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RUSSELL P. SHEDD & DEW EY M. M ULHOLLAND

UMA A N A LIS E DE

E FES IO S , FILIP EN S ES

C O LO S S EN S ES E

FILEM OM


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Shedd, Russell P.

Epístolas da prisão : uma análise de Efésios,

Filipenses, Colossenses e Filemom / Russell P. Shedd

& Dewey M. Mulholland. —São Paulo : Vida Nova, 2005.

Título original de Filemom: PauPs ever relevant letter

to Philemom / tradução Hans Udo Fuchs.

Bibliografia.

ISBN 978-85-275-0329-7

1. Bíblia. N.T. Colossenses - Comentários 2. Bíblia.

_ N.T. Efésios - Comentários 3. Bíblia. N.T. Filemom -

Comentários 4. Bíblia. N.T. Filipenses - Comentários

5. Bíblia. N.T. Epístolas de Paulo - Comentários

I. Mulholland, Dewey M.. II. Título. III. Título : Uma

análise de Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom.

05-0900 CDD-227.07

índices para catálogo sistemático:

1. Epístolas de Paulo : Comentários 227.07

2. Paulo : Epístolas : Comentários 227.07


epístolas sla


Epístola de Paulo aos Efésios (reedição de Tão Grande Salvação)

Copyright © 2005 Edições Vida Nova

Epístola de Paulo aos Filipenses (reedição de Alegrai-vos no Senhor)

Copyright © 2005 Edições Vida Nova

Epístola de Paulo aos Colossenses (reedição de Andai Nele)

Copyright © 2005 Edições Vida Nova

A Epístola, Sempre Relevante, de Paulo a Filemom

Copyright ©2005 Dewey M. Mulholland

Traduzido do original Paul s EverRelevant Epistle to Philemon

Tradução de Hans Udo Fuchs

Ia. edição: 2005

Reimpressões: 2006, 2007, 2009, 2012

Publicado com a devida autorização

e com direitos reservados para

Sociedade Religiosa E dições V ida N ova,

Caixa Postal 21266, São Paulo, SP, 04602-970

www.vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br

Proibida a reprodução por quaisquer

meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos,

fotográficos, gravação, estocagem em banco de

dados, etc.), a não ser em citações breves, com indicação de fonte.

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

ISBN 978-85-275-0329-7

Coordenação editorial

Robinson Malkomes

Capa

Julio Carvalho

Coordenação de produção

Roger Luiz Malkomes

D iagramação

Sérgio Siqueira Moura


oou

Conteúdo

Prefácio dos Ed itores.............................................................................................. 7

Epístola de Paulo aos Efésios----------------------------------------------- 9

Introdução................................................................................. 11

Razões para louvar a Deus (1.1-14)..................................... 13

Um modelo inspirado de intercessão (1.15-23)................. 21

Tão grande salvação (2.1-22)................................................ 30

O grande mistério da salvação (3.1-13).............................. 40

A segunda oração na epístola................................................ 46

O discipulado de Cristo - primeira parte (4.1-16)........... 51

O discipulado de Cristo - segunda parte (4.17-5.21)...... 54

O discipulado no lar, no trabalho e

no exército de Deus (5.22-6.24)....................................... 64

Epístola de Paulo aos Filipenses..................................................................... 7 7

Introdução.................................................................................. 79

As bases da nossa segurança (1.1-8).................................... 85

Uma oração-modelo (1.9-11)................................................. 94

A filosofia de vida do cristão (1.12-26).................................105

Os cidadãos do céu em comunidade (1.27-2.4)..................118

O centro da história (2.5-11 ) ................................................. 129

Desenvolvendo a salvação (2.12-18)....................................141

5 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Homens de Deus (2.19-30)...................................................... 152

Perdendo para ganhar (3.1-8)..................................................160

A ambição de Paulo (3.9-16)...................................................171

O corpo (3.17-21 ) ......................................................................179

O contentamento (4.1-7 ) ......................................................... 188

O Deus da paz será convosco (4.8-13)................................ 197

A necessidade e o suprimento (4.14-23)............................. 207

Epístola de Paulo aos Colossenses............................................................. 2 1 7

Introdução...................................................................................219

Autor, destinatários e saudação inicial (1.1, 2 ) .................223

A fé, o amor e o evangelho (1.3-8)........................................225

Intercessão em estilo apostólico (1.9-12)............................... 228

Jesus Cristo, Senhor de toda a criação (1.13-23)............... 232

O senhorio de Cristo no ministério de Paulo (1.24-2.5)... 241

Em Cristo, o Senhor (2.6-15)..................................................249

Conseqüências de estar em Cristo, o Senhor (2.16-3.4)... 256

O senhorio de Cristo na vida prática (3.5-17).................... 262

O senhorio de Cristo no lar e no serviço (3.18-4.6)............ 274

Vidas sob o senhorio de Cristo (4.7-18)................................281

A Epístola, sempre relevante, de Paulo a Filem om........................ 287

Introdução...................................................................................289

A - Saudação inicial (v. 1-3)...................................................293

B - Filemom, sua fé e seu amor têm

animado o povo de Deus (v. 4-7).....................................295

C - Quem ama de verdade renuncia

aos seus direitos (v. 8-14)................................................ 299

D - Filemom, ame sem restrições: receba

seu escravo como irmão amado (v. 15-17)........... 305

C’ - Quem ama de verdade assume

as dívidas do irmão (v. 18-19)......................................... 307

B’ - Filemom, me traga ânimo: faça até

mais do que peço (v. 20-22)............................................ 309

A’ - Saudação final (v. 23-25)................ 311

Apêndice...................................................................................... 313

Bibliografia.................................................................................319

- 6 -


Prefácio dos

Editores

É com grande desejo de prestar mais um serviço relevante à igreja

do Brasil que Edições Vida Nova apresenta Epístolas da prisão, uma

exposição das quatro epístolas cujas composições são tradicionalmente

associadas ao período em que Paulo esteve preso em

Roma, no início da década de 60, a saber, Efésios, Filipenses,

Colossenses e Filemom.

A relevância dessa publicação é sublinhada, em primeiro

lugar, pelo fato de seus autores terem um estreito vínculo com o

Brasil e com a igreja brasileira. A vivência deles em solo verde-eamarelo

deu-lhes a capacidade de se dirigir de modo espontâneo e

corrente ao leitor de língua portuguesa. Isso se torna facilmente

verificável pelo estilo familiar ao brasileiro e pela criação de um

ambiente textual que fala não apenas à mente, mas também ao

coração.

Em segundo lugar, a relevância fica acentuada igualmente

pela capacidade que os autores esbanjam de colocar o texto bíblico

dentro do mundo que nos cerca hoje, com suas características singu­


epístolas da prisão

lares, desafios e necessidades. Ao assim fazer, eles enaltecem o

celebrado e decantado valor perene do texto sagrado, que, além de

perene, também se revela peremptório, decisivo e digno de crédito.

Além de relevante, Epístolas da prisão também se apresenta

como fonte de inspiração. Paulo, o maior e mais prolífico autor do

Novo Testamento, escreve numa época da vida em que sua maturidade

de pensamento e seu coração pastoral haviam atingido os

mais altos níveis de expressão vivencial e epistolar. O fato de estar

preso no fim da carreira podería gerar um gosto de derrota e de

tristeza no grande apóstolo. Todavia, o que se vê nessas quatro

epístolas é a sublime expressão de alegria, vitória e gratidão manifestadas

por alguém que havia chegado ao clímax da carreira, tendo

combatido o bom combate sem perder a fé.

É nosso desejo como editores que a relevância e a inspiração

veiculadas por Epístolas da prisão sejam mais um motivo para o

fortalecimento da igreja no Brasil em sua busca de maturidade e

de perfeição na luta pela fé evangélica que nos une e motiva.

São Paulo, fevereiro de 2005




Introdução

Efésios, epístola que me desafiou já há muitos anos e que, depois

de muito estudo, continua me desafiando! É a epístola que foi

reconhecida por uma autoridade como a rainha das epístolas de

Paulo. Efésios é o mais sublime de todos os livros ou epístolas na

literatura humana.

O apóstolo aos gentios encontrava-se preso em Roma, mas

tinha liberdade para ensinar. E, talvez mais im portante ainda,

podia meditar e colocar no papel suas meditações (segundo At

28.30, 31). Durante o período de dois anos de reclusão, o apóstolo

escreveu as importantíssimas epístolas aos colossenses, aos efésios,

a Filemom e, possivelmente, aos filipenses.

A Epístola aos Efésios foi escrita provavelmente em 61 A.D.,

trinta anos, mais ou menos, depois da sua conversão. Foi depois

de alguns anos num deserto perto de Damasco, de muitos anos de

serviço na obra missionária, de muitas lutas (até físicas); foi depois

de ter sido apedrejado, de ter estado muitas vezes sem comida e

sem seus companheiros, tendo este homem passado a viver cada

vez mais na presença de Cristo. Esta epístola é como se fosse o

auge, uma descrição inspirada dessa vivência com Cristo; ao mesmo

tempo, é uma abertura para a inspiração do Espírito, para todos

nós. Dentre as epístolas de Paulo, somente esta, com base na crítica

- 1 1 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

textual, parece ter sido escrita para várias igrejas e não apenas

para uma. Nesse aspecto ela é semelhante ao livro de Apocalipse,

que foi dirigido a Efeso e a mais seis igrejas da Ásia.

A grande ameaça levantada pelos judaizantes, que Paulo

combatera em Gálatas, Romanos e em parte de lCoríntios, já não

era mais problema. O gnosticismo incipiente começa, com o seu

dualismo total e profundo, a ameaçar a igreja cristã. Em Colossenses,

Paulo trata especialmente dessa doutrina alheia à verdade.

“Assim”, escreve Robinson, “ele ficou livre para dedicar-se a uma

suprema exposição, não controvertida, positiva, fundamental, da

grande doutrina da sua vida, isto é, da humanidade de Cristo, da

humanidade em Cristo e do propósito de Deus para o mundo,

através da igreja”.


Interpretação

Razões para louvar a Deus ( 1 .1 - 1 4 )

'Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de

Deus, aos santos que vivem em Efeso e fiéis em Cristo

Jesus, 2graça a vós outros e paz da parte de Deus, nosso

Pai, e do Senhor Jesus Cristo. 3Bendito o Deus e Pai de

nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com

toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em

Cristo, 4assim como nos escolheu nele antes da fundação

do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante

ele; e em amor 5nos predestinou para ele, para a adoção

de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito

de sua vontade, 6para louvor da glória de sua

graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado,

7no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão

dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, 8que Deus

derramou abundantemente sobre nós em toda a sabe­


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

doria e prudência, 9desvendando-nos o mistério da sua

vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em

Cristo, 10de fazer convergir nele, na dispensação da

plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu,

como as da terra; "nele, digo, no qual fomos também

feitos herança, predestinados segundo o propósito

daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da

sua vontade, 12a fim de sermos para louvor da sua glória,

nós, os que de antemão esperamos em Cristo; 13em quem

também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade,

o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido,

fostes selados com o Santo Espírito da promessa; 14o

qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua

propriedade, em louvor da sua glória.

0 autor: Paulo, apóstolo em Cristo

Paulo era judeu, e por isso dedicava a sua vida a preservar uma

doutrina, a doutrina da unidade de Deus, de ser ele supremo sobre

todas as coisas. Essa doutrina fora ameaçada pelo surgimento de

uma “seita” cristã, que seguia o Nazareno chamado Jesus Cristo.

Paulo, sentindo-se muito ameaçado em sua própria pessoa, como

também vendo o judaísmo tão ameaçado, achou válido servir

àquela doutrina até à morte. E, com essa finalidade, dirigia-se a

Damasco a fim de destruir a seita que se espalhava tão rapidamente

pelas cidades do império romano. Mas, enquanto caminhava, uma

visão transformou-lhe a vida. E naquele instante começou a vida

do novo Paulo, a vida em C risto, uma vida com pletam ente

transformada pela visão do senhorio de Cristo, do Cristo crucificado,

ressurreto e glorificado.

A Epístola aos Efésios é apenas uma continuação dessa

visão. E o apóstolo Paulo reconhecendo a missão que Cristo lhe

deu, quando, naquele importante encontro, sua vida sofreu uma

reviravolta. E ele começou realmente uma caminhada para o céu.

A palavra apóstolo, que indica o reconhecimento da autoridade

de Paulo, baseia-se numa palavra aramaica: shãliah. Esse

termo, segundo Rengstorf, sugere que o apóstolo é o que é comissionado

não apenas como missionário, que leva uma mensagem;

não apenas como embaixador, que tem sua carta selada para

entregar a um rei de outro país; mas como procurador, que substitui


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

aquele que o mandou e pode tomar iniciativas. Assim, o que ele

vai falar e fazer é em Cristo. Essa expressão em Cristo, que aparece

muitas vezes em Efésios, é uma descrição dessa autoridade que

Paulo reivindica como apóstolo de Jesus Cristo. Há uma interessante

passagem do Talmude que diz: “O shãliah é equivalente

àquele que o enviou”. E é por isso que Paulo escreve palavras que,

para nós, são muito difíceis. Em 2.20 lemos: "... edificados sobre

o fundam ento dos apóstolos e profetas”. Isto é, os apóstolos e

profetas são pessoas que receberam uma revelação autorizada. E

essa revelação é a que temos diante de nós! Creio firmemente que

se deixássemos o fundamento de que a palavra de Paulo é igual à

palavra de Cristo — que a autoridade do apóstolo é igual à autoridade

de Cristo — ficaríamos sem segurança alguma e facilmente

teríamos de descambar para a própria razão humana. Paulo, como

apóstolo, nos traz assim essa mensagem inspirada, com autoridade.

E os seus leitores são chamados santos e fiéis.

Os destinatários: os santos e fiéis em Cristo Jesus

A palavra santo não significa uma pessoa que não peca. Pelo

contrário, com base em Daniel 7 e em outras passagens do Antigo

Testamento, santo quer dizer “pessoa separada por Deus”; e no

Novo Testamento, através do Espírito de santificação, “alguém

separado para pertencer exclusivamente a Deus”.

Quando pecamos, negamos a nossa posição de povo santo.

Mas não deixamos de ser santos ao pecarmos, porque essa posição

é nossa. E Paulo envia a epístola com a pressuposição de que os

seus leitores são pessoas realmente convertidas e separadas para

o reino de Cristo.

A palavra fiéis, que também descreve os leitores (e, portanto,

deve descrever cada um de nós), significa “aqueles que se

comprometeram com Cristo, que aceitaram o convite de sair do

mundo perdido para o reino do Filho do seu amor”. Esse compromisso

é uma decisão definitiva e clara; é uma mudança de posição,

não geográfica, mas mental, quanto a quem é Jesus Cristo e quanto

a todos os outros senhorios do mundo, inclusive o de César. Dando

esse passo, tornam-se fiéis. A palavra também carrega a idéia de

fidelidade: não apenas deram aquele passo, quando se batizaram

e se identificaram com Cristo, mas continuam se identificando

permanentemente.

- 15


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

0 contexto e o tem a de 1 .1 - 1 4

A epístola divide-se basicamente em duas partes: os três primeiros

capítulos falam principalmente de doutrina e história, aquilo que

Deus já fez e está fazendo; enquanto os capítulos 4, 5 e 6 nos desafiam

a fazer alguma coisa, em decorrência do que Deus faz e já fez.

Encabeçando assim a primeira parte da epístola, nos versículos 1­

14, Paulo faz um convite a uma tomada de posição quanto à

adoração, numa doxologia: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor

Jesus Cristo”. Essa oração introduz o mais longo período que se

conhece na literatura bíblica, pois termina somente no versículo 14.

Do versículo 15 até o fim da capítulo temos uma oração

apostólica; o capítulo 2 desenvolve alguns temas implícitos nessa

oração (depois observaremos os pedidos centrais na oração do

capítulo 1 e como ela se relaciona com o capítulo 2). O capítulo 3

apresenta a vocação apostólica de Paulo e como isso se relaciona

com o tema da epístola toda, que é particularmente doutrinária.

B e ndito o Seus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo

No versículo 3 começa a mensagem da epístola com um chamado

à adoração. Toda doutrina deve ser como um fundamento ou como

o solo, no qual a vitalidade de adoração e culto cresce constantemente.

Não encontramos aqui um “louvado seja o Senhor”, sem

parar para pensar por que ele deve ser louvado, mas toda esse

primeiro trecho ou parágrafo nos dá motivos para louvor. Veremos

rapidamente como o apóstolo Paulo sente a motivação interior

para louvar o seu Deus. .

Na primeira linha, no versículo 3, o verbo principal não

existe no original, mas é possível entender qual seja esse verbo:

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, já que

por três vezes (versículos 6, 12 e 14) a finalidade de tudo o que

Deus está fazendo, e fará, é o louvor de sua glória. O apóstolo

Paulo está então nos chamando, antecipadamente, como que para

tomar parte com aqueles que já estão redimidos, a exemplo de

Apocalipse 4 e 5, para expressarmos já um grande coro de louvor:

Bendito seja Deus! O que Deus tem feito para que o louvemos de

coração? A essa pergunta se responde da seguinte forma: ele nos

tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais

em Cristo. Isso não é fácil de entender, mas pensemos um instante:

- 16 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSiOS

ele está dizendo que não há bênção espiritual que não seja em

Cristo; todas as bênçãos são cristocêntricas. Haverá alguma bênção

que não emane de Cristo? No fim tornar-se-á outra coisa, mas

não uma bênção; transformar-se-á numa ameaça, ou talvez numa

maldição.

Outro aspecto é que todas as bênçãos nos são concedidas

não apenas por Cristo, mas em Cristo. Note-se esta frase: que nos tem

abençoado. Deus, à frente de todas as bênçãos, nos tem abençoado

com toda sorte de bênção espiritual em Cristo. A frase em Cristo significa

um relacionamento íntimo com ele, com a intimidade de uma vida

transformada, de uma vida resgatada, salva; uma vida em que Cristo

é realmente Senhor, aquele a quem já nos entregamos. A ele, representante

da minha vida, eu me entrego, da mesma forma como

fazemos ao eleger um deputado ou um presidente: nós nos colocamos

debaixo do seu controle; ele pode criar leis, pode controlar

nossa vida, porque estamos “em ele”. Portanto, a expressão em Cristo

tem a idéia de representação, uma representação total de nossa vida.

Não devemos nos esquecer também de que estar em Cristo quer

dizer estar no Espírito e ter o Espírito Santo em nós, unindo-nos a

Cristo e uns aos outros no seu corpo, a igreja.

Mas esta outra frase, nas regiões celestiais, não aparece em

outras epístolas paulinas. O que ela quer dizer? Os eruditos não

têm muita certeza quanto ao que Paulo queria transmitir com ela.

Mas já que Cristo, no versículo 20, está sentado à direita da autoridade

soberana de Deus, nos lugares celestiais, parece-me que

Paulo quer chamar a nossa atenção à realidade de que, quando

estamos em Cristo, já estamos como que retirados deste mundo, e

muitos fatores que normalmente controlariam nossa atitude assumem

uma nova realidade: a realidade da exaltação de Cristo. O

que isso implica em nossa vida? Ainda que estejamos neste mundo,

“lugares celestiais” é outra maneira de dizer o que Paulo fala em

2Coríntios 2.14: “Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre

nos conduz em triunfo”. Cristo já conquistou a vitória sobre as

forças que se opõem; e, ainda que essa vitória não se veja e não se

realize em nossas vidas constantemente, a possibilidade dessa

vitória é nossa. Isso se torna mais claro quando, pela última vez,

Paulo usa a mesma frase em 6.12, dizendo que a nossa luta é

contra as forças do mal, as forças satânicas, nas regiões celestiais.

Somente quando estivermos em Cristo, que, sentado à destra do

Pai, já conquistou a vitória por nós, é que seremos vitoriosos.

17 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

As bênçãos que motream o nosso louvor

Quais são essas bênçãos? Há pelo menos cinco!

A primeira bênção (v. 4): nos escolheu, nele, antes da fundação

do mundo. Não entendo bem o que significa a escolha de Deus.

Mas sei que a Bíblia fala, possivelmente em termos figurados, que

Deus tem um livro, o livro da vida, onde ele escreve o nome dos

que já foram salvos, estão sendo salvos e serão salvos. Naquele

livro estão os nomes dos escolhidos. Não se tem nenhum a informação

de como ele faz essa escolha. Não se explica que implicações

essa escolha tem para mim, porque eu também tenho a

minha escolha plena e livre. Mas quero dizer isto: que se ele não

me tivesse escolhido, antes da fundação do mundo, é certo que eu

não estaria aqui nem seria filho de Deus. É a garantia fundamental

de que um dia olharei a face do meu Senhor, porque ele me escolheu.

E ele deve receber toda a glória pela minha posição em Cristo. A

graça de Deus começa, então, com a afirmação da nossa eleição.

No original, essa eleição é para si mesmo. Ele nos elegeu para seus

propósitos.

A segunda bênção (v. 5): nos predestinou para sermos

adotados. A palavra “p red e stin a r” significa “destin ar com

antecipação”, sugerindo um a espécie de seleção. Em face da

impossibilidade de desejarmos receber o seu convite, de sermos

santificados ou de nos tornar irrepreensíveis, por causa do amor

que tenho e que todos nós temos pelo pecado, Deus então me deu

as condições que me faltavam, colocando ao meu lado justamente

as influências que hum anam ente explicam essa m udança de

direção na vida. No meu caso, no lar em que nasci, também as

incontáveis pessoas que viveram vidas irrepreensíveis diante de

mim, apresentando um modo de ser que me chamou a atenção,

fazendo com que eu soubesse que o cristianismo é mais do que

uma ideologia, mais do que uma mera herança religiosa; é uma

vivência.

Lendo Romanos 8.29, encontramos que, na predestinação,

para serm os adotados, o in teresse divino é que sejam os

transformados em réplicas, imagens de Jesus Cristo, ou fotografias

vivas dele! Essa adoção é nossa em Cristo. Cristo é o Filho por

natureza, nós somos filhos por adoção. O versículo 7 fala da

redenção; isso significa que Deus eliminou os sinais da nossa

escravidão às forças satânicas, ao pecado, à nossa própria carne,

- 18 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉ3IOS

ao egoísmo, às forças da Lei e da morte. As algemas foram rompidas,

e Deus nos ofereceu, em Cristo, a liberdade de filhos, de

modo que, segundo Rom anos 8.15 e G álatas 4.6, como um

reconhecimento público, o novo cristão declara “Aba, Pai” (palavra

aramaica que significa “paizinho”). É o novo reconhecimento da

relação com Cristo. Essas bênçãos são bênçãos que D eus já

derramou sobre nós e que já começaram antes da criação. São

uma transferência de posição, deste mundo para os lugares celestiais,

de culpabilidade para irrepreensibilidade e de escravidão

para filiação.

A terceira bênção (v. 7): é uma bênção presente; veja-se o

verbo no presente: nele temos a redenção. Redenção é uma realidade

de vida contínua em decorrência da nossa posição em Cristo.

Algum tempo atrás, um jovem universitário chegou em meu

escritório com lágrimas que lhe escorriam pela face. Eu quis saber

o que se passava e ele me falou da sua escravidão ao pecado. Ele

não sabia onde havia uma saída para ele como crente. Conversamos

e oramos. Ele saiu com novas esperanças. Um dia, não muito

tempo depois, me telefonou com novas lágrimas. Mas só que desta

vez o seu desespero era maior do que nunca. Ele me disse: “Caí

novamente e não há solução. Percebo que realmente estou caminhando

para o inferno, e não há salvação para mim”. Conversamos

mais sobre a palavra e as promessas de Cristo; mostrei-lhe o fato

da escravidão e que eliminá-la é uma coisa que Deus faz, às vezes,

aos poucos, passo a passo. Oramos de novo e dei-lhe algumas tarefas.

Depois de algumas semanas, passamos a nos encontrar e comecei a

perceber seu rosto radiante, pelo menos nesta área. Deus rompeu

as algemas da escravidão; nele temos a redenção! Se você está

sentindo a força da escravidão na sua vida, note essa bênção, que é

contínua. Nele temos o preço pago por toda a escravidão. Podemos

nos chegar arrependidos diante dele, reconhecendo a nossa fraqueza

humana, pois ele nos oferece essa bênção continuamente.

A quarta bênção (v. 8): é a segunda bênção para o presente:

segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramoti abundantemente

sobre nós em toda a sabedoria e pmdência. Cristo abriu o seu livro de

informações. Ele nos oferece o seu plano para o futuro, o que é

maravilhoso em todos os sentidos. Assim, não há necessidade de

ficarmos desesperados diante da maneira como o mundo parece

estar se tornando cada vez mais sujeito às forças do caos. Não,

pelo contrário, dizem os versículos 9 e 10: Deus já propôs — e ele

19 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

não pode ser contrariado neste seu propósito — que todas as coisas

um dia vão convergir em Jesus Cristo, que estará encabeçando

tudo. Tudo mesmo!

No fim da oração do primeiro capítulo (v. 22) vemos que,

para a igreja e para nós, essa realidade já está em atuação, ao

passo que o mundo pecador, as forças satânicas, a criação, tudo

geme na esperança de justiça (Rm 8.23), a justiça final, o julgamento

de Deus. Nós, que fazemos parte da sua igreja, o seu povo,

aguardamos que ele seja o cabeça de todas as coisas em nossa

vida. Ele já foi colocado como cabeça da sua igreja e está operando

essa convergência, este encabeçar, para que todas as coisas nele

subsistam (Cl 1.17), de forma que se possa reconhecer isso agora,

na igreja. .

A quinta bênção (v. 11): nele, os judeus (note-se o contraste

entre o nós dos versículos 11-12 e o vós do versículo 13) — Paulo

e toda a linhagem judaica — foram feitos herança de Deus, predestinados

segundo o propósito daquele que faz todas as coisas

segundo a sua vontade. Romanos 9-11 explica essa frase, mostrando

como o judaísmo não é um aparente fracasso nos planos

de Deus. O versículo 12: afim de sermos (nós) — Paulo, os outros

apóstolos (também judeus convertidos), a igreja de Jerusalém e

todos os judeus que serão ainda salvos (Rm 11.25-26) — para

louvor da sua glória. Sem dúvida por causa da dureza do seu

coração, costuma-se dizer que uma das coisas mais difíceis de

acontecer é um judeu se converter, se entregar a Cristo! Mas, para

a glória de Deus, a própria nação judaica vai se converter ao seu

Messias, Cristo, segundo a promessa de Deus.

Em quem também vós, isto é, pessoas como nós, gentios, que

não temos direito nenhum em Abraão, depois que ouvistes a palavra

da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido,

fostes selados com o Santo Espírito da promessa. Pedro teve a coragem

de batizar Cornélio e outros recém-convertidos de Cesaréia, mesmo

sem ter, àquela altura, a mente claramente aberta para o grande

mistério de Efésios. Mas teve a coragem de batizar esses novos

crentes gentios por causa do Espírito Santo que os selara.

Termino esta breve exposição do prim eiro parágrafo de

Efésios com estas palavras: nosso direito de nos reconhecer como

participantes da herança dada a Cristo (Jo 17.24: aqueles que Deus

deu a seu Filho) deve-se unicamente à participação, em nossa

vida, clara e definida, do Espírito Santo. Se não há evidência dele,


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSiOS

da segurança e da garantia que ele traz para a vida, da evidência

do amor, do autocontrole, da benignidade, de todo o fruto do Espírito,

temos de fazer esta pergunta: será que eu, como gentio, tenho

algum direito na herança oferecida a Cristo?

Resum o: as bênçãos que temes para louvar a Deus

Concluindo, quais são essas bênçãos? (1) ele nos elegeu para si

mesmo; (2) ele nos predestinou, colocando todos os fatores em

nossos passos — desde o nosso nascimento até hoje — para que

fôssemos transformados de escravos em filhos; (3) a bênção da

sua redenção contínua, que inclui a remissão e a retirada de toda

a nossa culpa; (4) o reconhecimento do seu propósito, de que um

dia todo o universo admitirá a soberania de Cristo, o seu senhorio

(v. 10); e (5) o privilégio de participarmos da sua herança.

Um modelo inspirado de intercessão (1.15 -2 3 )

15Por isso também eu, tendo ouvido a fé que há

entre vós no Senhor Jesus, o amor para com todos os

santos, 16não cesso de dar graças por vós, fazendo

menção de vós nas minhas orações, 17para que o Deus

de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda

espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento

dele, 18iluminados os olhos do vosso coração,

para saberdes qual é a esperança do seu chamamento,

qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, l9e

qual a suprema grandeza do seu poder para com os que

cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; 20o

qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os

mortos, e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares

celestiais, 21acima de todo principado, e potestade, e

poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir

não só no presente século, mas também no vindouro.

22E pôs todas as coisas debaixo dos seus pés e, para ser

o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, 23a qual é

o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em

todas as coisas.

- 21 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Por que Paulo orava?

Paulo foi um homem de oração, e não sei como ele aprendeu a

orar. Os discípulos, em Lucas 11, após terem ouvido o Senhor

orar, chegaram a ele e pediram instruções sobre como orar. Talvez

Paulo tenha sido instruído por Cristo, através do seu Espírito, no

deserto de Damasco, onde passou vários anos; ou, então, nas

limitações do seu ministério, em Tarso, durante ainda mais de dez

anos, antes de entrar no trabalho ativo em Antioquia e de fazer

suas viagens missionárias. Deus fez uma coisa maravilhosa com

Paulo. Ele o separou para aprender dele, naquelas ocasiões que

duraram tanto tempo. Um seminário sem mestres humanos! Só

depois disso ele iniciou o seu ministério; e mais tarde Deus o separou,

de novo, para um ministério de oração, numa prisão.

Se as perseguições, que ocorreram durante grandes períodos

da história da igreja, voltarem a ameaçar de novo o povo de Deus,

acho que haverá um efeito, que de fato será um benefício muito

grande, com os presos cristãos orando.

Por que oramos tão pouco? Por que os santos do passado

gastavam horas, que sentiam passar como m inutos, enquanto

gastamos minutos que parecem horas?

A razão me parece, simplesmente, a falta de amor. Se o

am or de Deus não é derram ado, segundo Romanos 5.5, pelo

Espírito, em meu coração, não tenho suficiente motivação para

separar tempo da minha agenda (tão cheia) para orar. Mesmo

que, com aquele sentimento de obrigação, eu marque uma hora ou

duas, uma manhã ou uma noite, para orar, quando me ajoelho

para assim fazer, encontro mil coisas que me desviam a atenção.

E como o grande homem de oração da Inglaterra, George Mueller,

que disse ter o problema de sua mente parecer um passarinho,

que voa em todas as direções, em todas as flores, e não se concentra

realmente na oração; concentra-se em planos, em mensagens, até

em estudos bíblicos, mas não na intercessão e na adoração.

Paulo, lá na prisão de Roma, onde teve pouca oportunidade

de sair para pregar às grandes multidões e abrir novos trabalhos,

teve tempo para se concentrar. A frase que ele usa aqui para

descrever a sua vida de oração é: não cesso de dar graças por vós,

fazendo menção de vós nas minhas orações (v. 16). “Orar sem cessar!”

— uma frase que descreve tanto a sua vida (Cl 1.9), como o seu

ensino (lTs 5.17). Em se tratando de nós, de uma maneira geral,


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

quando começamos a orar, o problema é logo cessar. Ao receber

vários pedidos de intercessão, oramos, mas logo desistimos.

As igrejas da Ásia estavam longe do apóstolo, mas ele se

sentia tão constrangido pelo amor de Cristo, que sua vida estava

intim am ente ligada à vida e aos problemas dos seus netos (no

exato sentido da palavra: os que ele mesmo não ganhou, mas que

foram ganhos pelos seus discípulos, seus filhos na fé), sentindo-se

com relação a eles um verdadeiro pai, um pai espiritual. Por isso,

à semelhança da mãe ou do pai que vê os problemas e as necessidades

da família e ora por ela, Paulo orava por causa do amor

que sentia.

O apóstolo Paulo, autor de ICoríntios 13, aquele que sentiu

profundamente o amor, orava não apenas por obrigação^ “porque

é muito espiritual orar bastante”, mas porque amava.

Nos versículos 15 e 16, lemos: Por isso também eu, tendo ouvido

a fé que há entre vós no Senhor Jesus, e o amor para com todos os santos,

não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações.

Esse por isso pode se referir ao parágrafo anterior. Paulo, através da

oração, talvez de Barnabé e de outros que o amavam, e em resposta

às orações deles, foi instruído pelo Espírito a entender essas

profundas verdades que o levaram a adorar, no primeiro parágrafo

desta epístola. Talvez seja por isso, por causa dessas bênçãos que

empolgam o apóstolo e o deixam extasiado, que ele agora ora por

esses novos cristãos, que pouco as conhecem. Por isso Paulo ora;

uma oração que flui da compreensão do sentido da adoração.

Muitas vezes chegamos a nossas reuniões de oração, a nossos

momentos de meditação particular, sem adorar e sem sequer ter a

mente envolvida com a mente de Deus, pos nosso coração está

bem fechado quanto ao espírito de oração, isto é, o Espírito Santo,

que é quem nos promove ou nos motiva. Começamos então a tentar

orar, mas acabamos sentindo o que os discípulos sentiram em

Lucas 11. Nessas condições não estamos de fato fazendo coisa

alguma, a não ser falando para nós mesmos ou lutando com o ar,

em vez de estar em contato com Deus. Portanto, o por isso do v. 15

pode ser uma referência aos versículos anteriores.

E ntretanto, há também uma referência no restante do

versículo 15 quanto à notícia de que esses novos crentes haviam se

aliado ao povo de Deus, sendo agora colocados dentro do corpo

pelo Espírito. Paulo reconheceu isso por meio da fé que eles tinham,

que se manifestava de alguma forma, não apenas ao levantarem

- 23 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

as mãos e aceitarem Cristo, pois, sem dúvida, eles assim o fizeram,

mas pela fé que havia se mostrado atuante. Ele ouviu falar do

testemunho desses crentes da Ásia, por intermédio de Epafras ou

Tíquico ou de qualquer outro membro da igreja de Efeso, e sentiu

então a realidade da conversão deles.

A segunda coisa que o leva a orar é saber que eles são crentes

pelo testemunho que o seu amor dá; e novamente lembramos que

é impossível separar a fé e o amor, pois esse versículo nos mostra

que eles são dois lados da mesma moeda. Quem se compromete

com Cristo, compromete-se com os seus irmãos e com o mundo

perdido. Aí está a motivação da oração: adoração e novos crentes

que precisam de edificação.

Paulo está muito consciente de que sem oração, sem essa

colaboração com o plano de Deus através da luta de intercessão,

falta ao crente o essencial para o crescimento do corpo, a igreja.

Paulo dirige seu pedido a Deus (v. 17), o Deus de nosso Senhor

Jesus Cristo. E trata-se de uma oração bíblica; não de uma oração

dirigida ao Espírito, nem diretamente a Jesus Cristo, mas através

de Cristo a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória

neste trecho. Lembremo-nos de que em João 14 toda a visão de

Deus que queremos ter, segundo o propósito divino neste mundo,

é a imagem de Deus formada em vidas à imagem de Cristo e sua

atuação em resposta à oração. Não entendo com profundidade o

que significa ser escolhido ou predestinado, nem como as nossas

petições, chegando à presença de Deus, mudam, transformam!

Não sou da opinião de que Deus muda de idéia só porque eu lhe

peço que mude. Não, ele já pretendia fazer o que estou pedindo,

porque a minha oração é real quando eu penso junto com Deus os

seus pensamentos. Mas, ao mesmo tempo, Deus restringe as suas

bênçãos de vida, de crescimento, de formação da sua imagem, se

eu deixar de orar.

Num sentido muito real, oração é colaboração com Deus (lCo

3.9). Dirigimos assim nossa petição a ele, que não é qualquer Deus,

mas o único Deus que se revela em Jesus Cristo como o Pai da

glória. Jesus Cristo (o Senhor da glória segundo Tg 2.1) é aquele

que nos revelará a glória de Deus, nos elevará a mente, se concentrará

em nossas petições, para que essa glória se manifeste na terra.

24 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

Especialmente o evangelho de João ressalta que Jesus Cristo é a

manifestação da glória de Deus, o Pai da glória, no sentido de que

Cristo, vindo como Filho encarnado, demonstra-nos neste mundo

o que realmente é glória. Então, neste sentido, Deus é o Pai e a fonte

de toda a glória, por meio de Jesus Cristo. E é para este Deus que se

eleva essa petição (no v. 17), que me parece ser a única petição.

Talvez não seja tão essencial que façamos muitos pedidos a Deus.

Seria como aqueles anúncios que, às vezes, por serem muitos, se

perdem.

O versículo 17 tem a seguinte petição:para que [...] vos conceda

espírito. Convém mudar um pouquinho a tradução, talvez num ponto

crítico: “que vos conceda Espírito (com inicial maiúscula) de

sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele”. Tenho

convicção de que, quando realmente recebi a Jesus Cristo, recebi o

seu Espírito regenerador. Sou salvo por ter nascido do Espírito. Eu

e todos os que são filhos de Deus somos filhos através da regeneração

do Espírito. Mas há uma passagem, justamente em Lucas

11, em que Jesus Cristo, ao responder a esta pergunta — como

devemos orar? — ensina a oração conhecida como “Pai Nosso” ou

“Oração Dom inical” (v. 2-4); depois ele continua mostrando a

necessidade de insistir com Deus, com importunação, frente às portas

do céu, e nos dá a segurança de que seremos atendidos (v. 9-12).

Mas, quando chegamos ao v. 13, temos uma informação quase

inédita, pelo menos nos evangelhos, que devemos pedir o Espírito,

já tendo o Espírito. “Ora, se vós que sois maus sabeis dar boas

dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito

Santo àqueles que lho pedirem?” Como resolvemos esta aparente

contradição: ter o Espírito e ainda recebê-lo? A solução está no

seguinte sentido: o Espírito é fonte de vida e, portanto, fonte da

nossa oração; temos de orar — segundo Judas 20 e Efésios 6.18 —

no Espírito, porque não há outra oração senão no Espírito. Podemos

e devemos, ao mesmo tempo, pedir o Espírito no sentido de sua

atuação e de sua presença real em nossa vida. Pode-se dizer o mesmo

com respeito à adoração (Jo 4.24).

Pare agora um instante para lembrar quando foi a última

vez que você orou; talvez tenha sido hoje, espero que sim. Meu

amado irmão em Cristo, você orou mesmo? Você sentiu que Deus

25


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

estava escutando a sua petição ou foi como naquele caso dos

adoradores de Baal, relatado em IReis 18, quando se pensava que

o deus deles estava viajando? Deus estava escutando? Ah, meu

irmão, se o Espírito de Deus é quem torna real a presença de Deus,

é dele que precisamos! Precisamos dele para fazer qualquer petição

e para sabercomo orar. Fiquei impressionado com certas senhoras

diaconisas da Alemanha, as chamadas “Irm ãs de M aria”, mas

que são crentes que se dedicam à oração. Impressionei-me especialmente

com a afirmação que a diaconisa Basilea Schlink faz em

um dos seus livros: para elas, o principal não é pedir que Deus

faça, mas o essencial é saber o que pedir, para saber o que ele quer

responder e assim cooperar com os verdadeiros propósitos de Deus.

Orar no Espírito deve ser alguma coisa semelhante a isso.

Paulo pede que esses irmãos recebam o Espírito, Espírito

de sabedoria e de revelação. Essas duas palavras falam de orientação,

de motivação, e descrevem a nossa profunda necessidade de saber

como viver o dia de hoje. Quando chegarmos ao tribunal de Deus

para prestar contas, e o videoteipe da nossa vida for rodado, vendo

novamente como passamos o dia de hoje e ao mesmo tempo vendo,

junto daquele teipe, o que Deus queria de nós, contrastando com

o que fizemos, como será conosco? Isto deve ser aquilo que está

envolvido no que a Bíblia chama de “prestar contas”. Parece-me

que a única tristeza que nos aguarda no céu é aquilo que poderiamos

ter sido, se tivéssemos sido orientados pelo Espírito, e o que fomos,

rebelando-nos contra a vontade e o amor de Deus. Em outras

palavras, é o que Efésios 4.30 fala sobre o Espírito e sobre entristecêlo,

como uma reação à desobediência do crente em quem ele habita.

O original grego dá-me a impressão de colocá-lo num cantinho:

“Fique lá quietinho porque eu tenho os meus problemas, a minha

vida para viver; fique lá, porque eu realmente não preciso da sua

intervenção”. Por trás dos problemas das nossas igrejas está a

falta de oração em busca de orientação.

As duas palavras, sabedoria e revelação (v. 17), têm os

seguintes significados:

Sabedoria

No Antigo Testamento, sabedoria significa olhar para a vida com

os olhos de Deus e perceber o que ele está fazendo, para então

envolver-se nisso.


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

No livro de Provérbios, os conselhos sábios tratam de diversos

assuntos: dinheiro, como gastá-lo como Deus quer; casamento,

planejamento da vida familiar e educação dos filhos de acordo

com a vontade de Deus; e também como cultuar a Deus. O Antigo

Testamento está cheio de fórmulas, indicações e mandamentos, e

todos eles são um apanhado da sabedoria de Deus.

Mas no Novo Testamento encontramos uma nova dimensão.

Veja ICoríntios 1.22-24: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como

os gregos buscam sabedoria (isto é: sabedoria filosófica, científica,

tudo aquilo que é função da universidade fornecer); mas nós pregamos

a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios;

mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos,

pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus”. >

Bem, quando chegamos a ICoríntios 2.2 esta sabedoria, diz

Paulo, concentrou-se na sua pregação da seguinte forma: “Decidi

nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado”. Para

mim, o problema da igreja de Corinto e de todas as nossas igrejas é

que nossa sabedoria, muitas vezes, não é a sabedoria imersa no significado

da cruz: saber realmente amar, até ao ponto de sacrificar-se.

Lembre-se de que a cruz é a sabedoria de Deus. E possível fazer como

muitos, que voltam as costas ao fator supremo da missão, que é

pregar e viver a realidade da cruz de Cristo. Como os crentes da Ásia

podiam se deixar ser decapitados, ou queimados, como no caso de

Policarpo, a não ser que tivessem essa sabedoria neotestamentária?

Revelação

Esta outra palavra, revelação, significa uma visão de todas as coisas,

não apenas deste mundo que está desaparecendo, segundo Paulo

(ICo 7.31), mas uma visão dos valores tal como são traduzidos no

céu. Jesus Cristo, ao falar com os seus discípulos, em Mateus 6,

chama-lhes a atenção para a maneira de valorizar seu dinheiro,

colocando-o no Banco Celestial. Isso requer a revelação das

realidades invisíveis e ninguém o faz a não ser que receba uma

revelação, isto é, veja que vale a pena investir num mundo além

deste, atentando para aquele mistério de Deus, que vê o fim e não

apenas os passos difíceis de agora. A revelação que o Espírito dá

abre-nos a visão. Faltando essa revelação, diz Provérbios, “o povo

perece”. O Brasil perecerá, a África perecerá, o mundo perecerá

sem essa visão da revelação e da sabedoria.

