Florestan Fernandes
Florestan Fernandes, 20 anos depois
Florestan Fernandes, 20 anos depois
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20 Vera Alves cepêda • Thiago Mazucato (Orgs.)<br />
sume posições firmes em defesa da democracia, da autonomia universitária<br />
e da dignidade do intelectual, transformando “sua enorme reputação como<br />
sociólogo e a cadeira que ocupava na USP numa pequena fortaleza contra a<br />
ditadura.” (Soares, 1997: 150). Na universidade, a cisão entre direita e esquerda<br />
facilitou a instauração de um inquérito policial-militar que convoca<br />
vários professores para depor; entre eles, <strong>Florestan</strong>, que termina sendo preso,<br />
por alguns dias, em setembro de 1964. Em 1965, muito visado pela ditadura,<br />
aceita o conselho dos amigos para se afastar e embarca para os Estados<br />
Unidos, para lecionar na Universidade de Colúmbia. Retornando ao Brasil,<br />
em 1966, participa ativamente da luta contra a ditadura e, numa entrevista à<br />
grande imprensa, conclama a população civil a assumir a luta de resistência;<br />
se necessário, recorrendo às armas.<br />
Tenho a impressão de que este período que vai de 64 a 68 foi o período de<br />
verdadeiro amadurecimento da luta por uma democracia real no Brasil (...);<br />
realmente a sociedade brasileira viveu, naquele curto período de tempo, a tal<br />
fase pré-revolucionária que alguns tinham colocado no início da década de 60.<br />
Todavia, a experiência foi vivida por forças muito reduzidas, na verdade só os<br />
setores realmente radicais, mais politizados, da classe média, alguns elementos<br />
de origem sindical e muitos estudantes se engajaram no processo. (...) Nós<br />
perdemos muito, porque se a ditadura tivesse sido combatida por um conjunto<br />
maior de forças, o que sairia daí seria uma evolução no sentido de destroçar,<br />
de uma vez, a democracia restrita” (<strong>Fernandes</strong>, F., 1980: 32).<br />
A luta foi travada, os defensores da democracia foram derrotados; vitoriosa,<br />
a ditadura assume sua face mais duramente repressiva. <strong>Florestan</strong> está<br />
na primeira lista de cassados e compulsoriamente aposentados pela ditadura,<br />
em abril de 1969. Pouco depois, dois dos seus assistentes mais titulados têm o<br />
mesmo destino: Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso.<br />
Aos quarenta e oito anos de idade, <strong>Florestan</strong> estava sendo expulso daquele<br />
mundo que se tornara a razão de ser da sua vida. Impedindo-o de trabalhar<br />
como professor, ou em qualquer outra atividade, a ditadura retirava o seu<br />
chão institucional (Cardoso, M.L., 2005: 193), obrigando-o a viver a experiência<br />
do homem marginal, de modo semelhante à do bororo Tiago Marques<br />
Aipobureo, sobre o qual escrevera quando ainda era um jovem de vinte<br />
e cinco anos. 13<br />
13 Para uma análise comparativa das duas biografias, veja-se Arruda, 2001: 303-313.