />

pinturas e as construções são formas <strong>de</strong> representar, <strong>de</strong> expressar e registrar algo que se viveu,<br />

observou, sentiu. Estes registros, por sua vez, quando socializados e discutidos, tornam-se<br />

mais um espaço <strong>de</strong> elaboração individual e <strong>de</strong> troca coletiva que levam a outras ampliações.<br />

Pensar os três momentos – vivência, representação e conversa/troca – como um todo que, por<br />

sua vez, também se inter-relaciona com outras ativida<strong>de</strong>s, faz muito mais sentido do que<br />

quando trabalhados isoladamente.<br />

O planejamento e a organização do trabalho pedagógico<br />

Muito se tem dito sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o professor fazer registros do seu trabalho. Filmes,<br />

fotografias, álbuns, pequenas anotações, textos dos mais diferentes estilos, gêneros e extensão<br />

são recursos que muitos professores têm utilizado para registrar a experiência vivida com o<br />

grupo <strong>de</strong> alunos. O processo <strong>de</strong> registrar, porém, mais do que uma forma <strong>de</strong> capturar o<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 32 .


momento, funciona com um espaço <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> reflexão do professor sobre o trabalho<br />

realizado. Neste sentido, os registros, ao favorecerem o pensar sobre o que foi feito, po<strong>de</strong>m<br />

ser um importante suporte para o planejamento.<br />

Cada professor vai ter sua forma <strong>de</strong> registrar. Cada proposta e seu objetivo suscitam registros<br />

diferentes e estes, por sua vez, também po<strong>de</strong>m assumir diferentes funções. Assim é que, se<br />

observarmos um ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> uma professora, po<strong>de</strong>mos encontrar pequenos relatos, tabelas<br />

com anotações para acompanhamento <strong>de</strong> crianças em relação a uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida,<br />

tabelas <strong>de</strong> objetivos e seus <strong>de</strong>sdobramentos, código <strong>de</strong> cores na lista <strong>de</strong> crianças, lembrando<br />

processos, lembretes, <strong>de</strong>sabafos, fotos, folhas <strong>de</strong> trabalhos com anotações, folhas com<br />

<strong>de</strong>senhos e <strong>escrita</strong>s <strong>de</strong> crianças e até mesmo longas narrativas.<br />

Todas estas anotações portam a dinâmica do processo pedagógico. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler e <strong>de</strong><br />

consultar os registros permite ao professor acompanhar os processos individuais e coletivos,<br />

dá elementos para ele se situar em relação ao que previu para a turma e para avaliar o que foi<br />

<strong>de</strong>senvolvido, promover reorientações, re-planejar, buscar novos procedimentos e estratégias<br />

para alcançar um objetivo. Com os registros, o acompanhamento do processo é estudado pelo<br />

professor, o que suscita questões como: o que tenho planejado tem contribuído para que as<br />

crianças avancem em seus saberes? O que preciso saber sobre o que as crianças sabem para<br />

reorientar o meu planejamento?<br />

O planejamento se vale dos registros do que foi realizado, mas ele mesmo é um registro do<br />

que se projeta para um grupo <strong>de</strong> crianças, ao longo <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> tempo. Desta forma, ele<br />

se <strong>de</strong>sdobra em objetivos a serem alcançados em longo, médio e curto prazos.<br />

Cada escola se organiza da sua maneira, mas, geralmente, o planejamento em longo prazo<br />

costuma ser anual. É interessante que, anualmente, a equipe da escola discuta em conjunto os<br />

objetivos gerais a serem alcançados, em cada área do conhecimento, por cada turma, e os<br />

possíveis projetos a serem <strong>de</strong>senvolvidos institucionalmente. O trabalho <strong>de</strong> equipe permite a<br />

continuida<strong>de</strong>, a diversida<strong>de</strong>, a distribuição e a amplitu<strong>de</strong> do que será <strong>de</strong>senvolvido por cada<br />

grupo. Embora a escola possa ter um currículo já traçado para as séries/anos, é importante se<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 33 .


ter um panorama dos projetos, interesses e conquistas anteriores <strong>de</strong> cada turma, para se <strong>de</strong>finir<br />

os avanços e a abrangência que serão esperados para o ano em curso. As orientações<br />

curriculares <strong>de</strong> cada escola são referências importantes, que estruturam o trabalho prevendo<br />

ampliações e conquistas, tecendo um fio condutor entre as séries/anos, mas também abarcam<br />

as características anteriormente citadas, sendo, assim, dinâmicas e flexíveis.<br />

Além <strong>de</strong> um plano anual, as escolas e os professores fazem planos semestrais, bimestrais,<br />

semanais e diários para organizar, distribuir, <strong>de</strong>talhar, <strong>de</strong>sdobrar os objetivos das áreas em<br />

médio e em curto prazo. Cada uma <strong>de</strong>stas distribuições <strong>de</strong> objetivos em períodos <strong>de</strong> tempo<br />

tem como funções a progressão e a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propostas e, sobretudo, o aprendizado das<br />

crianças. Elas apresentam não apenas os conteúdos selecionados para o período, mas também<br />

<strong>de</strong>talhamentos diferentes do fazer pedagógico. Assim é que um planejamento semanal, por<br />

exemplo, po<strong>de</strong> prever ativida<strong>de</strong>s que serão <strong>de</strong>senvolvidas para o coletivo, para um grupo<br />

específico ou para uma criança em especial, em função do que o professor observou em<br />

relação às conquistas e apropriações das crianças. Afinal, a prática é pensada a partir dos<br />

saberes das crianças e também para a ampliação dos saberes <strong>de</strong>las. Portanto, é uma prática<br />

reflexiva, em que o professor comprometido busca a articulação dos seus saberes para pensar<br />

a criança e propor situações <strong>de</strong>safiadoras, criativas, abertas e capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar os<br />

avanços.<br />

O compromisso do professor com a aprendizagem é firmado na dinâmica que ele imprime no<br />

cotidiano, quando os processos individuais e coletivos são acompanhados <strong>de</strong> perto, quando<br />

são pensadas diferentes formas <strong>de</strong> organizar o tempo, o espaço e os recursos para <strong>de</strong>senvolver<br />

as ativida<strong>de</strong>s.<br />

O planejamento focado na aprendizagem das crianças prevê a organização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

diferenciadas – como os trabalhos diferenciados distribuídos em cantos da sala – para aten<strong>de</strong>r<br />