- 27 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Vejamos então o Espírito que Paulo pede através de uma

atuação plena e real na vida desses novos crentes de Éfeso: que

eles sejam cheios do Espírito de sabedoria e de revelação. Em outras

palavras, motivados. Mas uma coisa acompanhará essa atuação

do Espírito (nota-se na última linha do versículo 17): o pleno conhecimento

dele. Chamo a sua atenção para João 14.9: o pleno conhecimento

dele está em Cristo. Ora, este Espírito de revelação e

sabedoria fará (v. 18) três coisas, mas antes iluminará os olhos do

nosso coração. Você sabia que o seu coração tem olhos? O texto

diz que tem. No original, a iluminação significa o milagre do

homem cego, isto é, tinha olhos, mas estava cego. E essa iluminação

é sempre o milagre da nova criação. Em 2Coríntios 4.4 lemos que

“o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para

que não lhes resplandeça a luz do evangelho. [...] Porque não nos

pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós

mesmos como vossos servos. [...] Porque Deus que disse: Das

trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nossos

corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na

face de Cristo”. Nós, que queremos servir a Cristo, precisamos

deste milagre, que talvez se repita — os olhos do nosso coração

iluminados com essa revelação e sabedoria. Quando isso acontece,

três coisas sucedem.

As três cessas

A primeira delas é o entendimento, uma compreensão da esperança

do nosso chamado, que é duplo — primeiro, para servirmos aqui;

segundo, para fazermos herança com ele lá no céu.

A segunda, que estes olhos, já milagrosamente abertos pelo

poder de Cristo e por sua iluminação, tenham capacidade de olhar

para o sol celestial, sem serem ofuscados. Eu já tentei ver o eclipse

do sol e, apesar de que não ser total, fiquei como cego por causa

da incidência dos raios solares. Mas aqui se está dizendo que com

o coração pode-se ver a verdadeira glória do Senhor. Essa glória

vem, então, residir em nós. Jesus pede essa mesma bênção em

João 17.24, que os seus discípulos vejam a sua glória. Em lCoríntios

3.18, vemos que essa glória é transformadora e realmente santifica.

A riqueza da glória (1.18): veremos a riqueza da glória de Deus, da

herança que ele tem em nós? Essa herança está ainda incompleta?

A glória de Cristo pode ser percebida quando se olha para Apoca­

- 2 8 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

lipse, onde se acham diante do seu trono, oriundos de todas as

línguas, tribos e nações, os que foram comprados por tão grande

preço. E como eles chegaram lá? Através de uma motivação

despertada pela visão que tiveram da riqueza da glória de Cristo.

A terceira coisa, tão essencial e importante, que vem com a

iluminação dos olhos do coração é, note-se bem, a suprema grandeza

do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu

poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e

fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais (v. 19, 20). Paulo faz

uso de sinônimos e de palavras não exatamente sinônimas para se

referir à força, ao poder, à energia efetiva necessária para quebrar

uma grande barreira que todos nós temos, desde os mais velhos até

os mais novos. Quando nós, já tendo recebido uma visão da glória

de Cristo, sentimos nosso chamado, precisamos ainda de poder. Os

discípulos, ao esperar o dia de Pentecostes, esperavam o que Cristo

prometera: poder. E a petição de Paulo é por aquele poder que se

derramou sobre os crentes no dia de Pentecostes, pelo qual milhares

de pessoas vieram a refletir a glória de Cristo, submetendo-se à sua

soberania. Então a eficácia, o domínio, a palavra traduzida por

força, dunamis (At 1.8), derramou-se de tal forma que Satanás e

todos os seus demônios, os principados e potestades, os senhorios

sobrenaturais, não puderam conter; foram esmagados naquela

batalha no dia de Pentecostes.

itpiieação

Meu irmão, se alcançarmos sabedoria e tivermos a revelação, se

sentirmos profundamente a esperança do nosso chamado, chamado

de uma vida que se realiza fazendo alguma coisa que dure por

toda a eternidade, dentro da missão de Cristo; se sentirmos e virmos

algo de sua glória; mas se não tivermos poder, seremos de imediato

derrotados.

Esta Epístola aos Efésios é uma orientação para vencermos

as forças invisíveis que nos cercam, já que essas forças, quando

quisermos fazer alguma coisa, tentarão enganar-nos e fazer-nos

tropeçar.

Mas o versículo 19 mostra-nos que o mesmo Espírito de

revelação e de sabedoria nos dará a vitória através do seu poder,

se estivermos dispostos a lutar juntamente com ele contra o diabo

e as hostes do mal, com a mesma atitude que Cristo lutou, ou

- 29 -


EPÍSTOLAS da p r is ã o

seja, conforme Colossenses 2.15, na cruz! Não vencemos essas

forças por meio do raciocínio; nem simplesmente conhecendo

melhor a Bíblia; nem dando, por obrigação, mais tempo à oração,

mas adquirindo a sabedoria de Deus, que é mais sábia que a dos

homens, essas forças são vencidas com Cristo, como diz o livro de

Apocalipse, como o Cordeiro que parecia ter sido morto! A palavra

é muito forte em Apocalipse 5.6.

Quando estamos sentados com Cristo, compartilhamos, de

certa forma, da sua vitória; mas, mas ao mesmo tempo, estamos

crucificados com ele, aqui neste mundo.

Meu irmão, enquanto amarmos a nossa vida, o poder do

Espírito não se demonstrará com clareza total. A oração de Paulo

é que o Espírito de sabedoria e de revelação seja concedido, que

nos abra os olhos do coração para uma visão do mundo, para

uma visão de nós mesmos e, acima de tudo, para uma visão de

Cristo. Espero em Deus uma nova disposição: não amarmos tanto

a nossa vida.

Tão grande salvação (2 .1-2 2 )

'Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos

delitos e pecados; 2nos quais andastes outrora, segundo

o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade

do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência;

3entre os quais também todos nós andamos

outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo

a vontade da carne e dos pensamentos, e éramos por

natureza filhos da ira, como também os demais. 4Mas

Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande

amor com que nos amou; 5e estando nós mortos em

nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo; —

pela graça sois salvos; 6juntamente com ele nos ressuscitou

e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo

Jesus; 7para mostrar nos séculos vindouros a suprema

riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em

Cristo Jesus. 8Porque pela graça sois salvos, mediante a

fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; 9não de obras,

para que ninguém se glorie. 10Pois somos feitura dele,

criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus

de antem ão preparou para que andássem os nelas.

- 30 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

"Portanto, lembrai-vos de que outrora vós, gentios na

carne, cham ados incircuncisão por aqueles que se

intitulam circuncisos, na carne, por mãos humanas,

"naquele tem po, estáveis sem Cristo, separados da

comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa,

não tendo esperança, e sem Deus no mundo.

"M as agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis

longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. "Porque

ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo

derrubado a parede da separação que estava no meio, a

inimizade, "aboliu na sua carne a lei dos mandamentos

na forma de ordenanças, para que os dois criasse em si

mesmo um novo homem, fazendo a paz, 16e reconciliasse

ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da

cruz, destruindo por ela a inimizade. ,7E, vindo, evangelizou

paz a vós outros que estáveis longe, e paz também

aos que estavam perto; "porque por ele, ambos temos

acesso ao Pai em um Espírito. 19Assim já não sois estrangeiros

e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois

família de Deus; 20edificados sobre o fundamento dos

apóstolos e profetas, sendo ele mesmo Cristo Jesus, a

pedra angular; 21no qual todo edifício, bem ajustado,

creste para santuário dedicado ao Senhor, 22no qual

também vós juntam ente estais sendo edificados para

habitação de Deus no Espírito.

O fim do capítulo prim eiro diz que a igreja (e nós somos

microcosmo da igreja) foi feita corpo de Cristo; e para demonstrar

a sua corporalidade, Cristo foi feito cabeça, isto é, o controlador, o

planejador (mesmo invisível) dos acontecimentos na vida.

Efésios 2 continua o pensam ento de Paulo iniciado no

prim eiro parágrafo do capítulo 1, com o louvor a Deus pelas

profundas e transform adoras bênçãos que ele tem concedido.

Efésios 2 dá continuidade ainda à oração do segundo parágrafo,

iniciada no versículo 15, quando o apostolo pede que o Espírito

venha abrir os olhos do coração dos leitores e ouvintes, para que

compreendam através da sabedoria e da revelação divina a vocação

que Deus lhes tinha dado, a riqueza da glória, da herança que nós

31 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

somos em Cristo e, finalmente, no versículo 19, a suprema grandeza

do seu poder. O capítulo 2 é uma exposição do significado daquela

frase a suprema grandeza do seu poder para conosco (1.19). Então,

com essa idéia na mente, leiamos este capítulo que se divide claramente

em duas partes: a primeira, falando da nossa situação de

onde Deus nos resgatou (2.1-10) e a segunda parte, nossa situação

social, o novo povo de Deus, a igreja (2.11-22).

Jesus Cristo, que na sua ressurreição demonstrou o poder e o

amor que Deus nele exerceu, está agora sendo explicado em sua

relação com a humanidade toda e principalmente em relação com

os gentios pagãos, que éramos nós. E por isso que a palavra vós

aparece nesse trecho. Paulo está escrevendo para igrejas gentílicas,

em princípio. Portanto, para descrever a grandeza do poder de Deus,

que se demonstra na ressurreição de Cristo, o apóstolo escolhe várias

figuras para descrever a nossa condição, antes de sermos salvos.

O primeiro parágrafo pode ser entendido como abrangendo

a condição anterior e o privilégio presente. Este parágrafo dividese

assim: os primeiros três versículos tratam da nossa condição de

pagãos, perdidos no mundo; e os versículos 4 e 10, do nosso privilégio

presente.

k condição a n terio r

A primeira palavra que Paulo usa para descrever a situação do

pagão, do incrédulo sem Cristo, é a palavra morte: mortos em delitos

e pecados. Esta palavra, para descrever o pecador, à primeira vista

não parece ter sido bem escolhida, porque o incrédulo aparentemente

não está morto: ele tem raciocínio, tem capacidade de entender,

inclusive palavras da Bíblia. Ele pode repetir nomes como

“Cristo”. Ele sabe algo da história de Jesus; aparentemente ele

não está tão morto, como parece pela palavra escolhida por Paulo.

Mas ao entendermos a razão pela qual Paulo escolheu essa palavra,

começamos a perceber que a Bíblia coloca o pecador em situação

bem diferente da que talvez nós atribuiriamos a ele. Porque a idéia

de morte (que talvez tenha surgido da condenação de Adão e Eva,

no capítulo 3 de Gênesis: “no dia em que comeres deste fruto,

morrerás”) carrega em si profundas realidades sobre a situação

moral e espiritual do homem sem Deus. De que forma?

Primeiramente, a pessoa morta não pode se movimentar;

ela está totalmente inerte e perde por completo aquilo que cha­

- 3 2 -


EPÍSTOLA OE PAULO AOS EFÉSIOS

mamos de personalidade. Há algumas poucas semanas atrás, um

amigo nosso morreu num desastre de automóvel: pai e filho, ambos.

Quando a viúva foi ver o corpo, aquele homem que havíamos

conhecido tão bem (ele fizera parte do nosso grupo de estudo bíblico)

estava totalmente incapacitado de se comunicar conosco, e nós com

ele. Tanto faz falar com um cadáver, como falar com o chão, ou com

um piano, ou com qualquer outra parte do universo não pessoal. A

primeira idéia de morte me parece ser esta: a incapacidade de

comunicação, de movimentação, de aproximação. A incapacidade

de reagir, de corresponder. Deus falando ao homem, e o homem não

escutando coisa alguma, não respondendo, não reagindo, mas

continuando no seu próprio caminho, como se Deus não existisse.

Em segundo lugar, o corpo ao perder a vida começa a se

decompor. A situação do homem sem Deus é uma situação de

decomposição, não no sentido apenas de mau cheiro, mas de que

a integração da sua pessoa, da sua personalidade, está se perdendo

tanto quanto a de um cadáver, que depois de alguns anos não será

nada mais que pó e alguns ossos espalhados. O homem sem Deus

está se decompondo. A sociedade humana se decompõe, quando

se separa de Deus.

A característica do homem é que ele está morto em delitos e

pecados. E essas duas palavras são sinônimas. O pecado pode ser

descrito como “o que cai fora do alvo, que não atinge o seu destino”.

A palavra pecado tem a idéia “daquele que erra o alvo”, como dois

homens caçadores que estão à procura do coelho, mas se matam

um ao outro, em vez de o coelho. A intenção é completamente

contrariada, totalmente errada; isto é o pecado.

A segunda figura que Paulo usa é a de uma corrente de

escravos. Isso acontecia muito freqüentemente no império romano:

depois de uma guerra, para punir os povos que se rebelavam contra

Roma, faziam uma corrente e algemavam, pelos pescoços ou pelas

pernas, centenas de presos para levá-los às cidades do império

como escravos. Veja a palavra “andar” (v. 2); normalmente não se

pensa em mortos andando, mas nesta nova figura de Paulo eles

andam. Porém é um andar pressionado, um andar de presos.

Notem-se as palavras e frases que Paulo usa com respeito a este

andar: outrora, segundo o curso deste mundo. As algemas, as cadeias

escravizam; isto pode-se referir à cultura formada sem Deus.

Há pouco tempo li um livro sobre uma tribo de antropófagos

na Indonésia, o qual narra que eles têm na sua cultura, como alvo

- 33 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

principal de suas vidas, enganar os seus amigos, m atá-los e

comê-los. O curso deste mundo é a traição. Trata-se de alvos e

am bições nos quais procuram os tira r o máximo dos nossos

companheiros, para nos elevarmos e para nos dar conforto, pisando

nos seus corpos, se possível e se necessário. Essa é a cultura deste

mundo formado sem Deus e contrário a Deus. A palavra aiõn

descreve Satanás influindo em todas as áreas da vida e da história,

especialm ente nas suas m etas principais (segundo o curso, no

original, é aiõn, a era deste mundo).

Outra frase que descreve essa corrente de escravos é segundo

o príncipe da potestade do ar. O general conquistador, que andava na

frente desta longa fila, aqui é descrito como Satanás, o príncipe

deste mundo, que através da sua força enganadora cria na mente

hum ana o desejo de adorar todos os deuses, que afinal lhe são

submissos, em vez de um único Deus. E este andar segundo o espírito

que agora atua é essa fila. que não tem a mínima possibilidade de

escapar, seguindo aquele triunfante príncipe do mundo para seu

destino, o próprio inferno. Esta potestade do ar descreve a sua

invisibilidade; ele é invisível, e ao mesmo tempo, descreve a

incapacidade de fugirmos dele. Não há nenhum mosteiro, nem

igreja, não há local onde não se sinta a força do seu domínio e da

sua sedução, porque acima de tudo ele é o pai da mentira e o pai

da sedução (Jo 8.44).

A terceira descrição desta fila acha-se no versículo 3, entre os

quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa

carne. E eu imagino que, na maioria, aqueles escravos, vindo das

fronteiras, não andavam tão felizes, mas vinham chorando, tristes,

sofrendo; vinham na infinita miséria. Porém não é esse o caso do

homem pecador sem Deus. Ele é como o jovem escravizado às

drogas, ou como o dependente de álcool, que, ainda que seja

escravo, gosta desta escravatura, principalmente quando está se

escravizando ainda mais. E com respeito à descrição do versículo

3, segundo as inclinações, sabemos que a palavra no original é simplesmente

“os desejos da própria pessoa”. Ele é um escravo satisfeito,

enquanto puder se escravizar cada vez mais, fazendo a vontade

(no original, “as vontades”) da carne e dos pensamentos.

Finalm ente, a terceira figura que Paulo em prega para

descrever a nossa condição de pecadores e “culpados”: éramos por

natureza filhos da ira. A expressão filhos da ira é um hebraísmo

para descrever que não há nenhuma possibilidade de sermos outra

34 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

coisa, diferente do que éramos. Uma vez filho de alguém, não se

pode mudar a filiação. Portanto, essa descrição de condenação é

completa e total. João 3.36 afirma isso quando diz que os que não

crêem no Filho já estão sob a ira de Deus. São filhos dessa ira. Por

isso, “quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se

mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele

permanece a ira de Deus”.

A ira de Deus é um conceito teológico profundo. Tem sido

objeto de muita cogitação, pesquisa e discussão, mas tracemos

apenas rap id am en te o significado dessa frase na B íblia.

Primeiramente, a ira de Deus é a sua reação pessoal frente a qualquer

pecado, qualquer rebelião contra ele. E essa ira se demonstra da

seguinte maneira: .

Atualmente (Rm 1.18 até o fim do capítulo) se demonstra

em três formas: “a ira de Deus se revela contra toda a iniquidade”

(v. 18a); primeiro: entregando o homem às suas próprias paixões,

permitindo que continue no seu pecado, que se escravize cada vez

mais. Que palavras impressionantes: “por isso Deus entregou tais

homens à im undície, pelas concupiscências de seus próprios

corações, para desonrarem os seus corpos entre si” (v. 24).

Continuando: “por causa disso os entregou Deusa paixões infames”

(v. 26); e também outra vez no versículo 28 “e, por haverem

desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou

a uma disposição mental reprovável”. Na carne, na mente, e na

adoração. A ira de Deus permite que o homem se escravize até não

haver mais esperança; mas isso ainda não é tudo. A ira de Deus

não é apenas para esta vida, mas se estende para a vida vindoura.

E essa ira futura é que cria o terror no coração humano ao defrontar-se

com a morte; ela se descreve em Romanos 2, como uma ira

que se acumula. Cada pecado, cada idéia errada, cada rebelião contra

Deus acumula-se no coração impenitente. Uma espécie de vaso de

ira que cada dia vai se enchendo até transbordar e entrar no

julgamento eterno de Deus. Há passagens que falam sobre essa ira

vindoura. Contra essa ira, e para se salvar e escapar dela, é que o

evangelho deve ser pregado no mundo inteiro. Porque os filhos de

Deus aguardam dos céus (lTs 1.10) o seu Filho, “a quem ele ressuscitou

dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura”.

A ira de Deus é descrita de uma m aneira emocional e

sentimental na história do filho pródigo. O filho pródigo fugindo

de casa, procurando seus próprios prazeres, e escravizando-se neles


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

— fica cada vez mais decaído, cada vez mais desprezado pelos

outros e por si mesmo, doente, com fome, quase nu, esperando a

morte terrível junto aos porcos, sozinho, na verdadeira miséria.

Mas longe, em casa, está o seu pai esperando. Podemos deparar

aqui com uma descrição autêntica da ira de Deus. É uma ira cheia

e transbordante de amor, mas que não pode atravessar aquela

distância até o filho amado, a não ser que o próprio filho amado

caia em si (o que a Bíblia chama de arrependimento). A ira de

Deus sempre afasta, entrega, permite ao filho ir cada vez mais

longe da casa paterna, enquanto espera, busca e ansiosamente

aguarda o filho rebelde.

A condenação do mundo, então, é tríplice: é uma condenação

de morte, de decomposição e de incapacidade de se movimentar na

direção de Deus. É uma fila de escravos, andando segundo o curso

deste mundo, debaixo do terrível e cruel mandato de Satanás, e

ainda uma condenação inevitável da separação do verdadeiro lar.

Mas S e u s ... -

O homem, filho da ira, fica realmente dominado por essa ira,

afastado e longe de Deus. Nesta situação totalmente desesperadora

é que aparecem duas palavras em 2.4: as palavras Mas Deus. Deve-se

sublinhar, deve-se marcar essas palavras, porque elas são a única

esperança de todos os pecadores deste mundo! Mas Deus introduz

o amor e a m isericórdia de Deus frente ao homem perdido.

Rapidamente, vejamos como esse amor se manifesta em compaixão

m isericordiosa, perdoadora, ativa. Ele atua de três formas; e

lembremo-nos de que essas formas descrevem o poder supremo

de Deus demonstrado na ressurreição de Cristo. Porque o mesmo

poder que se opôs às forças da m orte, no túm ulo de José de

Arimatéia, e ressuscitou Jesus dentre aqueles mortos, é a mesma

força, diz Efésios, que transformará a situação do homem morto

em delitos e pecados, escravizado às forças satânicas e condenado

à ira eterna. Essas três formas são expressas por três palavras, ou

três frases, nos versículos 5 e 6:

Primeira: Nos deu vida juntamente com Cristo; no original,

co-vitalizados (vitalizados com Cristo). Se nós em nossa morte

nos reconhecermos como mortos, podemos nos aliar com o corpo

inerte de Jesus no túmulo de José para sentirmos a mesma força

que levantou Jesus para novidade de vida. A nossa morte em pecado


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

é cancelada pela mesma força que cancelou o poder que deteve

Jesus na pedra daquele túm ulo que abrigou o nosso Senhor

crucificado.

A segunda frase: juntamente com ele nos ressuscitou. Isto não

significa apenas aquilo que aconteceu quando Jesus chamou Lázaro

do seu túmulo, para que ele saísse, envolvido naquelas roupas, e

vivesse mais algum tempo. Não, este poder da ressurreição é uma

força que transforma, do interior para fora, todo o nosso ser. Eu

sou a mesma pessoa que era antes desta força se aplicar na minha

vida, mas também não sou a mesma pessoa. Quando Agostinho,

depois de lutas difíceis para vencer as forças e paixões da sua

carne, estava sendo chamado por sua amante, do outro lado da

rua, depois da sua conversão: “Vem Agostinho! Agostinho, aqui

estou”; ele disse: “Mas eu não estou aqui!” A força da ressurreição

é tão transformadora, que mudou até a própria aparência de Jesus.

Os evangelhos nos informam que os discípulos não reconheceram

Jesus. Maria, muito amiga de Jesus, pensou que ele fosse o jardineiro.

Os dois discípulos que iam para Emaús caminhavam como

se estivessem com os olhos fechados, não percebendo quem ele era.

Pode ser uma figura da transformação que o poder da ressurreição

opera naquele velho corpo, escravo, miserável, filho da ira.

A terceira frase, que descreve, também em forma figurada,

a nossa possibilidade de vencer tudo é nos fez assentar nos lugares

celestiais em Cristo Jesus, no seu trono. Desse trono emana toda a

força que conquista o pecado, a morte a força satânica, e a ira de

Deus. Este poder está todo aí a nosso alcance porque Cristo venceu

todas essas forças escravizadoras. Ele foi identificado com o nosso

pecado, sendo que Deus o fez pecado por nós (2Co 5.21). Ele

morreu, quando nós já estávamos mortos. Ele foi feito filho da

ira. Em Isaías 53.6, 10, 12, ele foi identificado com os transgressores

mas, por ter vencido, oferece-nos participação em sua

conquista. Por isso, Paulo pôde afirm ar que somos mais que

vencedores; e Romanos 8 descreve em forma poética, em êxtase e

empolgação, a natureza da nossa conquista sobre essas forças do

mal que nos condenavam (Rm 8.37-39).

Cabe aqui uma pergunta: e essa restauração? Que acontece com o

escravo? Com o corpo inerte? Com o filho da ira? Que acontece

- 37 -


epístolas da prisão

dentro dele? Como ele se liberta? Como ele compartilha disso?

Paulo usa a palavra que já conhecemos tão bem, que em todo o

Novo Testamento se refere a alcançar a mão de Deus, de apelar

para ele, de invocar o seu nome: a palavra fé. Porque pela fé é que

recebemos tão grande graça. Fé. John Wesley, que talvez tenha

sentido bem mais do que nós o poder do pecado em sua vida, a

força da morte no seu ser, procurou por todos os meios encontrar

a saída, mesmo depois de ser missionário na Geórgia; mas não

encontrava a resposta. “Como posso compartilhar dessa vitória?

Como posso sentir a força da ressurreição em minha vida? Como

posso ter vida juntam ente com Cristo?” E ninguém conseguia

explicar-lhe. Ele perambulava cada vez mais desesperado, sentindo

que teria de deixar o ministério (ele já era ordenado, servia e pregava,

mas não sentia essa vitória). E um dia, num pequeno recinto na

rua Aldersgate, em Londres, ouviu umas palavras de introdução de

Romanos, escritas por Lutero, que diziam que a fé é a operação de

Deus em nós. E ele sentiu, naquele instante: “Fé é Deus falando em

mim, é Deus apelando para si mesmo, através de mim. E Deus

levantando a minha mão para receber aquilo que ele quer me dar”.

E naquele instante ele caiu de joelhos e empolgou toda aquela reunião

com a declaração de que, agora sim, ele entendia o que era fé!

As palavras que seguem neste parágrafo de Efésios

descrevem de uma forma tão impressionante essa realidade: não

por obras nossas! Não há como o cadáver se levantar, como os

escravos cortarem as correntes, nem como o filho da ira se afastar

dessa ira; mas Deus oferece a sua salvação tão grande, de graça!

Ele paga o preço integral dessa salvação para nós, inundando-nos

com seu amor; sua compaixão nos envolve. E a resposta do coração

humano não pode ser outra, senão: “Obrigado, Senhor!” E esse

obrigado tão simples é a fé. Atente para estas palavras: Porque pela

graça sois salvos, mediante (a atuação humana) a fé; e isto não vem de

vós, é dom de Deus. A palavra “isto” não se refere à fé, mas refere-se

à salvação, à m isericórdia, a tudo que está envolvido nestas

palavras: Mas Deus (v. 4).

0 privilégio presente

O que significa essa nova situação em que nos encontramos, salvos

em Cristo? O versículo 10 descreve com uma palavra o nosso novo

privilégio. É-a palavra feitura; no original: poema (de onde vem a

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

nossa palavra poema, em português), ou “obra de arte”. Deus fez

isto por causa do seu amor por nós. Mas ele também tem um

plano, um projeto em que está trabalhando, de forma semelhante

a um artista que está pintando um quadro e reflete nele algo da

sua personalidade. A palavra “poema” me parece ter a idéia de

Deus tomando pecadores gentios perdidos e colocando-os na nova

criação, a sua obra de arte: criados em Cristo Jesus para as boas obras,

as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. As boas

obras que a igreja, como feitura de Cristo, precisa produzir, são a

atuação de Cristo, através de nossos corpos, de nossas mentes, no

mundo perdido. É a atuação de alguém que dá testemunho de

Cristo como, por exemplo, a atuação do médico, não interessado

no dinheiro, mas que por verdadeiro amor a Cristo, cuida de um

pobre. As boas obras são sempre algo impulsionado e motivado

pelo amor de Cristo. E agora é hora de abrirmos nossa mente,

como nunca antes em nossa vida, às possibilidades das boas obras,

para que sejamos, aqui no Brasil e nos outros países onde brasileiros

venham a servir, a mais linda descrição da obra de Deus na

sua feitura em Cristo.

A feitura de Deus

Nos versículos 11 e 12 Paulo descreve não mais a nossa situação

moral e espiritual, mas a nossa situação social e espiritual. Um

gentio sem Deus, incircunciso, sem esperança, sem possibilidade

nenhuma de fazer parte da nova humanidade em Cristo, mostra a

condição dos pagãos sem Deus. Novamente duas palavras, no

versículo 13, chamam a nossa atenção: Mas agora, que correspondem

ao Mas Deus, do, versículo 4. Só que, agora, refere-se aos

que estão em Cristo. Os que estavam longe são aproximados pelo

sangue de Cristo, e nele temos paz; os alienados agora se amam;

os que não tinham cidadania agora são cidadãos; os que eram

bastardos e ilegítimos agora se tornam verdadeiros filhos de Deus;

os que eram inimigos agora são reconciliados. E uma descrição da

feitura de Deus: as duas sociedades, a gentílica e a judaica, estavam

totalmente rompidas pela hostilidade e com as relações em caos,

por isso odiavam uns aos outros; e quando, na experiência de

Paulo, especialmente na igreja de Antioquia, se viam judeus e

gentios se abraçando, comendo e contando “piadas espirituais”

juntos, vivendo uma verdadeira vida familiar, na mais profunda

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

alegria, Paulo pensa: “É isto que Deus tem em vista para toda a

eternidade”; para que nunca mais cor, raça, cultura, cabelo

comprido ou curto, barba ou rosto barbeado, nada, nada mais

crie barreiras entre os filhos de Deus; porque em um Espírito, o

Espírito de amor, o Espírito de alegria, o Espírito de bondade e

perdão está sendo criada uma cidadania, uma família, uma igreja,

um templo, uma unidade que descreve perfeitamente a integridade

da própria personalidade de Jesus Cristo. Porque a igreja local é a

universal, já que é microcosmo da outra, não podem ser outra

coisa senão um edifício bem ajustado, que está crescendo dinamicamente.

E este amor que temos uns pelos outros se estende,

transborda para o mundo, porque Cristo o amou primeiro. As

boas obras se estendem para ele e crescem para um santuário

dedicado ao Senhor, que significa, para mim, um lugar de perfeita

paz, onde meu destino e as agitações da minha vida desaparecem

completamente, e a minha alma descansa tal como numa grande

catedral, onde há um perfeito silêncio. Estou rodeado pelos meus

irmãos e amigos e, acima de tudo, sentindo a presença da cabeça,

que é Jesus Cristo, Senhor de todas as coisas. Tal como a pirâmide

em que o ápice determina a forma de tudo, assim também Cristo,

a pedra angular, dá à igreja toda a sua forma e destino. Os apóstolos

e profetas, especialm ente os escritores dos livros do Novo

Testamento, criaram o fundamento da igreja através de ensinamentos

pelo Espírito Santo.

No fim (v. 22) Deus habita no meio do seu povo — Emanuel.

E por isso que Deus nos salvou de tão grande ruína. Por isso é

perigoso negligenciar tão grande salvação. E por isso também que

a ira de Deus recai não apenas sobre o mundo, mas sobre a igreja

de Cristo que se afasta de tão grande meta. Ela deve realmente

refletir a misericórdia e o amor de Deus, na sua feitura perfeita e

no seu “poema” como obra de arte do grande Deus Criador.

0 grande mistério da salvação (3 .1-13 )

‘Por esta causa eu, Paulo, o prisioneiro de Cristo

Jesus, por amor de vós, gentios, 2se é que tendes ouvido

a respeito da dispensação da graça de Deus a mim

confiada para vós outros; 3pois segundo uma revelação

me foi dado conhecer o mistério conforme escrevi há

pouco, resumidamente, 4pelo qual, quando lerdes, podeis

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFESIOS

compreender o meu discernimento no mistério de Cristo,

5o qual em outras gerações não foi dado a conhecer aos

filhos dos homens, como agora foi revelado aos seus

santos apóstolos e profetas, no Espírito, 6a saber, que

os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo

e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio

do evangelho, 7do qual fui constituído ministro conforme

o dom da graça de Deus, a mim concedida, segundo a

força operante do seu poder. 8A mim, o menor de todos

os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios

o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo, e

9manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde

os séculos oculto em Deus, que criou todas as coisas,

I0para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus

se torne conhecida agora dos principados e potestades

nos lugares celestiais, “ segundo o eterno propósito que

estabeleceu em Cristo Jesus nosso Senhor, 12pela qual

temos ousadia e acesso com confiança, mediante a fé

nele. I3Portanto vos peço que não desfaleçais nas minhas

tribulações por vós, pois nisso está a vossa glória.

Por esta causa

Quando encontrarmos uma frase como essa que inicia o capítulo

3, Por esta causa, devemos procurar saber que causa leva Paulo a

orar, porque essa frase introduz a oração do v. 14 até o fim do

capítulo. Antes, nos versículos 1-13, Paulo abre um parêntese bem

comprido. “Esta causa”, na mente do apóstolo, encontra-se nos

versículos 20 a 22 do capítulo anterior: os gentios estão sendo

edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas. E Paulo,

tendo sido chamado por Jesus Cristo para ser apóstolo, sente-se

justamente como aquelas pedras colocadas sobre a pedra fundamental,

constituindo a primeira fileira do alicerce da casa, dando

assim a sua própria forma. É uma responsabilidade acima de

qualquer outra dada aos homens. Cristo mesmo é o único fundamento

do evangelho e da igreja; mas em cima deste fundamento,

segundo ICoríntios 3.10-11, estão colocados os profetas e apóstolos.

São aqueles que, pela inspiração de Deus e por sua direção imediata,

deram forma à igreja: sua doutrina, sua estrutura, seus alvos (que

estamos estudando nesta epístola). Essa forma nos foi preservada

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

na palavra dos apóstolos nas epístolas e nos evangelhos, canonizados

no Novo Testamento.

Pedras que se sustentam em sofrimento

Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de

vós, gentios. De uma coisa devemos nos lembrar: somos chamados

para ser fundamento de outras pessoas, que vão ser “construídas”

por cima de nós. Paulo está lá em baixo, mas nós estamos aqui

em cima; o prédio está subindo, e assim como nós dependemos de

Paulo, colocado por Deus em baixo como nosso fundamento, há

outras pessoas que estão dependendo e irão depender de nós; as

“pedras vivas” (lPe 2.4) se assentam sobre outras pedras vivas.

Na minha vida tenho por fundamento principalmente os meus

pais, o pastor Joseph McCall da Igreja da Bíblia de W heaton e

outras pessoas que logo me vêm à mente. São como pedras que

me sustentam , por assim dizer. Portanto, sustentam os outras

pessoas que estão olhando para nós e que dependem da nossa fé

também. Contudo, essa situação de sustentar outras pessoas, o

privilégio do ministério que Paulo vai agora descrever (note-se que

ele usa a palavra graça, básica e essencial, como o que lhe dá o

privilégio de sustentar outras pessoas) sempre produz sofrimento:

eu, Paulo, sou o prisioneiro de Cristo Jesus. Se alguém pensa que o

ministério não terá sofrimento, que o chamado de Cristo é para

uma vida sem aflição, está, já de início, totalmente enganado.

Paulo diz em Colossenses 1.24 que há um sofrimento alegre, isto

é, um sofrimento que dá prazer sem ser masoquista: Agora me

regozijo nos meus sofrimentos por vós; são crentes que estão sendo

sustentados na vida, na intercessão, no ministério de ensino do

apóstolo Paulo, e que preenchem “o que resta das aflições de Cristo,

a favor do seu corpo, que é a igreja”. Se você for chamado para o

ministério de servir a outros, a diaconia do evangelho (palavra que

Paulo usa no v. 7), prepare-se, desde já, pois haverá sofrimento

alegre em sua vida; um sofrimento agradável. Talvez poderiamos

compará-lo, em outro nível, ao sofrimento do capitalista que gasta

tudo quanto tem no bolso para ganhar três vezes mais no ano

seguinte. É esse sofrimento, o de investir tudo o que a pessoa tem,

esperando receber muito mais, no sentido de realização espiritual.

E é por isso que Paulo chama este privilégio de “graça”. Graça

sempre carrega essa idéia fundamental, no Novo Testamento, de

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

um favor alegre, de uma pessoa alcançando e dando para outra

pessoa.

A dispensação da graça de Deus

O versículo 2 enfatiza: Se é que tendes ouvido a respeito da dispensação.

Dispensação tem a ver com o cuidar das riquezas da casa, ter a

chave do cofre. Paulo recebera do Senhor o privilégio de distribuir

as riquezas de Deus para estes crentes da Ásia e, sem dúvida, de

outras partes. Isto é graça, ter sido honrado com as chaves de toda

a Casa do Senhor. A exemplo de Pedro, Paulo também as recebeu,

e ele chama isso de graça, graça que inunda o coração do apóstolo

com profunda alegria. Esta graça focaliza o ministério. Se olharmos

para 4.7, encontraremos repetida a mesma palavra: e a graça foi

concedida a cada um, não apenas aos apóstolos e profetas que formaram

a primeira fileira de pedras da Casa do Senhor, mas a todas as

pedras vivas que edificam essa Casa. Todos nós temos o privilégio

da dispensação, o privilégio de sermos transmissores da riqueza e

da glória do Senhor; e Paulo reconhece que essa graça foi, no seu

caso, uma graça pioneira. Ele está à frente da longa fila de santos

que têm edifícado a Casa do Senhor. As outras gerações anteriores,

ainda que tenham conhecido Isaías, Malaquias, Oséias, Zacarias e

outros profetas que, como Davi, compreenderam a mentalidade de

Deus, não tiveram a revelação do seu plano para o universo. A

Paulo, porém, o plano foi revelado. Em outras gerações (v. 5) não

foi dado a conhecer tão grande mistério, que permaneceu em segredo

no coração de Deus, mas que agora foi revelado ao apóstolo Paulo.

E ele, como pioneiro, com três palavras vem agora desvendar o

maravilhoso projeto que Deus tem para este mundo (v. 6).

Co-herdeiros

A primeira declaração, que os gentios (nós, antigos pagãos em 2.1-10)

agora são co-herdeiros com Abraão, Isaque, Jacó, Gideão, José e todos

os santos do Antigo Testamento. Estamos incluídos plenamente

no povo de Deus, ao qual pertencem aqueles santos, que estão

gozando a sua herança como heróis na presença do Senhor. Somos

co-herdeiros de toda a herança da cidade celestial que Abraão e

Moisés procuravam, sendo que eles também foram chamados para

fora dos seus lares para sofrer (Hebreus 11:8-27).

- 43 -


epístolas da prisão

Co-mcorporados

A segunda palavra que descreve esse mistério é a participação dentro

do mesmo corpo como membros. É serem “co-incorporados”, isto é,

sentirem a força vital do corpo de Cristo que os santos do passado

sentiram; mas não como agora, em que o Espírito de Deus, através

de uma célula para outra, passou a expandir e espalhar a vitalidade

de Cristo. Porém, de uma pessoa para outra foi se espalhando por

todo o império até os confins do mundo. Co-incorporados deve ser

uma palavra que Paulo criou para transmitir este relacionamento

espiritual entre todas as gerações e indivíduos, dentro do povo salvo

por Deus.

Co-participantes

E, finalmente, a terceira frase: co-participantes dapromessa em Cristo.

Significa que os gentios, que antes não tinham a Bíblia nem os

oráculos de Deus, ficaram, assim, sem Cristo, o M ediador das

promessas de Deus. Agora nos é concedida de graça a Palavra de

Deus e por meio dela, Cristo, a sua Promessa. E nós, que abrimos

as Escrituras com toda a liberdade e assentamos nossa fé nesta

Palavra, somos co-participantes de Cristo, juntamente com todos

os benefícios por ele concedidos, agora e eternamente.

0 mistério sendo revelado

Este é o mistério de Cristo, que Paulo, como missionário pioneiro

aos gentios, teve o privilégio dado por Deus de divulgar, passando

a ser m inistro ou diácono (isto é, segundo a idéia original de

diaconia: aquele que entra na cozinha e recebe os pratos já preparados

e os oferece para os famintos; é o garçom de Deus). A diaconia

descreve perfeitamente o próprio ministério de Cristo, que também

usou essas palavras em Marcos 10.45, dizendo que Cristo não

veio “para ser servido, mas para servir”. Porém o que mais me

impressiona, em todo este trecho, é como Paulo se sentiu honrado.

Veja o v. 8, onde ele avalia a sua própria capacidade de tomar

parte em tão grande ministério. Parafraseando: “Olhem, eu sou o

menor de todos os santos” (se ele foi o menor, onde é que eu me

encontro?), para que, através dessa mordomia, não somente o

mundo, mas as forças que estão acima do mundo, que são os

-44 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSiOS

principados e potestades nos lugares celestiais, possam, desvendados

no ministério de Paulo, perceber as igrejas que estão surgindo.

Novos convertidos sendo libertados daquela escravatura, da morte

e da ira de Deus que está sobre o mundo, aparecendo em toda

parte como luzes nas trevas, tornam a nova criação de Deus uma

realidade. E isto deve maravilhar os próprios inimigos de Deus, já

que antes eles não estavam entendendo o que Deus tinha em mente

(esses principados e potestades em 6.12 são descritos como as

forças, sujeitas a Satanás, que se nos opõem).

9 sofrimento no corpo de Cristo

Esta luta entre Deus e as forças do mal se trava no cotação da

igreja. Este conflito, que se centraliza na vida de cada um de nós

hoje, até Cristo voltar, produz sofrimento. Por isso Paulo abre, no

final do v. 13, o grande parêntese de Efésios: Portanto, vos peço que

não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, pois nisso está a vossa glória.

Paulo faz parte do corpo de Cristo que se estende de Roma

até a Ásia. Os sofrimentos de Paulo são os sofrimentos daqueles

cristãos; sua prisão em Roma é a prisão deles; tudo que acontece

a Paulo está acontecendo com todo o corpo, já que uma parte não

pode sofrer sozinha Pensemos um instante em nossos irmãos que

sofrem perseguição por causa do evangelho em países onde o cristianismo

é proibido. Meus irmãos, mesmo que não soubéssemos

o que eles estão passando hoje em termos de sofrimento, eles estão

sofrendo por nós, e um dia é possível que sejamos chamados a

sofrer por outros crentes, antes que Cristo volte. Porque o corpo de

Cristo é uma realidade nesse sentido; portanto, devemos nos

dedicar à intercessão por aqueles irmãos. A experiência dos que

visitam os crentes presos, sofrendo e sendo torturados em outros

países confirma que o que mais os anima é saber que nós estamos

pensando neles, sentindo os seus sofrimentos e intercedendo

sempre, para que o alívio e o conforto do Espírito Santo lhes sejam

sempre concedidos.

“Por esta causa”, no v. 14, retoma agora a razão que Paulo

menciona no v. 1: Por esta causa, me ponho de joelhos. Não é necessário

orar de joelhos, mas o colocar-se de joelhos é um sinal de submissão.

E Paulo expressou-se dessa maneira para mostrar a sua

plena disposição para sofrer mais ou para ser libertado, usado pelo

Espírito na intercessão, como veremos agora nos versículos 14-21.


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

A segunda oração na epístola (3 .14 -2 1)

14Por esta causa me ponho de joelhos diante do

Pai, 15de quem toma o nome toda família, tanto no céu

como sobre a terra, 16para que, segundo a riqueza da

sua glória, vos conceda que sej ais fortalecidos com poder,

mediante o seu Espírito no homem interior; 17e assim

habite Cristo nos vossos corações, pela fé, estando vós

arraigados e alicerçados em amor, 18a fim de poderdes

compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o

comprimento, e a altura, e a profundidade, 19e conhecer

o amor de Cristo que excede todo o entendimento, para

que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. 20Ora,

àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do

que tudo quanto pedimos, ou pensamos, conforme o

seu poder que opera em nós, 21a ele seja a glória, na

igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para

todo o sempre. Amém.

A paternidade de Deus

Recordemos, inicialmente, por que é que Paulo ora, e veremos que

é o peso da responsabilidade. M uitas pessoas estavam sendo

edificadas sobre Paulo, e ele sentia esse peso, tal como os profetas

do Antigo Testamento sentiram o peso da Palavra do Senhor. Ele

sentia a necessidade da oração e da intercessão por estes novos

cristãos. Aí está a causa.

Paulo dirige sua oração ao Pai. Por que ao Pai, em vez de a

Deus? Talvez porque, lá na prisão, Paulo estivesse pensando em si

como, de certa forma, o pai espiritual daqueles crentes, através

dos seus discípulos que evangelizaram aquela região; ao mesmo

tempo, ele está pensando: “Eles são novos filhos do Pai, de Deus”!

E Paulo precisa dar-lhes a entender a natureza da família, da

responsabilidade, dos costumes da família, da sua unidade na

família de Deus. Então escreve uma frase interessante “de quem

toma o nom e...”. Isto significa que a paternidade de Deus é “arquetípica”,

não havendo nada neste mundo que não tenha a sua origem

em Deus, da seguinte forma: Quando pensamos em Deus como

pedra (SI 18.2 e 42.9), a idéia “arquetípica” original de pedra é Deus

como imutável, seguro e estável. Quando pensamos em luz, a idéia


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

original de luz é Deus como perfeito, em quem não há mal nem

trevas; e quando falamos em relacionamento humano, pensamos

em Deus como Pai, aquele de quem toda a vida emana, em quem

todas as características de Pai se devem desenvolver. O conceito da

imagem de Deus veio de onde? Parece-me que veio de Deus como

Pai. E Paulo explica este conceito, assim rapidamente, quando diz

que toda idéia de paternidade se manifesta, tanto no céu como na

terra, refletindo a figura original da paternidade de Deus.

Os recursos ila oração

De onde é que Deus vai responder? Veja-se a frase do v. 16: “segundo

a riqueza da sua glória”. A palavra glória, no original hebraico,

significa riqueza (“kavod”), valores incontáveis que não podem ser

esgotados. Há sempre mais! É como aqueles celeiros de José no

prim eiro ano da fome: “Há muito mais! Leva quanto quiser!”

(porém, no fim dos sete anos seria diferente). Mas aqui, segundo a

riqueza inexaurível das riquezas de Deus, nossa oração é sempre

que Deus abra os seus celeiros de bênçãos. E qual a bênção que

Paulo pede? Novamente encontramos um pedido básico e fundamental.

Na oração do capítulo 1 Paulo pedira o Espírito de sabedoria

e de revelação; em outras palavras, visão. Nesta oração, Paulo

pede poder (“dunamis”), que Deus conceda seu infinito estoque de

poder, que sejam fortalecidos com “dunamis”. Essa foi a palavra

que Jesus usou, ao prometer poder (At 1.8), e foi uma realidade

para os crentes no dia de Pentecostes, quando o Espírito caiu sobre

eles e ficaram plenos (cheios) de “dunamis”, para poderem enfrentar

toda força do mal, de incredulidade e de conflito que possivelmente

encontrariam.

Dominados para dominar

Vamos nos delongar um pouco na palavra “fortalecidos” (v. 16).

Esta palavra está no passivo. Notemos que não nos fortalecemos

a nós mesmos, mas temos que ser fortalecidos. O sentido da palavra

no original vem do mesmo vocábulo de onde temos a palavra democracia—

“kratos”e “krateus”— com a idéia de domínio. Traduzindo

talvez um pouco melhor, teríamos: “que sejamos dominados para poder

dominar”. E interessante o pedido fundamental e básico desta oração:

dominados pela força de Deus para que possamos dominar

- 47 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

ou conquistar, no seu “dunamis”. Notemos que a fonte deste poder,

tal como em Atos 1.8, é sempre o Espírito. E onde é que este

fortalecimento ocorre? E no homem interior! Em 2Coríntios 4.16,

Paulo fala que o homem exterior, aquele que vemos com os olhos e

que pesa tantos quilos, que precisa dormir de noite, que precisa

com er para sobreviver, está desfalecendo, desaparecendo e

morrendo; mas o homem interior está se renovando cada dia. Que

palavras impressionantes! O homem aberto à ação do Espírito

está sendo fortalecido cada vez mais. Paul Tournier escreveu um

livro que fala sobre como devemos envelhecer. Paulo dá a resposta

em poucas palavras, dizendo que a melhor maneira de envelhecer

é deixar o homem exterior se corromper, se desgastar, contanto

que o homem interior se torne cada vez mais jovem com o passar

dos dias, pois nele atua o Espírito de “dunamis”, de força dinâmica,

força que, como a dinamite, rompe as barreiras, força que abre o

coração dos ouvintes. Se eu tentasse dar personalidade à dinamite,

dificilmente pensaria que ela tem medo da rocha ou desses montes

que precisam ser explodidos. A dinamite não tem medo porque

tem uma força m aior do que qualquer barreira que tenha de

enfrentar. O Espírito Santo, quando realmente renova o nosso

homem interior, dando este fortalecimento, este domínio, pode

nos preparar para enfrentar qualquer situação de sofrimento e de

conflito que esteja ã nossa frente.

Os resultados que Paulo espera de sua intercessão

Que Cristo tome conte da casa

A primeira conseqüência que se deve esperar da vida fortalecida é

a realidade de Cristo tomar conta da casa (nossa vida) plenamente.

No original, a palavra “habite” significa tomar conta de toda a

casa, tendo procuração ou autorização completa, para poder fazer

limpeza nas despensas, m udar a mobília como quiser, jogar fora o

que achar que deve ser jogado, inclusive a tv. Ele é dono da casa!

E, como dono, pode vasculhar as revistas, a biblioteca com os

livros que lá estão, tudo. A oração de Paulo trata de uma transformação

de valores e de amores, semelhante ao sofrimento que já

não é desastre, mas alegria. Jesus toma conta da casa, e, longe de

ser desastroso, isso realmente traz novos valores, novas alegrias.

Alguns de nós temos sentido essa experiência das novas alegrias,

- 48


EPÍSTOLA DE PAULO AOS SFÉSIOS

de maneira mais real na música do Senhor do que no rock-and-roll

ou outros tipos de música por aí.

Arraigados e alicerçados em amor

Em segundo lugar, vemos no v. 17: “Pela fé (é pela fé que Cristo se

torna dono da casa), estando vós arraigados e alicerçados em amor”.

Há um fruto a produzir, e a semente é o amor que Cristo espalha

em toda a casa em que ele habita (compare com G1 5.22, 23). O

fruto a ser produzido são ações de amor, se estamos arraigados

em amor. São as boas obras que surgem da feitura de Deus, na

nova criação (2.10). “Arraigado” significa ter a vitalidade da vida

que Cristo renova pelo “dunamis” do seu Espírito. A.palavra

“alicerçados” é a base que dá permanência a este resultado, lembrando

a parábola de Cristo acerca das duas casas: uma construída

sobre a areia, que não durou porque não tinha alicerce; a outra

alicerçada sobre a pedra (Mt 7.24-27), sendo esta a que se aplica à

nossa situação aqui. Talvez já tenhamos sentido que temos raízes

que se aprofundaram no amor de Cristo; mas e os alicerces? Só se

vão verificar daqui a um ano, dois ou talvez vinte. Estão realmente

firmes naquele amor? São conseqüências do fortalecimento do

poder, mediante o Espírito?

As quatro dimensões do evangelho

A terceira conseqüência é a capacidade de com preender, na

unidade com todos os santos, as quatro dimensões do evangelho

(v. 18): a largura, o comprimento, a altura e a profundidade.

D urante todos esses séculos, desde que Paulo escreveu essas

palavras, m uita gente tem tentado entender: “Mas o que são

essas quatro dimensões?” Lembrem-se de que Einstein só veio

descobrir essa quarta dimensão neste século, e Paulo não revela

o que é a quarta dimensão. É uma figura cúbica que está se

movimentando. O que é isso? Lembramo-nos de Ezequiel (1.16)

com a visão das rodas dentro de rodas, não é?

Quero apenas dar uma sugestão, mas nada de concreto!

Lembremo-nos que a cidade santa, o Novo Israel, pode ser um

cubo com três dimensões; mas a quarta dimensão pode ser o tempo,

incluindo a dimensão de movimento descendo do céu (Ap 21).

Aqui encontramos isto também.

- 4 9 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Vejamos, primeiramente, a sua largura. Qual é a largura do

evangelho? Em Apocalipse 5.9 e 7.9, afirma-se que na largura da

salvação se incluirão membros de toda tribo, língua, povo e nação.

O evangelho é tão largo que não se pode excluir nenhuma entidade

ou comunidade humana.

A segunda palavra refere-se ao seu comprimento. No tempo,

começando no Éden, logo após a queda do homem, até o fim,

quando o reino (lC o 15.24) for entregue ao Pai, durante todo esse

espaço de tempo (o comprimento), Deus está operando para atingir

0 seu propósito. Desde Abel até o último cristão a se converter no

instante em que Cristo voltar, este é o comprimento. Nunca houve

nem haverá, até Cristo voltar, um intervalo na operação poderosa

e salvadora do evangelho!

A terceira dimensão é a sua altura, que vem do mais alto

céu e desce até ao mais baixo inferno. Já temos pensado bastante

sobre isso. Filipenses 2.9-11 focaliza este tema — todo joelho se

dobrará diante de Cristo como Senhor — nos céus, na terra e

debaixo da terra; o evangelho — propósito de Deus — influenciará

todo o universo, toda existência.

E, finalm ente, a sua profundidade: chegará aos piores

pecadores, já bem descritos em 2.1-3. Não há pecador nem rebelde

que não possa ser incluído em tão grande salvação. Essas são as

quatro dimensões do evangelho.

Mas olhe! A oração de Paulo é para que possamos compreender

essas dimensões. Toda a nova geração precisa compreender isso!

Lutero, Calvino, os huguenotes da França as compreenderam; será

que nós, no século XX, compreendemos isso? Como sofreram aqueles

santos, que batalharam contra as forças terríveis do mal, tendo

sido alguns deles até martirizados! Será que temos a coragem de

sair para a linha de frente nesta batalha, como aqueles santos, e

nos desgastar para a glória eterna do Senhor?

1 conseqtiência do conhecimento do amor de Cristo

Talvez alguém diga: “Ah! mas eu conheço o amor de Cristo porque

já fui salvo, já aceitei Cristo”. Mas notemos que o amor de Cristo,

como resposta à oração de Paulo, ultrapassa todo o entendimento:

conhecer o que não pode ser conhecido, diz o original, conhecer o

que ultrapassa o conhecimento! Isso quer dizer que com a mente

usamos palavras que descrevem o amor de Cristo, mas não pode­

- 5 0 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSiOS

mos conhecê-lo na experiência; é profundo demais; mas esse é

também, ao mesmo tempo, o alvo ou meta dessa oração. Todo

homem que se dispuser a sair em serviço, cheio da graça de servir,

terá que sentir esse amor. Não apenas o amor que nos salva, mas

também o que nos envia: “... para que sejais tomados de toda a

plenitude de Deus” (v. 19). A idéia da plenitude já apareceu em

1.23: “a igreja [...] o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo

enche em todas as coisas”. Parece-me que a idéia de encher, em

Efésios e Colossenses, diz respeito ao controle de Deus, em todos

os sentidos: no sentido do amor, quando se trata da sua instrução e

sabedoria, e também em termos de propósito, ou seja, aquilo que

ele quer fazer neste mundo. E essa plenitude, que é o alvo da oração

de Paulo, é Deus realmente enchendo todos os cristãos da.Ásia, do

Brasil e do mundo inteiro, para que o controle dele sobre sua igreja

seja tão completo e claro como a sua força mobilizadora, sem

nenhuma possibilidade de o mundo ficar enganado. Vejam que Deus

é quem está operando e agindo. O livro Ivan (de Myrna Grant,

publicado no Brasil pela Editora Betânia) descreve, de maneira

impressionante, a vida de um jovem soldado russo que, através

deste poder de Deus na sua vida — poder que era real e profundo

— desafiou um batalhão a deixar o ateísmo e reconhecer a realidade

do Deus vivo, tendo no fim entregado a vida, como mártir, com

aquele sofrimento alegre que mencionamos anteriormente.

No fim da oração temos a doxologia da adoração: “Pensam”,

disse Paulo, “pensam que estou pedindo muito? Deus é Poderoso

para fazer muito mais do que acabamos de pedir. Tanto que não

podemos nem imaginar, com mentes tão limitadas como são as

nossas. Conforme o seu poder que está operando eficientemente

em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus,para todas as

gerações!” Até esta geração de hoje. Não sei quantas já se passaram

desde Paulo, mas ele orou por nós e por todas as gerações que

ainda virão!

0 discipulado de Cristo — primeira parte (4 .1 -1 6 )

‘Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que

andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados,

2com toda humildade e mansidão, com longanimidade,

suportando-vos uns aos outros em amor, 3esforçando-vos

diligentemente por preservar a unidade do Espírito no

51


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

vínculo da paz: 4Há somente um corpo e um Espírito,

como também fostes chamados numa só esperança da

vossa vocação; 5há um só Senhor, uma só fé, um só

batismo; 6um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre

todos, age por meio de todos e está em todos. 7E a graça

foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do

dom de Cristo. 8Por isso diz: Quando ele subiu às alturas,

levou cativo o cativeiro, e concedeu dons aos

homens. 9Ora, que quer dizer subiu, senão que também

havia descido até as regiões inferiores da terra? 10Aquele

que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos

os céus, para encher todas as coisas. “E ele mesmo concedeu

uns para apóstolos, outros para profetas, outros

para evangelistas, e outros para pastores e mestres, 12com

vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho

do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo,

13até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno

conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade,

à medida da estatura da plenitude de Cristo, 14para que

não mais sejamos como meninos, agitados de um lado

para outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina,

pela artim anha dos hom ens, pela astúcia com que

induzem ao erro. 15Mas, seguindo a verdade em amor,

cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, 16de

quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado, pelo

auxilio de toda junta, segundo a justa cooperação de

cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação

de si mesmo em amor.

Mossa parte no corpo de Cristo

O apóstolo faz agora uma importante transição. Os primeiros três

capítulos dão-nos uma visão do todo, começando antes da criação,

quando Deus planejou nossa incorporação no novo homem, e como

ele nos resgatou do império das trevas e está produzindo a sua obra

de arte. E essa obra unifica e derruba todas as barreiras culturais,

raciais e até religiosas, como vemos no caso do judeu e do gentio.

No capítulo 3, Paulo é o primeiro a divulgar esse tão grande

mistério, que tem suas repercussões até entre os poderes do mal,

distantes do trono de Deus (3.10). E vimos as duas grandes ora­

52 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIQS

ções, pedindo a Deus uma visão para todos os crentes e também

revestimento de poder, para que compreendam sua posição em

tão grande obra divina.

Chegando agora ao capítulo 4, a m udança me parece

fundamental, pois Paulo nos chama a, individualmente, reconhecermos

nossa parte neste novo homem, ou corpo de Cristo. Nos

primeiros versículos, precisamos de uma nova atitude que se caracteriza

por mansidão, humildade, longanimidade (a virtude de

suportar aqueles que não nos parecem ser tão bons como nós) e,

depois, o reconhecimento de quem realmente pertence a este corpo.

Aí temos sete fundamentos, nos versículos 4-6. Deus é o Pai dessa

família.

No versículo 7, ele pede que reconheçamos a forma da graça

quando se individualiza, aplicando-se não mais à nossa salvação

(todos somos salvos da mesma m aneira, pela fé em Cristo —

capítulo 2), mas em sua forma múltipla, usando e capacitando

todos os membros da igreja a exercer sua função dentro do corpo.

Este conceito se desenvolve até o versículo 16, quando se introduz

o tema principal do capítulo. Vamos destacar duas coisas neste

trecho introdutório.

Sabemos que Cristo, através de sua morte, ressurreição e

glorificação, eliminou as correntes do cativeiro satânico; isto é, a

hum anidade cativa a Satanás passou então a ser o espólio de

Cristo. Assim nós, que fomos transferidos, segundo Colossenses

1.13, do império das trevas e de sua escravatura, tomamo-nos

escravos de Jesus Cristo e da sua justiça, segundo Romanos 6.

Essa escravatura deve atuar no mundo e na igreja com essa individualização

em forma de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores,

m estres e outras form as, tais como as que encontram os em

ICoríntios 12 e em 1 Pedro 4.10-11. Esta passagem sobre os dons

mostra essa multiplicidade, sendo-nos possível recebê-los sob as

ordens de nosso Senhor e na condição de escravos dele. Veremos

agora como a obra de Cristo, que ele nos dá para fazer; se divide

em dois aspectos.

O primeiro deles encontra-se no versículo 15: “... seguindo

a verdade em amor, cresçamos em tudo”. Os capítulos 1-3 dão a

impressão de que já somos tudo; mas os capítulos seguintes mostram

que ainda temos muito que aprender; temos que amadurecer

no discipulado de Cristo e crescer em tudo para sermos aquilo que

já somos. Os alemães têm uma frase que diz: “werde was du bist”,

53 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

ou seja, “torna-te aquilo que tu já és”. Nós já somos membros na

plenitude, pois fazemos parte da feitura de Cristo; mas de certo

modo somos isso de modo embrionário ou como crianças. Nossa

posição já está aí, com toda sua possibilidade e potencial, mas

temos que caminhar para a maturidade (v. 15).

O outro aspecto (v. 16) enfatiza não apenas o nosso crescimento

individual para tomar parte no corpo, mas também a necessidade

de termos, dentro de nós e fluindo do nosso interior, uma

comunhão com Cristo, que reúne os nossos irmãos e serve para

encher todas as coisas. O capítulo 1 terminou com a revelação de

que Cristo enche todas as coisas; e nós, que já fazemos parte do seu

corpo, temos dentro de nós a nutrição vital de Cristo. Ele está

produzindo este alimento ou vitalidade que passa de uma célula

para outra. Veja estas palavras: todo o corpo, bem ajustado (unido) e

consolidado (indicando que os membros estão intercedendo uns pelos

outros, ensinando uns aos outros), pelo auxilio (a palavra “auxílio”

não é uma boa tradução, pois é possível deduzir do original que se

trata de um suprimento que se produz dentro do corpo, porque

Cristo vive no corpo; tudo vem dele, mas funciona dentro das células

do corpo de Cristo) de toda junta (a palavra junta no original significa

contato, onde uma pessoa toca a outra e, no meio das duas, três ou

no meio de uma multidão, Deus produz o crescimento interno e

externo do seu corpo) segundo ajusta cooperação de cada parte, efetua o

seu próprio aumento para a edificação de si mestno em amor.

Lembremo-nos então, ao estudarmos a segunda parte (4.17­

5.21), desses dois conceitos: primeiro, cada um de nós crescendo

individualmente para ser aquilo que Deus nos chamou para ser:

evangelista, pastor, mestre, tendo o dom do serviço, ou.qualquer

que seja o dom, contanto que se cresça para essa posição. Lembremo-nos

também de que o crescimento da igreja se faz através do

suprimento da vitalidade das células dentro do corpo.

Para que isso aconteça, precisamos do discipuíado de Cristo.

É o que veremos a seguir.

0 discipuíado de Cristo — segunda parte ( 4 .1 7 - 5 .2 1 )

l7Isto, portanto, digo, e no Senhor testifico, que

não mais andeis como também andam os gentios, na

vaidade dos seus próprios pensamentos, 18obscurecidos

de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da

- 54 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

ignorância em que vivem, pela dureza dos seus corações,

19os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram

à dissolução para, com avidez, cometerem toda sorte de

impureza. 20Mas não foi assim que aprendestes a Cristo,

21 se é que de fato o tendes ouvido, e nele fostes instruídos,

segundo é a verdade em Jesus, 22no sentido de que,

quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem

que se corrompe segundo as concupiscências do engano,

23e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, 24e

vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em

justiça e retidão procedentes da verdade. 25Por isso,

deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu

próxim o, porque somos m em bros uns dos outr*os.

26Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa

ira, 27nem deis lugar ao diabo.28Aquele que furtava, não

furte mais; antes trabalhe, fazendo com as próprias mãos

o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado.

29Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe,

e, sim, unicamente a que for boa para edificação, conforme

a necessidade, e assim transmita graça aos que

ouvem. 30E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual

fostes selados para o dia da redenção. 31Longe de vós

toda a amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e

bem assim toda a malícia. 32Antes sede uns para com os

outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos

outros, como também Deus em Cristo vos perdoou.

5 'Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos

amados; 2e andai em amor, como também Cristo vos

amou, e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e

sacrifício a Deus em aroma suave. 3Mas a impudicícia e

toda sorte de impurezas, ou cobiça, nem sequer se nomeie

entre vós, como convém a santos; 4nem conversação

torpe, nem palavras vãs, chocarrices, coisas essas inconvenientes,

antes, pelo contrário, ações de graças. 5Sabei,

pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento,

que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus.

6Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas

coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.

7Portanto não sejais participantes com eles. 8Pois outrora

- 55


EPÍSTOLAS da p r is ã o

éreis trevas, porém agora sois luz no Senhor; andai como

filhos da luz 9(porque o fruto da luz consiste em toda a

bondade, e justiça, e verdade), i0provando sempre o que

é agradável ao Senhor. ” E não sejais cúmplices nas obras

infrutíferas das trevas, antes, porém, reprovai-as. I2Porque

o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha. 13Mas

todas as coisas, quando reprovadas pela luz, se tornam

manifestas; porque tudo que se manifesta é luz. "Pelo

que diz: Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre

os mortos, e Cristo te iluminará. 15Portanto, vede prudentemente

como andais, não como néscios, e, sim, como

sábios, 16remindo o tempo, porque os dias são maus. 17Por

esta razão não vos torneis insensatos, mas procurai

compreender qual a vontade do Senhor. 18E não vos

embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas

enchei-vos do Espírito, 19falando entre vós com salmos,

entoando e louvando de coração ao Senhor, com hinos e

cânticos espirituais, 20dando sempre graças por tudo a

nosso Deus e Pai, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo,

21 sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo.

8 discipulado pressupõe um andar

Na Antiguidade, homens como Sócrates e Zenão, homens como

Jesus Cristo — o Deus encarnado — ou Paulo, transmitiram a

sua maneira de encarar o mundo, a sua maneira de ver quem eles

eram e para que se vive; enfim, transmitiram os seus conceitos a

respeito de tudo, através do discipulado. Mas esse discipulado

não era como a escola que freqüentamos hoje em dia, em que o

aluno se assenta numa cadeira e escuta as idéias do professor. Os

discípulos deram muita atenção aos ensinamentos do Mestre, mas

ser discípulo de Cristo significava muito mais: dormir com ele na

mesma tenda ou debaixo das mesmas estrelas; comer a mesma

comida; distribuir a pouca verba que havia entre todos; andar no

mesmo barco; pregar juntos e compartilhar as mesmas idéias. Em

outras palavras, o discipulado de Cristo ou de Sócrates, ou de

qualquer outro importante filósofo ou líder religioso do passado

envolvia a comunicação vivencial das atitudes, da maneira de

encarar o mundo, incutindo tudo na mente dos discípulos, compelindo-os

à ação. Paulo tem isso em mente quando usa a palavra

- 56 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

andar. Esta é a palavra-chave de todo o trecho. Já em 4.1 vimos

que devemos andar de modo digno da nossa vocação. Qual é a

nossa vocação? É seguir a Cristo como discípulos, passando toda

a nossa vida crescendo para ele e com ele. Inclui todas as coisas

relacionadas com a nossa vida, não apenas a compreensão de

teologia e de doutrina mas, particularmente, a prática. É por isso

que este trecho foi escrito. É um texto, acima de tudo, que trata do

discipulado como uma transform ação da mente. Vejamos por

exemplo a exortação do v. 23: e vos renoveis no espírito do vosso

entendimento.

Agora, qual é a grande necessidade do povo de Deus em

nosso país? Não é que a igreja de Cristo seja justamente esse enxerto

da mente de Cristo, para modificar a personalidade brasileira, a

personalidade de cada um de nós? Para que isto aconteça, temos

que “andar” e não nos “assentar”. Lembremo-nos de que em 2.6

Cristo nos deu o privilégio de sentarmos com ele e olharmos para

o mundo, da distância do terceiro céu. Daí podemos ver todas as

coisas de uma distância tão grande que não é possível enxergar o

que está acontecendo lá em particular. Estamos felizes na presença

do Senhor, transfigurados, criando o nosso tabernáculo no cume

do monte Hermom, na presença de Cristo. Mas o discipulado é lá

embaixo, nas estradas e nas ruas empoeiradas da Palestina ou no

asfalto de São Paulo.

Esta é a mensagem deste trecho, e se não conseguirmos

analisar nem uma fração das importantes idéias que aqui se encontram,

não esqueçamos que o discipulado, que nos capacita a ser células

vitais que dão vida a outras, que nos capacita a crescer em tudo para

Cristo, precisa de um andar.

Este andar apresenta prim eiram ente seu lado negativo

(v. 17): não andeis [...] na vaidade dos vossos pensamentos. A mente

que não recebe uma nova atitude que vem de Cristo será sempre

uma mente oca. A palavra em grego significa “inútil”, “vazia”. É

uma mente que não se preocupa com nada de valor presente nem

futuro; tem ambições que são como o nevoeiro de São Paulo, que

aparece pela manhã e lá pelas 9h30 ou 10 horas se vai por completo.

A mente que Cristo discípula é a mente que trata de valores permanentes.

Portanto, o discipulado trata daquele cristão que está

recebendo, constantem ente, através do canal da palavra e do

Espírito, a luz da mente de Cristo. Note-se que o v. 18 nos exorta

a não termos um discipulado obscurecido de entendimento, nem

- D/ ~


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

um discipulado alheio à vida de Deus, ou fechado ao que ele esteja

fazendo através do seu Espírito. Não deve ser um discipulado que

endurece o coração. Lembremo-nos dos discípulos que, quando as

mães quiseram trazer seus filhos para Jesus, endureceram o coração;

também quando Bartimeu quis chegar-se a Jesus e receber o seu

toque, que dá luz para toda a vida, os discípulos falaram :

“Cala-te!”. O discipulado de C risto sem pre nos torna mais

sensíveis, mais elásticos (no sentido certo da palavra), em vez de

rígidos diante das profundas necessidades do nosso mundo.

0 discipulado de Cristo é um constante o u v !-!q

Os momentos particulares de oração e leitura da Bíblia visam

abrir os ouvidos do coração à mente de Cristo: “O que tu queres

que eu pense? Como tu queres que eu alcance as metas ou dirija as

minhas ambições? Como tu queres que eu fale com as pessoas

com quem me encontrarei hoje? De que maneira o meu sorriso (o

crente está sempre sorrindo, mesmo ao chorar com os que choram)

comunicará o amor de Cristo às pessoas tristes que andam com

corações endurecidos, na vaidade, no obscurecimento dos seus

entendimentos? Ouçamos primeiro a Cristo!

instruídos segundo a verdade

A segunda palavra que Paulo usa para descrever este aprendizado,

este discipulado de Cristo, é a palavra instruídos, segundo é a verdade

em, Jesus (v. 21). Esta frase “verdade em Jesus” tem suas raízes na

promessa de Cristo aos discípulos, em João 16.13, quando falou

do Espírito Santo que iria guiá-los. Ele tornou-se o Mestre que

vamos seguir, agora que Jesus foi glorificado; o Espírito nos comunica

toda a verdade de Jesus nos seus ensinos, na forma como

Jesus viveu, na sua instrução no Sermão da Montanha e através

dos apóstolos e do Antigo Testamento. Instruídos em Cristo! O

discípulo nunca chega a ser alguém que diz: “Olhe, já passei três

ou quatro anos na escola bíblica, ou no seminário; agora não sou

mais discípulo; já conheço a instrução de Jesus; a minha mente já

está cheia dela e as minhas atitudes já se formaram; daqui para a

frente eu posso discipular...” Não! O discipulado de Cristo é

contínuo, permanente, com o revestimento do novo homem (v.

24), cooperando para uma renovação constante!

- 58 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

A ceboia

Quanto a esse discipulado negativo que o parágrafo 17-24 fala

(pôr à parte o velho homem), penso em mim mesmo como uma

grande cebola (não sei se alguém já pensou assim). A cebola, como

todos sabem, tem uma casca seca por fora; tira-se essa casca para

poder comê-la, mas é interessante que, tirando aquela primeira

casca, é possível tirar outra, e ainda outra, que se vai tirando, tirando,

e nunca acaba, a não ser quando acaba a cebola. E este o conceito

da renovação contínua que põe à parte o velho homem, as velhas

práticas, as velhas atitudes. Seja o que for que esteja aprendendo

hoje, terei de reaprender amanhã ou, pelo menos, conscientizar-me

amanhã em termos de vaidade, endurecimento e insensibilidade,

de dissolução (aquilo que destrói em vez de edificar), de ambições e

de avareza (em vez de generosidade). Enfim, somos cebolas mesmo!

E eu gostaria de saber, enquanto vou sendo descascado, onde estou.

Sem dúvida já entregamos a nossa vida para a operação de Cristo

por meio do Espírito; ele já tirou a primeira casca. Já sou salvo,

graças a Deus, e o perfume de Cristo já começou a exalar de mim.

Vamos explicar melhor, não é bem como o cheiro da cebola, mas,

como afirma 5.2, é “um bom aroma”. Cristo quer fazer muito mais,

transformando cada um desses níveis da nossa personalidade,

incutindo nela sua mentalidade.

O parágrafo seguinte (4.25-5.21) aborda particularm ente

problem as do m undo antigo, mas que são tam bém do nosso

mundo. Fala em termos de contrastes. Vejamos rapidamente seis

contrastes que Paulo menciona.

(1) Fale cada um a verdade

O primeiro contraste é: pondo de lado a mentira, fale cada um a

verdade, seja honesto com o seu próximo. Não tenhamos hesitação

em confessar que aquilo que queremos que o mundo pense a nosso

respeito não é bem a verdade. Confessemos, cada um, os pecados

dos quais Cristo está nos convencendo pelo Espírito; confessemos

uns aos outros, para que possamos pô-los de lado. Devemos colocar

em nossa mente o v. 25 como a chave fundamental para o crescimento

na santidade. Quem está sempre se cobrindo cada vez

mais com máscaras de santidade, uma santidade exterior, em vez

de interior, cada vez menos está sendo discipulado em Cristo! Se

- 59


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

eu me fecho na mentira hipócrita, sou como o fariseu que orava no

templo: “Dou graças a Deus porque não sou como os outros homens.

Se assim pensarmos, destruiremos nosso irmão, porque, ou vamos

convencê-lo de que somos realmente santos, e ele nunca vai chegar

a ser tão puro e santo como nós; ou ele descobrirá que é tudo mentira

e chegará à conclusão de que “esse negócio de ser cristão é uma

grande mentira, mentir até convencermos a nós mesmos”. Somos

membros uns dos outros, essa é a verdade essencial para edificar

nosso irmão; e essa verdade está principalmente na honestidade

quanto àquilo que está passando em nossa vida.

A segunda palavra de contraste é a palavra de irritação limitada,

restrita àquilo que Deus desaprova, contra a justiça e o amor de

Deus em nosso mundo. Não havendo irritação com isto, não

havendo ressentimento contra o mal e contra a injustiça, constantemente

estaríamos descambando e correndo para o nosso gueto

cristão. Mas Cristo nunca fez isso; ele foi diretam ente para o

templo, para se irritar com a injustiça da exploração dos sacerdotes

que vendiamsacrifícios por duas ou três vezes mais que o

preço normal, porque não era lícito sacrificar nenhum outro animal,

senão o que recebesse a vistoria oficial do sacerdócio. Essa injustiça

provocou em Jesus Cristo a ira, mas limitada. Quem fica sempre

irritado, um dia ou outro sentir-se-á obrigado a se aliar àqueles

que querem mudar o mundo pela violência. Deve ser por isso que

Deus nos ordena, como discípulos de Cristo, fazer com que à noite,

ao pôr do sol, acalmemos nossa alma na presença de Deus e

reconheçamos que não podemos m udar este mundo, sem a sua

cooperação. Sozinhos, nada podemos fazer. Quem não lim ita a

sua ira, abre o seu coração para o diabo (v. 27).

(3) lie forte mais

O terceiro contraste é a ilegalidade do roubo contrastado com a

legalidade da generosidade. Quem rouba? Quem sonega? Quem

tem dois livros-caixa? Quem? Quantas são as maneiras de roubar!

Em vez disso, vamos trabalhar. Vamos trabalhar como um certo

irmão, lá na Irlanda, que, quando terminava o seu dia de trabalho,

oferecia-o a Deus, dizendo: “Olha, Senhor, foi o melhor que pude


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

fazer hoje! Recebe-o em nome de Cristo!” Esse trabalho (é impressionante!)

rende, produz. E precisamos produzir. Há sempre mais

pessoas neste mundo. A população se expande assombrosamente.

Cada vez mais no nosso mundo, e particularmente no Brasil, haverá

oportunidades de compartilharmos os bens que Deus nos deu.

Filipenses 4.18 chama isso “um sacrifício que agrada a Deus”, o

compartilhar dos bens resultantes do nosso trabalho, em contraste

com o ladrão que tira para vantagem pessoal.

(4) Nenhuma palavra torpe

O quarto contraste é uma boca purificada pelo Espírito de Deus.

Lembremo-nos de que Jesus, em Marcos 7, fala que o que nos

contamina não é o que entra pela nossa boca, como pensavam os

judeus que tanto se preocupavam em não comer nada imundo,

mas sim o que sai do coração através da língua. A palavra “torpe”

significa “peixe podre”, isto é, o que tem mau cheiro e choca os

que nos ouvem, levando-os a se afastar de nós (e, portanto, do

nosso Senhor Jesus Cristo!). Em contraste com isso, existem as

palavras que sempre edificam, palavras que colocam pedras vivas

naquele templo, como vimos em 2.20-22. Quando este contraste

não ocorre, havendo uma mistura entre verdade e mentira, entre

irritação limitada e ilimitada, quando o diabo tem lugar em nossa

vida, quando o cristão é meio ladrão e meio honesto, quando quase

sempre está pregando ou falando de Cristo, mas de vez em quando

expressa-se com um peixe podre, quando isto acontece, o Espírito

Santo se entristece. Por quê? Lembremo-nos de que o discipulado

de Cristo é seguir o Espírito, é escutar o que ele tem a nos dizer, pois

são as palavras de Cristo. E se estamos confundindo as palavras do

Espírito com as palavras que vêm da nossa natureza adâmica

contaminada pelo pecado, essa confusão cria um ambiente pesado

para o Espírito, um ambiente poluído dentro de nós. E todos nós

sabemos como nos sentimos, quando esse ambiente se desenvolve

no nosso íntimo. Sentimo-nos pesados em nossa consciência.

(5) Sacrifício a Deus em aroma suave

Em 5.3, temos o contraste entre a pureza sexual, a conversa torpe

do v. 4 e o verdadeiro amor (v. 2: “andai em amor”). Isso inclui o

amor na vida sexual também, que vamos estudar um pouco mais


epístolas da prisão

no próximo capítulo. Esses contrastes são bem notáveis na vida

do homem que está seguindo a Cristo, que nele está sendo discipulado,

que está imitando a Deus (5.1), que mostra as características

do Pai celestial se formando no seu filho amado, que ama

a Deus e é amado por ele, homem cuja vida se torna cada vez mais

sacrificial (v. 2), andando em amor (também Cristo nos amou e se

entregou por nós, como oferta e sacrifício). O andar em amor é

começar a dar mais do que receber. É uma vida como a do apóstolo

Paulo, que também oferece a Deus o seu sacrifício de amor, que

são as pessoas com quem ele viveu durante trinta anos de ministério.

Em Romanos 15.16, ele diz:"... para que eu seja ministro de Cristo

Jesus entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o evangelho

de Deus, de modo que a oferta deles seja aceitável (ou agradável a

Deus), uma vez santificada pelo Espírito Santo”. Uma vida de

discipulado em amor tem que ter o seu fruto na vida de outras

pessoas, fruto que possamos oferecer como primícias que agradam

com aroma suave o nosso Senhor. É claro que a nossa vida não

pode ser entregue como Cristo entregou a sua vida em substituição

pelos nossos pecados. Mas ela pode ser entregue aos que nos

rodeiam, aos nossos colegas da universidade ou do trabalho, aos

membros da nossa igreja. Pode ser entregue na forma de transformação,

de osmose, isto é, pela vitalidade que Cristo está colocando

em nós, passando e criando vida de uma célula para outra.

Neste sentido é que Paulo chama os novos convertidos entre os

gentios de seus “filhos” na fé.

Outra característica ainda deste discipulado em Cristo é o que 5.8

chama de andar na luz. Andar como filhos da luz, ser luz. Luz,

segundo este trecho nos mostra, é o cristão que não dorme (v. 14).

Há sempre o perigo de o crente dizer alguma coisa ou transformar

alguma coisa; mas, se ele dormir, não há grande perigo de mudar

nada ou, pior, se for um crente morno, como os da igreja de Laodicéia,

então não há perigo algum, pois está completamente tomado

pela cultura e pelo pensamento de sua época, de forma que ninguém

mais faz caso dele. Mas o v. 14 diz o contrário: “Desperta, ó

tu que dormes”! Faz a diferença que a luz faz entre as trevas;

levanta-te dentre os mortos; torna-te um verdadeiro Lázaro, no

meio de toda essa multidão triste e miserável, e traz alegria para o


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSiOS

Senhor! Torna-te não a expressão “iluminado por Cristo”, mas o

“iluminador de Cristo”! Sê uma espécie de lâmpada ambulante

neste mundo!

Enchei-vos d® Espírito

Podemos dividir os versículos 15-21 da seguinte forma: 15-18 mostram

uma caminhada e que o Espírito pode nos encher; os versículos

19-21 descrevem a conseqüência desse enchimento. Primeiramente,

a frase vede prudentemente como andais. A palavra prudentemente

significa cautelosamente.

Refere-se possivelmente à Palavra de Deus, aos conselhos

de Cristo, às ordens dele na sua Palavra. É andar passo-a. passo

em Cristo. Se sairmos para a esquerda ou para a direita, poderemos

nos perder em nosso caminho. Andemos bem na vereda, ou seja,

andemos com cuidado. Cuidado com o que os outros estão dizendo

e como estão percebendo o nosso andar em Cristo. Este andar

prudente é, antes de mais nada, um andar sábio. É um andar que

realm ente está com o pensam ento concentrado em Cristo. A

segunda coisa que caracteriza este andar é uma nova postura

quanto ao tempo (kairós).

Já que a noite está chegando e não temos a eternidade para

trabalhar, lutar contra o mal e espalhar a luz de Cristo, estamos

“resgatando” o tempo. Essa idéia de resgatar o tempo, porque os

dias são maus, é o conceito desta era. Esta era pertence a Satanás,

e o cristão tem a capacidade de usar o seu tempo (tal como pode

usar o seu dinheiro, suas capacidades, seu conhecimento, sua

mente) para retirar o tempo das mãos de Satanás. É resgatar do

poder satânico aquilo que ele já escravizou no mundo. A característica

do nosso século é gastar mais e mais o tempo sem proveito

divino. Satanás nos tenta apertar para não pensarmos sobre os

valores reais, pela falta de tempo. Nós não podemos romper o

tempo para a glória de Cristo? O Senhor deseja que resgatemos as

horas para ele.

Não vos tomeis insensatos (v. 17). Não vos torneis insensatos moralmente.

Paulo enfrentava o que nós enfrentamos hoje: novas idéias

sobre a moralidade, certas práticas que supostamente não são tão

más assim para um mundo liberal. Mas isto é insensatez e destrói o

discipulado de Cristo. Transmite corrosão ou mesmo veneno da célula

viva para outra célula que está dependendo de nós.

- 63 -


EPÍSTOLAS OA PRISÃO

E não vos embriagueis com vinho (v. 18), isto é, não devemos

procurar, através de fontes alheias e externas, uma alegria para a

alma que só o Espirito pode proporcionar. Procuremos, sim, a ação

do Espírito para produzir comunicação, adoração e a verdadeira

gratidão; finalmente, para criar verdadeira comunhão na sujeição

uns aos outros.

0 discipulado no lar, no trabalho e no

exército de Deus (5 .2 2 -6 .2 4 )

22As mulheres, sejam submissas a seus próprios

maridos, como ao Senhor, “ porque o marido é o cabeça

da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja,

sendo este mesmo salvador do corpo. “ Como, porém, a

igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres

sejam em tudo submissas a seus maridos. “ Maridos,

amai vossas m ulheres, como também Cristo amou a

igreja, e a si mesmo se entregou por ela, “ para que a

santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem

de água pela palavra, “ para a apresentar a si mesmo

igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante,

porém santa e sem defeito. 28Assim também os

maridos devem amar as suas m ulheres como a seus

próprios corpos. Quem ama a sua esposa, a si mesmo

se ama. 29Porque ninguém jamais odiou a sua própria

carne, antes a alimenta e dela cuida, como também

Cristo o faz com a igreja.; 30porque somos membros do

seu corpo. 3lEis por que deixará o homem a seu pai e a

sua mãe, e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois

uma só carne. 32Grande é este mistério, mas eu me refiro

a Cristo e à igreja. “ Não obstante, vós, cada um de per

si, também ame a sua própria esposa como a si mesmo,

e a esposa respeite a seu marido.

6 ‘Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois

isto é justo. 2Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro

mandamento com promessa), 3para que te vá bem,

e sejas de longa vida sobre a terra. 4E vós, pais, não

provoqueis vossos filhos à ira, mas criais na disciplina

e na admoestação do Senhor. 5Quanto a vós outros,


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne com

temor e tremor, na sinceridade do vosso coração como a

Cristo, 6não servindo à vista, como para agradar a

homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração

a vontade de Deus. 7Servindo de boa vontade, como ao

Senhor, e não como a homens, 8certos de que cada um,

se fizer alguma coisa boa, receberá issò outra- vez do

Senhor, quer seja servo, quer livre. 9E vós, senhores, de

igual modo procedei para com eles, deixando as ameaças,

sabendo que o Senhor, tanto deles como vosso, está nos

céus, e que para com ele não há acepção de pessoas.

"Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força

do seu poder. "Revesti-vos de toda a armadura de Deus,

para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo;

"porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e,

sim , contra os principados e potestades, contra os

dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças

espirituais do mal, nas regiões celestes. "Portanto, tomai

toda a armadura de Deus, para que possais resistir no

dia mau, e, depois de terdes vencido tudo, permanecer

inabaláveis. 14Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a

verdade, e vestindo-vos da couraça da justiça. "Calçai

os pés com a preparação do evangelho da paz; 16embraçando

sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar

todos os dardos inflamados do maligno. 17Tomai também

o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a

palavra de Deus; "com (no original: “através de”) toda

oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito, e

para isto vigiando com toda perseverança e súplica por

todos os santos, 19e também por mim; para que me seja

dada, no abrir da m inha boca, a palavra, para com

intrepidez fazer conhecido o mistério do evangelho, 20pelo

qual sou embaixador em cadeias, para que em Cristo eu

seja ousado para falar, como me cumpre fazê-lo. 21E para

que saibais também a meu respeito, e o que faço, de

tudo vos informará Tíquico, o irmão amado, e fiel ministro

do Senhor. 22Foi para isso que eu vo-lo enviei,

para que saibais a nosso respeito e ele console os vossos

corações. 23Paz seja com os irmãos, e amor com fé, da

parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. 24A graça

-65


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

seja com todos os que amam sinceram ente a nosso

Senhor Jesus Cristo.

Introdução

Lembremo-nos rapidamente do que Deus nos tem dito em Efésios.

O pensamento-chave é que Deus planejou que todas as coisas

sejam encabeçadas e somadas em Cristo (l.lO).Para essa finalidade,

ele nos escolheu, nos predestinou, nos remiu, nos perdoou,

nos desvendou a sua revelação, nos deu o seu Espírito e nos concedeu

o privilégio de orar. O capítulo 2 sublinha que fomos redimidos

de uma força tão escura, tão baixa, e colocados sobre a

pedra que é Cristo, alicerçando-nos para a edificação de um templo

novo, unido. Esse templo tem todas as características que Deus

deseja do seu lar, porque ele habitará no meio do seu povo (2.22).

O capítulo 3 mostra-nos que, com o propósito de criar este novo

homem, este templo de Deus na terra, ele escolheu homens como

Paulo, o pioneiro, e está nos escolhendo também. O capítulo 4

aborda nossa vocação na igreja e exorta-nos a nos esforçarmos

para manter a unidade da igreja. Do v. 7 em diante, Paulo nos diz

como Deus está nos equipando e nos preparando para servir dentro

da sua igreja. Depois de toda essa transformação mental que vimos

no trecho de 4.17-5.21, agora nesta última parte do estudo vamos

pensar ainda sobre três ou quatro outras áreas em que este propósito

de Deus precisa ser vivido e encarnado.

Intitulo esta seção, que começa em 5.22 e vai até 6.4, “O

Discipulado de Cristo no Lar”; a seção começando com 6.5, “O

Discipulado de Cristo no Trabalho”; e, finalm ente, a epístola

term ina colocando a nossa vocação nas fileiras da luta, nas

fronteiras da batalha contra o mal, contra o próprio poder de

Satanás; e para isso precisaremos de toda a armadura de Deus.