às diferenças, prevê também algumas ativida<strong>de</strong>s permanentes – como a hora do conto, o<br />

momento <strong>de</strong> jogos e brinca<strong>de</strong>ira – que visam à socialização, à apropriação <strong>de</strong> <strong>práticas</strong> pelas<br />

crianças etc.; prevê outras ativida<strong>de</strong>s ocasionais – como passeios, visitas, filmes – e, ainda,<br />

ativida<strong>de</strong>s seqüenciadas para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar processos, <strong>de</strong>senvolver projetos etc. Seja<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 34 .


envolvendo a turma toda, pequenos grupos, duplas <strong>de</strong> trabalho ou as crianças<br />

individualmente, as ativida<strong>de</strong>s são pensadas tendo a aprendizagem como horizonte.<br />

Neste momento em que o Ensino Fundamental se amplia para nove anos <strong>de</strong> duração e passa a<br />

incluir as crianças <strong>de</strong> seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, faz-se necessário repensar as <strong>práticas</strong>, reor<strong>de</strong>nar o<br />

currículo, redistribuir os objetivos <strong>de</strong> cada área, re<strong>de</strong>senhar os espaços e tempos escolares,<br />

rever os planejamentos para que as crianças possam <strong>de</strong> fato ter ganhos significativos com<br />

mais um ano <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> obrigatória. Não há dúvida <strong>de</strong> que o planejamento da prática<br />

pedagógica é um instrumento fundamental para se garantir uma prática reflexiva e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um trabalho comprometido com a aprendizagem da criança, ou seja, com<br />

a sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir significados.<br />

É pelo comprometimento com o <strong>de</strong>senvolvimento integral da criança que se faz necessário<br />

sair, como o poeta, <strong>de</strong> enxada às costas a cavar nos quintais da vida os achadouros <strong>de</strong><br />

infância, vestígios dos meninos que fomos nos meninos e meninas que diariamente estão<br />

conosco no cotidiano escolar.<br />

Sugestões <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

Planejamento participativo<br />

Organize um canto do quadro <strong>de</strong> giz para o planejamento diário. Institua na sua rotina o<br />

momento <strong>de</strong> elaborar o planejamento participativo, abrindo espaço para as crianças opinarem<br />

sobre a sua proposta e chegarem coletivamente ao que será feito no dia e como será feito.<br />

Registre com elas as ativida<strong>de</strong>s combinadas. Ao longo do dia, assinale o que for sendo feito e,<br />

no final, novamente na roda, coor<strong>de</strong>ne a avaliação do dia.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 35 .


Livro da vida<br />

Uma das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas por Freinet na escola era o livro da vida da turma. Isto é, o<br />

registro diário do que o grupo vivenciou, dos significados partilhados. O professor po<strong>de</strong><br />

aproveitar a avaliação para fazer o registro no livro da vida.<br />

Questões para elaborar o planejamento:<br />

O que eu quero que as crianças aprendam?<br />

Que conhecimentos prévios elas têm sobre o tema/conteúdo?<br />

Como posso organizar o trabalho <strong>de</strong> maneira a tornar o tema/conteúdo interessante para as<br />

crianças?<br />

Que <strong>de</strong>sdobramentos a ativida<strong>de</strong> sugere?<br />

Referências bibliográficas<br />

BARROS. Manoel <strong>de</strong>. Memórias Inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.<br />

GERALDI, João Wan<strong>de</strong>rlei. A diferença i<strong>de</strong>ntifica. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>forma. Percursos<br />

bakhtinianos <strong>de</strong> construção ética e estética. Freitas, Souza e Kramer (orgs.)<br />

Ciências humanas e pesquisa: <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> Mikail Bakhtin. São Paulo: Cortez,<br />

2003, p.39-56.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 36 .


Sugestões <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> para os professores<br />

HELM & BENEKE (orgs.). O po<strong>de</strong>r dos projetos: novas estratégias e soluções para<br />

a Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2005.<br />

MEC/SEF. Prêmio Incentivo à Educação Fundamental 2004: experiências<br />

premiadas. Brasília: Ministério da Educação, 2005.<br />

MEC/COEDI. Prêmio Qualida<strong>de</strong> na Educação Infantil, 2004: projetos premiados.<br />

Brasília, 2005.<br />

Nota:<br />

Professora da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação/Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro - UFRJ.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 37 .


PROGRAMA 4<br />

AÇÕES, INTERAÇÕES E INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE<br />

ALFABETIZAÇÃO<br />

Alice <strong>de</strong> La Roque Romeiro 1<br />

“(...) Nas aulas <strong>de</strong> poesia, Dona Maria caprichava. Abria o ca<strong>de</strong>rno, e não só lia poemas,<br />

mas escrevia fundo em nosso pensamento as idéias mais eternas. Ninguém suspirava, com<br />

medo da poesia ir embora: Olavo Bilac, Gabriela Mistral, Alvarenga Peixoto e “Toc, toc,<br />

tamanquinhos”. Outras vezes <strong>de</strong>clamava poemas <strong>de</strong> um poeta chamado Anônimo. Ele<br />

escrevia sobre tudo, mas a professora não falava <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinha nem on<strong>de</strong> tinha nascido. E a<br />

poesia ficava mais in<strong>de</strong>cifrável...”<br />

Bartolomeu Campos <strong>de</strong> Queirós<br />

Como Bartolomeu Campos <strong>de</strong> Queirós, João Ubaldo Ribeiro (1995) e Rubem Alves (1999),<br />

<strong>de</strong>ntre muitos outros autores consagrados, publicaram suas experiências infantis conduzidas<br />

por leitores <strong>de</strong> casa e da escola. A <strong>leitura</strong> <strong>de</strong>ssas experiências nos leva a pensar que para<br />

formar verda<strong>de</strong>iros usuários da língua <strong>escrita</strong> – um dos papéis da escola – é necessário que a<br />

criança tenha a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir textos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Mas até que ponto nós,<br />

professores, damos a <strong>de</strong>vida importância à nossa <strong>leitura</strong> em sala <strong>de</strong> aula? Que momentos da<br />

rotina escolar são escolhidos para essa ativida<strong>de</strong>? Será que conseguimos ler pelo simples<br />

prazer da <strong>leitura</strong>, sem cobranças, um texto literário ou informativo que nos tenha chamado a<br />

atenção? Ora, levando-se em conta que o professor é, <strong>de</strong> certo modo, um mo<strong>de</strong>lo para os<br />

alunos, é possível afirmar que o entusiasmo pelas <strong>leitura</strong>s selecionadas po<strong>de</strong>rá, no mínimo,<br />

criar nos estudantes o gosto pela <strong>leitura</strong> e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer outros textos e novos autores,<br />

além <strong>de</strong> possibilitar produções orais, <strong>escrita</strong>s e em outras linguagens. E, ainda, a partir da<br />

prática <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> constante, em voz alta, por um leitor competente, o aluno também po<strong>de</strong>:<br />

• Apren<strong>de</strong>r comportamentos <strong>de</strong> leitor;<br />

• Ampliar a visão <strong>de</strong> mundo;<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 38 .