O apóstolo começa, em 5.15, a exortar os leitores a andarem

cuidadosamente, com sabedoria, remindo o tempo, compreendendo

a vontade de Deus para a vida. Quando isso acontece, o Espírito

começa a ter abertura no coração e se expande no espaço íntimo

que domina. Daí decorre este clímax quanto à nossa vocação, a

necessidade de darmos cada vez mais espaço para que o Espírito

nos encha em todos os aspectos, áreas e responsabilidades de nossa

vida: na mente, na ação, no trabalho, nas viagens, nas palavras;

enfim, em tudo o que chamamos de vida. Já vimos que isso influi


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

em quatro áreas: primeiramente, na capacidade de comunicação

bíblica com os salvos. Vimos, em seguida, que isso também nos

dá comunicação com Deus, uma alegria real no Senhor, o que

transforma o nosso culto. Em vez daquela acomodação triste que

se caracteriza pelo desejo maior de dorm ir do que de adorar,

passa-se a realmente exultar no Senhor. Cria também um espírito

de gratidão, uma adoração em toda circunstância e em todo lugar,

já que o tem plo do Senhor não se restringe nem poderia ser

confinado às quatro paredes da igreja. O templo se manifesta onde

o cristão está dando graças, adorando e se comunicando. Mas

essa última conseqüência do Espírito Santo em nós (5.21) tem

implicações que surgem até o fim da epístola. Refiro-me à simples

palavra sujeitando-vos, que aponta para submissão ou apoio.

Envolve-nos na vida do outro, como aquele que impulsiona e

sustenta o colega. A idéia de submissão contém essa idéia de apoiar,

de impulsionar, de dar ânimo; devemos compreender como isso é

básico e fundamental na atitude do cristão quanto à sua vocação.

As mulheres

Mulheres, apoiem seus maridos; tornem-se realmente pessoas que

estão prontas a consumir todas as energias, o tempo e os interesses

para apoiar o marido. Como submissão significa colocar-se debaixo

da missão de outra pessoa, há uma importância prioritária dada

àquele com quem se casa. Se for um casamento no Senhor (e não

é permitido outro tipo de casamento ao crente), deve-se conhecer,

antes de se comprometer, essa obediência que não tem nada a ver

com a escravatura. E semelhante ao conceito que Cristo desenvolve

em João 15.15, quando disse: “Já não vos chamo servos [ou

escravos], mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto

ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. Essa é uma descrição

muito bela da esposa submissa, que consagra a sua vida a apoiar

o marido dentro da missão dele. A razão disso é que o marido é o

cabeça, isto é, aquele que se expõe em sua missão e tem que

enfrentar as resistências do mundo. Então a esposa, no lar, ajuda-o

em tudo para que ele possa vencer. Que ele possa descansar bastante

em casa; caso contrário, não vai se dar muito bem lá no

mundo. Que ele possa se alimentar bem, tendo-a como a cozinheira

que todo dia prepara “aquele” banquete (não esbanjando também,

porque talvez gastar demais contrarie a missão do marido). Mas,

- 67 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

pelo menos, que ela faça o m elhor possível com aquilo que o

orçamento propicia. Por que se deve fazer isso? Este trecho diz que

nós, como membros de um lar cristão e, ao mesmo tempo, membros

da igreja de Cristo, precisamos aceitar o modelo ideal da

igreja, para o aplicarmos no lar, que também é um microcosmo da

igreja. Entendo que o meu lar (minha esposa Patrícia e meus cinco

filhos) é a igreja de Cristo na rua onde moro. Sendo a igreja de

Cristo, eu represento Cristo para a minha esposa e meus filhos,

como o cabeça desse lar. Ali está o meu sacerdócio; a esposa e os

filhos são os membros da igreja que se submetem e obedecem

com a finalidade de tornar o marido o pai e o herói daquela comunidade,

como assim fazemos com relação a Cristo. Todos os minutos

e até horas de adoração e de louvor que temos oferecido são

para cada vez mais incutir, em nosso coração, que Cristo é o nosso

herói. Nós estamos plenamente satisfeitos com ele. Não temos

nenhuma crítica a levantar contra ele, pois estamos completamente

engajados na sua missão! O lar se constrói para ser um lar de

alegria e harmonia como uma pequenina igreja, um microcosmo

da igreja de Cristo! E por isso que Paulo dá muita atenção à responsabilidade

do marido.

Os maridos

O marido precisa amar a esposa. Se a m ulher tem que apoiar,

preparando todas as coisas do lar para que o marido seja um

sucesso, então o marido tem que dar tudo o que está incluído na

palavra amor para ela e para a família. Assim a esposa é para o

marido a pessoa mais importante-no mundo. Não se pode comparar

outra pessoa, no mundo, com a esposa. A palavra amar é a palavra

agape ou agapao; não é a palavra eros nem storge, nem qualquer

outra palavra que possa ser traduzida por “amor”. É que este amor

que o marido deve ter para com a sua mulher, para ser um amor

exemplar, modelado em Cristo, é um amor que muitas vezes contraria

as emoções do marido. M uitas vezes não quero dar a mim

mesmo, como Cristo se deu a si mesmo na cruz, por minha esposa

ou pelos filhos. Possivelmente não tenho de fato o desejo de santificá-la

para mim, isto é, de amá-la de modo que ela não possa

ter alegria em nada mais que não seja neste pleno amor que eu lhe

esteja dando. Vê-se que o dever de amar vem a ser uma responsabilidade

das mais difíceis de cumprir e das mais altas em padrão.

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

Porque o amor santifica, tanto no lar como na igreja. À medida que

os membros da igreja entendem o amor de Cristo, começam a se

desprender deste mundo e das coisas que idolatricamente os atraem.

Quando o marido aprende realmente a amar (e eu não sei quando

vou aprender!), começa a santificar a mulher para si. Assim nós, os

maridos, pela expressão do amor agape, purificamos as intenções

delas, começamos a tirar essas rivalidades que tão naturalmente

surgem entre duas personalidades, ambas egoístas, que pelo

casamento se tornaram uma só carne, tal como era a intenção de

Deus. Este é o grande mistério. O mistério do amor que purifica a

esposa com a comunicação pela palavra. Esta purificação inclui o

perdão. R ealm ente, parece que a única área na vida onde

enfrentamos a necessidade de perdoar setenta vezes sete é no lar.

Temos, então, continuamente que perdoar. A esposa tem

também a mesma responsabilidade para tornar o seu marido o

herói; assim purifica o marido com o perdão.

No v. 27 lemos: “... para a apresentar a si mesmo Igreja

gloriosa”. A palavra gloriosa descreve a beleza da esposa. Esta

descrição, aqui aplicada à igreja, é bastante clara. É como em

Apocalipse 21, onde encontramos a igreja ataviada, descendo do

céu com toda a beleza que a perfeição de Cristo (o marido) merece.

Ela não tem mácula, não tem ruga; não tem nada que seja do

desagrado daquele marido perfeito que é Cristo. Assim acontece

no lar. Se a minha esposa tem alguma qualidade negativa, meu

amor precisa curá-la e transformá-la, tirando o que seja rotina

como a ruga da velhice ou da acomodação; precisa consertar as

trincas (ou desentendimentos) que aparecem no lar. Enfim, quem

tem isto como alvo, diz Paulo, realmente ama a si mesmo, porque

tem as conseqüências de um amor agape no lar, amor que vai bem

além do eros (amor egoísta), ou do storge (amor que decorre de não

haver outra pessoa que cuide da gente senão ela; e “ela está tão

acostumada”; ou ainda o tipo de amor que um cachorro devota a

seu dono). Não! Quando o amor se torna sacrificial, ao ponto do

auto-sacrifício ou da desistência daquilo que eu quero, começa a

surgir uma harmonia celestial no lar! Se tivéssemos mais tempo, e

mais capacidade, talvez pudéssemos detalhar estes modelos. Mas

pensemos, para já avançarmos neste trecho, que o modelo de Cristo

frente à igreja é o modelo do amor que Cristo demonstrou dando

sua pessoa na cruz. Este amor é o que nós devemos seguir e imitar

no lar. Ao mesmo tempo, o lar harmonioso, perfeitamente ajustado,

- 6 9


EPÍSTOLAS DA PBISÀO

tem que ser um modelo para a igreja também. No fim deste trecho

(v. 31), o apóstolo Paulo cita uma passagem do Antigo Testamento

(Gn 2.24), onde Deus estipula que o homem deixe seu pai e sua

mãe e se una à sua mulher, e ambos assim passem a ser uma só

carne. Por que Deus mandou essa separação? Por que não fez com

que o novo lar fosse sempre uma extensão direta do lar onde se foi

criado? Em outras palavras, que nos casássemos com os nossos

irmãos ou irmãs (parece um tanto esquisito, mas seria natural).

Nós já estaríamos acostumados com ele (ou ela); saberiamos de

suas manias, de seus egoísmos, já que fomos forçados a viver

juntos. Vejo isso constantemente com os meus filhos: são forçados

a viver naquele lar, quer queiram, quer não. Mas chega o dia em

que Deus, querendo mostrar este modelo de Cristo para com a

igreja, coloca no coração do rapaz, ou da moça, o propósito de

deixar o seu lar e de, voluntariam ente, am ar outra pessoa. A

diferença entre o amor que temos para com os nossos pais e nossos

irmãos, este um amor natural, e o amor para com outra pessoa

está no fato de ser voluntário. E se pudermos entender que este

amor voluntário une pessoas com muito mais vínculo e menos

egoísmo, com muito mais alegria do que o amor natural, começaremos

a entender o desejo de Deus para sua igreja e o o seu ideal

para o lar. Para concluir este parágrafo, a mulher tem uma responsabilidade

tão simples, tão fácil de aprender. E simplesmente se

submeter, simplesmente respeitar (v. 33). São duas coisinhas só!

E é mais fácil ainda para o marido se lembrar do seu dever: ele

tem só uma coisa a fazer: é amar, amar e amar!

Os filhos

Por que em tantos casos (espero que não seja a maioria) filhos de

crentes se afastam de Deus e, conseqüentemente, estão longe dos

seus pais? Por que será tão difícil discipular um filho, quando é

relativamente fácil discipular os filhos dos outros? Talvez seja

porque não damos suficiente atenção aos quatro prim eiros

versículos deste capítulo 6. Vejamos rapidam ente o que deve

acontecer no lar quanto aos filhos:

Primeiramente, os filhos não têm nenhuma escolha quanto à

obediência e a honra que devem a seus pais: Filhos, obedecei a vossos

pais (6.1). Tenho visto no meu lar que os filhos não fazem isso

autom aticam ente. Não é pelo simples amor aos pais que eles


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

obedecem. Eles respeitam seus pais porque os temem, palavra essa

que se encontra em Levítico 19.2-3: “Santos sereis, porque eu, o

Senhor vosso Deus, sou santo. Cada um respeitará (temerá) a sua

mãe e a seu pai [...] Eu sou o Senhor vosso Deus”. Os pais precisam

estreitar a ligação entre a paternidade mundana e a paternidade

divina. Se somos totalmente tolerantes diante do mal, que já está

no coração deles e vai se desenvolvendo à medida que crescem, eles

não poderão entender a justiça de Deus, nem a sua condenação e

ira contra o pecado. Isso ocorrerá se com os pais tudo estiver sempre

muito bem, tanto faz se na obediência ou na desobediência (talvez

apenas com o incômodo de um instante, mas depois a coisa passa).

São pais que não reagem com uma disciplina adequada. Notemos a

razão por que os filhos têm que obedecer: isto é justo (6.1). Faz parte

da maneira que Deus quer que este mundo ande. Quanto às leis do

governo, vemos a mesma coisa. A maior responsabilidade que tenho,

como pai, é ensinar meu filho a se submeter à missão do lar, tal

como a esposa se submete à de seu marido. Como se põe em prática

essa instrução? Isso, por si só, seria assunto para abordar num livro

inteiro. Vamos nos lim itar a considerar pelo menos algumas

indicações no v. 4. Notemos que o filho não obedecerá se não for

forçado a obedecer. Há necessidade, portanto, de os pais subjugarem

essa rebelião natural e adâmica no coração. Já percebi, em todos os

nossos filhos, uma vontade própria na criança com menos de um

ano. Esta vontade se choca com a vontade do pai ou da mãe, mas

precisa ser colocada em submissão. Criai-os na disciplina (v. 4). A

palavra paideia, em grego, significa a instrução que produz uma

reação automática no filho, de modo que, quando o pai chama, ele

vem. Quando diz: “sente-se aí quietinho”, ele se senta quietinho.

Eu sei que talvez isso não concorde muito bem com a psicologia,

mas é esse justamente o problema que está surgindo em todo o

mundo. Não m uitos dias atrás soube do que aconteceu a dois

rapazes, já chegados à maturidade, que nunca foram disciplinados

no lar. Eles pegaram um carro novinho e atravessaram sem parar, a

cem quilômetros por hora, várias ruas em que eram obrigados a

parar em cada esquina. Um amigo nosso, com seus filhos, vinha

atravessando uma daquelas esquinas quando o carro dos rapazes

chocou-se com o dele. Im ediatam ente, o pai e um dos filhos

morreram; o outro filho ficou em estado de coma; os dois rapazes

do outro carro foram hospitalizados em estado de coma também. E

a tristeza que surge neste mundo pela simples falta de disciplina.

- 71 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Não culpo tanto aqueles rapazes, mas culpo os pais que

não os criaram com temor à autoridade. Se amamos o Brasil,

disciplinemos nossos filhos. Não há maior responsabilidade para

com a futura geração do que criá-los na disciplina e na correção

do Senhor. A palavra admoestação do Senhor (v. 4) significa que os

filhos devem também começar, desde pequeninos, a distinguir entre

o que é certo e o errado. Devem ser instruídos no certo e no errado,

segundo o que Deus fala na sua santa Palavra. Esta sim é a admoestação

do Senhor! Quando os pais produzem essa postura nos filhos,

como são grandes os benefícios! Tudo vai bem para o rapaz que

chega à idade adulta já disciplinado (v. 3), aplicando-se então a

promessa de Deus de longa vida sobre a terra. Essa longa vida

não quer dizer simplesmente uma longa vida individual ou particular;

antes, refere-se ao abrigo proporcionado pela terra prometida

aos israelitas durante muito tempo; se eles deixassem de disciplinar

e ensinar os filhos, então o cativeiro logo viria. A preservação da

nação e a alegria dos seus cidadãos depende de esse pequeno trecho

ser cumprido: Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo.

No Senhor significa dentro dos moldes do certo e do errado que ele

prescreve. É claro que há pais que não foram disciplinados nem

admoestados no Senhor e que vão m andar seus filhos fazerem

coisas erradas. Neste caso temos um Senhor, um Pai superior, que

nos dá os padrões de vida necessários.

Os empregados, ou escravos, e seus senhores

O trecho que vai de 6.5-9 é muito claro. O empregado tem uma

responsabilidade: servir o seu senhor, seu empregador, quem quer

que ele seja, bom ou mau, com temor e tremor na sinceridade de

coração, como se estivesse servindo a Cristo. Que não apenas se

alegre o coração daquele que trabalha, sentindo-se realizado, mas

que faça o melhor que pode, fazendo o seu trabalho de coração,

isto é, com amor. Essa postura também cria no seu superior, ou

chefe, a sensação de que o trabalho dele poderá ser também melhor.

O empregado, servindo a seu superior como a Cristo, acabará por

incutir na mente do seu empregador o desejo de servi-lo também.

Portanto, cria-se um ambiente de harmonia e de quase vitalidade

espiritual, sem mencionar a possibilidade de ganhar o patrão para

Cristo. Tal serviço não é o serviço feito com os olhos no relógio:

não servindo à vista, não trabalhando apenas para agradar aos

- 7 2 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

homens, mas como quem trabalha com coisas que ninguém mais

supervisionará, como no caso de produtos que saem da seção para

serem vendidos; o funcionário sabe que os aparelhos estão perfeitamente

montados, e sente-se bem com sua consciência, porque de

boa vontade serviu o seu Senhor.

Quanto aos empregadores a palavra é esta: E vós, senhores,

de igual modo (v. 9). A expressão de igual modo significa que temos

de servir àqueles que estão servindo a nós e à nossa indústria ou

projeto. Temos que fazer isto porque o Senhor nos julgará. De

fato, talvez neste mundo estejamos numa alta posição, com responsabilidades

de liderança e de chefia. Mas no outro mundo não

será assim. Notemos que no mundo vindouro todos estarão nivelados.

No outro mundo, aquele homem mais simples, analfabeto,

que não sabe fazer quase nada, mas que está trabalhando para

mim, será igual a mim, porque diante do Senhor não há acepção

de pessoas. E devemos cuidar daquele irmão com essa lembrança

de que um dia talvez ele venha a se lembrar (se de fato houver lá

recordação) de como o tratei. Que eu não tenha vergonha de me

encontrar com ele naquele outro mundo!

0 exército de Deus

O últim o parágrafo nos convoca para a guerra. Somos todos

chamados a nos fortalecer na força do poder de Deus. Esta última

palavra não é apenas para mulheres e maridos, chefes e servos,

filhos e pais, mas é para todos: Quanto ao mais, sede fortalecidos no

Senhor e na força do seu poder (v. 10). Novamente sentimos a necessidade

de o Espírito Santo vir e encher a nossa vida para que

possamos realmente transformar este mundo para Cristo. Porque,

como percebemos logo no v. 12, este mundo é dominado por forças

destrutivas do mal, que criam miséria, injustiça, enchendo-o de

toda espécie de maldade e crueldade (como certamente já foi no

caso de Hitler, de Stalin e de tantos outros.). Essas forças, pouco

a pouco, passaram a controlar cada vez mais a mente desses homens

e as suas decisões, de modo que eles se tornaram verdadeiros

anticristos. Essa é a maneira bíblica de se referir à mente que

aceita o mal e que cada vez mais vai sendo dominada por essas

forças que operam de modo satânico nos filhos da desobediência.

Não somos imunes a essas forças do mal, às suas tentações;

o próprio Senhor Jesus Cristo, ao enfrentar a cruz, no Getsêmani,

- 73 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

sentiu a proxim idade dessas forças (Jo 12.31-35). Veja-se a

necessidade que os discípulos tinham de vigiar e orar, para não

cair no controle e no domínio dessas forças. Elas estão constantemente

nos rodeando como leão, procurando qualquer abertura,

qualquer fraqueza, qualquer ponto de orgulho, onde nos sintamos

fortes em nós mesmos, para nos derrubar e, conosco, outras pessoas

que dependem de nós espiritualm ente. Mas, também, não há

avanço na obra do Senhor, se não estivermos fortalecidos e armados

para entrar nesta luta. Ela inevitavelmente tem de ser defensiva e

ofensiva. O apóstolo Paulo menciona dois tipos de armadura: as

armas, poderosas em Deus, de defesa e de ataque. Agora, nesta

lista, encontramos aparentemente cinco armas de defesa.

Em primeiro lugar, o cinturão da verdade, o conhecimento e

a convicção da verdade de Deus, o saber que essa palavra não

pode falhar; podem passar os céus e a terra, mas a palavra do

Senhor permanece para sempre. Esse cinturão dá sustentação ao

resto da armadura; todo o restante se apóia nele. Se estamos em

dúvida quanto à verdade revelada, não teremos muitas condições

de defesa nem de ataque.

Em segundo lugar, precisamos da couraça da justiça. Jesus

C risto disse: “Bem -aventurado o que tem sede de justiça”.

Conforme vimos no capítulo anterior, a transformação constante,

à medida que a cebola vai sendo descascada, é a maneira de nos

vestirmos continuamente da justiça. Oh! Deus! Mostra-me! Permite

que me arrependa dos pecados para os quais me chamas a atenção

(ljo 1.9)!

A terceira arma é os pés calçados com a preparação do evangelho.

Essa preparação é a prontidão para falar de Cristo a qualquer

pessoa, fazendo a defesa da fé que temos (lPe 3.15).

A quarta arma: embraçando sempre o escudo da fé. Fé é compromisso

com o Senhor; é lealdade que cresce à m edida que

progredimos no conhecimento dele.

A quinta arma é o capacete da salvação, o que aponta para a

cura da mente, sobre o que já falamos bastante em 4.17-23.

Mas a sexta arma é ofensiva, a espada que o Espírito usa (é

isso que significa a espada do Espírito). A espada é a Palavra do

Senhor, a mensagem do evangelho, quando ela vem sendo aplicada

pelo Espírito de Deus. Quando isso acontece, verifica-se que a

transformação de Cristo se manifesta. Devemos ficar especialmente

abertos à verdade que conclui este trecho (v. 18-20). Uma vez que

- 74


EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

a nossa luta não é contra carne e sangue, mas sim contra as forças

demoníacas invisíveis, temos de ficar dependentes da oração. A

única maneira pela qual podemos nos vestir de toda a armadura

de Deus é orando, com a súplica específica, orando em toda a

oportunidade, no Espírito, e para isso vigiando (alertas, acordados,

ressuscitados dentre os mortos), e com toda a perseverança e súplica

por todos os santos. Paulo, que tanto poder na oração demonstrava,

não teve a ousadia de insinuar que não precisava das orações dos

seus irmãos. O v. 19 mostra que a força da palavra e a coragem

que Paulo necessitava para obter sucesso na evangelização

dependiam da oração. Também Paulo estava orando pelos crentes

da Ásia, para que a paz, o amor e a fé fossem fortalecidos por

Deus, o qual oferece a sua graça a todos os que o amam (6'.23, 24).

Concluindo, desde a doxologia dos lugares celestiais até a

vida cotidiana, encontramos a centralidade de Cristo que cria a

unidade na igreja e se manifesta em amor e crescimento. Vivamos

no amor dele enquanto o servimos, amando a todos os que ele ama.

- 75





Introdução

Os estudiosos, eruditos, peritos da matéria, são uma classe desafiante

porque entendem de tudo que se pode saber sobre sua área

de estudo. Apesar da perícia, entretanto, existem assuntos nos quais

reinam dúvidas em lugar de dogmatismo. Há ocasiões em que os

especialistas cam inham na corda bamba entre duas posições,

simplesmente porque não há provas suficientes para se decidirem

pela certa. Por este motivo, ainda ficam indecisos quanto ao lugar

onde Paulo estava quando escreveu sua epístola aos filipenses. O

ponto de vista tradicional é que se encontrava em Roma, assim como

quando compôs as epístolas aos colossenses, aos efésios e a Filemon.

Mais recentemente, porém, eruditos britânicos e alemães, como

George Duncan e Michaelis, descobriram certos sinais indicando

que possivelmente Paulo não estava na capital do império.

Um dos motivos que tradicionalmente têm levado os intérpretes

a pensar que Paulo se achava em Roma é sua menção à guarda

pretoriana em Filipenses 1.13. Ali ele fala “de toda a guarda pretoriana

e de todos os demais”. No fim do capítulo 4, refere-se aos “da

casa de César”. Mas descobertas arqueológicas recentes indicam

que isso não é uma prova decisiva, já que havia guardas pretorianas

além de Roma. Esta guarda era uma tropa de elite de cerca de nove

mil guardas imperiais: os soldados mais dignos de confiança de


HPÍSTOL.AS DA PRISÃO

todos os que o imperador possuía. Eram cuidadosamente treinados

e selecionados para defender o imperador contra qualquer golpe

de estado. Além de serem uma força de segurança, também cuidavam

dos prisioneiros que eram cidadãos romanos, e que tinham

apelado para César com a finalidade de conseguir justiça, tal como

Paulo havia feito. Visto que a maioria da guarda pretoriana servia

em Roma, era natural pensar que Paulo estivesse na capital quando

escreveu Filipenses.

Mas há algumas objeçôes à teoria de essa epístola ter sido

escrita em Roma. A dificuldade mais séria é que, num período relativamente

curto, quatro ou cinco viagens devem ter sido realizadas

entre o escritor e os leitores. Alguém informou aos filipenses que

Paulo estava na prisão. A oferta que Epafrodito trouxe (leremos a

respeito no capítulo 2) exigiu outra viagem. A notícia de que Epafrodito

tinha ficado doente, e o conhecimento que Paulo tivera de

que os filipenses lamentavam profundamente a doença de Epafrodito,

exigiram ainda que outras duas viagens (ver 2.19-30). São

muitas idas e voltas entre as cidades de Roma e Filipos, consumindo

talvez 7 ou 8 semanas cada uma.

Se Paulo não estava em Roma, então a melhor alternativa

para o lugar de composição seria a cidade de Éfeso, onde o apóstolo

exerceu ministério entre os anos 54 e 56 A.D.. Essa tese ganha força

quando examinamos outras epístolas de Paulo compostas na mesma

época, ou seja, 1 e 2Coríntios e Romanos: o modo de falar do autor

em Filipenses fica mais próximo ao linguajar dessas três epístolas

do que de Efésios, Colossenses e Filemon. Observemos também

que algumas das referências, por exemplo, aquelas feitas aos “maus

obreiros”, “falsa circuncisão” e cães (3.2), fazem lembrar as epístolas

aos coríntios. Outro problema determinante da situação em Filipos

é o da falta de união (e recorde-se que esta foi a principal razão de

Paulo ter escrito 1 Coríntios). E bem provável que Filipos e Corinto

fossem objetos de preocupação de Paulo durante os dois anos e

meio em que ele trabalhou em Éfeso (para conhecer a situação,

leia At 20.18-35).

O problema que se levanta contra essa tese de que a epístola

aos filipenses foi escrita em Éfeso é que não temos conhecimento,

pela leitura de Atos, de que Paulo tenha sido preso aliem alguma

ocasião. Em 2Coríntios 11.23 há uma breve referência ao fato de

ele ter estado na prisão mais de uma vez, e isso oferece uma base

para a possibilidade de sua liberdade ter-lhe sido retirada em Éfeso.

- 8 0 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Há outros motivos, entretanto, que me levam a pensar que

Filipenses fica melhor no quadro da vida e do ministério de Paulo

em Éfeso, do que em Roma seis ou sete anos mais tarde. Em ICoríntios

15, o capítulo da ressurreição, uma parte do argumento de

Paulo em favor da ressurreição é que ela explica porque o apóstolo

devia passar por todo o sofrimento que vinha provando. Vejamos

ICoríntios 15.30-31: “E porque nós também nos expomos a perigos

a toda hora? Dia após dia morro!”. Isto indica que ele estava sendo

ameaçado continuamente. No v. 32, Paulo diz: “lutei em Éfeso com

feras”. Sabemos que Paulo não podería ter lutado literalmente com

animais selvagens. Não se permitia que um cidadão romano fosse

lançado na arena. Paulo se referia a inimigos tão ferozes que se

assemelhavam a leões soltos na arena, e que a qualquer momento

poderíam matá-lo.

O primeiro capítulo de Filipenses apresenta Paulo enfrentando

esse tipo de situação. Além do mais, Paulo escreveu 2Coríntios menos

de seis meses depois de haver escapado de Éfeso, de onde escrevera

ICoríntios. Na Macedônia, a poucos dias de viagem de Éfeso, ele se

encontrou com Tito, que lhe trazia boas notícias de Corinto.

Escrevendo aos coríntios, na segunda epístola, Paulo diz: “Irmãos,

queremos que saibam das dificuldades que tivemos na Ásia (Éfeso).

O sofrimento que suportamos foi tão grande e tão duro que já não

tínhamos esperança de escapar de lá com vida. Nós nos sentíamos

como condenados à morte. Mas isto aconteceu para nos ensinar a

confiar não em nós mesmos, e sim em Deus, que ressuscita os mortos.

Ele nos salvou e nos salvará desses terríveis perigos de morte” (2Co

1.8-10 — Novo Testamento na Linguagem de Hoje).

Filipenses também revela que Paulo achava que tanto podería

ser morto como libertado da prisão (2.23). Contudo, ele está muito

confiante de que, por causa das orações dos cristãos filipenses, será

solto. É possível que Paulo esteja se referindo à mesma ameaça em

2Coríntios 1 e Filipenses 1. Se for assim, então devemos concluir

que está escrevendo de Éfeso aos filipenses.

Filipos era uma colônia romana e então os membros da igreja

eram cidadãos romanos. Por não haver muitas colônias romanas,

os naturais de Filipos eram cidadãos altamente privilegiados dé

Roma. A cidade foi conquistada prim eiram ente por Filipe da

Macedônia, pai de Alexandre, o Grande, em 360 a.C., recebendo o

seu nome. Foi ali em Filipos que Otávio, o mesmo que seria mais

tarde o grande imperador Augusto (que estabeleceu a Pax Romana),

-81 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

venceu a batalha de Actíum. Numa planície perto da cidade,

Augusto derrotou seus rivais, Antônio e Cleópatra, no ano de 42

a.C.. Por causa daquela vitória muito importante para a conquista

da coroa, Augusto deu aos seus valorosos soldados tanto terras como

posição, elevando a cidade à condição de colônia romana. Isso

explica por que havia tão poucos judeus em Filipos. Se houvesse

judeus no exército de Augusto, seriam tão poucos que não havería

número suficiente para fundar uma sinagoga.

Quando Paulo iniciou uma igreja em Filipos, fez seus primeiros

contatos num “lugar de oração”, perto de um ribeirão. Há

uns anos atrás, tive o privilégio de visitar Filipos (que agora é uma

ruína) e fiquei emocionado ao conhecer o lugar onde Paulo e Lídia

se encontraram, junto com outros judeus, para adorar ao Senhor.

Os filipenses eram cidadãos de Roma, e por isso Paulo empregou

duas vezes no original o termo “cidadão” (1.27; 3.20), palavra que

não aparece em nenhum lugar em suas epístolas. Na primeira passagem

escreveu: “que sua maneira de vida (literalmente, sua cidadania)

seja digna do evangelho de Cristo” (1.27), assim como a

conduta dos cidadãos de Filipos devia ser digna de verdadeiros

romanos. Em todos os sentidos, os cidadãos daquela colônia eram

iguais aos cidadãos da própria Roma. Gozavam dos mesmos

privilégios, bem como da autoridade e proteção que a cidade de

Roma estendia aos cidadãos da urbe. N aturalm ente, sentiam

bastante orgulho desse status. Analogicamente, Paulo apelava aos

leitores como “cidadãos do céu”, no capítulo 3:

“Nossa cidadania está nos céus”, de onde aguardamos, não o

imperador que vem visitar nossa cidade, mas “o Salvador, o Senhor

Jesus Cristo”, que nos transformará em sua semelhança.

Consideremos, por um momento, o quadro de origem desses

cidadãos dos céus. A igreja se compunha de uma variedade incomum

de pessoas. Organizadores de igrejas não recomendam que

se inicie um trabalho com pessoas como as que formavam a congregação

embriônica de Filipos. Primeiramente, aquela igreja começou

com uma mulher. As igrejas que eu já ajudei a iniciar dependeram

de homens, mas a igreja em Filipos foi fundada em aproximadamente

50 A.D., com Lídia, uma mulher de negócios. Mais tarde,

havería duas mulheres brigando naquela mesma igreja (4.2, 3). É

claro que há quem diga que a raiz de tal desentendimento está no

modo como se iniciou a igreja. Lídia de Tiatira, na Ásia, era comerciante,

(At 16.14). Vendia um corante vermelho, caro, que era

-82


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

produzido em Tiatira, onde uma das sete igrejas da Ásia foi

organizada (Ap 2.18-29). Depois que ela se converteu naquela

reunião de oração junto ao riacho que passava na periferia da cidade,

convidou a Paulo e seus companheiros, Silas e Timóteo, para

virem à sua casa a fim de terem onde se hospedar, e para continuar

seu ministério.

O outro membro fundador foi uma jovem escrava, que tinha

sido possuída por demônios. Paulo expeliu dela os demônios,

suscitando a ira dos donos, que dela se utilizavam para tirar lucros

financeiros através de feitiçaria e profecias sobre o futuro (leia At

16.16-23). Suponho que ela se tenha tornado cristã, membro ativo

da igreja.

Paulo e Silas foram açoitados e jogados na cadeia por terem

feito este ato de misericórdia. Naquela mesma noite, por causa de

um terremoto divinamente marcado para aquela hora, o carcereiro

se assustou o suficiente para pedir aos missionários que lhe mostrassem

a maneira de ser salvo, em vez de suicidar-se (At 16.27-34).

Assim ele se converteu, juntamente com sua família. Portanto, um

carcereiro, uma escrava, e uma comerciante foram escolhidos por

Deus para formarem o núcleo da igreja em Filipos.

Não temos notícia de quem mais entrou para o rol. Sabemos

que houve um certo Clemente, e um homem cujo nome pode ter

sido Sízigue (“companheiro de jugo” 4.2,3), bem como as senhoras

que não falavam, mas que tinham ajudado a Paulo. Seus nomes

eram Evódia e Síntique. Esse grupo nada promissor de crentes

formou a pequena igreja. Mas não podemos esquecer que esta foi

uma das igrejas prediletas de Paulo. O apóstolo não tinha a

preocupação de ver se eram as pessoas importantes da cidade que

se convertiam, como foi em Tessalônica (At 17.14), ou se Deus

chamava a Si aqueles que menos se esperava ver na igreja. “Deus

escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas e aquelas que

não são, para reduzir a nada as que são” (ICo 1.28). Deus se alegra

em formar sua igreja de todas as camadas da sociedade, unindo os

membros ao corpo.

Ora, por que será que esta igreja era uma das preferidas de

Paulo? Um ponto positivo foi o modo em que Deus a iniciou. Achó

que qualquer pessoa que passasse por um lugar onde começasse

apanhando e depois visse a mão poderosa de Deus quebrando o

prédio com um terremoto, e as portas se abrindo de vez, seria levado

a concluir que Deus tem uma preocupação muito especial por

83-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

aquela cidade e seus habitantes. A seqüência dos eventos, e a

maneira em que o mal cooperou para o bem, devem ter dado a

Paulo a certeza de que esta igreja iria ser uma expressão significante

da graça de Deus.

Outra razão pela qual Paulo tinha uma consideração toda

especial por esta igreja foi o amor dos crentes de Filipos para com

ele. Até então, era a única igreja que se preocupou com o apóstolo

a ponto de mandar auxilio financeiro. Paulo dependia dos donativos,

além daquilo que podia ganhar com o trabalho. Ao ler o cap. 4,

vemos que havia ocasiões em que Paulo estava pobre de recursos

materiais, quando não tinha mais que uma moeda no bolso (se é

que tinha). O apóstolo ficava comovido ao ver que esta igreja lhe

queria bem o suficiente para associar-se materialm ente na sua

tribulação. Sentia-se muito agradecido. Teriam mandado mais, se

houvesse outras oportunidades. Isto sugere que a igreja realmente

amava a Paulo. Naqueles dias, não era fácil enviar dinheiro, visto

que era preciso mandar alguém junto e havia sempre a possibilidade

de essa pessoa sofrer a mesma sorte do homem que caiu nas mãos

de salteadores, como na parábola do Bom Samaritano. Epafrodito

era um homem especial. Ele não se importou em arrriscar a vida

para sair de casa a fim de ser portador aos filipenses, e assim suprir

a necessidade de Paulo (2.25). Esta epístola aos filipenses foi escrita,

em parte, a fim de expressar a gratidão profunda que Paulo sentia

para com a igreja que tanto se preocupava com seu ministério.

- 84-


As bases da nossa segurança (1 .1 -8 )

1 ‘Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos

os santos em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos,

que vivem em Filipos: 2Graça e paz a vós outros da parte

de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. «Dou graças

ao meu Deus por tudo que recordo de vós, 4fazendo sempre,

com alegria, súplicas por todos vós, em todas as

minhas orações, 5pela vossa cooperação no evangelho,

desde o primeiro dia até agora. 6Estou plenamente certo

de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la

até ao dia de Cristo Jesus. 7Aliás, é justo que eu

assim pense de todos vós, porque vos trago no coração,

seja nas minhas algemas, seja na defesa e confirmação

do evangelho, pois todos sois participantes da graça

comigo. «Pois minha testemunha é Deus, da saudade que

tenho de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus.

- 8 5 -


EPÍSTOLAS OA PRISÃO

Creio que o leitor logo vai perceber que os quatro capítulos

que formam a Epístola de Filipenses me são muito caros, contando-se

entre aquelas porções bíblicas pelas quais tenho maior predileção.

Nunca estive na prisão, nunca fui acorrentado, e por isso não sei

como reagiría se tivesse que enfrentar essa situação. Mas Paulo conseguiu

escrever cinco de suas epístolas quando estava preso, uma delas

sendo à igreja de Filipos, na Macedônia, norte da Grécia.

Vamos começar o nosso estudo exam inando só os oito

prim eiros versículos desta porção tão conhecida da Palavra de

Deus.

Agora, vejamos de perto o que Paulo tinha a dizer para esta igreja.

É bem diferente do que imaginamos. Em vez de dizer: “São Paulo

e São Timóteo, aos servos do Senhor em Filipos, com os bispos e

diáconos”, ele escreve o oposto. Nosso texto diz: “escravo Paulo e

escravo Timóteo, escravos de Jesus Cristo, aos santos de Cristo Jesus

que moram em Filipos”. Parece estar invertido, não é mesmo?

Dr. Harry Ironside, o famoso pastor da igreja de Moody em

Chicago, contou de uma viagem de trem de três dias que havia

feito em certa ocasião, do litoral do Pacífico até Chicago. Havia

duas freiras católicas no seu vagão, e ele, então, quis divertir-se um

pouco às suas custas. Depois de ter travado conhecimento com elas,

perguntou-lhes: “Já viram um santo?”. Elas responderam que nunca

tinham visto, pensavam que seria maravilhoso ver um santo de verdade.

“Eu gostaria que vocês conhecessem um santo”, ele disse.

Ficaram entusiasmadas! Onde, como poderíam conhecer esse santo?

Estaria viajando num caixão de ouro, ou seria visto descendo do

céu? (Segundo o pensamento popular católico-romano, os santos

têm que morrer primeiro.) Dr. Ironside disse: “Eu sou Santo Harry”.

Conheceram Santo Harry, mas isso pouco as impressionou.

Não sei se foi exatamente bíblico, chamar-se de santo. É verdade

que a igreja de Filipos era composta de santos, mas não sei se

havia ali alguém que fosse mesmo um santo. Existe uma diferença.

No Novo Testamento, Paulo nunca é chamado de São Paulo. E a

Bíblia sempre usa “santos” no plural quando se refere a pessoas. A

razão disso, acredito, é que o plural “santos”, “pessoas santas”,

comunica o conceito do corpo de Cristo, a igreja santa (universal

ou local) de Jesus Cristo: todos que estão na igreja, ou “em Cristo”,


EPÍSTOLA DE PAULO AOS F1LIPENSES

com partilham desua santidade e tornam-se, portanto, pessoas

santas. E isso que significa a palavra “santo”.

Por outro lado, nenhum a pessoa desse mundo é individualmente

um santo, no sentido de ser santo e perfeito, tal como

Deus o é. Nós temos o mandamento para sermos santos (lPe 1.16),

mas nenhum ser hum ano é realm ente santo. Nós somos todos

pecadores regenerados. E a ordem que recebemos é de mantermos

a santidade como meta do nosso viver e mover-nos nesta direção

(Hb 12.14). Jesus mandou “sede vós perfeitos como perfeito é o

vosso Pai celeste” (Mt 5.48). Por este motivo, creio que Paulo não

se sentisse bem com o título “São Paulo”. Não há dúvida de que ele

fazia parte da igreja de Jesus Cristo, a igreja “dos santos do Altíssimo”

(Dn 7.18 e seg.). O termo do Velho Testamento. Em-Êx 19.6,

o povo de Israel, ao qual Deus tinha escolhido, também foi chamado

de nação santa, apesar dos seus muitos fracassos em praticar a

santidade. O título se refere antes ao relacionamento da aliança

pela qual Deus ligou Israel a si.

Aqui em Filipenses, os santos são assim chamados por causa

de seu relacionamento com Deus, e porque estão “em” Jesus Cristo.

Em contraste com isto, Paulo e Timóteo são apenas escravos, um

termo bastante apropriado para descrever um cristão. Um cristão

é um escravo. Ora, o que faz um cristão ser um escravo?

Antigamente, havia quatro maneiras pelas quais uma pessoa

podia tornar-se escrava: (1) Podia-se ser escravo por nascer na

família de escravos. Se os pais eram escravos, a pessoa automaticamente

era escrava, e nada se podia fazer para evitar que isso

acontecesse. (2) Podia-se ser escravo por conquistas. Quando o

exército romano conquistava novas terras, o povo derrotado automaticamente

se tornava escravo. Aqueles que não eram mortos ficavam

sendo propriedades do estado romano e dos seus cidadãos. Foi assim

que o império romano obteve mais de 50% de sua população composta

de escravos durante o primeiro século quando Paulo estava

escrevendo. (3) Podia-se ser escravo por compra em leilões de escravos

como os que se tornaram conhecidos nos seriados da TV. Um escravo

que era comprado e depois liberto era um escravo “redimido”. (4)

Podia-se ser escravo por livre escolha. Se um senhor concordasse,

um homem que tinha esperança de receber alimento, proteção e

bons tratos, entregava-se voluntariamente a ele para ser seu escravo.

Como Paulo e Timóteo tornaram-se escravos de Jesus Cristo?

Eles foram comprados. ICoríntios 6.20 esclarece que todos os

- 87 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

cristãos foram comprados por preço. Se você realmente conhece a

Deus, então você é escravo dele — não porque você quis sê-lo, nem

porque nasceu na escravidão, ou foi tomado na batalha, mas sim

porque você foi redimido por seu sangue precioso (Ef 1.7). Sim,

você foi comprado do seu antigo dono, que era “o pecado”. Outrora,

diz Romanos 6.17, você foi escravo do.pecado. Mas agora que foi

comprado por Jesus Cristo mediante um preço elevadíssimo, glorifique

a Deus em seu corpo. Seja um escravo genuíno de Cristo

Jesus, porque ele o comprou, comprou-nos todos. Não comprou

apenas a sua mente, ou sua alma, só para levá-lo ao céu numa data

futura incerta. Comprou-o e fez de você seu escravo aqui na terra,

para que cada um de nós possa servi-lo na plena extensão da vida

terrena e do potencial que tem.

Como os filipenses se tornaram santos? Se um escravo cristão

entra nesta condição por ser comprado pelo preço da morte de

Cristo na cruz, os santos se tornam santos sendo colocados “em

Cristo Jesus”. O conceito é um pouco difícil de se compreender.

Não entendemos como uma pessoa pode estar “em” uma pessoa

como Cristo Jesus. Será que você fica “em Cristo” assim como nós

estamos imersos ou dentro da atmosfera da Terra? Visto que todos

respiramos o ar, nós estamos dentro da atmosfera e o ar está em

nós. Um estudante da Bíblia procurou comunicar a idéia espiritual

de estar em Cristo, e ele em nós, dessa maneira. Estar em Cristo,

para ele, era algo impessoal? Não creio que tenha sido esta a idéia

de Paulo, de modo nenhum. Qual seria então .o significado dessa

expressão que aparece mais de cem vezes nas epístolas paulinas?

Talvez devamos captar esta realidade de estar “em Cristo”,

dentro dos moldes do pensamento hebreu. Estar em uma pessoa,

segundo a mente hebraica, é estar tão intimamente ligado a ela

que tudo que se refere a ela, e tudo que se refere a você, submete-se

ao pleno controle dela. Visto que todos estão em Adão (ICo 15.22),

a natureza adâmica caracteriza o homem totalmente dominado por

ela. Essa existência “em Adão” explica a corrupção do homem tanto

no sentido moral, como no sentido físico (ICo 15.22, 45). E inútil

você tentar sair disso, a não ser que se converta e conheça a Jesus

Cristo como seu Senhor e Salvador. Mas quando você se transfere

de Adão, deixando a personalidade, a natureza e o controle dele

para trás, e se coloca em Jesus Cristo, então é ele que vai afetar sua

nova vida. O sinal e símbolo dessa transferência é o batismo. Quando

você confia em Jesus Cristo como seu Salvador, e o recebe como

- 8 8 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS F1L1PENSES

seu Senhor, você então já está comprado, torna-se membro desua

família, do seu corpo, e se entrega livremente ao seu controle.