• Compreen<strong>de</strong>r e relacionar textos;<br />

• Expandir o vocabulário;<br />

• Obter informações sobre os assuntos lidos;<br />

• Observar a entonação e modos <strong>de</strong> ler;<br />

• Compreen<strong>de</strong>r o funcionamento comunicativo da <strong>escrita</strong>;<br />

• Conhecer características dos diversos gêneros textuais;<br />

• Apreciar o estilo <strong>de</strong> diferentes autores...<br />

Por outro lado, ao escolher um momento especial <strong>de</strong>ntro do planejamento diário para<br />

compartilhar um texto com os alunos, o professor estará mostrando o valor que essa ativida<strong>de</strong><br />

tem para ele.<br />

Diante do que foi dito até então, os educadores po<strong>de</strong>rão levantar a seguinte questão: “Mas<br />

para quais séries é importante ler?” Levando em consi<strong>de</strong>ração a zona <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

proximal 2 (Vygotsky, 1991), algumas <strong>práticas</strong> têm mostrado que se o professor sente a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar as crianças para que cada vez mais avancem nas habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong>, <strong>de</strong>ve haver um investimento em textos que os alunos ainda não conseguem ler<br />

sozinhos. Portanto, esse é um tipo <strong>de</strong> ação muito relevante nas séries/anos escolares iniciais<br />

(Educação Infantil e Ensino Fundamental). Paulo Freire (1987) relata uma experiência<br />

interessante vivenciada como mestre <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> pós-doutorado, nos Estados Unidos da<br />

América. Ele conta que, ao <strong>de</strong>scobrir que o grupo <strong>de</strong> estudantes não tinha conhecimento<br />

suficiente para interagir com os livros da lista que sugerira, usou como estratégia começar por<br />

ler para e com os alunos. Como vemos, a prática <strong>de</strong> ler para os alunos po<strong>de</strong> se mostrar<br />

significativa para alunos <strong>de</strong> várias ida<strong>de</strong>s.<br />

Por fim, evidências comprovam que leitores competentes <strong>de</strong> textos interessantes,<br />

provocadores da atenção e bem produzidos são imprescindíveis para se introduzir qualquer<br />

indivíduo no mundo letrado, ativida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve estar presente no currículo e no planejamento<br />

<strong>de</strong> qualquer escola.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 39 .


Junto se apren<strong>de</strong> melhor<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos que não existem duas pessoas iguais, com a mesma maneira <strong>de</strong> agir, os<br />

mesmos conhecimentos, as mesmas reações diante do inusitado, como seria possível imaginar<br />

algum grupo homogêneo? Em se tratando da escola, sabemos que o início do ano letivo é<br />

sempre marcado pelo ingresso <strong>de</strong> inúmeras pessoas – não importa se do corpo docente ou<br />

discente – cada uma <strong>de</strong>las com sua própria história <strong>de</strong> vida. E não será o espaço escolar um<br />

lugar privilegiado para se criarem oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trocas, visando a avanços nos diferentes<br />

grupos tanto <strong>de</strong> professores quanto <strong>de</strong> alunos? Mas como fazer com que isso aconteça?<br />

Organizar a turma em grupos produtivos é uma aprendizagem – po<strong>de</strong> se constituir<br />

inicialmente em um <strong>de</strong>safio gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais para os professores que nunca vivenciaram tal<br />

prática em sua vida escolar como estudantes. No entanto, para <strong>de</strong>senvolver essa possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> trabalho, é necessário que ocorram, nas escolas, reuniões regulares <strong>de</strong> planejamento e<br />

avaliação do realizado, com a supervisão <strong>de</strong> um educador <strong>de</strong>stinado a coor<strong>de</strong>nar o grupo: um<br />

profissional que possa ouvir e compreen<strong>de</strong>r as angústias e dúvidas <strong>de</strong> seus colegas, colocar<br />

questões em discussão, compartilhar e recomendar <strong>leitura</strong>s, promover sessões <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, enfim,<br />

promover a aprendizagem compartilhada, trazendo novida<strong>de</strong>s e propiciando trocas. É<br />

importante, portanto, que o professor tenha oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ver como membro <strong>de</strong> um<br />

grupo, interagindo com seus pares. Assim, vivenciando a experiência concreta <strong>de</strong> partilha <strong>de</strong><br />

saberes, textos, afetos, o professor po<strong>de</strong>rá incentivar o mesmo em sua turma.<br />

No caso da organização da turma, ao planejar uma ativida<strong>de</strong>, o professor precisa levar em<br />

conta não só a própria ativida<strong>de</strong> – os objetivos, o espaço disponível, o tempo <strong>de</strong> duração e o<br />

material a ser utilizado – como também o que o aluno já sabe sobre o conteúdo a ser<br />

trabalhado, além da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> crianças que tenham possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver uma melhor<br />

interação. Isso significa consi<strong>de</strong>rar aspectos cognitivos, afetivos e sociais, que<br />

recorrentemente são tratados nos cursos <strong>de</strong> formação. E são esses conhecimentos que vão<br />

<strong>de</strong>terminar o momento e a natureza <strong>de</strong> cada intervenção do professor para que as crianças<br />

ampliem seus conhecimentos.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 40 .