Portanto, se você está completamente rendido a Jesus Cristo, então

está “em Cristo”.

Observemos que estes cristãos estão “em” Cristo Jesus e

vivem “em” Filipos. O primeiro “em” indica um posicionamento;

o segundo, um lugar geográfico. São diferentes. É estar “em” Jesus

Cristo que os torna santos. Você não é santo, como já vimos, quando

é melhor do que os outros. Você deve mesmo ser melhor do que os

outros, e ter personalidade santa, admirável, se o Senhor perfeito

está exercendo um controle efetivo sobre sua vida. Mas você não

passa a ser santo por se tornar uma pessoa melhor. Só será santo

entrando para o corpo do Santo Filho de Deus, pela fé .pessoal,

mediante a qual ele o regenera. Torna-se santo porque é santificado,

consagrado, separado pelo Espírito Santo em união com Cristo (ICo

12.12,13). Sendo assim, os santos de Filipos, e os escravos de Deus

em Roma ou Éfeso, estão se com unicando através de sua

participação no mesmo Senhor ressurreto.

Os bispos e diáconos são mencionados especificamente por

Paulo, como receptores desta epístola. “Bispos” significa simplesmente

supervisores. No primeiro século eles eram supervisores

da igreja assim como hoje há supervisores numa fábrica, para

verificar se tudo está em bom andamento. Só que esses “bispos”

(episkopoi) eram supervisores de pessoas. A palavra “diáconos”, por

sua vez, significa servos, trabalhadores. Os bispos eram líderes que

desempenhavam o ministério pastoral do ensino, organização e

disciplina eclesiástica. Os diáconos serviam à igreja como assistentes

dos pastores-bispos, e como evangelistas (cf. At 20.17, 28).

A igreja no período neotestamentário não era uma igreja a

não ser que já tivesse os líderes nomeados. Igreja é mais do que um

estudo bíblico, onde todos discutem uma determinada passagem

das Escrituras. Esse grupo de estudo não é igreja, assim como

amigos que se reúnem num dia marcado para divertir-se e conversar

não constituem uma família. Um grupo de estudo informal não

possui a liderança divinamente instituída nem a responsabilidade,

como também lhe faltam as ordenanças do batismo e da ceia do

Senhor. Contudo, os títulos que os líderes da igreja devem ter, bem

como o número deles em cada comunidade, não ficam claramente

estipulados no Novo Testamento. Na verdade, os termos “bispo”,

“pastor” e “presbítero” são usados alternadamente nos textos. Dão

8 9 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

ênfase aos diversos aspectos do ministério, qualquer que seja o título

recebido por esses líderes eclesiásticos.

 segurança de Paute

Vejamos o que esta passagem diz sobre a segurança. Que certeza

você tem hoje de que irá para o céu quando Jesus Cristo voltar, ou

quando você morrer (se isso acontecer antes da segunda vinda)?

Paulo nos apresenta as bases de uma perfeita confiança a respeito

de nosso destino eterno. Existem cinco razões a garantir que, se você

se converteu e conhece a Jesus Cristo, você irá para o céu:

1. Graça. Em primeiro lugar, está a graça. O v. 2 diz “Graça e

paz a vocês da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”.

Se você não recebeu a graça de Deus, e se você não tem a paz dele

em seu coração, é simplesmente impossível ter a segurança de que

Paulo fala. Graça e paz vêm primeiro, não só como saudação, mas

como alicerce.

2. Obra de Deus. Vejamos o v. 6: “Estou plenamente certo de

que aquele que começou boa obra em você há de completá-la até ao

dia de Cristo Jesus”. Esta é a segunda garantia de que você é salvo: a

obra de Deus. Se o Senhor começou boa obra em você, então agora

ele está trabalhando e completando-a eficientemente (ver 2.13).

C. S. Lewis, no seu livro Surpreendido pela Alegria, descreve

vivamente sua conversão. Em certa noite de 1929, ele era o convertido

mais relutante, mais infeliz e abatido de toda Inglaterra. Sua

situação era pior que a do filho pródigo, pois este cam inhou

espontaneamente de volta para o lar, ao contrário de Lewis que entrou

em casa depois de muita resistência, dando socos e pontapés no pai.

E então mais tarde, Lewis escreve para um amigo da América que

ainda não era cristão: “Suponho que o Espírito Santo o tenha

apanhado e que você já esteja preso na sua rede. Não adianta relutar

mais. Deus começou um trabalho em você”. Sim, e em você, leitor,

Deus já começou uma obra? Você reconhece o poder com o qual ele

o está chamando, não só para a comunhão, não só tornando agradável

a participação nos cultos da igreja, mas principalmente atraindo-o

para si? Ele deseja realizar aquela obra da graça no seu coração. Se

Deus já começou a operar em você, cuidado, pois é muito difícil

escapar de seus braços insistentes e amorosos (cf. Elb 12.4-11).

3. Amor fraternal. Elá uma terceira base para a grande

esperança que Paulo tem referente à igreja: o fato de ele se encontrar

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

num relacionamento especial com a igreja filipense. O apóstolo

expressou em oração a gratidão que sentia por esse amor mútuo:

“Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo de vocês” (v. 3).

Paulo possuía uma mente aberta ao Espírito Santo. Em vez

de estar à televisão e aos jornais de cada dia, ou à revista Veja, ou

ainda a todo o trabalho que ele estava fazendo, sua mente estava

continuamente recebendo alertas do Espírito Santo. Ele era capaz

de reconhecer imediatamente qualquer coisa que viesse à sua mente

por iniciativa do Espírito. E uma das coisas que Deus trazia à sua

mente na prisão era a igreja de Filipos. Então Paulo concluía que

aqueles crentes deviam ser filhos de Deus, porque senão nunca

teria se lembrado deles com tanto ímpeto ou freqüência. Continuamente,

Paulo confessa “eu penso em vocês e oro por vocês”, (v. 4).

Seus pedidos eram oferecidos a Deus com alegria, porque a igreja

naquela cidade lhe fazia feliz, era sua “coroa de regozijo” (4.1 em

uma tradução).

4. Cooperação. Paulo não só ora por seus filhos no evangelho,

como também agradece a Deus a cooperação deles neste evangelho

(v. 5). A palavra “cooperação” representa a koinonia do grego, que

significa comunhão ou participação. O apóstolo se refere aqui ao

auxilio financeiro que a igreja lhe enviou pelas mão de Epafrodito

(2.25). Este compartilhar de coisas materiais com Paulo, mostrava

que os filipenses estavam cooperando na propagação do evangelho,

que faziam isso “desde o primeiro dia até agora”.

Sabemos que é preciso ser salvo pelo evangelho. Entretanto,

se você assumiu algum compromisso com o evangelho sem ainda

ter sido salvo, isto é, você acreditou, mas não se entregou inteiramente

a Jesus Cristo, sua atitude vai denunciar isso. Algumas

pessoas crêem no evangelho somente em conseqüência de terem

nascido em lares cristãos, mas não têm um compromisso do coração

com o evangelho, porque nunca nasceram realmente do Espírito

Santo de Deus. O principal problema de tal pessoa, provavelmente,

será a dificuldade de viver o evangelho em sua vida! Como ela está

na igreja, espera-se que faça o que os filipenses estavam fazendo,

que era contribuir (ver também 2Co 8.1-5). Mas ela’ detesta dar

dinheiro. O pior detalhe da igreja com o qual ela precisa conviver,

é a pressão que sente sobre si para que dê sacrificialmente, com

um coração cheio de amor.

Mas esse não era o caso dos filipenses. Sua cooperação no

evangelho não era apenas uma koinonia de fé, e oração pela missão

-9


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

de Paulo; era uma cooperação prática, na qual tinham prazer em

dar. É difícil uma prova maior da operação do Espírito de Deus no

coração, do que o desejo de contribuir para suprir as necessidades

daqueles a quem Deus ama. É somente o poder sobrenatural de

Deus que pode ajudá-lo a compreender que é mais abençoado dar

do que receber (At 20.35). Este, portanto, é o quarto sinal da obra

redentora do Espírito nas vidas dos filipenses.

5 .Intercessão do pastor em favor dos crentes. No versículo 7, Paulo

aponta mais uma razão da segurança que ele tem nos crentes a quem

está escrevendo: “Aliás, é justo que eu assim- pense de todos vós,

porque vos trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa

e confirmação do evangelho, pois todos sois participantes da graça

comigo”. Não só o Espírito os traz sempre à memória (v. 3), não só

eles começaram a dar ofertas provando que são realmente convertidos,

mas também eles têm no coração de Paulo um lugar especial que só

os verdadeiros irmãos e irmãs em Jesus Cristo podem ter. O apóstolo

acrescenta: “Não só vocês se uniram a mim na minha prisão e na

defesa e confirmação do evangelho, como também Deus é minha

testemunha da saudade que tenho de vocês todos”. Esta última frase

nos faz lembrar o carinho que as mães têm pelos seus bebês. Se

separarmos uma mãe de sua criancinha, ela sentirá muitas “saudades”.

A palavra descreve os sentimentos de Paulo para com esta igreja.

É difícil para um pastor nutrir por sua igreja um sentimento

tão profundo a ponto de poder assegurar que todos os membros

são salvos, são santos de verdade e não apenas de aparência. Mas é

possível ver alguns indícios: a alegria com que participam nos cultos

da igreja, a cooperação no evangelho através de suas ofertas. Vê-se

a prova do esforço unido em oração, e o resultado é o pastor lembrar-se

de todos continuamente.

Olhe para seu próprio coração. Deus já começou sua boa

obra em você? Você nota que ele já o está lapidando, polindo e

trabalhando todos os dias? Se está, então pode tomar para si o que

Paulo disse: “Estou plenamente certo de que Deus, que começou

boa obra em mim, há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus”. O

maior desejo de Deus é ter santos no céu que sejam semelhantes ao

seu próprio Filho.

Romanos 8.29 nos garante que haverá milhões de cópias de

Jesus Cristo, moldadas segundo sua imagem e semelhança. O

Senhor está trabalhando na vida dos crentes, cada um deles com

personalidades, pontos de vista, experiências, raízes sócio-culturais

- 9 2 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

e racionais diferentes, a fim de transformar maravilhosamente todos

os seus filhos, de modo que sejam semelhantes a Jesus Cristo. Assim

será a população do céu: formada por cidadãos que Deus começou

a moldar nas experiências que resultaram em conversão, e continua

a modelar constantemente ao longo da vida cristã, para que tomem

o formato da perfeição de Jesus.

Conclusão

Pense em um homem como John Newton, que viveu há anos atrás,

no século 18. Começou a vida num lar cristão onde viveu por uns

seis anos. Ficou órfão e então foi criado por uma família não-crente,

em que o evangelho e o cristianismo eram ridicularizados. Como

nessa casa ele era perseguido, fugiu para o mar, porque o pai tinha

sido marinheiro na Marinha Britânica por algum tempo. Alguma

coisa não deu certo, e ele fugiu novamente, escolhendo a África

como um bom lugar para esconder-se. Tornou-se sócio de um português,

traficante de escravos.

A esta altura ele estava longe, bem longe de Deus. A péssima

vida que levava colocou-o em algumas situações horríveis. Chegou

até ao ponto de ser obrigado pela esposa do traficante a comer no

chão. Foi até mesmo forçado a ser um escravo, mas fugiu para o

litoral, onde deu sinais a um navio que passava, e que o acolheu

por compaixão. Quando estava a bordo, o capitão descobriu que

ele entendia de navegação e puseram-no como imediato do navio.

Para mostrar como Newton era irresponsável, devo acrescentar

que ele roubou o estoque de rum, distribuiu-o a todos os

companheiros e, na bebedeira, caiu no mar. Um m arinheiro o

apanhou com o arpão e o puxou para o convés. Daquela arpoada

ele ficou com uma cicatriz do tamanho de um punho, mas ainda

não sentiu Deus operando em sua vida. Porém, naquela mesma

viagem, quando se aproximavam da costa da Escócia, uma tempestade

violenta apanhou o navio. Ele teve que manejar as bombas junto

com os m arinheiros, para evitar o naufrágio. Trabalhando nas

bombas, foi dominado pelo medo da morte. Foi nessa crise que

começou a recordar os versículos que havia memorizado antes dos

seis anos de idade. Ao repetir essas Escrituras, Deus lhe falou ao

coração, e ele se converteu de forma maravilhosa. Não só se

converteu, como também tornou-se um pregador poderoso e compositor

de hinos. Foi ele quem escreveu o hino tão apreciado,

- 9 3 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

“Amazing Grace” (“Maravilhosa Graça”). Quando o fez, ele já sabia

que, durante toda sua vida, e através de todas as circunstâncias

pelas quais tinha passado, Deus o tivera em sua mão. E maravilhoso

o Senhor converter um homem como Newton. E com a mesma

alegria Deus vai salvá-lo se você assim lhe pedir.

Uma oração-modelo (1 .9 -1 1 )

9E também faço esta oração: que o vosso amor

aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a

percepção, 10para aprovardes as coisas excelentes e serdes

sinceros e inculpáveis para o dia de Cristo, ucheios do

fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a

glória e louvor de Deus.

Introdução

Poucas pessoas tiveram o privilégio que eu tive, de crescer num lar

cuja primeira lembrança é a de mamãe ajoelhada junto à cama.

Nunca vou esquecer o seu vulto ajoelhado, embora eu não tivesse

mais de quatro anos de idade quando a cena me impressionou pela

primeira vez. Durante várias ocasiões, em silêncio, intercedendo

por nós, os filhos, e pèla igreja da Bolívia, minha mãe criava em

volta de si uma atmosfera sagrada. Não havia a luz de uma auréola,

nenhuma halo, mas nós crianças sempre passávamos quietinhos

quando mamãe orava. Foi uma experiência que se repetiu todos os

dias, um privilégio que teve realmente um papel importante na

formação de meus primeiros ideais com respeito à oração. Embora

ela intercedesse muito silenciosamente, sabíamos o que ela estava

pedindo. Nós crianças estávamos no topo da lista. Sabíamos quais

os principais assuntos das suas orações porque a nossa família

sempre se reunia para orar antes do café da manhã. As orações de

meus pais eram muito longas para um garotinho: eu já acordava

com fome, e o culto dom éstico atrasava o café. Dr. D onald

Barnhouse (pastor da Filadélfia, m undialm ente conhecido, já

falecido) costumava dizer: “Sem Bíblia não há café!” Nossos pais

se mantiveram firmes naquele moto, que incluía também a oração.

Paulo também aprovava essa espécie de piedade cristã. Orava

incessantemente. Exortou os leitores de sua epístola em Tessalônica

a que orassem sem cessar (lTs 5.17). Mas Paulo não estava tão

- 9 4 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

sintonizado com o céu a ponto de supor que os cristãos que liam

suas epístolas soubessem automaticamente o que pedir a Deus.

Embora já tivesse escrito que estava “sempre fazendo súplicas por

eles... em todas as minhas orações” (v. 4), o apóstolo ocupa algumas

preciosas linhas desta “epístola de agradecimento” para contar aos

filipenses como é que orava, a fim de ensinar-lhes (e a nós) como

se deve orar. E não se esquece de encorajá-los, dando-lhes uma

lista dos resultados da oração fervorosa que pede a Deus um

abundante e crescente amor.

O Professor Stewart, da Universidade de Edinburgo, na

Escócia, agora aposentado, dizia sempre que as orações das epístolas

de Paulo, particularmente as de Filipenses, Efésios e Colossenses,

foram o ponto alto de sua correspondência. Portanto, veja hoje,

que petição os filipenses deviam fazer. Dedique alguns instantes

para oferecer esta oração com toda a sinceridade. Você vai descobrir

um novo nível de benção impregnando sua vida, visto que o próprio

Senhor Jesus garante que se você pedir alguma coisa em seu nome,

segundo a sua vontade, ele o ouvirá (Jo 14.13,14; ljo 5.14).

Observe que neste parágrafo a oração de Paulo é a continuação

de sua ação de graças. Assim, ele aponta um fato importante

sobre a oração, sem ensiná-lo declaradamente.

A primeira verdade encontra-se no v. 6: “Estou plenamente

certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la

até ao dia de Cristo Jesus”. Desta certeza apostólica seria possível

concluir que você não precisa fazer nada além de render-se passivamente,

porque Deus faz toda a parte ativa. Você poderia relaxar,

dormir, descansar, em vez de orar. E nem precisaria voltar à igreja

à noite. Você poderia ir para o Guarujá ou Copacabana, apreciar a

praia e as ondas, porque Deus que começou a boa obra em você,

prometeu completá-la. Não havería necessidade de você se preocupar

com a comunhão e o culto da igreja, nem com a leitura da

Bíblia e a oração pelas crianças, vizinhos ou mundo, nem tampouco

com o seu testemunho. Muito facilmente e com grande prazer poderiamos

concluir: “já que Deus promete que vai estar operando, e

ele é mais poderoso do que quaisquer de nossas orações fracas e

cheias de dúvidas; é só deixar que ele faça tudo!” Isso, porém, é

bem diferente daquilo que Paulo pensou ou ensinou. À medida

que você lê a oração dele, percebe claramente que o próprio Paulo

está envolvido e profundam ente empenhado numa cooperação

espiritual com Deus. De fato, Paulo afirma que Deus nos.manda

- 9 5 -


EPÍSTOLAS DA PRISÁO

participar ativamente em sua obra: “Desenvolvam a sua salvação

com temor e trem or” (2.12).

A oração pode ser considerada um trabalho, até mesmo uma

luta (Cl 1.29; 2.1). Deus está fazendo a sua obra, mas a oração

envolve aquele que intercede na operação de Deus (cf. ICo 3.9).

Mas, e se eu não pedir a Deus que intervenha? Ele vai parar de

operar? Paulo não responde tão claramente a esta questão complexa

como Tiago o faz (Tg 4.2), Visto que Deus não ordena, clara e insistentemente,

que oremos, não é necessário fazer especulações sobre

a razão pela qual ele exige que seus filhos orem. Isto explica porque

Paulo podia exigir de si o máximo esforço em prosseguir para o

alvo e prêmio de sua soberana vocação, ou alto chamado, por um

lado, ao mesmo tempo em que mostra tolerância para com aqueles

que têm atitude diferente, preferindo esperar que Deus lhe revele

quais são as suas exigências (3.13-15).

Vejamos agora o incentivo que levava Paulo a interceder pelos

filipenses, no v. 8. Ele ansiava de tal maneira (epipothõ)ver a igreja

e confraternizar com eles, que descreve seu afeto como localizado

nos “intestinos” (splagchnoi) de Cristo Jesus. Foi a maneira grega

primitiva de expressar como estava emocionado no seu desejo de

visitar os filipenses, seus amados filhos na fé, De fato, um pastor

que ama profundamente cada membro da sua igreja, achará que

orar por eles não é tarefa difícil, pelo contrário, é um prazer.

Um pedido pelo amor crescente

Agora examinemos esta oração. Pelo que Paulo ora? Primeiro, ele

roga que Deus conceda aos filipenses um amor que aumente mais

e mais (v. 9). Amor para com Deus e o próximo nunca chega a um

ponto em que o cristão pode descansar e dizer: “Bem, agora eu

amo tão fervorosamente como sou mandado amar! Esse amor agape

que Deus exige de mim já é completamente meu”. Paulo pode ter

sentido que os filipenses eram as pessoas mais queridas que ele

conhecia. Ele os amava tanto que o seu amor por eles parecia o

amor de uma mãe por seus filhos (v. 8): “Tenho por vocês um afeto

e saudades tão fortes que me emociono por dentro, nas próprias

vísceras!” Mas isso não significa que Paulo tinha alcançado o amór

perfeito, ou que seu amor não podia crescer mais ainda. Ele não

estava tão influenciado pelo seu amor para com a igreja de Filipos

a ponto de concluir que eles não pudessem amar mais intensamente

- 9 6 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS F1LIPENSES

do que quando mandaram o dinheiro tão oportuno para o apóstolo

aprisionado.

Você também é pessoa amorosa, mesmo que não seja possível

medir seu amor por nenhum sistema. O amor não pode ser medido

de maneira matemática concreta. Por ser dinâmico e relacionai, o

amor cresce à medida que é testado. Os pais que mais amam seus

filhos são aqueles que mais sofreram por causa dos filhos. Talvez um

filho de uma certa família possua algum problema mais grave, de

ordem física ou mental: pois é por aquela criança que o pai e a mãe

estão mais dispostos a se sacrificar, a fim de lhe proporcionar alguma

coisa. Os pais que têm um filho com síndrome de Down amam-no

além do normal, indizivelmente. Seu amor foi muito provado e, em

conseqüência, transborda por aquela criança. Paulo está orando por

um amor assim, transbordante, que excede os limites normais da

experiência, um amor mais característico de Deus do que do homem

egocêntrico. Tal amor é um dom do Espírito de Deus que habita no

crente (Rm 5.5, cf. G1 5.22) e, conseqüentemente, deve surgir em

nossos corações como resposta à oração (cf. Lc 11.13).

Essa súplica por um amor que cresça e transborde sem limites

é o único pedido específico desta oração (v. 9-11). Todas as outras

coisas mencionadas na passagem são conseqüências. Será que você

está orando por alguém, ou — o que pode ser mais significativo —

alguém estaria orando por você, rogando a Deus que seu amor

continue a crescer e transbordar sempre? Talvez Paulo peça a Deus

esse amor agape, crescente e dinâmico, porque sabe que um amor

que não transborda, inevitavelmente se volta para dentro e se torna

egoísta. Limitar nosso amor àqueles que vão nos retribuir a dívida

é o oposto do amor generoso e sacrificial pelo qual Paulo orou.

Este é como leite derramado, irrecuperável, dado sacrificialmente,

sem preocupação de recompensa. Até o fim da sua vida, ou até que

Cristo volte, esse amor como o de Cristo deve transbordar mais e

mais. Na forma m ais sim ples, essa oração pede a Deus um

crescimento diário na habilidade e no anseio de amar de cada

cristão, até o dia da formatura, quando todos passamos desta vida à

outra através da morte ou da transformação miraculosa efetuada

pela volta de Cristo (cf. 3.21).

O v. 10 (parte final) focaliza nossa atenção nesse fim, porque

o amor crescente terá o propósito de tornar os filipenses puros e

imaculados, prontos para o Dia de Cristo. Quando Jesus Cristo

voltar, ele irá examinar os crentes quanto à perfeição atingida em

- 97 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

matéria de amor crescente e transbordante pata com os irmãos e

para com Deus. É crucial reconhecer se seu amor cresce dia a dia.

Ou será que ele tem diminuído, como o primeiro amor da igreja de

Éfeso (Ap 2.4)?

Esse amor não é sentimental, não é Verbal, mas é prático,

encontra expressões concretas através de ações. Certam ente,

desejamos que essa espécie de amor transborde em nós, mas quem

sabe não temos confiança de que é possível receber um amor tão

extraordinário assim, simplesmente pedindo a Deus. Paulo nos dá

algumas dicas importantes sobre como ganhar esse amor abundante

em resposta à oração. Se alguém está orando por você desta maneira

(talvez seja esposa, marido, pai, um filho ou um membro interessado

da igreja), de tal forma que a oração dele Se une à sua, espere ver

mudanças na intensidade de seu amor. Como se uma poça parada e

mal cheirosa se transformasse em uma corrente de águas cristalinas,

o amor narcisista pode ser transformado em amor semelhante ao de

Deus, que o motivou a dar seu Filho para nos salvar (Jo 3.16).

Os dois elementos do amar

Paulo prossegue no v. 9, dizendo que duas características são importantes

nesse amor transbordante. Se omitimos esses elementos

básicos, o amor não cresce muito e não transborda. Esses dois

elementos são descritos pelas palavras “conhecimento” e “percepção”.

O primeiro termo representa a palavra grega epignõsis, que se

encontra no Novo Testamento umas vinte vezes. Normalmente usado

para designar o conhecimento de Deus e da verdade, ou conhecimento

da Bíblia e de Jesus Cristo, refere-se à esfera espiritual.

Ora, não me sinto bem quando divido o conhecimento humano

em duas categorias, mas a esta altura pode ser proveitoso

fazer isso. Possuímos dois tipos de conhecimento.

O primeiro é o conhecimento humano, secular, orientado ao

nosso viver desta terra. Quando uma pessoa realmente sabe bastante,

pode ser formada em faculdade, ou até mesmo se tornar

professor, com nível de mestrado ou doutorado. No contexto da

vida, mostra quanto sabe pelo seu sucesso. Sabe equilibrar as coisas,

como planejar, como tratar as pessoas de modo que estas o tratem

bem. Conhece a lei, e sabe como evitar as penalidades impostas

àqueles que deixam de cumpri-la (ver Lc 16.1-11). Ela é reputada

como uma pessoa bem ajustada e entendida. Para fins dessa expla­

9 8 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FIL1PENSES

nação, classificaremos essa categoria de escolhas capazes como

gnõsis, “conhecimento”.

Mas é diferente o sentido do termo “conhecimento” (epignõsis)

usado no Novo Testamento. Esta palavra se refere à realidade

espiritual. Tal conhecer ultrapassa o saber do dia-a-dia, atingindo a

esfera espiritual, o que é comparável à ultrapassagem da barreira

do som. As atitudes e os valores da vida que chamamos de “secular”

são transformados pelo relacionamento com Deus e seu povo através

do Espírito. Não que o Espírito seja realmente dissociado do psiquê

ou da alma humana em qualquer sentido claro, definido. Quando

o crente ultrapassa a barreira, indo ao conhecimento dos valores

espirituais, isso o faz perceber a realidade de uma forma que o

homem secular não vê. Paulo aqui dá ênfase à idéia de-que, sem

esta espécie de conhecimento, o amor sacrificial não cresce — nem

o amor por Deus, nem o amor pelo homem. O amor agapê deve ter

raízes no conhecimento adquirido diretamente através da revelação

e percepção do Espírito Santo.

Em Efésiosl.17, Paulo ora pelos cristãos de Éfeso na Ásia: que

“Deus... o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de

revelação no pleno conhecimento (epignõsei) dele. “Este uso que Paulo

faz da mesma palavra esclarece que é o Espírito Santo que nos capacita

a ultrapassar a barreira do conhecimento do mundo secular, e nos

faz penetrar tal ciência. Nela alcançamos e experimentamos a

presença de Deus. O Espírito Santo não trabalha à parte das

Escrituras. Deus emprega a Bíblia para guiá-lo, quem sabe enquanto

você ouve a explicação do seu sentido, ou enquanto a lê na hora

devocional de manhã. E assim, o solo que proporciona as condições

para o amor crescer e transbordar tem sua origem na oração, uma

Palavra de Deus, e produz a comunhão com Deus, que por sua vez

encaminha o amor transbordante para com Deus e sua igreja.

Uma segunda palavra que Paulo liga ao “entendimento” do

v. 9 é a palavra “percepção”. Transmite o sentido do original aisthõsis.

Uma pessoa que tem percepção tem o dom que muitas vezes é

atribuído às mulheres com o nome de “intuição”: O homem pode

trabalhar intensamente durante horas inteiras, lidando com os prós

e contras de uma decisão importante. Talvez escreva todos os

números, a lista de vantagens e desvantagens, tentando arrazoar e

chegar à melhor solução de um problema. Muitas vezes, consulta

os colegas executivos para que o ajudem a ponderar as conseqüências

favoráveis e desfavoráveis de sua opção. Depois vai para casa,


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

pergunta à esposa qual a opinião dela, e fica admirado ao descobrir

que seu conselho está de acordo com a conclusão estudada dele.

A intuição adianta o processo, sendo resultado da percepção.

Por maior que seja a lógica ou a sua racionalidade, não dá ao homem

a verdade espiritual. Esta precisa resultar de uma revelação por

parte de Deus e de uma percepção por parte do homem. A teoria

ou a teologia se transforma em realidade e estilo de vida cristão. A

palavra de Paulo, “percepção” ou “discernimento”, trata especificamente

de um juízo tanto moral como espiritual. As Escrituras

não fazem distinção entre as esferas moral, ética e espiritual, no

que diz respeito à prática. Sendo assim, portanto, viver com “percepção”

e conhecimento significa agradar a Deus.

Podemos ilustrar esse termo na vida pública terrena de Jesus.

Muitas e muitas vezes, ele foi pressionado em situações onde tinha

que fazer escolhas. Suas decisões eram importantes porque milhares

de pessoas ouviam suas instruções. Não podia, pois, ensinar uma

coisa na teoria e fazer outra diferente na prática. Seu modo de escolher,

repetidas vezes, ofendia as pessoas religiosas mais respeitadas,

o que não o tornava popular. O que ele percebia e declarava com

franqueza contrariava a opinião da maioria da época. Ele favorecia

os humildes, os fracos, os pobres e necessitados, em vez dos fariseus

orgulhosos que eram admirados (cf. Jo 5.44). No caso dos judeus,

que conheciam m inuciosam ente a Bíblia, mas não tinham o

Espírito, exaltavam os valores do mundo. Jesus, cheio do Espírito

Santo, quando ouviu o cego Bartimeu clamando por misericórdia,

ordenou que lhe trouxessem o homem imediatamente, apesar dos

discípulos quererem silenciá-lo com a justificativa de que Jesus

estava ocupado demais (Mc 10.46-52). Foi esse o tipo de intuição

ou sistema de valores que determinou as decisões de nosso Senhor.

Bartimeu era mais importante do que a multidão, os discípulos, os

dignatários religiosos, ou uma programação prévia.

Necessitamos desesperadamente de possuir esta percepção.

É um discernimento tantas vezes ausente, que explica porque nossa

vida espiritual é fria, e nosso amor parado. Onde existem águas

estagnadas e temperaturas mornas, é quase certo haver mosquitos.

Essas pestes não podem reproduzir-se em águas correntes. Quando

o amor é parado, os relacionamentos ficam estragados. Em lugar

do amor transbordante pelo qual Paulo ora, criam-se ressentimentos

irritantes, concebidos no ciúme, para atrapalhar o povo de Deus

como se fossem pernilongos zunindo perto dos nossos ouvidos. Com

100-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FIL1PENSES

o conhecimento experimental de Deus e o discernimento estimulado

pelo Espírito Santo, cresce o amor, e diminui o egoísmo.

O autor de H ebreus tam bém emprega um substantivo

relacionado com o termo “percepção” (aisthêsis) quando repreende

os cristãos estagnados, que não quiseram crescer na fé além da

prim eira infância. Veja o aparecimento divinamente inspirado

dessas palavras: “Vocês já deviam ser mestres, capazes de ensinar a

Palavra de Deus, contudo têm de novo necessidade de alguém que

lhes ensine o ABC da fé cristã. Porque todo indivíduo que ainda se

alimenta de leite, não está cheio da Palavra da justiça, pois é criança.

Mas o alimento sólido é para os adultos, para os que têm as suas

faculdades exercitadas pela prática (Hb 5.12-14). A palavra “faculdades”

(aisthênia) vem da mesma raiz grega que o termo “percepção”

em 1.9. Visto que aos cristãos hebreus faltava “percepção”,

não tinham a capacidade de discernir entre o bem e o mal, ou distinguir

o melhor do bom. As pessoas maduras precisam tomar decisões,

à luz da vontade de Deus revelada e das conseqüências eternas.

Somente a percepção espiritual produz decisões corretas. Como é

triste constatar com tanta freqüência que cristãos estão se tornando

estagnados, sem maturidade necessária para o discernimento dos

valores espirituais.

 conseqüência do amor crescente -

Quando o amor de Deus cresce em nós com vitalidade, no solo do

conhecimento e da percepção, o que vai produzir? Paulo dá a

resposta no v. 10. Produz “aprovação”. Essa palavra interessante

também foi empregada por Paulo na segunda epístola a Timóteo.

Perm ita-m e fazer uma paráfrase: “Quero que você seja um

trabalhador “aprovado” (gr. dokimon), quando chegar no dia de sua

formatura, abrir seu diploma conferido por Deus, e ler os elogios.

Espero que você se forme com prêmios, em lugar de descobrir que

foi reprovado no dia de Jesus Cristo” (cf. 2Tm 2.15).

Como serão emocionantes para uns e chocantes para outros,

as surpresas do juízo final! Muitas pessoas esperam a aprovação da

formatura, porém vão descobrir tarde demais, para sua tristeza,

que o prêmio esperado não lhes foi conferido (cf. 3.14, 2Tm 4.8).

Mas podemos ter a certeza da aprovação de Deus se somos sinceros

e inculpáveis até o Dia de Cristo”, porque então será evidente em

nós a boa obra de Deus (v. 6).

- 101 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

A expressão “para que vocês aprovem as coisas excelentes”

(v. 10) mostra que essa capacidade espiritual tem sua origem nas

realidades do v. 9. “Aprovar” (dokimazõ) significa testar e aprovar

ser autêntica alguma coisa. Mesmo em nossos dias, uma nota de

papel-moeda precisa ser aprovada para ser aceita. A alta qualidade

da imitação engana os “leigos”, mas é rejeitada pelos profissionais

(veja 2.22 e a observação que Paulo faz a respeito de Timóteo).

O Senhor Jesus empregou a palavra aqui traduzida por

“excelente” (diapherõ), que se refere às coisas que precisam ser “aprovadas”,

quando procurou ensinar os discípulos a confiar em Deus,

em Mateus 6.26. Os lírios do campo são de m uito mais valor

(“excelência”) do que o capim, todos nós concordamos. Mas a

comparação não é esta. “Vocês valem muito mais do que os lírios!”

Deus cuida dos lírios do campo; mas você vale muitas vezes mais

do que os lírios do campo, então os homens são de maior valor que

todas as flores silvestres, os cristãos amorosos irão distinguir o que

realmente tem significado duradouro daquilo que tem boa aparência

na realidade, mas imprescindivelmente destinados à fornalha

(cf. 2Co4.18).

A capacidade e o desejo de fazer esta espécie de escolhas

entre valores e prioridades advém de um conhecimento e perspicácia

dados por Deus, mas prenuncia também o Dia de Cristo. É

claro que nada nos fará ficar envergonhados, se cuidamos em

escolher o caminho excelente (ICo 13.31b). Este versículo (10)

afirma a importância de aprender a distinguir o melhor do medíocre,

“para sermos sinceros e inculpáveis” quando Cristo voltar

e estivermos todos diante do seu tribunal (2Co 5.10).

A palavra “sincero” tem seu significado numa prática comum

do mundo antigo. Os potes de barro eram as vasilhas domésticas

habituais, usadas na cozinha como na sala de jantar. Uma das

indústrias mais movimentadas era a de fazer potes e pratos, porque

eles se quebravam com muita freqüência. Eram fabricados de barro

queimado que, depois de muito cozido e moldado na roda do oleiro,

ia para o forno. Ficavam duros e quebradiços. Quando menino, eu

olhava os oleiros fazendo potes de barro. De vez em quando, esses

potes se rachavam ou ficavam com um buraco. Em vez de jogar

fora o vaso inútil, alguns oleiros sem escrúpulos passavam um pouco

de cera sobre o buraco. Quando alguém o comprava, não percebia

a rachadura a não ser que duvidasse da qualidade do artigo. Nesse

caso, bastava virá-lo para o lado do sol. A cera, sendo apenas opaca,

102 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FIL1PENSES

dava passagem à luz. Portanto, a palavra grega significa “testado

pelo sol”, enquanto que a palavra “sincera” do nosso idioma vem

do latim e quer dizer “sem cera”.

Devemos sempre fazer a pergunta para nós mesmos, e para

nossos filhos, vizinhos e amigos: somos testados pelo sol? Observe

que esse amor transbordante confirma nossa segurança de sermos

um cristão aprovado, testado pelo sol, no Dia do Juízo Final.

O v. 6 expressa a certeza de Paulo de que Deus há de completar

a obra da salvação que ele principiou. Agora a oração do

apóstolo proclama que a confiança de ser aprovado vem da prova

do amor crescente, radicado no conhecimento e percepção. A “sinceridade”,

Paulo (que gostava de usar dois termos paralelos) acrescenta

“inculpáveis”. É a palavra que ele usou quando se defendia perante

os acusadores judeus, incluindo o Governador Félix de Cesaréia:

“Tenho vivido sem ofensa durante toda a vida. M inha consciência

está limpa” (cf. At 24.16). Ora, pode ser perigoso afirmar isso se a

consciência é meramente sua. Muitas de nossas consciências não

nos estão acusando, o que só serve para provar que não estão muito

sensíveis ou bem instruídas. Podemos ser muito bons em autodefesa,

justificando qualquer falha ou pecado de qualquer acusação

interna do coração. É mais importante estar sem acusação na.vida

e na conduta, para que nenhum acusador tenha quaisquer provas

contra você, mesmo depois de examinar a fundo a sua vida.

Como exemplo, vejamos um contador. Ele tem um serviço

interessante, porque o computo de impostos revela muito sobre a

consciência secreta de seus clientes. Eles sabem quanto deviam

pagar de impostos, mas resolvem que não, porque não há forma de

um acusador provar a violação da lei. sua consciência não os preocupa,

visto que eles racionalizam que o governo desperdiça vastas

quantias de dinheiro. Mas o problema é como eles vão se sentir

quando uma auditoria for feita por alguém que possui todas as

provas para condená-lo.

Paulo aguarda o dia do exame para o qual ninguém pode lhe

trazer nenhuma preocupação, mesmo sendo examinados os registros

oficiais e todos os documentos secretos. Para receber um veredito

de isenção de culpa naquele dia, precisamos agora de

consciência pura e sinceridade completa. As duas qualidades —

“testado pelo sol” e “inacusável” (inculpável) no Dia de Jesus Cristo

— resultam de se ter percepção e conhecimento, aliados ao amor

transbordante.

103-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Finalmente, vejamos o versículo 11. Está aqui o tema desta mensagem,

e a sua conclusão. “Cheios do fruto de justiça, que vem através

de Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus”. Estamos acostumados

com o fruto (singular, não plural) do Espírito, que é o amor.

O amor possui todos os atributos de “alegria, paz, paciência,

bondade, misericórdia, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (G1

5.22, 23), como se fossem expressões variadas desse amor. O fruto

de justiça certamente será o mesmo. Assim como o fruto de Gálatas

5 é produzido pelo Espírito que habita no interior, o fruto da justiça

é produzido pela vida de Jesus atuante em nós. A oração que pede

muito amor, firmado em conhecimento e percepção, irá produzir a

capacidade de se distinguir o que há de melhor, a fim de sermos

puros e inculpáveis no Dia do Juízo Final. Mas esta vida, que se

torna cheia do fruto da justiça, vem por Cristo Jesus.

Lourenço da Arábia certa vez levou alguns de seus amigos

árabes a Paris. Queria mostrar-lhes a cidade e impressioná-los. Foi

há tempos, antes que os xeques árabes possuíssem rios de dinheiro

pelas vendas de petróleo. Não conheciam bem as atrações e

comodidades modernas, por isso ele queria dar-lhes este prazer. A

Torre Eifell, os lindos edifícios e pontes, o Arco do Triunfo, nada

disso os deixou atônitos. Muitas vezes, desejamos ver os turistas

interessados, mas nossos visitantes só querem voltar para o hotel, e.

era isso o que acontecia com aqueles amigos. Isso porque o que os

deixou realmente admirados foi a água corrente. Para ter água era

só abrir a torneira. Ali no seu hotel é que estava a maior maravilha

do mundo. Os árabes abriam e fechavam a torneira extasiados diante

do milagre da água a jorrar da parede. Um dia antes de voltarem

para a Arábia, Lourenço ouviu uns sons estranhos no banheiro.

Investigando, encontrou os amigos ali com uma chave inglesa,

tentando desenroscar aquela torneira. Quando indagou o que faziam,

responderam: “Já vimos muita coisa maravilhosa em Paris,

mas nada que se compare com essa torneira. É só abrir, sai água.

Queríamos levar essa invenção tão im portante para a Arábia”.

Lourenço teve de convencê-los de uma verdade muito importante.

Levar uma torneira para a Arábia e enterrá-la em uma parede não

produziría água nenhuma. Não percebiam que havia um cano e

todo um sistema hidráulico para suprir a água desejada. Se os seus

amigos têm o amor que transborda em fruto de justiça, baseado

- 104 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

em sua ligação vital com Jesus Cristo, e as outras realidades alistadas

por Paulo em sua oração, isso deve animá-lo a procurar que Deus

faça o mesmo por você. Mas se você tenta produzir o fruto da justiça

por seus próprios esforços, terá tão pouco êxito quanto os amigos

de Lourenço ao tentar produzir a água, sem cano e sem fonte.

Conclusão

Paulo quer fazer-nos entender que, no final, Deus será louvado e

glorificado pela resposta a essa oração. Seja qual for o resultado

produzido por Cristo em nós em termos de vida justa, inevitavelmente,

Deus será honrado e exaltado. Bondade produzida humanamente

glorifica o homem (cf. Jo 5.44)., mas logo que descobrimos

que dentro de nós “nenhum bem habita”, somos forçados a dirigir-nos

ao nosso Senhor em busca dessa justiça miraculosa que

reflete o louvor e glória de Deus (v. 1 lb). Duvido que muitas orações

tenham esta meta. É freqüente orarmos implorando alívio de

aflições e dores, ou o suprimento daquilo que supomos necessitar

e desejar. Quando somos conscientizados para orar como Paulo

orou, podemos aguardar a conseqüência, m aravilhosam ente

apresentada nesta curta passagem de Filipenses, além de experimentar

a verdade de que Deus tem prazer em dar-nos as coisas que

desejamos, mas não pedimos (Mt 6.33).

A filosofia de vida do cristão (1 .1 2 -2 6 )

12Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as

coisas que me aconteceram têm antes contribuído para

o progresso do evangelho; 13de maneira que as minhas

cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda a

guarda pretoriana e de todos os demais; I4e a maioria dos

irmãos, estimulados no Senhor por m inhas algemas,

ousam falar com mais desassombro a palavra de Deus.

l5Alguns efetivamente proclamam a Cristo por inveja e

porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade; 16estes,

por amor, sabendo que estou incumbido da defesa do

evangelho; 17aqueles, contudo, pregam a Cristo, por

discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação

às minhas cadeias. I8Todavia, que importa? Uma vez que

Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo,

sim, sempre me regozijarei. 19Porque estou certo de que

isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão do Espírito

de Jesus Cristo, me redundará em libertação, 20segundo a

minha ardente expectativa e esperança de que em nada

serei envergonhado; antes, com tôda a ousadia, como

sempre, também agora, será Cristo engrandecido no meu

corpo, quer pela vida, quer pela morte. 21Porquanto, para

mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro. 22Entretanto, se o

viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o

que hei de escolher. 230 ra , de um e outro lado estou

constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo,

o que é incomparavelmente melhor. 24Mas, por vossa causa,

é mais necessário permanecer na carne. 25E, convencido

disto, estou certo de que ficarei, e permanecerei com todos

vós, para o vosso progresso e gozo da fé. 26A fim de que

aumente, quanto a mim, o motivo de vos gloriardes em

Cristo Jesus, pela minha presença de novo convosco.

Introdução

Uma biografia, para valer a pena, tem de contar mais do que os

simples fatos da vida de uma pessoa. Lendo Filipenses, capítulo 1,

versículos 12 a 26, é preciso compreender que há mais do que meros

fatos naquilo que o apóstolo conta. Nestes versículos vemos, primeiramente,

atitudes, um modo de ver, uma maneira de avaliar as

circunstâncias e as pessoas.

Confiamos no Pai, autor dessas palavras preciosas, para que

ele faça brilhar em nossos corações a glória de uma vida que lhe foi

totalmente dedicada, a fim de podermos imitar este seu servo, Paulo,

compreendendo como tornar nossas as suas atitudes e o seu modo

de pensar. Que Deus desafie a nossa vontade enquanto estudamos

a Palavra e abrimos os corações ao ministério do Espírito.

Os versículos 1 a 11, que j á examinamos, revelam como Paulo

agradecia e orava a Deus pelos cristãos de Filipos. Os versículos

12-26, no entanto, são seu testemunho pessoal. Aqui, vemos Paulo

erguendo os olhos para o mundo ao redor, para seu passado, seu

presente e seu futuro. Ele os examina de um certo ponto de vista.

A avaliação correta da vida e até mesmo da pessoa que somos

não depende do que nos aconteceu durante a vida, nem de onde

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

tem os m orado. D epende basicam ente da a titu d e com que

encaramos a nossa vida — nosso passado, presente e futuro. Creio

que foi Elton Trueblood quem disse: “Estou plenamente convencido

de que a humanidade não mudou nem um til. O que tem mudado,

naturalmente, são as circunstâncias que lhe cercam a vida. Mas o

homem é o mesmo. Reage de modo igual; pensa de modo igual;

dadas as mesmas oportunidades, deseja de modo igual; há de cobiçar

as mesmas coisas, como sempre fez”.

Acredito que seja uma observação perspicaz e verdadeira.

Paulo não só nos conta aqui quais eram as circunstâncias em que

se achava, mas também nos mostra como uma pessoa age e reage,

uma vez que colocou Cristo no centro absoluto de sua vida. E.

Stanley Jones denominou-o de “hipótese central de sua Vida”. Se

você faz com que Cristo seja o eixo giratório, o vértice de tudo — a

pessoa para quem todos os aspectos de sua vida são voltados, o alvo

a quem todos os minutos de sua vida consciente apontam, então as

conseqüências, inevitavelmente, aparecerão em sua vida e atitudes,

como aconteceu com Paulo. Comecemos por um exame das

perspectivas múltiplas com que Paulo enxergava suas circunstâncias

e adversários.

Paulo avaliava os seus sofrimentos positivamente

Primeiramente, vejamos com Paulo o seu passado. Nos versículos

12 e 13 encontramos o apóstolo dizendo: “Quero que percebam

que o sofrimento pelo que passei, o meu sofrimento pessoal, não é

nada que deva nos entristecer ou desanimar”. A prisão e as aflições

que sofreu não o fizeram sentir que devia reclamar bem alto e

esperar que os outros tivessem pena dele pelos maus-tratos que

recebera. Sabemos como podemos nos sentir quando alguém nos

trata com injustiça. Acho que Paulo poderia muito bem ter-se

considerado a pessoa mais injustiçada de todo o mundo. Era um

homem que não tinha feito nenhum mal, que dedicara sua vida

somente para servir os outros. Entretanto, estava confinado sob

acusação falsa. Por inveja e ódio diabólicos, planos foram

arquitetados para se livrarem dele; de fato, mais de quarenta homens

chegaram a jurar que se não o pudessem matar, cometeríam o

suicídio com greve de fome (At 23.12-21). Tal foi a intensidade do

ódio dirigido contra a sua pessoa. Estivera preso por dois anos em

Cesaréia (aceitando que Filipenses foi escrito de Roma), pelo

- 1 0 7 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

simples motivo de que ninguém aparecera com dinheiro suficiente

para subornar o governador a fim de que o soltasse.

O tratamento injusto do passado continuava no presente.

Paulo ainda estava preso em Roma porque tinha apelado para César.

Mais dois anos se passariam antes que fosse solto, durante os quais

Paulo pagaria o aluguel da casa que lhe servia de prisão, acorrentado

dia e noite a um guarda pretoriano. Contudo, com o tempo ficou

provado que todas essas coisas que lhe aconteceram no passado,

mesmo os naufrágios, visavam o bem. Vamos para 2Coríntios 11

por um momento, onde se pode ver uma série de experiências às

quais Paulo tinha sobrevivido nos versículos 23 a 28. Diz ele: “Falo

como louco (como fora de mim) — muito mais trabalhamos, muito

mais aprisionamentos, com incontáveis açoites (Paulo diz: “Já

esquecí quantas vezes fui açoitado, todas as cicatrizes praticamente

se uniram”), muitas vezes em perigos de morte. Cinco vezes recebi

das mãos dos judeus os “quarenta açoites menos um ” (sempre

menos um, para que a pessoa não morresse, pois nenhum judeu

queria ser julgado diante de Deus pela morte da pessoa fustigada).

Três vezes apanhei de vara (referindo-se ao modo como os romanos

açoitavam); uma vez fui apedrejado. Três vezes sofri naufrágio; uma

noite e um dia fiquei à deriva no mar; em viagens muitas vezes, em

perigos de rios, em perigos de ladrões e salteadores (tudo, diz Paulo,

contribuiu para o bem)”.

Para esclarecer: se você tem o ponto de vista de Paulo sobre o

que lhe acontece na vida, você já avançou bastante na estrada da

maturidade cristã ou santificação. A santidade não é aquele ideal

religioso elevado, pelo qual a pessoa se torna um religioso solitário

fanático ou um eremita que passa o tempo todo num cubículo,

com as mãos cruzadas e as costas cada vez mais curvadas num arco

santificado. Isso pode ter muito pouco a ver com a santidade que

pode ser descrita como um ponto de vista, uma maneira cristã (de

Cristo) de avaliar o que está acontecendo com você.

Nas palavras de Romanos 8.28, Paulo escreveu o conhecido

“Biotônico Fontoura” do crente, como podemos denominá-lo. O

crente tem a Palavra inviolável e eterna de Deus para assegurar-lhe

que, se realmente ama a Deus e foi chamado para compartilhar de

seu divino propósito, só o bem poderá resultar de todas as circunstâncias

exteriores que afetam a sua vida. É semelhante ao que Isaías

diz: “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai, nós somos o barro, e tu

o nosso oleiro; e todos nós obra das tuas mãos” (Is 64.8). A medida

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

que Paulo observava seu mundo e experimentava tudo que lhe acontecia,

reconheceu o maravilhoso trabalho do oleiro que formava e

moldava a massa flexível e receptiva do seu coração. Ele se regozijava

então nos seus sofrimentos (Cl 1.24), reagindo sempre com atitude

de aceitação positiva e nunca com amargura ou auto-piedade com

relação àquilo que Deus estava fazendo em sua vida.

Olhemos agora, mais uma vez, para o versículo 12: “As coisas

que me acontecem têm antes contribuído para o progresso do

evangelho”. Paulo não disse que gostou de suas circunstâncias. Não

estava dizendo: “Eu estou completamente louco e por isso gosto

desses acontecimentos dolorosos, ruins, pois minha mente não está

funcionando bem”. Porém, o que Paulo afirmou foi o seguinte: “Eu

avalio as coisas más que têm acontecido em minha vida em termos

de como elas contribuem para o bem superior, o que realmente faz

valer a pena e torna o investimento compensador. Esse bem é o

progresso do evangelho”.

No original, a palavra traduzida por “progresso” é um termo

militar que retrata trabalhadores com machetes e machados abrindo

caminho através da mata, a fim de preparar a passagem para o

exército. Era de máxima importância abrir caminho para o exército

avançar. Paulo estaria dizendo assim: “Já estive ali na frente,

sofrendo os ferimentos bem como a oposição do inimigo, mas louvo

a Deus porque o nosso exército está avançando — o evangelho tem

progredido porque o caminho foi aberto. Esta palavra que ele usa

novamente um pouco adiante, fornece uma chave para compreendermos

o entusiasmo de Paulo. No versículo 25, o “progresso” que

Paulo espera ver na igreja filipense se refere ao crescimento deles

na fé e na maturidade espiritual. Aqui ele fala no “progresso do

evangelho” no sentido de o evangelho “se tornar conhecido em toda

a guarda pretoriana” (v. 13).

Antes que a arqueologia nos informasse melhor sobre esta

palavra, pensávamos que o pretório se referisse somente ao palácio

do im perador em Roma ou do governador na capital de uma

província (At 23.35; M t 27.27). Através de algumas inscrições

descobrimos agora que o pretório também pode referir-se à guarda,

que era especialmente os “olhos e ouvidos” do imperador nas

principais cidades em todo o mundo romano. É possível mesmo

que Filipenses tivesse sido escrito em Éfeso porque devem ter havido

componentes da guarda pretoriana para zelar pelos interesses do

imperador ali. Em Roma, a guarda pretoriana se compunha de cerca

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

de nove mil homens, escolhidos dentre a elite das tropas de todo o

império. Não só tinham de ter o porte físico correto — altos, de

ombros largos, fortes — também tinham que ter a lealdade de coração

e ser homens dignos de confiança, mesmo sob pressão. Recebiam

salário duplo, para assegurar que trabalhassem satisfeitos.

Eram responsáveis pela guarda dos prisioneiros do imperador, incluindo

Paulo nesta ocasião.

Imagine um guarda pretoriano sendo algemado com Paulo.

Tinha que dormir ao lado desse homem para garantir que ele não

escapasse. É possível que Paulo nem sempre dormisse bem. Imagine

o guarda ter que escutar a Paulo na escuridão silenciosa da noite. E

Paulo falava sobre Jesus, outro Senhor, outro kúrios, em lugar do

imperador. Mas esse soldado pretoriano estava lá justamente para

proteger a posição ímpar e a autoridade suprema daquele único

imperador através de todo o mundo civilizado. Contudo ali estava

Paulo falando em outro Senhor (kúrios, no grego) cujo nome era

Jesus Cristo. Aqueles guardas militares devem ter saído de perto

dele m eneando a cabeça. Devem ter considerado Paulo um

obcecado, visto que ele falava sobre este Senhor dia e noite. Certamente,

pensavam em quem seria esse Jesus, o que lhe aconteceu,

por que Paulo tinha tanta certeza da sua ressurreição. Naturalmente

teriam aguçado os ouvidos quando Paulo contava do julgamento e

crucificação dele sob Pilatos, um governador romano. Talvez, a

princípio, nada disso lhes fizesse sentido, mas no outro dia teriam

um pouco mais clara desta vez, e assim, um por um, ouviam as

boas novas do evangelho. É possível que não haja lugar mais

propício para proclamar o evangelho do que uma prisão, o público

cativo não podia escapar nem forçár o evangelista a silenciar-se.

Pobres guardas pretorianos! Se não quisessem receber a Cristo como

seu Senhor, deviam então pedir demissão da força. Sem dúvida,

alguns deles se renderam ao kúrios de Paulo.

Além disso, veja o final de Filipenses, onde o texto diz: “Todos

os santos vos saúdam, especialmente os da casa de César” (4.22). Paulo

estava se referindo ao lugar onde estava preso, onde tinha tido o

privilégio de proclamar o evangelho e ver o seu progresso entre

aqueles que estavam algemados com ele, aqui descritos como sendo

da casa do imperador.

Notemos que as algemas a que Paulo se refere são suas

“cadeias, em Cristo, que se tornaram conhecidas de toda a guarda pretoriana

e de todos os demais” — as cadeias são em Cristo e sua prisão é


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

por Cristo, e esta é uma segunda conseqüência dos sofrimentos de

Paulo que ele considera positivamente. Não só os guardas pretorianos

aprendiam sobre Jesus e sobre o evangelho, como também,

ele acrescenta, “todos os demais”: as outras pessoas também ficavam

sabendo disso. O povo em geral não estava separado dos guardas.

Os escravos e a população da cidade estavam logo discutindo sobre

Paulo e suas “boas novas”.

A terceira conseqüência afetava os cristãos de Roma ou Éfeso,

que começavam a falar sobre o Senhor mais ousada e livremente

(v. 14). Além dos guardas que tinham de ouvir a Paulo, além da

difusão das novas pelos guardas e todas as pessoas da casa de César,

os cristãos também começavam a dar testemunho do amor e da

graça salvadora de Deus. Você deve saber, por certo, que a maioria

dos cristãos não testemunha, pelo menos a maior parte do tempo.

Um membro “normal” de uma igreja não percebe que na sua vida

diária deve ser um missionário, considerando a causa missionária

como sua própria missão. Algumas poucas pessoas são assim, mas

não existem muitas. Era o que acontecia na cidade onde Paulo estava

preso. Nesse aspecto, não havia nada de realmente fora do comum

que diferenciasse a igreja de Roma ou Éfeso das nossas igrejas hoje.

M uitos cristãos escolhem um método de dar testem unho que

podemos chamar “método silencioso”. Não dizem nada. Vivem sua

vida cristã tão calma e prazeirosamente quanto possível. E as pessoas

que vivem acima deles, as que moram em baixo ou ao lado deles no

seu prédio de apartamentos nem suspeitam que aqueles cristãos

possam ser estrangeiros, cidadãos de outro país chamado céu (cf.

1.27; 3.20). Como poderíam saber? Entretanto, quando Paulo estava

na prisão por amor ao evangelho, correu a notícia de que esse

homem era diferente; ele não conseguia deixar de anunciar a boa

nova sobre o Salvador.

Em ICoríntios 9, Paulo revela uma parte do segredo sobre a

obrigação que pesava sobre ele e o impulsionava. Ele estava sob

uma maldição, um tipo estranho de maldição, é lógico, porque não

dá para sabermos quem a pronunciava. É possível que fosse Paulo

amaldiçoando a si mesmo. Ele dizia: “Ai de mim se não pregar o

evangelho” (v. 16); quer dizer, que um “ai” (maldição) o alcançaria

no caso de ele deixar de falar sobre Jesus Cristo a todos com quem

estivesse em contato íntimo. Quando aqueles cristãos do primeiro

século viam alguém sofrer pelo evangelho, a consciência de cada

um começava a apertá-lo tanto, a ponto de não conseguir ficar calado

111 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

acerca de Cristo. Não se limitavam a falar a respeito dele, mas como

Paulo faz questão de frisar no v. 14, comunicavam a Palavra de

Deus ousadamente e com desassombro. Antes de Paulo ser preso,

haviam sido derrotados pelo medo de serem presos por promover a

causa de outro Rei. Mas a experiência de Paulo na prisão não lhes

parecia assim tão má. Ele não parecia nada infeliz ou deprimido.

Uma das principais razões para temermos a prisão é, naturalmente,

o medo de ficarmos tristes e detestarmos muito o lugar. Paulo,

porém, parecia prosperar naquela situação. Avaliava as circunstâncias

de um modo tão diferente, que os cristãos estavam chegando

a conclusão: “É, não deve ser tão ruim como eu pensava”. Então se

inflamavam com o fogo ardente do amor pelo Senhor. Em toda

parte, na cidade de Roma ou Éfeso, podia-se encontrar cristãos

que estavam testemunhando sobre o senhorio, a soberania de Jesus

Cristo, ousadamente e com desassombro.

Se alguém fosse avaliar os eventos propriamente ditos que

cercavam o apóstolo, não compreendería a situação. Mas como

Paulo tinha uma atitude que podemos chamar de positiva, otimista,

missionária, isso estimulou o surgimento desse tipo de cristianismo,

primeiro na casa de César e mais tarde através de toda a cidade.

Paulo reagiu diante da oposição

dos cristãos positivamente

Dessa consideração das circunstâncias passadas e presentes de

Paulo, com a interpretação que ele lhes dava, voltamo-nos a uma

apreciação da atitude de Paulo para com uma igreja dividida. As

vezes, não obstante nosso desejo e esforço de evitá-lo, uma igreja

pode dividir-se. Lendo os versículos 15 a 18 podemos observar que

havia uma comunidade cristã dividida na cidade onde Paulo estava

preso. Ele escreve: “Alguns efetivamente proclamam a Cristo por

inveja e porfia”.

Será possível existir isso? Ali alguns cristãos não estavam

pregando a Cristo porque o amavam, mas por rivalidade, por inveja

de Paulo e daqueles que eram a seu favor. Em outras palavras, sua

idéia era que pregar o evangelho fazia parte de um jogo político.

Provavelmente, irritavam-se com a fama e o êxito de Paulo no

progresso do evangelho, e por isso escolhiam ser da oposição e

considerar a Paulo como rival. Se eram legalistas, certamente

criticavam o seu evangelho de salvação pela graça. Podemos

- 112-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILiPENSES

reconstruir seus pensamentos da seguinte forma: “Paulo diz que

você deve receber a Jesus Cristo sem obras e sem a necessidade de

observar a lei, pois a cerimônia e o ritual nada significam para ele.

Veja o que vai acontecer ao cristianismo se as pessoas o seguirem.

Cairá por terra por falta de substância, regras e rituais definidos”.

Essas pessoas não viam nenhum problema em seguir a Cristo. Estes

sim, tinham acertado porque falaram favoravelmente da lei,

como podemos ver em Mateus, mas Paulo parecia ter-se tornado

um antinomiano.

Podemos então entender porque os adversários estavam

transtornados com a maneira em que Paulo avançava, mesmo

estando na prisão. Podemos comparar a situação de Paulo com a de

uma pessoa que está contra o governo, e é colocada na ca'deia por

isso, mas enquanto ela está lá o seu partido cresce. Assim os críticos,

os inimigos de Paulo, decidiram fazer uma campanha contra ele.

Ficamos admirados ao ver que o melhor modo que acharam para

diminuir a Paulo ou vencê-lo, foi pregar o evangelho, tentar converter

mais pessoas do que Paulo convertia.

O desejo de realizar uma cam panha dessa natureza veio

da inveja e rivalidade ou porfia. Há várias palavras aqui para

descrever sua motivação: “por discórdia”, “insinceramente” (v. 17),

“porpretexto” (v. 18). Todos os motivos que tinham para pregar

o evangelho estavam errados, contudo estavam pregando Cristo

(v. 18).

E a reação de Paulo, qual devia ser? Muitos pregadores de

hoje aconselhariam assim: “Paulo, se eu fosse você, acabaria com

essa raça. Colocaria uma propaganda de página inteira na Folha de

Roma e contaria a todo mundo seus defeitos; faria propaganda de

todos os seus pontos negativos; fulano e sicrano são herêges, não

acreditam no evangelho verdadeiro, pregam a Cristo por motivos

falsos”. Mas Paulo não seguiu esse caminho de modo algum. Por

que Paulo não os condenou como carnais? Por que não começou a

pregar contra irmãos tão sem amor, tão críticos, causadores de

dissensões? Por que não apelou à autoridade suprema de sua

apostolicidade? Afinal de contas, ele era o “papa” daquela cidade,

pelo menos na ocasião, porque era o único apóstolo presente alí,

ainda que seu trono fosse provavelmente uma velha esteira no chão

da prisão. Por que não os excomungava a todos de uma vez?

Entretanto não encontramos esse tipo de espírito em Paulo, por

causa de sua atitude missionária positiva e encantadora.

- 1 1 3 -


epístolas da prisão

Vamos parar e examinar por um m inuto uma das expressões

mais admiráveis de Filipenses. Paulo, em uma passagem singular,

mostra sua atitude despreocupada. Uma frase curta revela seu ponto

de vista: “Todavia, que importa?” (v. 18). “Que importa o que acham

de mim contanto que Jesus Cristo esteja sendo pregado? Eu sou

feliz como um pássaro. Ficaria contente em ter todo mundo como

rival, se isso incentivasse mais pessoas a proclamarem a boa nova

de Jesus Cristo. Pensam que estão contra mim, mas na verdade

estão a meu favor. Pensam que vão salgar m inhas feridas, mas

quando a questão é pregar o evangelho, eu não tenho feridas”. Uma

atitude assim só pode ser demonstrada por um cristão maduro.

Quando você não se importa com o que as pessoas pensam ou dizem

sobre você, quando a oposição e os insultos delas não o incomodam

de maneira nenhuma, você chegou então a um ponto que o Dr.

H ans B ürk cham a de “integração” num nível tal que suas

preocupações principais se focalizam em tudo menos em si próprio.

Paulo estava imitando o exemplo de Jesus que demonstrava

uma integração perfeita ao ser falsamente acusado, insultado e

finalmente condenado (cf. lPe 1.18-24). Quando as pessoas eram

invejosas, críticas, insinceras, buscando “suscitar tribulação” às suas

cadeias (v. 17), isso se tornava uma oportunidade para o apóstolo

mostrar sua “Moderação”{AS) a todos. Paulo sabia alegrar-se voluntária

e espontaneamente nas circunstâncias presentes {“me regozijo”

v. 18b) e ter certeza de que qualquer dificuldade futura não haveria

de afetar sua alegria em Cristo (“sim, sempre me regozijarei” v. 18).

E só podia mesmo regozijar-se com o fato de que o nome de Jesus

estava sendo proclamado e o evangelho apresentado.

Paulo encarara 0 futuro positivamente

Vamos observar agora o modo como Paulo encarava o futuro. Tinha

muita confiança em relação ao futuro, embora não soubesse se Deus

0 permitiría sobreviver à crise presente. No passado, muitas vezes

fora colocado diante da morte, e em cada uma dessas ocasiões Deus

0 havia resguardado. Mas, neste trecho de Filipenses, ele abriu o

coração aos leitores, revelando seu pensamento maduro sobre a

m orte em si. A expressão chave de sua avaliação do futuro

encontra-se no v. 21: “Porquanto, para mim o viver é Cristo, e o morrer

é lucro”. Devemos voltar ao cap. 3 onde Paulo apresentou o mesmo

ponto de vista novamente, num testemunho bastante pessoal que

- 1 1 4 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS F1LIPENSES

se encontra no v. 8: “Perdi todas as coisas e as considero como refugo,

para ganhar a Cristo”. Quando Paulo olhou seu futuro tão incerto,

ele desconhecia o número de dias ou meses de sua prisão, não sabia

que sentença lhe dariam quando seu caso fosse julgado, mas sabia

uma coisa: conhecia a Cristo. E porque conhecia a Cristo, para ele

faria muito pouca diferença o ser solto ou decapitado, pois qualquer

dos dois caminhos iria manter sua “hipótese central”, que era a

comunhão continua com seu amado Senhor. Continuaria uma

pessoa bem realizada e alegre, acontecesse o que acontecesse, pois

é assim que se deve enfrentar o futuro. Quando a pessoa tem sua

confiança total no Deus onipotente, nada de ruim pode sobrevir,

porque os eventos e as circunstâncias são controlados por ele. Só

haviam duas opções, e qualquer delas que Deus escolhesse para

Paulo tinha que ser a melhor.

Vamos fazer agora uma paráfrase do versículo 19. “Regozijo-me

— estou feliz da vida mesmo nessa prisão. Primeiramente

sei que suas orações vão trazer-me um suprimento do Espírito de

Jesus Cristo”. E uma frase difícil, esta última. Não sabemos se Paulo

queria dizer: “Serei mais cheio do Espírito”, ou se ele afirma: “O

Espírito Santo vai me dar tudo de que necessito para enfrentar

qualquer provação que terei de enfrentar, a fim de que eu atravesse

sem perder nem um pouco da minha alegria no Senhor”. Além do

mais, esse “suprimento do Espírito” que viria em resposta às orações

dos filipenses redundaria em sua “libertação” ou salvação. Paulo

não tem certeza se será libertado, livrado da morte, mas ele tem

certeza de sua salvação (v. 6). Se ele for solto, será salvação no nível

humano. Se for para a glória, será salvação na dimensão celestial.

A expressão “Minha ardente expectativa” (v. 20) descreve uma

pessoa que aguarda com a mesma emoção e antecipação de uma

criancinha que sabe que vai participar da m elhor experiência

imaginável, quem sabe um piquenique ou uma visita ao zoológico.

Paulo reconhece que o Espírito está operando seu salvamento,

acompanhado pela expectativa e esperança do apóstolo de que em

nada será “envergonhado”. Não que Paulo se envergonharia de

Cristo, mas contemplava a possibilidade de perder sua coragem na

hora crucial. Poderia dizer algo ou agir de alguma maneira que

levasse as pessoas a crer que Jesus Cristo não era real. Se ele estivesse

no banco dos réus durante seu julgamento e o promotor público

lhe pedisse seu depoimento, poderia, por algum motivo, calar-se

ou deixar de dar testemunho claro e destemido em favor de seu

- 115 ••


epístolas da prisão

Senhor. Afinal de contas, Pedro negou seu Mestre, não só uma vez,

mas três vezes. Que vergonha terrível deve ter oprimido o apóstolo

veterano quando confessou seu ato covarde a Paulo. Por isso, Paulo

pede as orações fervorosas de seus amigos de Filipos, para que não

fique envergonhado quando chegar o momento de tomar posição

por Cristo, a fim de que o faça da maneira mais perfeita possível. E

assim continua seu pensamento: “Em nada serei envergonhado; antes,

com toda a ousadia, como sempre, também agora, será Cristo engrandecido

no meu corpo, quer pela vida quer pela morte” (v. 20).

O importante é que aqui se ensina como devemos encarar o

corpo, aquela nossa parte que valorizamos tanto. Sem dúvida alguma,

ele é muito importante. A maior parte do tempo, trabalhamos e

lutamos pelo corpo, para que ele esteja vestido, alimentado, bem

agasalhado debaixo de um teto, aquecido, subimos e descemos as

ruas da cidade como também pagamos bem para transportá-lo aos

lugares mais lindos e confortáveis do mundo. Não se pode negar que

o corpo seja importante. Mas Paulo tinha apreendido na prisão outra

coisa sobre o corpo, que influenciava seu ponto de vista. Ele

descobrira que o mais importante com relação a seu corpo não era

nenhuma das coisas que nos preocupam a maior parte do tempo. A

grande preocupação dele é que seu corpo seja um sacríficio sem

mácula, perfeito, para Jesus Cristo. Se o seu sangue fosse derramado

no altar de mártir e suà cabeça rolasse no pó, não seria nenhuma

tragédia. Antes, sua morte havería de glorificar a Deus de modo maravilhoso.

Através da morte e através de meu corpo sacrificado, afirma

Paulo, Cristo será exaltado. Ora, esta é realmente a coisa mais importante

do mundo, que todo corpo seja um sacríficio na morte ou

na vida (Rm 12.1). .

Mas, e se Deus o deixar viver? Nesse caso, esse corpo terá

que viajar um pouco mais. O apóstolo tinha muita vontade de ver

de novo os filipenses. Se Deus o levasse nessa direção, uma série de

bênçãos viríam a acontecer. Em primeiro lugar, Paulo aguarda um

trabalho frutífero (v. 22), que nesse caso seria o crescimento espiritual

e numérico da igreja em Filipos. Paulo precisa de seu corpo

lá na Macedônia para que isso se realize. Em segundo lugar, ele

diz: “Poderei dar-lhes mais assistência” (v. 24). E em terceiro lugar,

ele tem esperança de estimulá-los no progresso na fé e incrementar

sua alegria em Cristo. A igreja filipense amava muito a Paulo, então

esperava ansiosamente que ele viesse visitá-la e lhe pregasse outra

vez as maravilhosas verdades de Jesus Cristo.

110


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Mas, e se ele morrer? Será lucro para o apóstolo. Cristo será

ganho completamente (cf. 3.7,8). Paulo reconhecia que após a morte

estaria com Cristo. João nos dá a certeza de que seremos como ele

(ljo 3.2). Por fim, Paulo diz que é bem melhor estar na companhia

de Cristo.

Conclusão

Nesse pequeno resumo autobiográfico, temos o retrato de um homem

que tem um ponto de vista cristão integrado sobre a vida e a morte.

Já foi dito, e é verdade, que quem não tem o ponto de vista certo

sobre a morte, não terá também o conceito correto sobre a vida.

E. Stanley Jones nos deixou um exemplo de uma atitude

correta para com a vida e a morte, quando viajava num avião que

sobrevoava o aeroporto de Saint Louis nos Estados Unidos. O

aeroporto estava fechado, e o avião dava voltas por duas horas. Temos

aqui o que o veterano missionário escreveu quando pensou que estava

vivendo os últimos instantes de sua vida: “Estou em paz espiritualmente,

sem tensões, porque creio que a hipótese central de minha

vida está correta. A vida é só uma longa verificação dessa hipótese

central. Esse fato me dá um senso de estabilidade. Estou aqui em

cima, neste avião. Há duas horas o avião dá voltas acima destas nuvens.

Se não aterrisarmos com segurança, gostaria de deixar meu

último testamento para meus amigos e companheiros seguidores de

Cristo. Ei-lo: Existe paz, a perfeita paz, independente de minha

fidelidade ao Soberano. Não tenho pesares ou remorsos sobre o curso

geral de minha vida. A vida com Cristo é a maneira de viver. Nesta

hora, há segurança, há Deus por fundamento, debaixo de todas as

incertezas da existência humana. Portanto, descanso em Deus. Que

ele dê o melhor para todos vocês. Vivendo ou morrendo, eu sou dele,

só dele. Glória. Assinado: E. Stanley Jones”.

Gostaria que você examinasse a hipótese central de sua vida.

Qual é mesmo o centro de sua vida? É Cristo? São os bens materiais?

É alguma posição com que você tem sonhado, talvez a de

chefe de alguma companhia? São notas altas que você está ansioso

por alcançar? Meu caro amigo e irmão em Cristo, só há uma

hipótese central capaz de se provar verdadeira ao longo de toda sua

vida e que o guie com segurança até o fim: é Jesus Cristo como seu

Senhor e Salvador. Se você ainda não o conhece, espero que sua

oração agora seja: “Senhor, salva-me. Dou-lhe minha vida”.

- 117-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Os cidadãos do céu em comunidade (1 .2 7 -2 .4 )

27Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho

de Cristo, para que, ou indo ver-vos, ou estando ausente,

ouça, no tocante a vós outros que estais firmes em um só

espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica;

28e que em nada estais intimidados pelos adversários.

Pois o que é para eles prova evidente de perdição,

é, para vós outros, de salvação, e isto da parte de Deus.

29Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por

Cristo, e não somente de crerdes nele, 30pois tendes o

mesmo combate que vistes em mim e ainda agora ouvis

que é o meu.

2 'Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma

consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se

há entranhados afetos e m isericórdias, 2completai a

m inha alegria de modo que penseis a mesma coisa,

tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o

mesmo sentimento. 3Nada façais por partidarismo, ou

vangloria, mas por humildade, considerando cada um

os outros superiores a si mesmo. 4Não tenha cada um em

vista o que é propriamente seu, senão também cada qual

o que é dos outrós.

Até este ponto (1.27) em Filipenses, Paulo não tinha feito nenhuma

exortação (embora seja fácil notar que há nos versículos anteriores

numerosas exortações implícitas). Mas neste ponto, no v. 27, Paulo

parte para o corpo da epístola: começa a divulgar o verdadeiro

motivo de a estar escrevendo. O novo parágrafo começa com o

imperativo, “Vivei”, como se Paulo quisesse pedir a maior atenção

possível para o que está para dizer. “Acima de tudo” são palavras

que também chamam atenção para uma prioridade. Nos parágrafos

anteriores ele falava sobre si mesmo: Filipenses, em primeiro lugar,

é uma epístola autobiográfica. Mas agora ele deseja que seus amados

leitores dêem atenção especial ao que vai dizer. E quanto a nós,

será que estamos prontos para nos concentrarmos e esperarmos no

Senhor, a fim de receber dele uma mensagem particular através

desta porção importante de sua Palavra?

118


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Cidadãos de Roma e do céu

De início, o apóstolo faz referência à cidadania romana, o que todos

os fílipenses conheciam muito bem. A frase “viver de modo digno”

traduz o original “viver como cidadão digno”. Paulo também estava

consciente de sua posição privilegiada de cidadão rom ano.

Voltemo-nos para Atosl6.20 e 21. Vemos que o povo de Filipos ficou

revoltado com Paulo e Silas por eles perturbarem a paz, sem ao

menos pedir uma autorização. Visto ser Filipos colônia romana e

todos os seus habitantes cidadãos romanos por nascimento, esperavam

que os estrangeiros como Paulo e Silas tratassem o povo com

todo o respeito devido aos que se consideravam conquistadores do

mundo. Então, para sentirmos o sabor da primeira exortação de

Paulo, devemos traduzir a frase como: “Que sejais manifestações”,

ou que “sejais um modelo de cidadãos celestiais”. Parte daí nosso

título para este capítulo. Seus leitores, além de serem romanos,

eram cidadãos do céu habitando um lugar bastante terrestre

chamado Filipos, na Macedônia (que hoje é o norte da Grécia).

O que significa sermos participantes dessa comunidade

celestial, para nós que ainda não habitamos no céu? Se você é nascido

de novo, se você é uma nova criação, e se tem seu nome escrito

no Livro da Vida do Cordeiro, você realmente pertence a uma

família celestial. É assim que a pessoa se torna cidadão do céu na

terra. Portanto, este parágrafo fala sobre estrangeiros num país que

não é seu próprio, entrando em conflito com os valores e cultura

estranhos aos seus.

Como é que se vive a vida celeste na esfera terrestre? Que

tipo de relacionamento comunitário deve-se manter com o povo

celestial aqui, já que você não é o único cidadão do céu que vive na

terra? Qual será sua atitude para com os ataques mentirosos

daqueles que chegam a odiar os estrangeiros e que ficariam felizes

em vê-los voltar à sua pátria no céu? Pense na China onde os

estrangeiros antigamente eram considerados presa, e podiam ser

mortos livremente, onde ouviam por todo o lado o apelido “diabos

estrangeiros”. (Quando eu era criança, na Bolívia, nós os evangélicos,

freqüentemente éramos chamados de “diabos”.) Além do

mais, Paulo tinha algo muito específico a dizer sobre a obrigação

que temos de viver esta vida celestial como comunidade de Cristãos;

para dizei a verdade, ele tem mais a dizer sobre isso de que sobre

outras questões. Vejamos estes pontos pela ordem.

- 119-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Começando, o versículo 27 subentende esta advertência: Que

sua cidadania seja digna do país, terra da qual vocês vêm e do rei

ao qual servem. “Somos embaixadores de Cristo”, Paulo avisa aos

coríntios (2Co 5.20): Ora, se vocês são embaixadores e se são comunidade

composta de forasteiros e peregrinos que pertencem a outra

terra (cf. lPe 1.1,17), como devem viver? Paulo diz: “Ou indo ver

vocês, ou estando ausente, insisto em que fiquem firmes em um só

espírito”. Essa é sua primeira exortação nesta epístola. Apela para

que os filipenses tomem posição e coloquem os pés no chão

firmemente em “um espírito”. Nesta tradução da Bíblia, a palavra

“espírito” está com letra minúscula. Entretanto, como o grego usa

maiúsculas para todas as letras, isto tanto pode se referir ao espírito

humano, como ao Espírito Santo. Parece bem provável que Paulo

se referisse ao Espírito Santo, a fonte de toda a unidade cristã. Em

Efésios, ele diz: “Vocês devem esforçar-se diligentemente, com

entusiasmo, para preservarem a unidade do Espírito no vínculo da

paz” (Ef 4.3). Os cristãos se unem não porque falam uma mesma

língua, nem porque têm a mesma aparência, nem porque são possuidores

da mesma cultura e comem o mesmo tipo de alimento. Pelo

contrário, a única coisa, até onde pude descobrir na Bíblia, que

realmente une os cristãos como comunidade mundial ou local é o

Espírito Santo. Visto que fomos batizados pelo Espírito Santo para

comunhão geral, um único corpo (ICo 12.13), agora temos a obrigação

de manter esta unidade e nos colocarmos juntos diante do

mundo. É impossível imaginar qual seria o tamanho e o calor da

igreja durante os últimos dois mil anos. É fácil supor que em

nenhuma parte do mundo haveria outra coisa a não ser uma comunidade

de cristãos onde poderiamos nos aceitar e apoiar m utuamente,

onde quer que fôssemos. Contudo, porque nós os cristãos

não nos mantivemos unidos no Espírito e porque perm itim os

divisões por questões inúmeras e razões variadas, mesmo quando

afirmamos pertencer a um só Senhor de todos, vivemos indignos

de nossa cidadania celestial comum. Em vez de conservarmos a

unidade do Espírito, temos promovido a fragmentação e o divisionismo

por não concordarmos conjuntamente.

Lutando juntos peta fé

Filipos era uma cidade famosa também por ter recebido o nome de

Filipe, pai de Alexandre, o Grande. Filipe da Macedônia conquistou

- 120 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

a Grécia depois que aprendeu um princípio fundamental de batalha,

transmitido a Alexandre. Descobriu que conservando os soldados

de uma falange bem unidos, treinando-os a se moverem como um

só instrumento de luta, pode-se vencer o inimigo. Primeiro Filipe,

e também depois Alexandre, a quem o pai convenceu, treinavam

as tropas a ficarem bem juntas e a lutarem com menos homens que

os adversários. Alexandre chegou a enfrentar três homens com um,

muitas vezes, e sempre seus exércitos venciam. Ganhou um império

vinte vezes maior que a Grécia, de onde partiu para as conquistas.

Não se permitia nenhuma divisão na hora de se enfrentar o inimigo.

Com seus escudos enormes, os soldados avançavam ombro a ombro,

cortando caminho mesmo através do exército persa. Depois, os

homens de Alexandre se abriam em leque para acabar com o inimigo

dividido.

Paulo mandou esta epístola à igreja de Filipos porque a

desunião tinha prejudicado sua defesa conjunta contra o inimigo

comum. Não sabemos exatamente de onde surgiu a falta de união

que preocupa a Paulo. Mas sabemos que Paulo reconheceu a comunhão

quebrada e admoestou os filipenses, dizendo que para se

vencer esta batalha contra o mundo e contra o inimigo, é preciso

que todos os membros estejam “lutando juntos pela fé evangélica” (v.

27). “Lutar” aqui representa a palavra grega que significa dispensar

todos os esforços na causa, como faz um atleta. Não visualiza uma

pessoa jogando sozinha, nem uma competição entre indivíduos,

como o arremesso de disco ou a disputa de uma corrida individual;

pelo contrário, Paulo visualiza um time, uma equipe, onde cada

jogador ou soldado tem um desempenho, contribuindo para um

esforço solidário, com a única meta de ver o time ou o exército

ganhar para Cristo. Assim, a união dos crentes na luta pela fé no

evangelho há de defender a igreja e promovê-la.

Toda igreja tem muito que aprender sobre como “lutar juntos

pela fé evangélica”. Deus deseja que tomemos consciência de que

se os cristãos vão mesmo ganhar o mundo para Cristo, não vão

fazê-lo por um esforço individual: é necessário um esforço solidário,

de equipe. A batalha que vencerá a Satanás e libertará os escravos

mantidos sob o seu poder há de ocorrer quando tivermos nos unido

em oração, e formado uma sociedade sacrificial com mensagem

penetrante que traga convicção e converta os homens a Cristo

eficientemente. Tanto as nações como as empresas sabem quão

pouco se pode fazer através de indivíduos dispersos. Mas quando

121 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

organizam centenas ou milhares de pessoas num único propósito,

elas de repente se tornam uma força inestimável.

Mão intimidados

Por que o povo de Deus tem causado tão pouco impacto em nosso

mundo? Um motivo importante é sua desunião e individualismo.

Que esta primeira exortação de Paulo aos filipenses nos ensine isso,

convencendo os corações para pormos em prática essa decisão de

nos mantermos unidos no evangelho.

Em segundo lugar, negativamente, Paulo aponta o perigo que

os cristãos enfrentam, no versículo 28. Os cristãos perseguidos

correm o risco de se assustarem ou saírem em debanda quando o

inimigo lhes apresenta qualquer ameaça. Essa expressão faz-nos

imaginar um quadro cheio de cavalos excitáveis, que facilmente

entram em pânico. Há muitos anos atrás, antes dos dias em que as

rodas facilitavam a locomoção, como fazem hoje, meu pai era

missionário na Bolívia e era dono de um cavalo chamado Príncipe,

que o levava às vilas remotas nas altas montanhas dos Andes. Aquele

cavalo era um perigo para qualquer pessoa, exceto meu pai. Só ele

podia aproximar-se do Príncipe, pegá-lo pela rédea e montá-lo

calmamente o dia todo. Conosco, o Príncipe pulava para frente ou

para trás e dava coices, rápido como relâmpago. Não que o Príncipe

tivesse raiva de nós, só tinha medo excessivo. O encorajamento

que Paulo dá é para que não tenhamos medo de coisa alguma.

Qualquer que seja a ameaça com que o inimigo consiga assaltar,

não tema, Cristo é m ais forte. N unca se intim ide diante do

adversário, pois Cristo ganhará a batalha por você.

Os filipenses deviam também lembrar-se que a oposição ao

evangelho, a oposição perseguidora, evidencia claramente o destino

final daqueles que mostraram os crentes (v. 28). Os que tanto

desejam fazer sofrer os cristãos são assinalados pela marca da destruição,

enquanto que os crentes, quando perseguidos, revelam que

são recipientes da salvação, e que isso vem de Deus. Sofrer

perseguição por causa de Jesus Cristo, sem voltar-lhe as costas,

confirma sua fé nele e é um sinal seguro de que você está no seu

caminho para o céu. Normalmente os cristãos que são perseguidos

têm certeza de sua salvação.

Paulo chega ao ponto de declarar que sofrer por Cristo se

constitui num privilégio (v. 29). Aqui a palavra chave é graça, signi­

- 1 2 2 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FIL1PENSES

ficando o favor de Deus. Você sabe que se já sofreu oposição por

causa de sua entrega a Jesus Cristo, então Deus já derramou a sua

graça sobre você? Fazendo comparação com a moral humana, temos

as palavras que Ernest Emingway escreveu: “Quanto à moral, eu sei

que a única coisa moral é aquela que me permite sentir bem depois

que a faço”. Todos concordamos que isso nada tem a ver com o

cristianismo. Ao contrário, se você defende a verdade e o direito por

causa de sua fé em Jesus Cristo, pela graça de Deus é que você tem o

privilégio de fazê-lo. Deus não lhe dá apenas a graça de receber a

salvação, dá-lhe também a graça de sofrer por ele. E mais tarde, no

capítulo 3, Paulo encontra no sofrimento a graça que traz benefício

a toda nossa constituição espiritual e moral (3.10). Então, nós que

temos sofrido muito pouco pela causa de Cristo, caminhando pela

estrada mais fácil possível, deixamos de experimentar algo de grande

importância no cristianismo. E Paulo diz que é pela graça de Deus

que lhe é permitido sofrer por amor a Cristo.

Portanto, foi assim que Paulo descreveu a maneira pela qual

devem viver os cidadãos celestes. Devem ser unidos. Devem ter

seus pés bem firmados nesta unidade. Devem ser de um só pensamento

enquanto lutam juntos contra seus adversários. E precisam

ser conscientes de que Deus tem sido gracioso para com eles de

duas maneiras: uma, em dar-lhes a promessa do céu; a outra, em

dar-lhes adversários para que batalhem contra eles. Você consegue

imaginar estar treinando futebol ou basquete com um ótimo treinador,

mas sem nunca ter adversários para jogar uma partida a

sério? Não é o que deve acontecer com o cristianismo. Para Paulo,

pelo menos os filipenses são cidadãos celestes que formam um time

para lutar pela vitória por Jesus Cristo. E toda a glória lhe é devida.

Elementos fundamentais na unidade cristã

Agora vamos ao segundo capítulo. Inicialmente, o apóstolo apresenta

quatro atitudes essenciais ou fundamentais necessárias para

se chegar à vitória por Cristo (veja v. 1). A igreja, unida como um

exército m obilizado sobre esses quatro fundam entos, estará

preparada para lutar em prol da boa causa de Cristo e pode esperar

derrotar os inimigos. O primeiro fundamento é “a exortação em

Cristo”, introduzida por “Se há, pois”. O melhor modo de traduzir

esta frase não é com a palavra “se” mas com “visto que”. “Visto que

há a exortação, o encorajamento de Cristo” com que podemos contar,

123 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

a igreja não deve se desanimar na batalha contra o mal. A palavra

grega para encorajamento (paraclêsis) inclui o sentido de exortação,

apelo e estímulo à ação. Jesus deu ao Espírito Santo o nome

“Paracletos”, referindo-se a este ministério de encorajar a igreja

(cf. Jo 14.16,26; 15.26; 16.7). O segundo fundamento se refere à

consolação do amor de Deus, “Visto que há consolação de amor”. E

então Paulo acrescenta, “Visto que há comunhão do Espírito” uma

koinonia ou participação no Espírito, e finalmente, “Visto que há

entranhados afetos e misericórdias”, uma afeição emocional profunda

e uma simpatia, então podemos realizar o que Paulo está pedindo.