Sugestão <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>escrita</strong> para as séries iniciais (Educação Infantil e<br />

Ensino Fundamental):<br />

1- Leitura <strong>de</strong> um texto previamente selecionado pelo professor. Turma disposta em roda ou<br />

<strong>de</strong> forma a po<strong>de</strong>r apreciar melhor as ilustrações. Intervenções possíveis:<br />

a) Se o portador <strong>de</strong> textos for um livro literário, solicitar que, observando a capa, os alunos<br />

pensem em possíveis títulos para o livro e apontem on<strong>de</strong> o mesmo está escrito. O professor<br />

po<strong>de</strong> organizar uma discussão, permitindo que falem primeiro aqueles que têm menos<br />

conhecimentos, <strong>de</strong>ixando sua fala por último. Diante <strong>de</strong> uma <strong>leitura</strong> equivocada, po<strong>de</strong>, por<br />

exemplo, perguntar se o título começa mesmo com <strong>de</strong>terminada letra.<br />

b) Estratégias semelhantes às do item anterior po<strong>de</strong>m ser utilizadas na <strong>leitura</strong> e discussão <strong>de</strong><br />

outros tipos <strong>de</strong> textos como, por exemplo, <strong>de</strong> uma notícia <strong>de</strong> jornal comentada pela turma.<br />

Nesse caso, fotos ou os próprios comentários sobre o acontecimento po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong><br />

pistas para a antecipação da manchete da notícia.<br />

c) Durante a <strong>leitura</strong> ou no final <strong>de</strong>la, é interessante também dar espaço para que os alunos<br />

possam levantar questões e/ou fazer comentários sobre o texto, dando sua opinião quando<br />

acharem necessário.<br />

2- Leitura para os colegas <strong>de</strong> um livro escolhido por cada grupo na biblioteca da sala ou da<br />

escola. Turma organizada em duplas ou trios em que haja um leitor fluente.<br />

O professor po<strong>de</strong>rá permanecer junto a um dos grupos, para escutar a <strong>leitura</strong> e observar as<br />

discussões e questionamentos que porventura ocorram. Ou, no caso <strong>de</strong> ainda ser insuficiente o<br />

número <strong>de</strong> leitores já fluentes para todos os grupos, exercer este papel em um <strong>de</strong>les.<br />

3- Escrita pelo professor, à vista das crianças, <strong>de</strong> um texto produzido oralmente pelos alunos.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 41 .


Enquanto os alunos ditam, as intervenções po<strong>de</strong>m consistir em perguntas dirigidas à turma<br />

sobre como continuar o texto e/ou sobre a <strong>escrita</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas palavras e a pontuação.<br />

4- Produção <strong>de</strong> texto baseada em reconto oral e escrito <strong>de</strong> histórias por grupos com papéis<br />

<strong>de</strong>finidos: um aluno reconta uma história, enquanto outro escreve e um terceiro vai<br />

monitorando a <strong>escrita</strong> do texto.<br />

5- Solução <strong>de</strong> adivinhas em duplas<br />

Nesta ativida<strong>de</strong>, pelo menos um dos alunos <strong>de</strong> duplas <strong>de</strong> crianças não alfabetizadas <strong>de</strong>verá ter<br />

conhecimento do valor sonoro <strong>de</strong> algumas letras. Para estas duplas será distribuída uma folha,<br />

como a do exemplo abaixo:<br />

Marque a resposta correspon<strong>de</strong>nte a cada adivinha:<br />

O QUE É, O QUE É?<br />

QUE ENTRA NA ÁGUA,<br />

MAS NÃO SE MOLHA?<br />

O QUE É, O QUE É?<br />

QUE NÃO SE COME,<br />

MAS É BOM PRA SE COMER?<br />

SOPEIRA SOMBRA SOLEIRA<br />

TEAR TESOURA TALHER<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 42 .


Observações:<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado que a dupla selecionará a resposta em conjunto, mas que a cada<br />

vez será um a marcar, o professor fará a <strong>leitura</strong> da adivinha, acompanhada pelos alunos,<br />

numa tentativa <strong>de</strong> ajustar o falado ao escrito. Nesse caso, a ativida<strong>de</strong> será apenas <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong>, uma vez que os alunos, mesmo sem saberem ler, terão que fazer uso <strong>de</strong> estratégias<br />

<strong>de</strong> <strong>leitura</strong> 3 .<br />

As duplas compostas por já alfabetizados receberão uma folha com adivinhas, sem pistas,<br />

para lerem e escreverem as respostas, cada uma na sua vez. E a ativida<strong>de</strong> passará a ser <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong> e <strong>de</strong> <strong>escrita</strong>, pois, além da utilização <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> <strong>leitura</strong>, os alunos terão que<br />

pensar na maneira como vão escrever as palavras.<br />

Possíveis intervenções:<br />

Para as duplas ainda não alfabetizadas, uma boa intervenção consiste em solicitar a<br />

justificativa para as escolhas feitas pelos alunos. Já para as duplas alfabetizadas, as discussões<br />

fatalmente recairão sobre a ortografia.<br />

Para finalizar, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar duas questões importantes no trabalho com a organização<br />

da turma em duplas e em grupos. Em primeiro lugar, não há condições <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a todos no<br />

mesmo dia sendo, portanto, necessário pensar em priorida<strong>de</strong>s e planejar rodízio para que<br />

ninguém seja <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado. Em segundo lugar, nem sempre conseguimos formar grupos<br />

realmente produtivos. Daí ser fundamental uma avaliação constante, ao final <strong>de</strong> cada<br />

ativida<strong>de</strong>, com participação ativa dos alunos. Porém, é possível afirmar que esse tipo <strong>de</strong><br />

organização facilita o trabalho do professor no sentido <strong>de</strong> lidar com a heterogeneida<strong>de</strong> em<br />

uma turma real, além <strong>de</strong> todos os outros ganhos que a aprendizagem compartilhada po<strong>de</strong><br />

trazer para o coletivo da turma, como comentado anteriormente.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 43 .


Referências bibliográficas<br />

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. Edições Loyola,<br />

São Paulo, 1999.<br />

FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Paz e Terra, 1987.<br />

MEC, Secretaria <strong>de</strong> Ensino Fundamental. Módulo alfabetizar com textos. Brasília, 1999.<br />

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos <strong>de</strong>. Ler, escrever e fazer conta <strong>de</strong> cabeça. Belo<br />

Horizonte: Miguilim, 1996.<br />

RIBEIRO, João Ubaldo. Um brasileiro em Berlim. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira,<br />

1995.<br />

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.<br />

Sugestões <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> para os professores<br />

CARDOSO, Beatriz & EDNIR, Madza. Ler e escrever, muito prazer! São Paulo: Ática,<br />

1998.<br />

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto<br />

Alegre: Artmed, 2002.<br />

SOARES, Magda. <strong>Letra</strong>mento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,<br />

1998.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 44 .