Agora vejamos esses fatores essenciais de união para ver como

nos afetam pessoalmente. Primeiro de tudo paraclêsis pode referir-se

à pessoa que fica junto de você para observar suas ações e fortalecer

sua decisão. Como professor que observa o principiante que escreve

as respostas na prova, ele avalia o cristão durante o seu progresso.

Podemos imaginar que o professor diga: “E, não está bem certo.

Você está chegando lá. Tente de novo. Não desanime”. Nosso Senhor

tanto nos encoraja como nos corrige. Enquanto observa como você

está tomando as decisões e lidando com crises, ele também o está

ajudando a melhorar durante todo o percurso.

Jesus Cristo assegurou aos discípulos, “Eis que estou convosco

todos os dias até a consumação do século” (Mt 28.20) para que ele

pudesse atuar como o “paracleto” da igreja, assim como faz o Espírito

Santo, animando-nos em Cristo. Ora, nossa vida cristã muitas vezes

é desencorajadora. Alguns de vocês pode ter mais de cem razões

diferentes para estarem desalentados em sua vida de cristão. Talvez,

um dos motivos seja a impressão de terem feito pouco progresso

ultimamente no seu caminhar com Cristo. Quem sabe você tenha

alcançado um certo nível há dez anos atrás, ali se acomodou, e não

consegue despertar o desejo de passar adiante, mais para o alto.

Não está trabalhando mais para a causa de Cristo. Não sente maior

alegria em sua presença, nem faz oração com mais confiança nele

do que antigamente, portanto sente que o alvo de crescer na semelhança

de Cristo está tão longe hoje como há anos atrás. O que se

deve procurar quando se está parado num só nível, desta forma? A

resposta pode ser descoberta no encorajamento de Cristo. Volte-se

para o Salvador, diga-lhe tudo que sente, na avaliação mais honesta

possível; confesse o pecado do comodismo, arrependa-se e peça ao

Senhor: “Agora, ó Senhor, anima-me! Alenta-me pelo teu Espírito,

dá-me o encorajam ento por quaisquer meios que sabes serem

- 124-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

melhores para mim”. Se você acha que sua vida cristã está parada

em um só nível, dedique algum tempo para receber novamente o

encorajamento de Jesus Cristo.

A segunda frase se refere à “consolação de amor”: Creio que

esta pode ser uma parte de uma passagem trinitariana, embora se

omita a palavra “Deus”. A palavra “consolação” tem aqui o valor

de estímulo, de um empurrãozinho por trás. O sentido está bem

ligado ao “encorajamento” que retrata chegar ao lado de alguém e

tomar a mão da pessoa. O amor faz isso: dá ao cristão que sofre de

letargia, um impulso para a frente.

Se Paulo estava pensando na trindade, deixou de usar a

palavra “Deus”, mas pode bem ser que estivesse focalizando o

encorajamento de Cristo, o amor de Deus, e a participação no

Espírito. A trindade aparece em várias passagens do Novo Testamento

em ordens diversas. Portanto, acredito que é o amor de Deus

que deve ser o nosso incentivo.

Foi esse mesmo amor divino que motivou a humilhação de

Cristo, como veremos nos v. 5-8 a seguir. Foi o amor de Deus por

nós que, tão intenso, fez com que ele desse seu Filho para morrer

por nós a fim de que não perecéssemos, mas nos deleitássemos

eternamente na glória de sua presença. Por causa do amor de Deus,

somos levados a cultuá-lo, honrá-lo e servi-lo incessantemente. Tão

grande assim é o incentivo do amor de Deus concretizado no

Calvário, que também nos impulsiona à frente, para sermos recebidos

em seus braços acolhedores. Foi amor dessa natureza que

acolheu o filho pródigo quando o pai o abraçou e o beijou, dizendo:

“Você estava perdido mas agora foi achado. Que alegria tê-lo de

volta”. É um incentivo dessa natureza que foi criado pelo amor de

Deus. Que seu infinito amor por você possa motivá-lo a chegar-se

aos seus braços abertos, se você ainda não voltou para o lar do Pai.

A frase seguinte é a “comunhão do Espírito”. Participar da

comunhão significa sair do individualismo para criar uma vida em

comum. Esse mutualismo é produto da vida do Espírito em nós. É

claro que o Espírito já entrou em comunhão conosco quando

escolheu morar em nós. Porém, somos convidados a dar um passo

à frente ativamente, para viver continuamente com ele, buscando

uma comunhão mais íntima com o Espírito. Lembre-se também

que o Espírito oferece aos homens espirituais o privilégio de ver

coisas que o mundo não pode ver, ouvir coisas que ninguém antes

ouviu (ICo 2.9). Realidades espirituais assim são impossíveis de se

- 125 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

comunicar ao coração que não é regenerado. As pessoas que estão

sendo chamadas à comunhão com o Espírito, participam, ao mesmo

tempo, de um mundo celeste e de um mundo terrestre. E quase

como se você pudesse chegar em sua casa, e afastando-se de todo o

caos e maldade do mundo, alegrar-se na comunhão com Deus como

nosso Pai. É essa participação no Espírito que torna real nossa união

espiritual com Deus. O Espírito Santo nos fornece uma ponte entre

o céu e a terra, para que possamos viver como cidadãos celestiais

(1.27) neste mundo, em comunhão com o Espírito.

E finalmente, Paulo se refere ao elemento essencial de ligação,

algo que nos é muito natural chamado de “entranhados afetos e misericórdias”.

Creio que ele está pensando no amor caloroso que os

filipenses tinham por ele, e no seu próprio afeto pela amada igreja

da Macadônia. Esses cristãos, por causa de seu afeto, com toda

certeza sentiam grande compaixão e se preocupavam por Paulo na

prisão. E este, reciprocamente, tinha grande amor por eles. Depois

de ter apresentado esses quatro fundamentos da unidade cristã,

Paulo começa a exortar a igreja quanto a essa unidade: “Completai a

minha alegria de modo que penseis a mesma coisa”. O apóstolo se preocupava

muito com que os filipenses tivessem um só pensamento,

uma mente unida. Nem a diversidade de instrução, em culturas

diferentes vêm ao caso. A palavra é igual à do versículo 5, que descreve

a mente de Cristo. Uma tradução pouco adequada para o grego

phroneõ seria o termo “atitude”. Um amor em comum e uma apreciação

das mesmas coisas une pessoas diferentes, com origens,

experiências e culturas distintas. Até mesmo uma família póde

apresentar diversidade profunda na personalidade e nos interesses,

mas se cada um dos membros realmente ama aos outros, eles têm

uma só mente. Existe um só pensamento porque sua atitude é sempre

favorável a cada pessoa da família. Cada membro apóia e defende os

outros mutuamente. Assim, portanto, Paulo anima os filipenses a

desenvolverem e demonstrarem tal atitude, uns para com os outros.

O apoio e encorajamento mútuo é de suma importância para que os

cristãos tenham ambiente em que cresçam no Senhor.

Embora alguns de vocês estejam freqüentando uma igreja

há muito tempo, talvez não tenham sentido o apoio mútuo e a preocupação

de uns pelos outros que todo cristão precisa sentir. É uma

falha séria de nossa parte. Paulo utiliza outra palavra nesta passagem

que descreve o relacionamento que se formou entre Jônatas e Davi.

Suas almas “se ligaram”, segundo 1 Samuel 18.1. Isso deve significar


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

que se alguém feria a alma de Jônatas estava machucando também a

alma de Davi. Ou se Davi era abençoado ou encorajado, o mesmo

ocorria com a alma de Jônatas. Paulo usa uma palavra que ele pode

ter criado, um neologismo — “almar-se juntos”— com referência à

espécie de unidade na qual as personalidades se unem em uma só.

Quando isso acontece, há alegria no céu, bem como na prisão de

Paulo. Ele já estava se regozijando no Senhor, mas ter notícia da

unidade espiritual dos filipenses haveria de completar sua alegria

(v. 2, grego “plerosate”, significando “cumprir”, “encher até à borda”).

Em seguida, Paulo estimula os leitores a completarem sua

alegria demonstrando-lhe o “mesmo sentimento” ou “mesmo amor” (v.

2). Você pode perguntar o que vem a ser esse “mesmo amor”. Deve

ser, naturalmente, o mesmo amor que Deus tem. Deus derramou

seu amor em nossos corações através de sua dádiva do Espírito Santo

(Rm 5.5), de maneira que possamos amar pessoas que normalmente

não se importariam conosco em absoluto. Aparentemente nada têm

a contribuir para nós, mas o amor de Deus torna possível os cristãos

reconhecerem nele um irmão de valor infinito. É assim que se

demonstra o mesmo amor que Deus revela. Paulo tinha essa espécie

de amor divino para com os filipenses.

Em terceiro lugar, o apóstolo exorta a igreja a ser ligada em

unidade de alma (gr. sumpsuchoi, “almas juntas”). E em quarto lugar,

ele insiste que aqueles cristãos pensem como um só, para que sejam

unidos no pensamento, no coração e no Espírito (v. 2b).

Conseguindo unidade na igreja

A questão que precisamos examinar agora é: como será que

uma igreja consegue essa unidade? Reconhecemos que não a temos.

Os filipenses não a tinham, por isso Paulo expressou este desejo

profundo por eles. Quero sugerir que, de acordo com o versículo 3,

todos precisamos agir de uma certa m aneira. Todas as ações

precisam ser altruísticas, feitas com a intenção de beneficiar a todos.

Nada deve ser feito por egoísmo. Nosso principal adversário não é

o diabo mas nosso velho ego, interessado em si mesmo. Que vontade

temos de sair por cima, salientar-nos, aparecer! Alegramo-nos com

a unidade, contanto que eu seja um pouco “mais igual” do que os

outros. Alguns de vocês já devem ter lido Revolução dos Bichos de

George Orwell. O problema principal que os animais não podiam

resolver foi o desejo dos porcos de serem “mais iguais” que os

- 1 2 7 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

demais. Ou então, pense em como você se sente quando é desprezado

um pouco, quando você é rebaixado por algum comentário

feito por alguém. Nossa reação reflete aquele velho ego que mais

uma vez está procurando primeira posição. Isto representa a fonte

de todas as divisões e os problemas que temos ao tentarmos viver

juntos em união.

Se podemos eliminar o egoísmo e as rivalidades, bem como a

vangloria (o segundo vocábulo do v. 3), absorvendo a mente de Cristo,

então poderemos com toda a humildade considerar os outros melhores

que nós mesmos. Observemos esta frase tão cuidadosamente

composta. Se você está conseguindo viver de acordo com esta exortação

em particular, você está bem perto do que podemos chamar de

cerne da santidade, e já se achegou ao coração de Deus. Saber ser

humilde é um desafio bastante grande em si. No Novo Testamento,

pela primeira vez na história, ser humilde, no sentido de considerar

os outros melhores do que você mesmo, é valorizado como virtude.

Antes disso, humilhar-se significava rebaixar-se, uma qualidade

desprezada. O orgulho e amor próprio eram virtudes. E ainda hoje,

será que não é o amor próprio que transparece na maioria das pessoas

que se dedicam à política? Isso não explicaria quase toda a propaganda?

Não é ele que fundam enta qualquer progresso feito no

mundo? Pois não é fácil aceitar uma opinião contrária e dizer: “Você

é melhor. Tome você o melhor lugar e eu fico com a segunda posição”.

“Humilhai-vos na presença de Deus” (Tg4.10) significa uma humildade

ativa, decisiva. Não significa que você deva pensar em si com

complexo de inferioridade. Antes, Paulo se refere a uma maneira de

agir, ou de tratar o próximo. Em lPe 5.6, Deus promete que aqueles

que se humilham debaixo da soberana mão de Deus, descobrirão

que Deus os exaltará no seu tempo certo (Lc 14.11). Pois você descobrirá

que o poder de Deus está fluindo através de sua vida produzindo

estas mesmas características que hão de aumentar a alegria no céu, e

também na terra.

Enquanto que o versículo 3 dá ênfase a uma humildade decisiva

e ativa, o versículo 4 aplica o altruísmo a uma preocupação

positiva pelas necessidades e aspirações de um irmão. Não devemos

procurar o que é vantajoso para nós pessoalmente, mas tentar sempre

olhar qualquer questão relacionando-a ao outro, pensando no

que seria vantajoso para ele, e então agir de acordo. Essa humildade

e altruísmo produzem na igreja condições para que se possa desenvolver

o mesmo pensamento, o mesmo amor, estar de pleno acordo

■ - 128-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

e de mente unida. São as quatro características essenciais para uma

igreja ser um povo santo de Deus num ambiente mundano.

Conclusão

Eis a palavra do Senhor para nós hoje. E agora, como vamos pô-la

em prática? O que vamos resolver? Em Cristo e sua- salvação ele

nos ofereceu a perfeita unidade do céu. Se um de nós receber o

chamado para ir ao lar da glória, há de experimentar a mais perfeita

comunhão pessoal, na mais excelente comunidade possível. Será

muito melhor do que qualquer um de nós pode imaginar. Como

não haverá pecado nem egoísmo, não haverá competição, ou rivalidades

políticas. Não haverá desacordo, todos terão a mesma mente

e o mesmo amor. Deus nos diz nesta passagem: “Olhem, quero que

vivam essa vida celeste aqui na terra o tempo todo. Vivam-na em

casa, com a esposa, e ela com o cabeça da casa. Dêem sempre qualquer

vantagem à outra pessoa. Estejam realmente preocupados com

a outra pessoa em primeiro lugar. Em vez de ser o número um, dê

este lugar ao outro”.

Que prazer há em encontrar a palavra exata na ocasião exata!

E esta ocasião exata, veja bem, é aquela em que, habitualmente,

buscamos a vantagem de nosso irmão ou irmã mesmo quando significa

nossa própria desvantagem. O que importa? Por fim, a vantagem

eterna é a glória de Deus e sua missão de ser embaixador da vida

celeste aqui na terra. Você pode discordar desse tipo de vida

abnegada. Os filósofos e pensadores gregos discordaram. Você só

vai concordar com esta vida quando conhecer Jesus Cristo internamente.

Se você o conhece pessoalmente, se ele entrou em seu

coração e no seu viver, então creio que concorda comigo em que

essas palavras são mesmo celestiais, e vale a pena viver e lutar para

a glória de Deus.

0 centro da história ( 2 .5 - 1 1 )

5Tende em vós o mesmo sentim ento que houve

também em Cristo Jesus, 6pois ele, subsistindo em forma

de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus;

7antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de

servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido

em figura humana, 8a si mesmo se humilhou, tor­


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

nando-se obediente até à morte, e morte de cruz. 9Pelo

que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o

nome que está acima de todo nome, 10para que ao nome

de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo

da terra, ne toda língua confesse que Jesus Cristo

é Senhor, para glória de Deus Pai.

Introdução

Os primeiros quatro versículos do segundo capítulo de Filipenses

foram escritos para incentivar a igreja a viver sua fé cristã sob o

impacto total do ministério da Trindade: o encorajamento de Cristo,

a participação do Espírito, e o amor de Deus. Paulo conclui esse

trecho, dedicado à unidade da igreja filipense, apresentando o

exemplo comovente de Jesus, nosso Senhor, durante seu ministério,

seguido de sua gloriosa exaltação.

Já faz alguns séculos que os pensadores vêm procurando a

chave para a explicação de toda a história. Para alguns homens

como Camus ou Jean Paul Sartre, é óbvio que a história não tem

sentido nenhum. As peças teatrais de Samuel Beckett expressam

esse ponto de vista — que tudo que ocorre, acontece inteiramente

por acaso. E visto que não há sentido na história, não há nenhum

enredo. E como o enredo de um dicionário. Já ouviu contar da

pessoa que parou de ler o dicionário, porque não dava para pegar o

fio da história? Era apenas uma porção de palavras, definições,

idéias desconexas, isoladas. Jean Paul Sartre e os existencialistas

modernos que o acompanham, negam o controle soberano de Deus

sobre a história e m antém uma visão semelhante dos eventos

históricos. Não se descobre neles nenhum propósito interno

relacionador nem um plano mestre, nem sequer algo comparável à

ordem alfabética que se impõe ao dicionário. Essa visão desesperadora

da história contrasta-se com o ponto de vista dos gregos da

antigüidade, tais como Heródoto e outros historiadores que viveram

antes de Cristo. Observavam o cenário que passava, os eventos que

pareciam significativos, e imaginavam ver um traçado, uma configuração.

Não tinham a capacidade de explicar por que aquela

configuração se faz presente na história, mas viam que misteriosamente

ela correlaciona e integra certos eventos em um todo. Para

os gregos, a história era como uma roda que gira. E aquelas nações

afortunadas que estivessem do lado de cima por um tempo, veriam

- 130


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

suas posições invertidas no futuro. A roda da sorte inevitavelmente

retornaria à posição inicial. Seriam assim os choques da história.

Por exemplo, o grande império persa oprimiu a Grécia no século 5

a.C., mas foi subjugado depois por Alexandre, o Grande, que atravessou

o Helesponto para dar à roda da história outro impulso de

180°, colocando a Grécia em cima. Esperava-se que mais tarde a

Grécia experimentaria decadência, e o domínio passaria para outra

potência, como Roma. Os historiadores e os filósofos da história

têm tentado explicar o processo histórico mediante a teoria dos

giros da roda da história, em ciclos.

Nem os escritores bíblicos, nem os cristãos acreditam nisso.

Não concordam com os filósofos existencialistas modernos angustiados

que crêem que não há sentido na história, nem pensam como os

filósofos gregos que crêem que a história seja circular. Antes, a história

tem para eles um significado, por causa da revelação e da profecia de

Deus, um sentido que é como um fio que se estende desde o começo

(criação do homem) até a conclusão predita no livro de Apocalipse. A

história pode ser comparada a uma viagem que se faz, ou um conto

que se conta. Uma estória tem um começo: “era uma vez”, e tem um

final: “viveram felizes para sempre”. Mas o sentido deve ser encontrado

em algum lugar no enredo. Da mesma maneira, o sentido de uma

viagem se encontra na sua finalidade e destino. Só viagens de férias,

sem destino, podem se tornar sem sentido.

0 sentido central da história

A passagem que acabamos de ler, na opinião de alguns estudiosos,

foi originalmente um hino cristão escrito na língua aramaica (a

língua m aterna de Jesus). Quando traduzida de volta para o

aramaico, parece poesia. É fácil de separá-la em estrofes.

Essa pequena divisão de Filipenses capítulo dois, versículos

seis a onze, apresenta-nos o enredo, a trama central da história. É o

ponto explanatório do drama da história. Podemos observar que a

chava da própria trama é a palavra “cruz”. Assim como a cruz tem

bem no seu centro; um ponto onde se cruzam as traves transversal

e vertical, assim também no centro do drama da história, exatamente

no centro, está a cruz de Jesus Cristo.

Do alto da cruz, no Gólgota, Jesus proclamou: “Está consumado,”

está acabado (Jo 19.30). Foi atingido o clímax, e daquele

ponto em diante, todos os eventos iriam contribuir para o desfecho

- 131


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

positivo que Deus propôs desde o princípio para a história que

está se aproximando do fim. O ato final está sendo encerrado.

Espera-se a conclusão com uma explosão de luz e brilho que há de

irromper sobre um mundo descrente e desesperador.

Ora, o mistério da história humana, da qual todos participamos,

explica-se por dois fatores opostos, dos quais estamos todos

cientes. Cada um de nós participa destes dois fatores opostos.

Primeiro, o fator chave do qual todos estamos tão apercebidos: o

egoísmo. Em cem por cento dos divórcios, se fôssemos ouvir a

narração da causa por que Joãozinho e Maria não podem mais viver

juntos, descobririamos que tanto um como o outro não passam de

criaturas egoístas. Se você quiser entender porque o mundo tem

sido arruinado por guerra, assolação, banditismo, pirataria, roubo,

ferimento, luta, injustiça, crítica e ciúme, vai descobrir que a causa

fundamental se explica por esse único fator, pois a característica do

homem decaído é o egocentrismo. Os historiadores escrevem sobre

as guerras da história, porém geralmente não contam por que

Alexandre, o Grande queria conquistar um império, a ponto de

mobilizar seu exército e treiná-lo até que fosse o melhor do mundo.

Não é comum os escritores explicarem porque suas tropas se

dispuseram a arriscar a vida, suportando dificuldades para conquistar

a Pérsia; ou porque os romanos fizeram tantas guerras civis, lutando

com denodo e sacrifícios incríveis, até finalmente dominarem grande

parte do mundo civilizado da época. Toda a bacia do Mediterrâneo

tornou-se um mar romano. Por que será, também, que Hitler uniu a

Alemanha sob ditadura? Havemos de descobrir que a resposta está

nestes elementos universais, o egoísmo e o orgulho.

Mas existe no mundo um fator oposto, que deseja o amor, a

paz, a alegria, a generosidade, a bondade, e todo o fruto do Espírito

(G1 5.22,23). As pessoas que não têm nenhum compromisso com o

cristianismo também estão envolvidos no sustento de orfanatos,

em contribuição para asilos e mil outras causas filantrópicas dignas.

Recebi uma carta, há pouco tempo, escrita por Dr. J. Andrew

Kirk, em Londres. Ele analisava a teologia e a economia, uma tarefa

considerável. Dizia: “Não gosto da economia capitalista, principalmente

do tipo clássico. Por que? Por ser egoísta. Mas não gosto

da marxista, porque também é egoísta”. Onde estará o sistema

econômico que realmente há de controlar o egoísmo e desejar a

prosperidade de todo empreendimento benéfico com o homem

vivendo em paz e com a generosidade humana fluindo como o rio

1 3 2 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Amazonas, inundando as terras? A única maneira para que isto

aconteça é o recebimento, pelo homem, de mente nova ou atitude

nova. Há várias traduções que tomam esta palavra “sentimento”

(gr. phronêma), no versículo 5, como “obter uma nova atitude”. A

falta dessa nova atitude é que nos faz orgulhosos e egoístas. 1J uma

disposição mental, um egocentrismo, onde tudo se interpreta, se

entende e se explica em termos de “eu e meu”. F. B. Meyer chamou-o

de “doença” de proporções epidêmicas, por ser tão predominante,

não somente fora, mas também dentro da igreja. Deu a essa doença

o nome de “Me-ísmo”. E claro que o problema não é recente. Contaminou

os filipenses também. Duvido que qualquer pesquisa médica

tenha encontrado, ou encontrará uma cura para este mal. Você,

com toda a experiência de vida como esposo ou esposa, ou como

educador de seus filhos, já encontrou um antídoto para o “me-ísmo”

ou uma forma de obter essa disposição mental, a mente do próprio

Jesus Cristo? A verdade é que todos reconhecemos que esse é o tipo

de mente que precisamos, porém poucos entre nós, ou mesmo

ninguém, conseguimos adquirir. “Tenham em vocês (ou entre vocês)

a atitude de Cristo Jesus.” (O grego não faz distinção entre as palavras

“em” e “entre”.) Esta disposição de mente controla seu modo

de tratar e de pensar sobre a outra pessoa. Por isso a Escritura ordena

que adquiramos o ponto de vista de Jesus.

Para que aprendam os o sentido desta expressão, Paulo

prossegue nos dizendo o que é essa atitude mental, e ilustra como

isso produz efeito nas ações. Se adquirirmos a atitude de Cristo, ou

a sua maneira de pensar, caminharemos na direção do que a Bíblia

chama de “santificação”. Examinemos o que Paulo escreveu.

Primeiramente, fala de uma verdade básica com respeito à pessoa

de Jesus. E importante, porque a realidade sobre a sua pessoa torna

claro os seus direitos. Ninguém pode ser egoísta se não tiver direitos.

A lei do direito humano individual, adotada pela Constituição

Americana e por outras após a Revolução Francesa, tem

suas raízes históricas no início da democracia britânica com a “Carta

Magna” inglesa; e, antes disso, nas cidades-estados da democracia

grega onde os antigos filósofos ensinavam que todos os cidadãos

possuíam certos direitos inalienáveis. Porém ninguém jamais teve

os tipos de direitos que Jesus tinha. “Pois ele, subsistindo em forma

de Deus”, significa que participou da natureza de Deus, compartilhou

da Deidade plena da Divindade. Ele tinha todos os direitos

imagináveis. E impossível pensar em um só direito divino que Jesus

133-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

não possuísse. É óbvio que ele tinha o direito de ser obedecido.

Possuía o direito de ser respeitado, glorificado e honrado. Tinha

direito à riqueza do universo, pois a criou, como Agente do Pai (Jo

1.3; Cl 1.16; Hb 1.2). Não precisamos aumentar a lista, pois tinha

todos os direitos por causa de sua divindade. Consideremos a frase

do versículo 6, “forma de Deus”. “Forma” é palavra grega, que significa

a realidade contrastada com o desenho ou a figura externa visível.

Não se pode descrever uma pessoa apenas por uma fotografia,

e dizer que lá está tal pessoa. Não. A pessoa está no interior, mas

revela-se externamente. Se quer conhecer alguém, não basta olhar

a pessoa. Antes, considere como é sua personalidade, como se

expressa, e conclua então como ele é na verdade. Jesus Cristo é a

própria expressão de Deus vivida na expressão humana ou encarnada.

Como se afirma em Hebreus, Jesus é a perfeita manifestação

do ser de Deus (1.3).

O apóstolo João fala de Jesus como aquele que “fez a exegese”

de Deus (Jo 1.18). Exegese é uma palavra grega que significa “trazer

para fora’. Então a realidade, ou o ser de Deus, manifestou-se

humana e corporalmente em Jesus Cristo. Ele, sendo Deus, e nesta

forma, incluindo todos seus atributos, todo seu amor, toda sua graça,

todo seu poder, toda sua onipotência, viveu na terra como Jesus.

Entretanto, a questão que estamos examinando é: como era sua

mente? Teria sido uma mente adâmica, se Jesus de Nazaré fosse

apenas humano. Paulo, ou quem quer que tenha escrito este antigo

hino (se for mesmo um hino) deve ter pensado em Adão, de quem

herdamos nossa natureza humana egoísta. Adão também foi criado

à imagem e semelhança, ou mesmo, na forma de Deus.

As palavras “imagem” e “forma” são semelhantes em sentido.

Adão foi criado com muitas das características de Deus; tinha uma

mente inteligente e criativa, tinha o desejo e a capacidade de governar

as pessoas e as coisas. Deus mandou que governasse e dominasse

este mundo. Devia possuir a terra e usá-la, fazendo com que servisse

aos seus interesses e necessidades para a glória de Deus. Adão devia

louvar e agradecer a Deus por isso, embora realm ente fosse

mordomo ou administrador de Deus. E somente uma coisa, de todo

este universo, foi proibida aos nossos primeiros pais. Deus não disse

que não poderíam tocar a árvore do conhecimento do bem e do

mal. Talvez pudessem até cultivá-la. Mas Adão e Eva foram tentados

pelo Diabo. O tentador prometeu que se tornariam “como Deus”

(Geri. 3.5). Adão e Eva, quem sabe, pensaram assim: “Fomos feitos

- 1 3 4 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

como Deus, não fomos? Fomos criados à sua imagem e semelhança,

mas não somos realmente como ele. Existe uma árvore da qual não

temos o direito de comer. Deus está lim itando nossos direitos

humanos, os está sufocando”. E morderam a fruta para que pudessem

ser iguais a Deus, e exercer todos os seus direitos. O homem

tem feito a mesma coisa desde aquele tempo. A primeira meta que

o homem estabeleceu foi igualdade com Deus, supondo que não a

tivesse, e que Deus não lhe dava suficiente atenção em tudo aquilo

que necessitava ou podería apreciar.

Jesus Cristo, porém, não considerou sua igualdade com Deus

como alguma coisa da qual não podería abrir mão. De boa vontade,

desistiu de sua semelhança com Deus, aparente, externa, e assumiu

a forma de um escravo. Assim, o texto diz: “A si mesmo se-esvaziou ”.

A mente de Cristo significa mais do que o modo de pensar de uma

pessoa; é o controle da sua vontade. O Filho de Deus decidiu:

“Deixarei de ser como Deus, visivelmente honrado e servido por

miríades de anjos. Assumirei a forma de vida humana, nascido como

bebê, vivendo na terra”. Ele sabia exatamente como seria, pois era

onisciente. Seu “esvaziar” transformou sua existência da forma de

Deus em simples condição de escravo na terra. Este é o único caso

de total autonegação e sacrifício completo em toda a história. É o

modelo perfeito daquilo que Deus pede a todo homem quando exige

autonegação para que se torne discípulo de Jesus Cristo (Mc 8.34).

O pronome “si” é muito importante aqui, porque esvaziar-se

significa que você não terá mais o maldito egocentrismo em si.

Entregando-se, você deixa de se amar de maneira pecaminosa e

egoísta, e abre a porta para receber a mente de Cristo. Vemos que

em Lucas 9.23-25 e em outros trechos das Escrituras somos advertidos

contra o amor próprio, para nos salvarmos a nós mesmos. Foi

exatamente isso que Jesus demonstrou pelo seu exemplo. Por amor

a nós, ele Se esvaziou, não para Se salvar, mas para que nós fôssemos

salvos. Por Paulo ter empregado o termo “escravo” (doulos),

alguns estudiosos acham que ele pensava no “Servo Sofredor” de

Isaías (ver Is. 53.12). A palavra “esvaziou” (derramou) encontra-se

lá (não há a mesma palavra na Septuaginta, a tradução grega do

AT). O “Servo” mencionado em Isaías 53.12 deveria derramar a

sua alma. E, no Novo Testamento, notamos que as palavras “alma”

e “si” são às vezes equivalentes (conf. Lc 9.23-25 nas traduções

onde se lê “perder a sua alma”). Aqui encontramos uma sugestão

de como obter a mente de Cristo. É quando permitimos à alma, à

- 135-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

sua própria vida representada pelo nosso egoísmo, ser esvaziada

até a morte, até o fim. Paulo chamou alguns cristãos de Corinto de

“homens almados” (traduzido por “naturais”, “carnais”, ICo 2.14,

3.1,3). Você não deseja derramar sua alma para dar lugar a nova

vida do Espírito de Deus? Jesus derramou sua alma completamente

até a morte Jesus convidou as multidões interessadas e curiosas a

lhe seguirem e se tornarem seus discípulos. O que isto compreendia?

Ele explicou que seria negar-se, ou derramar sua alma (Lc 14.26:

“aborrecer a sua própria vida”), tomar a sua cruz, e estar disposto a

morrer por ele (conf. Mt 16.24-26). O discipulado significa aprender

de Cristo, segui-lo, fazer o que ele fazia, escutar, obedecer às suas

palavras (conf. 1 Pedro 2.21). Em conseqüência, você obterá a

atitude de Cristo.

Já vimos que Cristo se “esvaziou” quando veio a esta terra

na forma de escravo. Qual é a forma, ou a realidade interior de um

escravo? Obviamente, não significa apenas sua maneira de agir,

mas diz respeito especialmente ao coração e à alma do escravo.

Quem tem coração de escravo não pode nunca sentir-se insultado

ou magoado quando seus direitos são retirados. Sua alma de escravo

não guarda direito algum, visto que ele já pertence inteiramente a

outra pessoa. Assim, Jesus tinha a “forma” de servo, a consciência

em si de ser um escravo submisso. Recordemos que Jesus foi atormentado

pelos soldados romanos no Lithostrotum (que os turistas

atualmente podem ver em Jerusalém) onde os soldados jogavam

seus jogos com ossos. Em nossa Bíblia é chamado de Pavimento (Jo

19.13), uma descoberta realmente interessante dos arqueólogos.

Enquanto os soldados espancavam Jesus, insistiam para que

apontasse quem lhe batia (embora estivesse vendado), já que na

opinião popular, ele era um mágico. Jesus, com todo seu poder

divino, poderia ter respondido com força suficiente para deter o

desrespeito. Também não lhe seria problema cegar os perseguidores,

como fez Elizeu (2 Reis 6.18-23). Mas, como estamos vendo, tendo

o coração de escravo, ele não podia fazer isso. Sua atitude mental

fê-lo escolher sofrer tais insultos imerecidos. Aceitou prazeirosamente

esse tratamento, e até mesmo pediu ao seu Pai, depois de

pregado na cruz, que aqueles soldados e todos conspiradores da

sua morte pudessem ser perdoados.

Essa é a única atitude mental que pode fazer com que uma

igreja funcione, como o Novo Testamento indica que deve funcionar.

Uma igreja deve ter essa disposição mental, como Templo do

- 136 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Espírito Santo; porém o mundo não pode tê-la. O sistema econômico,

as leis, as constituições que garantem os direitos humanos,

tudo isso é respeitado quando a corrupção humana não se alastra.

Quando alguém se aproveita de outro, este, se puder, chama um

advogado e o leva à justiça. Assim o mundo pensa. “Faço-o pagar

por isto” é a reação típica de quem saiu lesado. No cenário internacional,

se um país estrangeiro ataca, o país atacado revida. A

atitude da mente de Cristo não parece ser muito vantajosa sob

nenhum ponto de vista prático. Contudo, o que Jesus Cristo pensou

e fez é a exata explicação central da história. Pois, quando Cristo

voltar e o pecado for vencido, esse será o princípio pelo qual o

mundo será governado. Deus quer que a igreja, o local geográfico

visível do reino de Cristo, viva agora, sob seu Domínio, a experiência

da abnegação perfeita e completa.

Prossigamos na passagem bíblica. Aprendemos que, Cristo

não somente derramou sua alma, e deliberadamente assumiu a

forma de servo, expressando a realidade interior do seu espírito de

servo com ações positivas, humanas e abnegadas. Decidiu lavar os

pés dos discípulos, e não reagiu vingativamente quando seus direitos

lhe foram tirados. O versículo 7 afirma que ele “tomou-se em semelhança

de homens”. A palavra “semelhança” (gr. homoiõmati) é diferente

de “forma”. E a palavra usada por Paulo em Romanos 6 para

explicar a realidade do batismo. Quando você foi batizado, o foi na

“semelhança” de sua morte. Jesus, o Filho Encarnado, tomou a

semelhança de homem. O que significa isto? Há a semelhança de

uma pessoa numa fotografia. A foto não é a pessoa, mas ao olhá-la,

você a recorda. Felizmente, a faculdade onde eu lecionava preparou

uma lista de nomes com os retratos juntos, de maneira que eu podia

procurar meus alunos ligando nomes aos rostos. A fotografia não é

a pessoa, mas é sua semelhança, suficientemente grande para identificar

o estudante. C.S. Lewis discute essa realidade no seu livro

Peso de glória, no qual diz que a semelhança é real, porque inclui

algumas das características da própria pessoa. Não apenas como o

retrato que lembra meu aluno desconhecido, mas porque a luz e a

substância realmente fazem parte da fotografia e da pessoa real em

carne e osso. Você não pode trocar um pelo outro, porém existe

uma realidade em comum da qual participam a pessoa e a foto. Na

humanidade de Jesus, há uma realidade em comum entre ele e

nós. Embora ele fosse homem perfeito, era distinto de nós. Era

homem, no sentido singular de Deus-homem. Essa referência à

- 1 3 7 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

“semelhança de homem” provavelmente vem de Daniel 7. A visão

de Daniel revelou um pequeno chifre, uma figura no Antigo Testamento

de Antíoco Epifânio, o terrível perseguidor dos judeus de

170 a.C. Daniel viu tronos estabelecidos, e o Ancião de Dias tomou

seu lugar, e sua veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça

eram como a pura lã (Dn 7.9). Daniel continua descrevendo uma

pessoa que se aproxima, “um como o Filho do Homem”. Agora

podemos identificar essa semelhança de homem, no céu, antes da

Encarnação, como sendo Jesus Cristo, o Filho na presença do Pai

eterno. E pode ser essa a referência daquilo que Paulo diz em

Filipenses. Voltando a Daniel 7, lemos sobre o Filho do Homem,

que descerá à terra e sofrerá sob a terrível besta (manifestação de

Satanás). Será esmagado por ela, porém, depois, há de triunfar sobre

ela, e compartilhar sua vitória com os santos do Altíssimo (7.18-22).

Cristo não somente derramou sua alma, como o último Adão, e

cumpriu as profecias do “Servo Sofredor”. Também cumpriu a missão

do Filho do Homem. De boa vontade, deixou-se vencer pela

besta terrível e infernal, na sua obediência à morte. É este o passo

seguinte que Paulo menciona em Filipenses 2.8, a sua humilhação

e obediência. Vimos a importância crucial da humildade no parágrafo

anterior (2.2-4). Aqui podemos observar que se trata do

âmago da mente de Cristo. Sem considerar seus próprios direitos e

dignidade, ele pôde dar atenção plena à vontade de seu Pai, e suas

terríveis exigências por ser o único a levar nosso pecado.

Lembre-se do Getsêmani, onde ele quis esquivar-se do peso

da vontade do Pai. E interessante considerar a frase, “Tornou-se

obediente até a morte”. Em outras palavras, percorreu todo o caminho

até a morte. Todos nós que nos dizemos seguidores de Cristo,

somos obedientes até certo ponto. Todos nossos filhos são obedientes

até certo ponto, e ninguém pode dizer que obedece até a morte. Tal

obediência exigiria o cumprimento de uma simples ordem: “Vá, e

seja crucificado”. O filho, então, realmente iria e seria pregado numa

cruz! Mas saiba que foi isso que Jesus fez. Prezava tanto ao Pai que

chegou até a morte. E que morte! A mais cruel, vergonhosa, a mais

torturada e desumana, a morte de cruz. Sua obediência corresponde,

por outro lado, à desobediência de Adão. Deus, então lhe deu o

direito incontestável de governar e ser Rei sobre tudo que o homem

deveria dominar. E seu governo foi projetado para nos incluir. Nós

somos súditos de seu reino, onde seu governo deve ser manifestado

visivelmente. Essa manifestação deve ser feita num mundo de

- 138-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

contradições, onde Satanás é príncipe (Ef 2.2,3), caracterizado pelo

egoísmo, contudo, ainda com o ideal da generosidade, bondade e

altruísmo, reminiscências da criação original. Os santos, ou cristãos,

são os únicos que tem a possibilidade de viver, na prática, o exercício

do senhorio de Deus neste mundo.

A exaltação de Jesus Cristo

A palavra “portanto” ou “pelo que” de Filipenses 2.9 dá a idéia de

conseqüência, i.e., a exaltação de Jesus Cristo ao receber um nome

acima de todo outro nome. Ele é agora a “pessoa acima” de todo o

universo. Deus decretou que todos devem curvar-se perante ele, e

honrar seu nome, que tem maior dignidade do que qualquer título.

Esse nome é Senhor, ou kúrios. A versão grega do AT que Paulo e a

igreja primitiva tinham usava “Senhor” (kúrios) na tradução do

nome que não se podia mencionar, o nome pessoal de Deus.

Veja Isaías 45.23: “Tenho jurado que ao meu nome todo joelho se

dobrará”, é o sentido. Isso é citado neste texto de Filipenses, referindo-se

a Jesus Cristo, nosso Senhor (v. 10). “Dobrar-se ao nome

de Jesus” é, naturalmente, concordar com os passos descendentes

e humilhantes que ele tomou, para que ele seja exaltado, Senhor

sobre tudo. Compromete a quem se curvar para segui-lo com relação

às atitudes na vida terrena. Ser Cristo o meu Senhor não significa

simplesmente fazer o que ele manda, e evitar qualquer pecado. Não

é esse tipo de senhorio. Pelo contrário, realmente exige, como seu

paralelo aqui na terra, uma atitude, uma disposição mental equivalente

à de Cristo. Tal atitude deve, então, influenciar em tudo a

vida do cristão.

O cristão, ajoelhado perante Jesus Cristo, é a manifestação

exterior da nova natureza, plena do Espírito. O cristão, por definição,

deve ser pessoa caracterizada pela mente de Cristo. Paulo

escreveu esta parte importantíssima de sua epístola aos filipenses

porque passavam por uma época de difíceis relacionamentos. Um

pouco de egoísmo aqui, um tanto de orgulho ali e já estavam nublando

a figura de Cristo no seio da igreja. Embora todos confessassem

que Jesus Cristo era Senhor, para a glória de Deus, os cristãos,

na prática, estavam negando essa confissão.

Isso sugere a questão da glória de Deus. A exaltação de Jesus

Cristo, recebendo o mais sublime de todos os nomes, o ajoelhar de

toda criatura (que só será cumprido quando ele voltar), e a confissão

- 1 3 9 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

de seu senhorio, estão todos juntos para trazer maior glória a Deus,

o Pai. O propósito da vida cristã se centraliza na glória de Deus. O

evento mais glorificante que já aconteceu, foi a morte de Jesus Cristo

no Calvário. E justamente por isso se torna o ponto central de toda

a história. Deus fez com que se tornasse a chave que explica a trama

central de tudo que está acontecendo na história. Através de toda a

eternidade será impossível esquecer a cruz. O reino milenar há de

refletir a luz que jorra da cruz (conf. Ap 5.6,9). A glória de Deus, o

Pai, demonstrada com brilho radiante em seu Filho, em quem muito

se agrada, reflete da cruz. Assim também têm glória refletida da

cruz aqueles que se curvam perante Jesus, e que confessam o seu

nome. Eles têm o privilégio de renunciar a seus próprios direitos,

derramando suas almas e subjugando seu próprio egoísmo com

escolhas conscientes. Só assim podem “carregar cada dia a sua cruz”

(Lc 9.23). Jesus o fez por causa de sua atitude de amor sacrificial

para com seu Pai e para com a humanidade.

Esta passagem afirma, também, que os demônios (“debaixo

da terra”) irão dobrar os seus joelhos diante do Senhor. Não só os

cristão irão se curvar, não só os anjos que servem a Deus no céu. O

versículo 10 se refere a criaturas inteligentes na terra, i.e., os

homens. Então, o versículo fala de seres abaixo da terra, referindo-se

aos poderes demoníacos, no seu ódio rangente e amargurado contra

Jesus. Será que também confessarão a Jesus como Senhor? Certamente,

não irão confessar sua bondade e grandeza de bom grado,

como também não o farão as pessoas da terra que não O conhecem

pessoalmente, e não O receberam como Senhor e Salvador de suas

vidas. Os inimigos pecaminosos de Deus não reconhecerão a Jesus

como Senhor porque o desejam, mas assim mesmo o farão. Lembra-se

quando Jesus chegou perto de um homem possuído por

demônios? Reconheceram-no imediatamente como Senhor (conf.

Mc 5.7). Não puderam calar nem que o quisessem. É por isso que

esse trecho da Bíblia esclarece que há uma decisão a ser feita antes

que venha o juízo. Certamente, quando Cristo voltar, ninguém

deixará de dar a honra devida ao Senhor. Você pode tornar-se

co-herdeiro com Jesus dobrando os joelhos e confessando com o

coração que ele é Senhor (Rm 8.15-17). Se você quiser alegrar-se

com ele, precisa tornar-se como ele, ter a sua mente. Realmente

queremos ser seguidores de Cristo? E impossível ser um seguidor

de longe. O egoísmo e o orgulho nos mantêm longe dele, sem a

atitude de mente que ele deseja formar em nós. Você está disposto

140-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

a entregar-se cedendo a todos seus direitos? Para sermos honestos,

a maioria de nós diria, certamente, que não! Eu não fiz isso nem

podería fazer. Você está absolutamente certo, mas o que é necessário

é desejar fazê-lo, agindo depois sobre esse desejo. Leve a Cristo seu

egoísmo. No batismo, o novo cristão está como que dizendo: Eu

quero morrer para mim mesmo, com Cristo. Entrego-lhe tudo, para

que o Senhor possa colocar em mim seu novo modo de pensar.