Notas:<br />

Professora aposentada do Instituto <strong>de</strong> Aplicação Fernando Rodrigues<br />

da Silveira - CAP – UERJ.<br />

2 Segundo Vygotsky, zona <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento proximal é a distância<br />

entre o nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento real, que se costuma <strong>de</strong>terminar<br />

através da solução in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> problemas e o nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento potencial, <strong>de</strong>terminado através da solução <strong>de</strong><br />

problemas sob orientação <strong>de</strong> um adulto ou em colaboração com<br />

companheiros mais capazes.<br />

3 Segundo os Parâmetros em Ação <strong>de</strong> Alfabetização (1999), uma<br />

estratégia <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> é um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar<br />

informação. Há estratégias <strong>de</strong> seleção, <strong>de</strong> antecipação, <strong>de</strong> inferência e<br />

<strong>de</strong> verificação, além da <strong>de</strong> <strong>de</strong>codificação, normalmente privilegiada<br />

pelos programas <strong>de</strong> alfabetização escolares.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 45 .


PROGRAMA 5<br />

PRÁTICAS DE LEITURA E DE ESCRITA<br />

Eleonora Cretton Abílio 1<br />

Margareth Silva <strong>de</strong> Mattos 2<br />

Que a liberda<strong>de</strong> seja con<strong>de</strong>nação apenas nos responsabiliza; a cada segundo somos o que<br />

escolhemos ser, ainda quando se finja o contrário. Que a <strong>leitura</strong> do mundo seja igualmente<br />

con<strong>de</strong>nação igualmente nos responsabiliza; o mundo foi o que lemos <strong>de</strong>le, assim como o<br />

mundo é o que inscrevemos e escrevemos nele agora, com o nosso estilo, com o nosso pincel,<br />

com o nosso gesto. Gustavo Bernardo 3<br />

Des<strong>de</strong> que nascemos estamos con<strong>de</strong>nados a ser leitores. Foi com palavras como estas que<br />

Bartolomeu Campos Queirós iniciou uma conferência para professores em 1999. E é também<br />

o que acontece com a menina Aurora e sua mãe, nesta passagem da obra Pena <strong>de</strong> ganso, uma<br />

narrativa ficcional para jovens <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s que trata da temática da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong><br />

como algo inerente e necessário à vida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os seres humanos, com engenho e arte,<br />

inventaram a <strong>escrita</strong>.<br />

A folhinha do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus ficava pendurada na pare<strong>de</strong> do corredor, entre a<br />

cozinha e a sala <strong>de</strong> jantar. [...] Ali ficavam estampadas as informações do calendário: o dia<br />

do mês, da semana, os santos que se comemoravam, as fases da lua, alguma receita ou<br />

lembrança <strong>de</strong> cuidado com a saú<strong>de</strong>, tudo isso escrito em preto, algumas das letras muito<br />

miúdas, outras maiores, os números que anunciavam os dias sempre bem gran<strong>de</strong>s; em<br />

vermelho, se fosse domingo, feriado ou dia santo <strong>de</strong> guarda; em preto, se fosse dia <strong>de</strong> semana<br />

e sem comemoração importante.<br />

[...] Antes do café da manhã, a família já esperando na mesa, o pai <strong>de</strong>stacava a folhinha da<br />

véspera, lia as informações para o novo dia.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 46 .


A mãe não lia a folhinha, quer dizer, ela sabia os números, sabia o dia da maior parte dos<br />

santos, e só. Na hora em que Osvaldo lia a folhinha é que Estefânia <strong>de</strong>terminava, então, se<br />

cortava as couves da horta hoje ou se esperava mais um ou dois dias, se a galinha ia pro<br />

choco dali a pouco ou na semana seguinte. Por que a mãe esperava a <strong>leitura</strong> da folhinha<br />

para fazer o que ela sabia fazer? Ela não sabia reconhecer a lua, não sabia o ponto das<br />

couves, a hora <strong>de</strong> começar o choco?<br />

Aurora não conseguia enten<strong>de</strong>r, mas parece que aquela <strong>leitura</strong> dava à mãe alguma espécie<br />

<strong>de</strong> certeza ou <strong>de</strong> autorização que estava fora do alcance da compreensão <strong>de</strong>la. (Lacerda,<br />

2005, p. 33).<br />

Duas mulheres – Aurora e sua mãe Estefânia – separadas por tempos distintos: uma que<br />

<strong>de</strong>seja ar<strong>de</strong>ntemente ler, escrever e freqüentar a escola como seus irmãos, no <strong>Brasil</strong> do início<br />

do século XX; a outra que apren<strong>de</strong>u a ler os sinais do mundo, por meio <strong>de</strong> suas experiências<br />

cotidianas, primeiro na al<strong>de</strong>ia natal, em Trás-os-Montes/Portugal, e, mais tar<strong>de</strong>, no contexto<br />

urbano permeado pela <strong>escrita</strong> do país que a recebeu, sem nunca ter ido à escola. E é por essa<br />

razão que a pequena Aurora não conseguia compreen<strong>de</strong>r por que Estefânia precisava ouvir a<br />

<strong>leitura</strong> da folhinha, diariamente, para <strong>de</strong>cidir sobre tarefas que estava acostumada a fazer<br />

todos os dias, já que sobre elas tinha pleno conhecimento e domínio a partir <strong>de</strong> sua própria<br />

experiência, o que seria <strong>de</strong>nominado, segundo Paulo Freire, <strong>de</strong> saber-<strong>de</strong>-experiência-feito.<br />

Neste sentido, po<strong>de</strong>ríamos dizer que Aurora ainda não tinha consciência <strong>de</strong> que a <strong>leitura</strong> do<br />

mundo antece<strong>de</strong> à <strong>leitura</strong> da palavra, sendo ambas tão importantes nos processos <strong>de</strong> aquisição<br />

da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong>.<br />

Outra observação que o texto ficcional nos permite fazer refere-se à complexida<strong>de</strong> dos<br />

conhecimentos que as crianças vão <strong>de</strong>senvolvendo, ao levantarem suposições e expressarem<br />

os sentidos <strong>de</strong>sejados.<br />

Pensando na <strong>leitura</strong> e na <strong>escrita</strong> hoje, po<strong>de</strong>ríamos dizer, conforme Magda Soares (2000), que<br />

o sujeito que apren<strong>de</strong> a ler e a escrever atua “com” e “sobre” a língua <strong>escrita</strong>, tentando<br />

compreen<strong>de</strong>r o sistema <strong>de</strong> <strong>escrita</strong>, levantando hipóteses, interagindo com o outro,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 47 .


argumentando com base na suposição das regularida<strong>de</strong>s existentes nesse sistema, e<br />

submetendo à prova, tanto as hipóteses quanto as regularida<strong>de</strong>s.<br />

Em outra passagem, nossa personagem Aurora, ousando escrever, experimenta a entrada em<br />

um mundo novo e muito <strong>de</strong>sejado.<br />

Uma hora em que ninguém está olhando, Aurora molha o <strong>de</strong>do na tinta, ensaia um traço na<br />

superfície da mesa. Ela não sabe direito o que está acontecendo, mas experimenta uma<br />

sensação muito nova, um prazer que se esten<strong>de</strong> da ponta do <strong>de</strong>do ao alto da cabeça.<br />

(Lacerda, 2005, p. 22)<br />

[...]<br />

Ela não sabia escrever, mas, no dia em que a tinta <strong>de</strong> Péricles virou, o <strong>de</strong>do <strong>de</strong>la<br />

escorregando sobre a mesa dizia: eu sou Aurora. Mas só ela sabia que o traço grosso e<br />

negro sobre a mesa dizia isso. Era preciso que as outras pessoas soubessem também... (id.,<br />

ib., p. 35)<br />

Tem razão Cecilia Goulart (1999), quando afirma que a dimensão maior da alfabetização está<br />

ligada aos conhecimentos filosóficos, científicos e artísticos, principalmente no âmbito da<br />

literatura, ou seja, àqueles conhecimentos diretamente relacionados à criação humana, à<br />

cultura construída pelo Homem, àquilo que nos humaniza.<br />

Imprimir seu nome sobre a mesa, mostrar sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, enfim, buscar um modo próprio <strong>de</strong><br />

se relacionar com a vida e com sua humanida<strong>de</strong>: este é o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Aurora. É imensa sua<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar aos pais, aos irmãos, ir para a escola e interagir com outras crianças, ter sua<br />

pena <strong>de</strong> ganso, o tinteiro e o papel, e, caso isto não seja possível, ao menos a pedra e o pedaço<br />

<strong>de</strong> cal, que os irmãos usaram para apren<strong>de</strong>r a escrever, como então se fazia.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 48 .


Observando o interesse <strong>de</strong> Aurora e <strong>de</strong> outras crianças pela <strong>escrita</strong>, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que elas<br />

<strong>de</strong>senvolvem e usam uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> modos e recursos para interpretar e fazer sentido.<br />

Que <strong>escrita</strong> é essa que Aurora e todas as crianças querem apren<strong>de</strong>r na escola? Muito<br />

certamente a <strong>escrita</strong> como constituição do sentido, com as marcas do discurso social – para<br />

quem eu escrevo o que eu escrevo, como e por quê. Portanto, a <strong>escrita</strong> pressupõe sempre um<br />

interlocutor. Escrevemos para o outro, inclusive o “outro eu” (Smolka, 1989, p. 71).<br />

Voltando às experiências <strong>de</strong> Aurora como leitora-ouvinte, estas se davam também quando lhe<br />

contavam histórias. Uma <strong>de</strong>ssas histórias – Pele <strong>de</strong> asno 4 – a marcou profundamente,<br />

enchendo a cabeça da menina <strong>de</strong> coisas que antes não estavam lá <strong>de</strong>ntro... Sentia uma febre<br />

nas idéias... (p. 58). Esta “febre nas idéias” e estas “coisas que antes não estavam <strong>de</strong>ntro” da<br />

cabeça <strong>de</strong> Aurora po<strong>de</strong>m ser interpretadas como disposições afetivas e atitudinais até a<br />

compreensão e a produção <strong>de</strong> sentido para o texto lido/ouvido, abrangendo capacida<strong>de</strong>s que<br />

habilitam a menina à participação ativa nas <strong>práticas</strong> sociais letradas e contribuem para o seu<br />

letramento. O que falta então a essa criança? Alfabetizar-se no sentido estrito da palavra:<br />

apreen<strong>de</strong>r o código, apren<strong>de</strong>r o sistema <strong>de</strong> <strong>escrita</strong>.<br />

Além disso, na experiência <strong>de</strong> formação do leitor, a literatura infantil se <strong>de</strong>staca porque, como<br />

discurso escrito, revela, registra e trabalha formas e normas do discurso social, conforme nos<br />

ensina Smolka. Se o discurso estético é privilegiado, a literatura também proporcionará ao<br />

leitor, além do conhecimento e do autoconhecimento, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jogo, <strong>de</strong> recreação,<br />

<strong>de</strong> recriação, <strong>de</strong> fruição e, ainda, o <strong>de</strong>senvolvimento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir múltiplos<br />

sentidos (Mattos, 2002, p. 21).<br />

Como a menina Aurora não podia ler ela mesma, dada a sua condição <strong>de</strong> não alfabetizada,<br />

suas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> viver a experiência <strong>de</strong> ser leitora estavam condicionadas a situações em<br />

que outras crianças, ou mesmo os adultos, lessem para ela. E eram essas situações que<br />

alimentavam, mais e mais, seu <strong>de</strong>sejo intenso e crescente <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler e escrever.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 49 .


Não é por acaso que esse <strong>de</strong>sejo é intensificado a partir do contato <strong>de</strong> Aurora com a <strong>leitura</strong><br />

literária – a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> fadas que enseja <strong>de</strong>scobertas, espantos, sobressaltos na<br />

menina e a faz tanto refletir sobre suas vivências cotidianas quanto ingressar num mundo <strong>de</strong><br />

sonho e imaginação em que você po<strong>de</strong> sonhar uma árvore <strong>de</strong> pedra, porque conhece as<br />

árvores e as pedras, mas não conhecendo uma e outra, não tem como sonhar a mistura <strong>de</strong>las<br />

(Lacerda, 2005, p. 69).<br />

As crianças, para se constituírem leitoras e experimentarem as infinitas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criar,<br />

imaginar e transformar a realida<strong>de</strong> em que estão inseridas, precisam viver situações em que<br />

assumam o papel <strong>de</strong> leitoras <strong>de</strong> textos literários ou não-literários, seja numa interação solitária<br />

com o texto escrito, em que a interlocução <strong>de</strong>la consigo mesma se estabelece, bem como <strong>de</strong>la<br />

com o escritor do texto que lê, seja numa interação com a voz <strong>de</strong> outras crianças ou <strong>de</strong> adultos<br />

que para ela contam histórias, dizem poemas, fazem relatos, <strong>de</strong>screvem lugares, lêem notícias,<br />

reportagens e informações variadas.<br />

A nossa personagem Aurora, na história Pena <strong>de</strong> ganso, ressente-se e carrega um gran<strong>de</strong><br />

sofrimento que busca, <strong>de</strong> todas as formas, superar, por não lhe ser permitido freqüentar a<br />

escola. Tal ressentimento <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> ela saber, ainda que intuitivamente, que é nesse<br />

espaço <strong>de</strong> aprendizado da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong> que se consuma o domínio <strong>de</strong> tais atos,<br />

passaporte para o ingresso num mundo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s na socieda<strong>de</strong> letrada em que vive,<br />

bem como o que permite às pessoas estar aqui e em outro lugar, neste tempo e em outros<br />

tempos. A letra é um meio <strong>de</strong> transporte, tem a essência da viagem [...] (Lacerda, 2005, p.<br />

70).<br />

Além da escola, é a biblioteca o espaço que, por excelência, constitui o repositório <strong>de</strong> livros e,<br />

eventualmente, <strong>de</strong> outros materiais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong>. É ela que assegura a preservação e a guarda dos<br />

instrumentos que nos possibilitam essa "viagem" <strong>de</strong> que nos fala a criadora da personagem<br />

Aurora, alijada dos bens culturais produzidos socialmente e cuja trajetória nos faz refletir<br />

sobre o direito que todas as crianças têm <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler e escrever, condição sine qua non<br />

para o exercício da cidadania.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 50 .


Para isso, as crianças precisam não só ter contato com livros no espaço da sala <strong>de</strong> aula, como<br />

também visitar os lugares on<strong>de</strong> existe uma diversida<strong>de</strong> e uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicações<br />

disponíveis para consulta e empréstimo dos usuários: as bibliotecas.<br />

O repertório <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> uma pessoa amplia-se significativamente quando lhe é dado o<br />

acesso a diferentes espaços on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser encontrados materiais impressos – salas <strong>de</strong><br />

<strong>leitura</strong>, bibliotecas, livrarias, entre outros –, contendo textos <strong>de</strong> uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gêneros –<br />

romances, contos, crônicas, textos <strong>de</strong> divulgação científica, poemas, relatos históricos, etc. –<br />

em diferentes e variados suportes – livros, jornais, revistas, Internet, só para citar os mais<br />

comuns e usuais.<br />

Para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>práticas</strong> sociais <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>de</strong> <strong>escrita</strong> com competência, <strong>de</strong>ve-se,<br />

em primeiro lugar, compreen<strong>de</strong>r o fenômeno do letramento e as relações entre <strong>práticas</strong> orais e<br />

<strong>escrita</strong>s <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> texto. Tal competência implica, por parte da professora, o uso<br />

consciente da linguagem nas situações <strong>de</strong> interação como também sua inserção no universo da<br />

<strong>escrita</strong> letrada 5 como objeto <strong>de</strong> estudo. Isto significa afirmar que as professoras <strong>de</strong>vem<br />

fortalecer seus conhecimentos quanto ao que ensinam e quanto aos modos como ensinam.<br />

Nas <strong>práticas</strong> <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e compreensão <strong>de</strong> textos em seus diferentes gêneros e suportes, é<br />

fundamental que a professora utilize estratégias diferentes para fazer perguntas sobre esses<br />

textos. É o caso, por exemplo, <strong>de</strong> um conto infantil e <strong>de</strong> uma manchete <strong>de</strong> jornal. O conto<br />

infantil pertence à cultura literária ficcional, que nos remete mais facilmente à multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sentidos, à polissemia, e apresenta uma estrutura predominantemente narrativa. Já a<br />

manchete jornalística ocupa-se <strong>de</strong> documentar ações humanas, revelando um compromisso<br />

maior com a “verda<strong>de</strong>” da informação dos fatos, e sua estrutura é a do relato. Em outras<br />

palavras, escolher as perguntas sobre os textos e como fazê-las significa estarmos atuando na<br />

perspectiva do letramento das crianças.<br />

Também é imprescindível às crianças que estão em processo <strong>de</strong> construção da <strong>leitura</strong> e da<br />

<strong>escrita</strong> terem contato e conhecerem outros espaços além <strong>de</strong> sua própria escola, como museus,<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 51 .


centros culturais, fábricas, laboratórios, entre muitos outros que reúnem acervos diferenciados<br />

e encerram os saberes produzidos e acumulados pela humanida<strong>de</strong>.<br />

A título <strong>de</strong> ilustração, pensemos no quanto seria importante e enriquecedor, para uma turma<br />

<strong>de</strong> alunos que estivesse estudando a História do <strong>Brasil</strong> Colônia, e freqüentasse uma escola no<br />

município do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ou em outro município relativamente próximo, fazer um passeio<br />

por certos logradouros do Centro do Rio <strong>de</strong> Janeiro, a fim <strong>de</strong> observar os prédios em seus<br />

diferentes estilos – o conjunto arquitetônico do Paço Imperial, do prédio da Santa Casa <strong>de</strong><br />

Misericórdia, das igrejas como Nossa Senhora <strong>de</strong> Bonsucesso e do Mosteiro <strong>de</strong> São Bento, do<br />

Arco do Teles – reveladores <strong>de</strong> todo um processo histórico, artístico e urbanístico. Lugares<br />

por meio dos quais é possível ler a história cultural, política, social, religiosa, <strong>de</strong> um tempo<br />

passado que se perpetua no presente.<br />

Assim, a História do <strong>Brasil</strong>, lida e ouvida pelos alunos em sala <strong>de</strong> aula, ganha o espaço da<br />

cida<strong>de</strong> em suas múltiplas linguagens, ensejando a <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> mundo aliada à <strong>leitura</strong> da palavra.<br />

Imaginemos uma outra situação. Uma professora, que havia contado a história da Galinha<br />

Ruiva 6 a seus alunos – história em que a galinha chama vários animais, um <strong>de</strong> cada vez, para<br />

plantar e colher o trigo, <strong>de</strong>bulhar a espiga, moer os grãos, cozer o pão. A cada pedido,<br />

nenhum <strong>de</strong>les quer ajudar, e ela prossegue sozinha, até o momento em que – pronto o pão –<br />

todos aparecem para comer (Lacerda, 2005, p. 126) –, conversa com eles sobre o narrado,<br />

ouve-os e provoca-os para o <strong>de</strong>bate. A partir <strong>de</strong>sse diálogo, a professora apresenta outra<br />

questão à turma: como homens e mulheres produzem seu próprio alimento? Os alunos<br />

manifestam-se dando exemplos, levantando hipóteses, lendo textos sobre a classificação dos<br />

alimentos, criando cardápios a partir do estudo sobre os diferentes tipos <strong>de</strong> alimentos. Por fim,<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m realizar uma pesquisa com profissionais que trabalham na padaria <strong>de</strong> seu bairro.<br />

Acompanhados e orientados pela professora, fazem uma visita a essa padaria para que possam<br />

realizar as entrevistas, bem como compreen<strong>de</strong>r e registrar como se produzem os diferentes<br />

gêneros alimentícios ali comercializados, como eles são acondicionados, qual é seu prazo <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong>, como se dá a divisão das diferentes tarefas entre os empregados.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 52 .


Ao relatar tais situações hipotéticas, queremos reiterar que o <strong>de</strong>senvolvimento das habilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>leitura</strong> e <strong>de</strong> <strong>escrita</strong> não se circunscreve ao espaço escolar. Tal <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve<br />

ultrapassar a sala <strong>de</strong> aula e ganhar outros espaços tão legítimos e importantes quanto aquele.<br />

Estabelecendo-se a interlocução entre diferentes vozes e sujeitos discursivos – alunos,<br />

professores, escritores, bibliotecários, museólogos, operários – é que se concretiza, portanto, a<br />

<strong>leitura</strong> como experiência, <strong>de</strong> que nos fala Sônia Kramer, pelo fato <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r entrar nessa<br />

corrente em que a <strong>leitura</strong> é partilhada e, tanto quem lê, quanto quem propiciou a <strong>leitura</strong> ao<br />

escrever, apren<strong>de</strong>m, crescem, são <strong>de</strong>safiados (2000, p. 108).<br />

Referências bibliográficas<br />

BERNARDO, Gustavo. Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA,<br />

Elizabeth D’Angelo Serra (org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002, p. 132.<br />

GOULART, Cecilia M. Uma reflexão sobre a prática da alfabetização. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Folha PROLER n. 9, Casa da Leitura / FBN, setembro <strong>de</strong> 1999, p. 7-8.<br />

KRAMER, Sônia. Leitura e <strong>escrita</strong> como experiência – notas sobre seu papel na<br />

formação. In: ZACCUR, Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

DP&A: SEPE, 1999.<br />

LACERDA, Nilma. Pena <strong>de</strong> Ganso Ilustrado por Rui <strong>de</strong> Oliveira. São Paulo: DCL,<br />

2005.<br />

MATTOS, Margareth S. <strong>de</strong>. Informação e ficção na literatura infanto-juvenil: reflexões<br />

sobre a <strong>leitura</strong> no <strong>Brasil</strong>. Dissertação (mestrado em <strong>Letra</strong>s). Niterói:<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, 2002.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 53 .


SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da <strong>escrita</strong>: a alfabetização<br />

como processo discursivo. 2. ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da<br />

UNICAMP, 1989.<br />

SOARES, Magda Becker. Apren<strong>de</strong>r a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR,<br />

Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: DP&A: SEPE, 1999.<br />

Sugestões <strong>de</strong> <strong>leitura</strong> para os professores<br />

MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Objetiva, 2002.<br />

PAIVA, Aparecida e outros (orgs.). No fim do século: a diversida<strong>de</strong> - o jogo do livro<br />

infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.<br />

ZILBERMAN, Regina.Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Objetiva, 2005.<br />

Notas:<br />

PROALE – Programa <strong>de</strong> Alfabetização e Leitura/Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

Fluminense.<br />

2 PROALE - Programa <strong>de</strong> Alfabetização e Leitura/Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

Fluminense.<br />

3 Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA, Elizabeth<br />

D’Angelo Serra (org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002, p. 132.<br />

4 Conto <strong>de</strong> fadas popularizado pela versão <strong>de</strong> Charles Perrault, que<br />

publicou contos populares na França do século XVII.<br />

5 Kleiman, A.B. Formação do professor: retrospectivas e perspectivas<br />

na pesquisa. In: _____ (org.). A formação do professor: perspectivas da<br />

lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado <strong>de</strong> <strong>Letra</strong>s, 2001.<br />

6 Conto popular que po<strong>de</strong> ser lido em uma versão <strong>escrita</strong> por Verônica<br />

S. Hutchinson, com tradução <strong>de</strong> Vera Braga Nunes, no volume 3 da<br />

coleção O mundo da criança, uma publicação da Editora Delta, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro.<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 54 .


Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

Luís Inácio Lula da Silva<br />

Ministro da Educação<br />

Fernando Haddad<br />

Secretário <strong>de</strong> Educação a Distância<br />

Ronaldo Mota<br />

MEC/SEED/<strong>TV</strong> ESCOLA<br />

SALTO PARA O FUTURO<br />

Diretora do Departamento <strong>de</strong> Produção e Capacitação em Educação a Distância<br />

Carmen Moreira <strong>de</strong> Castro Neves<br />

Coor<strong>de</strong>nadora Geral <strong>de</strong> Produção e Programação<br />

Viviane <strong>de</strong> Paula Viana<br />

Coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> Educação Básica<br />

Angela Martins<br />

Supervisora Pedagógica<br />

Rosa Helena Mendonça<br />

Coor<strong>de</strong>nadoras <strong>de</strong> Utilização e Avaliação<br />

Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão<br />

Copi<strong>de</strong>sque e Revisão<br />

Magda Frediani Martins<br />

Diagramação e Editoração<br />

Equipe do Núcleo <strong>de</strong> Produção Gráfica <strong>de</strong> Mídia Impressa<br />

Gerência <strong>de</strong> Criação e Produção <strong>de</strong> Arte<br />

Consultora especialmente convidada<br />

Cecilia Goulart<br />

Email: salto@tvebrasil.com.br<br />

Home page: www.tvebrasil.com.br/salto<br />

Av. Gomes Freire, 474, sala 105. Centro.<br />

CEP: 20231-011 – Rio <strong>de</strong> Janeiro (RJ)<br />

Junho 2006<br />

LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 55 .

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