Se a tradução correta do versículo 5 for “entre vós” (e não

“em vós”) precisamos entender que a igreja está em vista. Para os

observadores angelicais, e para um mundo incrédulo, tão antagônico

a esse conceito de autonegação, a mente de Cristo, no meio do povo

de Deus, deve mostrar que somos realmente cristãos, dirigidos pela

mente de Cristo, unidos em um corpo no qual todos os membros

servem altruisticamente a todo organismo.

Desenvolvendo a salvação (2 .1 2 -1 8 )

12Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes,

não só na minha presença, porém m uito mais

agora na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação

com temor e tremor; l3porque Deus é quem efetua em

vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa

vontade. 14Fazei tudo sem murmurações nem contendas;

15para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos

de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida

e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no

mundo; 16preservando a palavra da vida, para que, no

dia de Cristo, eu me glorie de que não corrí em vão, nem

me esforcei inutilmente. 17Entretanto, mesmo que seja

eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da

vossa fé, alegro-me e com todos vós me congratulo.

18Assim, vós também, pela mesma razão, alegrai-vos e

congratulai-vos comigo.

Como professor de seminário, muitas vezes sou procurado

para responder a perguntas sobre a Bíblia. Um estudante perplexo,

recentemente, quis saber o seguinte: O que Paulo pensava quando

disse aos filipenses que desenvolvessem a sua própria salvação? A

questão é que, ou vamos bater nosso barco da teologia sem leme

nas areias de Caribde, ou contra a rocha de Cila, usando os termos

- 141


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

da estória de Homero. Há um pequeno estreito que leva àquela

perigosa passagem lendária. E hoje seria aconselhável meditarmos

sobre o paradoxo do nosso esforço humano, em combinação com a

obra onipotente de Deus em nós. Naturalmente, a lógica diz que,

se Deus está operando em nós, como afirma o versículo 13, podemos

descansar e gozar da segurança bendita da salvação oferecida e

realizada totalmente por Deus. Acredito que Professor Moule, há

cerca de cem anos atrás, foi quem escreveu: “Não poderiamos, agora,

entregar-nos inteiramente à reflexão?” Ele quis ilustrar o que se

sente após um trabalho árduo, quando nos recostamos na velha

poltrona, diminuímos a intensidade das luzes e cochilamos. Porque

afinal, estamos no caminho para o céu. Estamos seguros nos braços

eternos. Por que não fazer um relaxamento, um devaneio, se Deus

está operando em nós? Ele fará tudo que precisa ser feito. Meditaríamos,

portanto, com toda a calma, sobre a poesia divina da nossa

salvação!

O conhecido autor alemão, Dietrich Bonhoeffer, impressionou-se

profundamente com esta atitude não bíblica. No livro O

Preço do Discipulado ele usa palavras para chamar nossa atenção

logo no início: “A graça barata é o inimigo mortal da igreja”. A

lógica atrás deste repouso de enlevo espiritual, onde são desnecessários

tanto o esforço como o trabalho, significa uma ameaça perigosa

para a igreja. Hóje, encontramos bem poucos que buscam uma

graça valiosa e preciosa (a graça barata significa graça vendida na

feira de objetos usados, entre vizinhos, onde os preços são bem

pequenos para que se venda logo a mercadoria). Os sacramentos, o

perdão dos pecados, as consolações da religião, são jogadas fora

com preços de saldo. A graça é representada como caixa de tesouro

inesgotável da igreja, da qual Deus distribui de mãos generosas,

sem questionar ou fixar quaisquer limites. A graça é sem preço, a

graça é sem custos; a essência da graça, saibamos, é que a conta foi

paga adiantadamente. E como já está paga, e pode-se receber tudo

gratuitamente, visto que o preço era infinito, e as possibilidades de

usá-la e gastá-la são infinitas, o que seria graça, se não fosse barata?

Muito barata! A graça por preço irrisório significa a graça como

doutrina, como princípio, sistema. Significa o perdão dos pecados

proclamado como verdade genérica e um consentimento intelectual

à idéia é aceito como sendo suficiente para assegurar a remissão

dos pecados. Então acredita-se que a igreja que defende a doutrina

correta da graça, por isto mesmo, tenha parte desta graça. Visto

- 142 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

que nós, evangélicos, pregamos o fato de que Deus já fez tudo, e

que nada podemos fazer para merecer a salvação, estamos propensos

a bater naquela rocha de Cila, onde a graça é oferecida sem nos

custar nada.

A passagem de Filipenses 2 não apóia esse ponto de vista da

“graça barata”. Afirma que, por Deus estar operando em você, você

deve então efetuar a sua salvação. Deve estar envolvido, empenhando

responsavelmente todos os esforços no desenvolvimento,

no cultivo, na elaboração da salvação que já recebeu.

Do outro lado encontra-se a doutrina oposta, declarando que

os homens podem produzir a justiça que agrada a Deus. E o pensamento

logo surge na mente dos evangélicos dedicados: Não temos

sido direitos? Não demos uma grande oferta ao Senhor? E não

estamos servindo a Deus de maneira louvável? Sendo Deus justo,

não podemos contar com ele para recompensar nosso sacrifício com

um pouco de sua honra e glória e com sua salvação? E natural que

os homens decaídos ofereçam a Deus um pouco de esforço próprio

para obter a salvação. E esse é o lado do Caribde, tão perigoso ao

viajante que espera alcançar o céu tal qual a apatia da graça barata

e fácil. Porém existe uma estreita passagem entre estas alternativas

perigosas, que neste trecho fica esclarecida. Repare bem que não

nos cabe efetuarmos a nossa salvação, pois Efésios 2.5-9 torna bem

claro que nossas obras não são aceitáveis a Deus se feitas com o fim

de merecer o perdão de Deus. Se dizemos que estamos salvos, devemos

desenvolver e viver a nossa salvação.

0 desenvolvimento da salvação requer obediência

Consideremos algumas das maneiras pelas quais esta passagem diz

que devemos desenvolver uma salvação obediente. Tudo começa

com a expressão “Assim, pois”. Este “assim, pois”, ou no original

grego, “de maneira que,” refere-se à obediência de Cristo em 2.5-8.

Jesus Cristo, sendo ele próprio iguala Deus, não viu nisto um privilégio

ao qual devesse se agarrar (como Adão tentou fazer). Antes,

tomou sobre si o feitio de homem. Humilhou-se, tornou-se obediente

até a cruz. Ora, o contexto imediato sugere que uma obediência

igual à dele é a exigida para a pessoa “desenvolver a sua

salvação”. Graça facilitada não entra no quadro. Não é suficiente

assinar um cartão de evangelização dizendo que você aceita a Cristo,

nem repetir uma oração preparada. Não é isso que significa a

143-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

salvação no Novo Testamento. A salvação é mais como um contrato

com o qual você concorda, no qual Deus lhe concede as bênçãos da

salvação de graça. Ele concedeu ao crente todos os benefícios da

cruz. Mas enquanto você recebe com uma mão a sua salvação, você

tem de colocar sua mão na dele, e prometer, sem reservas, fazer o

que ele lhe pedir. Não há nenhum outro tipo de salvação nas Escrituras.

Jesus Cristo não é apenas o Salvador do crente, é também o seu

Senhor.

Desenvolva a salvação cem temor

As características desse desenvolvimento da salvação são dignas de

nota. Primeiramente, a salvação deve mesmo ser desenvolvida com

temor e tremor. Quando o apóstolo Paulo foi para Corinto, de início,

não dependeu de palavras bonitas, ou do impacto de seu porte.

Proclamou a sabedoria simples de Deus, que tem sua expressão

suprema na cruz, em Jesus Cristo crucificado, e na salvação gratuita

de Deus por meio da morte de Cristo. Paulo estava desenvolvendo

sua salvação na cidada pagã e corrupta de Corinto. Ele os fez lembrar,

em ICo 2.2-4, que esteve entre eles com as pernas trêmulas,

não de frio, mas pelo simples medo de falhar diante de uma

responsabilidade tão grande. E Paulo dizia: “Ai de mim” se não

pregar esta espécie de evangelho salvador, que deve ser desenvolvido

sempre com temor e tremor. 2Coríntios 7.1 diz que a santidade à

qual Deus dá o selo de aprovação na vida do cristão é a santidade

desenvolvida no temor do Senhor. Provérbios 28.14 apóia esta verdade:

“Feliz o homem constante no temor de Deus”. Não há lugar

para a apatia do sacramentalista que acha que, uma vez batizado,

nada mais precisa fazer senão aguardar o céu enquanto faz o que

bem entende.

Visto que temos essas promessas, uma salvação que nos é

prom etida, purifiquem o-nos de qualquer mancha de corpo e

espírito, e tornemos à santidade perfeita no temor do Senhor. O

indivíduo que tem nome de cristão, mas é convencido, auto-confiante,

sem atitude de respeito e reverência, tendo fé na graça barata,

e nas obras inúteis feitas com vistas à recompensa, poderá ser uma

das pessoas que se desapontarão quando bater à porta do céu,

implorando que o deixem entrar, o Senhor o afastará tristemente:

“Nunca o conheci. Aparte-se de mim, você que pratica a iniquidade”.

(Mt 7.28).

- 144 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS F1L1PENSES

O segundo ponto que se deve notar é que a salvação desenvolvida

é uma obra responsável. Não é uma salvação que seus pais, ou

o pastor de sua igreja, podem fazer por você. Por mais que eu queira

fazer isso por você, não posso. O texto diz: “Desenvolva a sua própria

salvação”. Cada pessoa que confiou em Deus para a salvação, precisa

viver Cristo em sua própria vida. O Senhor precisa estar operando

em você, e revelando sua santidade em você individualmente. O

grego é muito mais incisivo do que o português. O original diz que

se deve desenvolvê-la de tal modo que não haja erosão ao chegarem

as tempestades da vida e soprarem os ventos sobre a “casa” de sua

salvação. Esta salvação é desenvolvida com o aprofundamento das

raízes, com a colocação de alicerces de pedra, tão fortes que nenhum

terremoto possa sacudir ou remover. Esta salvação demonstra sua

natureza definitiva, pois é realizada de uma vez por todas. A mesma

palavra encontra-se em Efésios 6.13: “depois de você ter vencido

tudo,” você mantém-se firme no dia mau. Não é só definitiva e

permanente, como também é algo do qual se presta contas. Considere

a necessidade de uma consciência sensível. A verdadeira salvação

dá aos salvos a preocupação primordial: “Será que Deus se agrada

da maneira que estou vivendo a sua salvação? Visto que ele me deu

seu Filho, e fê-lo ressurgir para compartilhar da sua glória, tendo-o

à sua mão direita, torna-se sumamente importante que ele possa se

agradar do modo em que eu vivo a glória da salvação efetuada por

mim na cruz!” Estaria ele triste comigo? Por este motivo digo que

desta salvação precisamos prestar contas. O apóstolo Paulo escreveu

aos coríntios esta verdade: “Importa que todos nós compareçamos

perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o

bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2Co 5.10).

Mas o cristianismo comum, do dia-a-dia, dá impressão contrária.

Quer seja no mundo comercial, ou na escalada acadêmica

do estudante em busca de formatura, nada existe que não exija

uma responsabilidade de prestação de contas. E inevitável que

alguém verifique se a pessoa fez o que era para fazer. Nosso mundo

não é isento de exames e notas, de folha de balanço no fim do mês

ou do ano. Contudo, no mundo espiritual muitos têm a impressão

de que qualquer coisa é aceitável. Pois eu gostaria de adverti-lo quê

não é isso que as Escrituras ensinam. Dão-nos certeza de que, num

dia próximo qualquer, todos nós havemos de apresentar diante de

Deus aquilo que desenvolvemos. Todos nossos atos, palavras e

pensamentos estarão claramente dispostos diante do Senhor, e ele

- 14S-


epístolas da prisão

avaliará tudo. A nota dada à nossa salvação desenvolvida será de

aprovação ou reprovação. E isto, para mim, explica por que Paulo

prossegue nos exortando com estas palavras: “porque Deus é quem

efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa

vontade”. Podemos estar bem certos que, se Deus não estimulasse

as nossas vontades, nossas ações seriam egoístas. Somente disto é

capaz a nossa natureza decaída e humana, ser egoísta e agir em seu

próprio favor. Mas, à medida que Deus opera em nós, através de

seu Santo Espírito, nossas vontades são dirigidas diferentemente,

não em direção à nossa ambição pessoal, mas na direção de seu

bom propósito (compare Rm 8.28). Deus mesmo, habitando o filho

regenerado, admitindo viver nele, faz com que ele obedeça, e deseje

agradar o seu Mestre. E muito comum nos fazermos de surdos à

operação de Deus em nós, por meio de sua Palavra, que é seu agente,

aplicada pelo Espírito Santo. Podemos ver nos versículos seguintes

que os cristãos podem m urm urar e discutir. Em vez de serem

“inculpáveis e puròs”, podem ser culpáveis e impuros, mesmo sendo

“filhos de Deus” (v. 14). A obra de Deus em nós não é tão determinante

e fatalista que nossas reações às suas operações amorosas

não tenham significado.

Um trabalho obediente

A salvação que recebemos, então, precisa ser desenvolvida. Assim

se tornará uma salvação obediente. Voltemos ao versículo 12, onde

Paulo diz: “Vocês sempre obedeceram na minha presença”. Todos

nós estamos familiarizados com o poder invisível que tem o olhar

de um professor vigiando... ou do chefe que observa como tudo

está sendo feito, para verificar se tudo está em ordem. Quando o

professor ou o chefe saem, então você se relaxa, pode até sair para

tomar um cafezinho mais demorado. A obediência, Paulo diz aos

filipenses, não só é crucial quando estou presente, mas muito mais

quando estou ausente. Algumas das paíabolas de Jesus batem na

mesma tecla. Pouco antes do mestre partir, ele dá aos escravos

talentos com os quais devem trabalhar e investir (Mt 25.14,15).

Antes do mestre viajar, nada acontece, mas logo que sai, começa o

movimento. Assim é na vida cristã. A prova é feita principalmente

na hora em que você está sozinho, nás horas silenciosas, quando

ninguém lhe pressiona, nem o elogia, ou diz o que deve fazer. E

seria fácil concluir que não é preciso prestar contas, visto que o

- 146


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Senhor não lhe está dando nota, nem abono, como prêmio por

qualquer progresso extraordinário.

A motivação para o trabalho

Por último, nosso texto menciona a motivação para desenvolvermos

a nossa salvação. Porque se não houvesse motivação, poderiamos

nos desanimar facilmente. Paulo explica que a razão pela qual você

deve desenvolver a salvação é que Deus está operando em você. Ele

não só está trabalhando em você por meio de um processo ex opera

operato, expressão latina muito usada pela igreja romana para

descrever o poder místico divino, que se diz liberar pelos sacramentos.

Acredita-se que são eficazes sem que a pessoa o'saiba, sem

que se perceba o seu poder espiritual. Porém o versículo 13 contraria

essa posição. Paulo afirma que Deus opera em você “o querer

e o realizar conforme o seu propósito”.

Será que sentiu a dificuldade em se levantar de manhã na

sua casa? Especialmente quando faz frio, e as cobertas estão bem

quentinhas? Alguém enfrenta o frio? Sem demora, o aroma do café

invade o quarto, mas assim mesmo há pessoas que dormem melhor

com o aroma gostoso do café. Causa desânimo. Mas há o fato de

que se tem de responder pelo atraso na escola ou trabalho. Então,

esta frase de sempre, vem quebrar o silêncio: “Filho, é hora de levantar”.

“Filha, acorda, está na hora.” Talvez o filho até reconheça que

não tem nenhuma força de vontade, então, o que se deve fazer? Um

bom chefe de família tem um “mudador de vontades” entre suas

ferramentas mais úteis. E chega o momento de usá-lo. Talvez basta o

pai dizer com firmeza: “Filho, levante-se já!” E acontece. A vontade

letárgica muda, sim. O Senhor eterno também é um Deus modificador

das vontades. Que benção para nós! Freqüentemente essa

mudança da vontade é positiva, na forma de um convite. Vejamos o

Salmo 23, onde a vontade da ovelha é pacificamente orientada para

outra direção, pelo convite do Pastor, que a chama para deliciar-se,

na sua presença, com as águas tranqüilas e o pasto verde saboroso.

Ouça-o dizer: Eu lhe darei toda a alegria e satisfação que você tem

desejado. Eu lhe farei um caminho de rosas, pelo qual você pode

caminhar comigo, e protegê-lo-ei com meu cajado e minha vara.

Em outras ocasiões, como vemos em Hebreus 12, ele fala de

uma mudança da vontade diferente, através da disciplina e da dor.

E ele irá mesmo alterar a sua vontade, se está desenvolvendo a

- 147


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

salvação em você. Esta é a motivação divina que leva os filhos de

Deus a se moverem sempre e a crescerem espiritualmente. Existem

muitas circunstâncias que afetam as nossas vidas, que gostaríamos

m uito de m odificar; e existem m uitas outras coisas que não

desejaríamos m udar nunca. Todas estas circunstâncias e condições

são sinais de sua operação em nós, para moldar-nos de acordo com

o seu prazer e plano.

A maioria de nós conhece bem a diferença que há no brilhante,

ou em outra pedra preciosa, antes e depois de lapidado ou polido. O

processo é longo e doloroso, principalm ente porque as pedras

preciosas são muito duras. Se não fossem, nada valeríam. Teria sido

por isso que Deus escolheu a você e a mim, teimosos como somos,

querendo fazer nossa própria vontade, a fim de nos lapidar e nos

polir até que reflitamos a sua beleza divina e a Sua glória (2Co 3.18)?

Quanto mais cheios de vontade própria, mais devemos esperar que a

obra de Deus em nós demore para se efetivar. Quão terrível é o erro

de rebelar-nos contra ele antes de sermos suficientemente polidos

para brilhar por ele, ou tornarmo-nos jóias para sua coroa!

0 resultado da obra de Deus em nós

Os versículos 14 a 18 apresentam alguns resultados da salvação

desenvolvida. O versículo 14 acrescenta que, à medida que Deus

transform a a nossa vontade, e desenvolvemos nossa salvação,

devemos evitar de m urm urar e questionar. A palavra “m urm urar”

descreve uma reação externa. Queremos que os outros ao nosso

redor saibam o quanto estamos sofrendo. A murmuração se expressa

de maneiras interessantes. Pode-se falar na operação que se teve,

ou nas doenças que se tem. Por exemplo, o hipocondríaco é veterano

em chorar por simpatizantes, reclamando das suas doenças

e dores. Mas a reclamação e os murmúrios são contra Deus. Paulo

diz aos filipenses que é importante evitar isso. As provações pelas

quais passam os não devem ser com partilhadas para causar

compaixão. A outra palavra, “contendas”, refere-se à rebelião

intelectual interior que temos, questionando circunstâncias, posicionando-nos

contra as pessoas, mas na realidade colocando-nos

contra Deus. Tentamos provar que Deus está errado e nós certos.

Tentamos nos convencer e também a Deus que mude o que está

fazendo com o fim de moldar a nossa vida. Deus sabe melhor do

que nós qual a disciplina e correção que necessitamos. Duvidar de

- 148-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS F1LIPENSES

suas decisões sábias é realmente uma rebeldia. São as duas palavras

que descrevem a atitude dos israelitas no deserto. Eles estavam

murmurando e contendendo contra o que Deus fazia. Incapazes

de crer nas suas promessas ou de aceitar seu modo de agir com

eles, murmuravam. As mesmas duas palavras descrevem a reação

dos fariseus quando Jesus aceitava os pobres e pecadores na sua

companhia (Lc 15.2). Troquemos pela murmuração e contenda

muita gratidão e louvor, para sermos “irrepreensíveis e sinceros,

filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e

corrupta” (v. 15). Portanto, descobrimos aqui uma verdade importante:

o cristão que desenvolve sua salvação sem murmurações e

contendas, obediente e responsavelmente, motivado por Deus operando

nele, há de produzir um testemunho genuíno de Deus neste

mundo. Este testemunho é tanto interior como exterior. Observemos

estas palavras novamente; “irrepreensíveis” trata de como

viver a vida cristã no mundo. Quando os incrédulos não podem,

com justiça, acusar uma pessoa de pecados e faltas, ela é “irrepreensível”.

Naturalmente, o homem não está sem pecado, mas o

mundo não enxerga falha nenhuma nele.

Certa vez, quando um grupo nosso ia de carro para uma reunião

de ex-alunos de faculdade, ficamos envolvidos em um acidente.

Foi o pior em que já estive, embora pudesse ter sido mais sério ainda,

se houvesse ferimentos graves. A reação de uma das pessoas foi querer

saber o “porquê”. Por que aconteceu? Raramente o Senhor nos dá a

resposta de um “porquê”. A reação que ele procura em nós é sermos

inculpáveis. Nosso comportamento será de aceitação, cuja explicação

lógica dará testemunho à verdade de dizermos que Deus habita em

nós, pelo seu Espírito, ativamente desenvolvendo sua salvação

libertadora. As crises da vida são apenas o campo de batalha onde

Deus nos está moldando à semelhança de Cristo.

Digamos, como ilustração, que um repórter publique no

jornal uma notícia a meu respeito nitidamente falsa. Ele e a história

são completamente repreensíveis. Como me livro dessa culpa? Posso

ir até o repórter para contar-lhe toda a verdade. Mas ele só publicará

o caso verídico mediante um pagamento. Isto é semelhante ao

problema que alguns cristãos enfrentam. O crente pode ser acusado

falsamente porque manifesta uma motivação que o incrédulo não

tem, no comércio, no trabalho, ou em qualquer aspecto de sua vida.

Mas quando as acusações são colocadas à prova para ver se são

verdadeiras, descobre-se que o cristão é irrepreensível, apesar das

- 149


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

mentiras e falsos rumores que têm a finalidade de difam ar ou

demiti-lo.

Consideremos em seguida a palavra “inocente” (sincero) ou

“símplice”, a mesma que Jesus usou para comparar seus seguidores

às aves. Disse aos seus missionários que deveríam ser “prudentes

como as serpentes, porém símplices como pombas”. Não há motivo

para se temer uma pomba, porque este pássaro não é perigoso, o

cristão também não é venenoso. Ele deve ser sábio, prudente, porque

recebeu a sabedoria de Deus (ICo 1.30) e aprendeu com Cristo (Ef

4.20-21). Porém não deve ter malícia ao promover o evangelho ou a

si mesmo. As segundas intenções não valem para pressionar as

pessoas para que aceitem a salvação que Deus lhes oferece. Para o

cristão “símplice”, o fim não justifica os meios ilegais ou indignos

por ele proclamados (2Co 4.5).

Paulo emprega a terceira e última palavra para descrever a

maneira pela qual o cristão precisa viver. Nós devemos ser “inculpáveis”

no meio de “uma geração pervertida e corrupta”. A palavra

“inculpável” é a mesma usada com um ènte com respeito aos

sacrifícios, quando se explicava que um animal precisava ser “sem

defeito” (Êx 12.5; Lv 22.21; Ef 5.27). É com isso que Paulo se preocupa

a esta altura, falando da luz brilhante dos cristãos no mundo

em trevas. Paulo talvez estivesse lembrando dos luzeiros criados

divinamente, que transformam a treva total da meia-noite na beleza

de um céu salpicado de estrelas, com a lua cheia reluzente. E esta a

comparação que Paulo faz aqui. Mas, O que faz lima luz brilhar? E

unicamente quando ela se queima, quando ela se sacrifica. Portanto,

o desenvolvimento de nossa salvação significa iluminar o escuro,

com um brilho que custa caro.

Resplandecendo no mundo, os filipenses irão “preservar” a

palavra da vida (v. 16). A palavra grega original (epechontes) tem

tanto o sentido de “manter alto” como o de “manter firme”. “Manter

firme” sugere segurança, para que não se desfizessem da Palavra.

O outro sentido, de “manter alto”, é o de erguer como se faz com

uma placa ou cartaz de propaganda, para atrair atenção de perto e

de longe. O que eles, e nós, precisamos manter firme e alto é a

mensagem que dá vida aos ouvintes que nela crêem. No Novo Testamento,

a “Palavra., é o evangelho, a boa nova do oferecimento

gratuito da salvação, através da fé em Cristo Jesus. Então, se os

filipenses não deixam cair nem escondem a luz, Paulo poderá alegrar-se,

poderá até mesmo orgulhar-se de que sua carreira apostólica

- 1 50-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

não foi completada em vão. Ele não terá desperdiçado todo aquele

esforço e energia nas viagens e na pregação missionária (v. 16b).

Quando uma igreja, ou mesmo um cristão individualmente, morre

ou abandona a fé, todo o esforço e sacrifício gasto em seu favor resulta

em nada. E essa conclusão infeliz torna-se um motivo de vergonha,

em vez de ser de alegria e orgulho, como o que Paulo aguarda ansiosamente

para o “Dia de Cristo” (v. 16). Este será o dia em que nosso

maravilhoso Senhor e Rei há de voltar, todo o trabalho feito para ele

terá sua avaliação, e tudo que foi digno, terá a recompensa.

Paulo prossegue, no v. 17, considerando a possibilidade de

sua vida inculpável ser sacrificada com derramamento de sangue

sobre o altar da fé dos filipenses. Seria motivo de alegria. Nos sacrifícios

pagãos, depois que o adorador preparava o altar e matava o

animal sacrificial, ele o punha sobre o altar, e preparava-se para

acender o fogo. As vezes o adorador derramava por cima uma libação

de vinho para consagrá-lo. Por isso aqui Paulo diz aos filipenses

que a fé que eles demonstram é o sacrifício. Paulo tinha vivido por

eles, e, em conseqüência, estava consagrando a fé e o serviço deles

ao Senhor. Mas a vida de Paulo, que a qualquer hora podería ser

derramada em martírio, serviría como libação para a fé e a obra

dos filipenses. Se Paulo não tivesse servido a Deus em lugares como

Filipos, Tessalonica, Corinto, e em todo o império romano oriental,

não estaria correndo o risco de seu sangue ser derramado sobre o

altar da fé das igrejas. Portanto, agora, se nossas vidas não são luzes

brilhantes, mas estão ocultas debaixo de qualquer coisa, como um

vasilhame de medida (“alqueire” em Mt 5.15) haverá pouco ou

nenhum perigo de perseguição. Ninguém teria pensado em prender

Paulo, e ameaçá-lo de morte, se sua luz não tivesse aparecido com

tanto brilho no meio da sociedade pervertida e corrupta de sua

época. Deus espera que nossa vida cristã seja obediente, assim como

foi obediente a vida de Cristo, e, portanto, de maneira igualmente

dispendiosa. Seu precioso sangue foi derramado sobre o sacrifício

da cruz. E nós somos convidados a participar de seus sofrimentos,

enquanto desenvolvemos essa salvação (Cl 1.24).. E colocado diante

de nós o mesmo problema da vontade que Jesus Cristo enfrentou

no Getsêmane, quando disse: “Pai, passa de mim este cálice!” Mas

Deus não o retirou. Nós temos o problema idêntico com o mundo.

Podemos reagir ao mundo na mesma medida, culpando, criticando,

murmurando e contendendo. Só que, fazendo isto, seríamos cristãos

desobedientes e repreensíveis.


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Podemos observar, portanto, que esta passagem sugere que

há dois tipos de crentes. Há os cristãos nominais, que aceitaram a

graça barata do evangelho. Afirmam que Cristo morreu por eles,

que ele pagou tudo, não deixando m ais nada para fazerem.

Escolhem viver a vida cristã descansada, apática, sem energias.

Desejam ser da classe de cristãos espectadores, sentados nas arquibancadas,

e não discípulos dedicados, empenhados, que seguem a

Cristo até o Calvário. Diante da televisão, o telespectador não se

envolve ativamente; não há nenhum custo além da mera observação

e apreciação das cenas que se sucedem. Esta passagem sugere que

o único cristão genuíno é aquele que (como Jesus, por aquilo que

sofreu, pois agora ele é o seu Senhor exaltado) desenvolve sua

salvação com temor e tremor. E aquele que permite a Deus mudar

a sua vontade, com alegria. Observe como Paulo convida os

filipenses a compartilharem de sua alegria sacrificial: “Assim, vocês

também, pela mesma razão, alegrem-se e congratulem-se comigo”,

(v. 18).

Deixe seu coração se abrir para contemplar a cruz de Jesus,

e a graça de alto preço do seu sacrifício, o preço de nossa salvação.

Estou certo que verá também o quanto você tem procurado escapar

das implicações difíceis e custosas da cruz dele. Então, como Paulo,

considere sua vida uma libaçâo preparada para ser derramada

alegremente em benéfício da família, dos vizinhos e amigos, à

medida que você desenvolve a sua salvação.

Homens de Deus (2.19 -30)

19Espero, porém , no Senhor Jesus, mandar.-vos

Timóteo, o mais breve possível, a fim de que eu me sinta

animado também, tendo conhecimento da vossa situação.

20Porque a ninguém tenho de igual sentim ento, que

sinceramente cuide dos vossos interesses; 21pois todos eles

buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus.

22E conheceis o seu caráter provado, pois serviu ao evangelho,

junto comigo, como filho ao pai. 23Este, com efeito,

é quem espero enviar, tão logo tenha eu visto a minha

situação. 24E estou persuadido no Senhor de que também

eu mesmo brevemente irei. 25Julguei, todavia, necessário

mandar até vós a Epafrodito, por um lado meu irmão,

cooperador e companheiro de lutas; e, por outro, vosso

- 152 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FIL1PENSES

mensageiro e vosso auxiliar nas minhas necessidades;

26visto que ele tinha saudade de todos vós e estava angustiado

porque ouvistes que adoeceu. 27Com efeito, adoeceu

mortalmente; Deus, porém, se compadeceu dele, e

não somente dele, mas também de mim, para que eu

não tivesse tristeza sobre tristeza. 28Por isso, tanto mais

me apresso em mandá-lo, para que, vendo-o novamente,

vos alegreis, e eu tenha menos tristeza. 29Recebei-o, pois,

no Senhor, com toda a alegria, e honrai sempre a homens

como esse; 30visto que, por causa da obra de Cristo,

chegou ele às portas da morte, e se dispôs a dar a própria

vida, para suprir a vossa carência de socorro para

comigo.

Introdução

Paulo, Timóteo (lTm 6.11) e Epafrodito eram homens de Deus.

Mas como tornar-se homem ou m ulher de Deus?

No Antigo Testamento esta frase representava um profeta

(cf. 1 Sm 2.27, lRs 12.22; 17.18,20.28 etc. e lTm 6.11), isto é, alguém

que falava da parte de Deus. Para ser um embaixador do Rei do

universo, o profeta devia se assemelhar ao seu Senhor em atitudes

e interesses. Onde há hom ens de D eus, deve ser notável a

aproximação da atmosfera divina, um perfume celestial (cf. 2Co

2.15) fácil de detectar e que atrai os que “cheiram” o “aroma de

vida”.

Não estamos longe da verdade ao afirmarmos que um dos temas

principais de Filipenses é o “homem de Deus”. No primeiro parágrafo

desta epístola, deparamos com a comunhão outorgada por

Deus por meio dos irmãos. A cintilante oração paulina (1.9-11),

por causa da profunda saudade que sentiu (v. 8), pedia que o amor

dos seus filhos na fé “aumente mais e mais em pleno conhecimento

e toda a percepção” (v. 9). Paulo sempre fazia súplicas por eles (1.4)

o que nos dá motivo para pensar que o segredo da formação do

homem de Deus deve ser a oração. Se Paulo lembrava dos filipenses

em todas as suas orações, quanto mais de Timóteo, Não seria

fácil conviver com o apóstolo sem orar por ele (Ef 6.19,20). Não se

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

pode negar que homens de Deus são os que são os alvos da oração

de homens de Deus. Se o Espírito de Deus é derramado em resposta

à oração (Lc 11.13), seu amor também transforma o caráter de todos

em que ele habita (Rm 5.5, Ef 5.18, G1 5.22).

Igualm ente im portante é a convivência com homens de

Deus. O desafio de comer, dormir, conversar e observar a vida de

um servo consagrado ao Senhor, deve influenciar profundamente

quem tiver esse privilégio. A própria igreja deve fornecer aos novos

crentes, especialmente aos jovens, um modelo de santidade nos

seus líderes (cf. Hb. 13.7), fornecendo um desafio constante para

que sejam transformados paulatinam ente em homens de Deus

(cf. Cl 1.28).

Paulo expressa no v. 16 deste segundo capítulo, que sabia

exatamente para onde corria. Tinha um destino, para não correr em

vão ou inutilmente, enquanto preservava ou segurava firmemente a

palavra da vida. No cap. 3, declara, “prossigo para o alvo” avançando

para as coisas que diante de mim estão (v. 14,13). Sabemos que ele

cogitava a possibilidade de ser “oferecido como libação sobre o sacrifício

da fé” dos filipenses. Tudo isso mostra a determinação de Paulo

por um lado e o desafio das circunstâncias nas quais Deus o colocara,

por outro lado. Homens de Deus são produzidos também pelos

desafios e se recusam a se desanimar. Creio que quem tem direito a

este elogio de ser homem de Deus deve ser alguém que não vive para

sí, mas para os outros (cf. 2Co 5.14,15). sua vida é derramada para

beneficiar aos outros. Como canal ou aquaduto, a vida do homem de

Deus conduz a graça divina para o coração humano. Muitas vidas

assemelham-se mais a uma torneira fechada do que a um canal entre

Deus e a humanidade sedenta. Sem auto-jactância, Paulo podia

afirmar que, não importando de que maneira sua vida terminasse,

não teria corrido em vão.

Em mensagens anteriores tivemos oportunidade de observar

que a prisão de Paulo, mesmo sendo ele inocente, não foi capaz de

criar ressentimento no apóstolo. Nem os irmãos que, pelo ódio e

ciúme, tentavam suscitar tribulação às cadeias do missionário, foram

capazes de criar mágoa ou aborrecimento ao coração daquele

Homem de Deus (1.15, 18). Como se explica fenômeno tão raro?

As circunstâncias difíceis não criaram barreiras para a sua corrida,

mas apenas pontes para cada vez refletir mais a encarnação da vida

de Cristo na de Paulo (cf. G1 2.20).

- 154 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Timóteo

Além de Paulo, descobrimos neste trecho a breve descrição de um

segundo hom em de Deus. Paulo esperava m andar Tim óteo

brevemente para os filipenses. Assim, teria uma avaliação de

confiança ao receber notícias de volta na sua prisão. Também

Timóteo deveria levar notícias aos filipenses sobre o resultado do

seu processo, a ser brevemente definido (v. 24).

Timóteo significa em grego “quem honra a Deus” ou “alguém

honrado por Deus”. Quem passeia por um cemitério observa os

nomes dos esquecidos, indivíduos do passado longínquo. Nunca

os conhecemos, nem ouvimos falar deles; não sabemos de nada

significante que fizeram. Suas vidas não são detalhadas em biografia

alguma. A história os deixou de lado. Desapareceram como a água

na superfície da areia. Teria sido assim com Timóteo, não fosse os

desafios determinantes da sua vida. Primeiro foi sua avó Lóide,

uma mulher de fé (2Tm 1.5). Certamente ela amou as Escrituras

como a profetiza Ana (Lc 2.36-38), e a mãe de Samuel, também

chamada Ana (ISm 1.2-2.11). Se Timóteo conhecia “desde a infância...

as Sagradas Letras” (2Tm 3.15), concluímos que Lóide e sua

filha Eunice, mãe de Timóteo, o ensinaram. Bendito é o privilégio

de aprender, desde o colo dos pais, o convívio com as verdades

depositadas nas páginas da Bíblia.

O apóstolo declara que não havia ninguém (disponível) com

o sentimento (gr. isopsuchon, lit. “alma igual”) que Timóteo tinha.

Provavelmente só este jovem de alma semelhante ao do apóstolo.

O conhecimento da Lei de Deus e o convívio no lar, com mulheres

consagradas e depois com o seu pai na fé, juntos, fizeram de Timóteo

um jovem de Deus destacado. Facilmente imaginamos as conversas,

ao transcorrer as centenas de quilômetros nas viagens paulinas pela

Ásia Menor e Grécia, em que as passagens bíblicas conhecidas há

anos se transformaram em verdade viva para Timóteo. Quem, a

não ser os próprios discípulos de Jesus, teria tido tão equilibrado e

profundo curso teológico como este jovem companheiro? Por isso,

Paulo o chamou de “amado filho” (2Tm 1.2) e “amado filho fiel”

(ICo 4.17). Aos filipenses revela que “serviu ao evangelho, junto

comigo, como filho ao pai” (2.22). Provavelmente o pai de Timóteo

não era convertido (ou possivelmente tinha morrido) criando assim

uma inevitável separação entre parentes que devem ser os mais

íntimos. Paulo tomou o lugar do pai, trazendo todo o impacto bené­

- 155


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

fico da sua influência piedosa. Na primeira epístola a Timóteo,

Paulo o chama de “verdadeiro filho na fé” (1.2), frisando a qualidade

da relação entre “pai” e “filho”. Timóteo, facilmente influenciado,

se entregou à tutela do mestre. Tornou-se discípulo admirador, filho

co-participante da vida do veterano, tanto que ganhou a sua confiança

total. Muitas são as influências que os mais velhos, experimentados

cristãos têm tido sobre nós. Mas qual deles se responsabilizou

por tornar-nos um “filho genuíno (gnêsios no grego) ou verdadeiro

na fé”?

Sendo Timóteo um filho genuíno, podia com partilhar o

ministério pastoral do apóstolo preso. Sinceramente (gnêsios “genuinam

ente”, “verdadeiram ente”) cuidaria dos interesses dos

irmãos em Filipos (v. 20 b), tendo sido enviado para lá por Paulo.

Por esta razão, Timóteo era incomparável, não havendo outro

companheiro disponível “de igual sentimento” (v. 20 a).

Timóteo viu a Paulo pela primeira vez, pregando em Listra,

depois opondo-se ao culto pagão, oferecido a Paulo e Barnabé, após

a cura do côxo (At 14.8-18). Em seguida, foi apedrejado, arrastado

para fora da cidade e dado por morto (At 16.19), mas depois

levantando-se, deve ter produzido em Timóteo uma fascinação pelo

judeu missionário. Quando Paulo passou por Derbe e Listra na

segunda viagem missionária, os irmãos de Listra e Icônio (distância

de 31 km), “davam bom testemunho dele” (At 16.2). Paulo o convidou

para o acompanhar, tomando assim o lugar de Marcos que

abandonara a equipe missionária no meio da prim eira viagem

(At 13.13; 15.38).

A segunda razão pela qual Paulo enviara a Trimóteo (além

do cuidado pastoral) é precisamente pelo desinteresse que ele tinha

pelo que era dele. Concentrou sua atenção inteiramente no que era

de Cristo (2.21). Marcos virou as costas diante do desafio missionário

de Panfilia e o planalto da Ásia, justamente porque não

buscava o que era de Jesus, mas o que era seu. Por isso, Paulo descreve

a Timóteo como incomparável (v. 20). Não deu prioridade ao

que lhe traria vantagens, mas buscou acima de tudo o que seria

vantajoso ao seu Senhor. Entendemos agora porque os irmãos de

Icônio e Listra deram tão boa recomendação a respeito de Timóteo

(At 16.2). Não foi ao campo com a garantia de sustento mensal da

igreja ou junta missionária da associação de igrejas da região. Não

creio que comeram churrasco todos os dias. Sem dúvida, a característica

mais destacada da vida com Paulo e Silas foi o sacrifício, o

- 156-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

perigo, a perseguição e a fome (cf. 2Co 6.4, 5; 11.22-27). Não creio

que Timóteo se sentiu maltratado por isso. Uma vez que “o que era

de Cristo Jesus” importava mais do que qualquer outra coisa não

há nem sugestão de queixumes.

Em terceiro lugar, Paulo lembra aos filipenses do caráter de

Timóteo. Ele era homem de Deus porque tinha qualidade “provada”

(gr. dokimên, “testado” e “aprovado”, v. 22). Não é muito difícil de

encontrar numa hora de emoção e desafio, quem se apresente como

voluntário para servir a causa do evangelho em terras difíceis,

destituídas de segurança e conforto. Mas depois de servir fielmente,

junto com Paulo, Timóteo ganhou a reputação de um veterano

provado.

A palavra grega dokimên comunicava confiança. Quem duvidava

se uma moeda era realmente feita de prata, a deixava cair

num piso de mármore. Pelo ruído que emitia, podia-se ter a verteza

se era ou não composta de chumbo ou prata. Era dokimên, aprovada

ou rejeitada. Timóteo alcançou aprovação pela maneira que serviu

ao evangelho (douleuõ, ser ou atuar como escravo”). Serviu ao evangelho

como um escravo leal serve a um mestre amado. Entendeu

perfeitamente que espalhar as boas novas da salvação era a preocupação

prioritária de Jesus Cristo (e de Paulo). Timóteo abafou

seus interesses legítimos (casamento, constituição do lar, seguir

sua carreira) para tornar-se “escravo” voluntário de Jesus.

Com o passar dos anos de serviço, sob a observação e discipulado

cuidadosos de Paulo, ganhou a nota dez do mestre que

reconheceu seu “caráter aprovado”. Tempos depois, o apóstolo

escreveu a Timóteo, “procura apresentar-te a Deus, aprovado...”

(2Tm 2.15). Descobrimos que aprovação de Deus não é posição

estática mas uma busca constante. Ainda que Timóteo fosse aprovado

(2.22), precisava buscar sempre essa condição.

Serviu ao evangelho como filho junto ao pai. Humildemente

rebaixou-se, para permitir que o apóstolo tomasse a liderança. Não

encontramos neste símile nenhuma indicação de oposição (como

entre patrão e empregado), mas de cooperação leal e subordinação,

voluntária e alegre. Aliás não encontramos nas epístolas nenhuma

sugestão para sustentar a idéia de que o apóstolo mandava nas vidas

dos companheiros. Se houve uma exceção, foi de Timóteo que se

prontificou a servir ao apóstolo, para assim servir a Cristo. Não

penso que Timóteo era líder destacado. Não penso que o apóstolo o

indicaria para abrir um campo novo onde o evangelho nunca tinha

- 1 5 7 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

sido anunciado. Mas para servir às necessidades de Paulo e da

igreja de Filipos, era o único indicado entre os companheiros do

apóstolo. Qual seria a opinião que Paulo teria formado a nosso

respeito? Ele enviaria qualquer um de nós? Teria percebido a nossa

capacidade de cuidar sinceramente dos interesses dos filipenses

ou dos nossos acima do que é de Cristo? Ganharíamos a reputação

de “aprovados” da parte de Paulo pela maneira que temos servido

humildemente à causa?

Epafrodito

Em terceiro lugar quero dar uma visão de Epafrodito. Este homem

de Deus não é mencionado em outra parte da Bíblia. Não podemos

opinar se era jovem ou mais velho, se se converteu nos primeiros

dias da igreja em Filipos, evangelizada por Paulo, ou se recentemente

se entregara ao Senhor Jesus Cristo. Mesmo sabendo tão

pouco, Paulo focaliza alguns fatos importantes a respeito deste

extraordinário homem.

Primeiro notamos que Paulo o chama de “o irmão”. Baseado

no fato que Paulo distingüe “os irmãos” de “todos os santos” (4.21,

22), alguns estudiosos chegaram à conclusão de que “irmão” servia

de título como hoje usamos “obreiros”. Talvez os “irmãos” receberam

ajuda financeira òu alimentos para poder dar tempo ao trabalho

de evangelizar (cf. 2Ts 3.8-10; Cl 4.6), ou viajar como Epafrodito

fizera.

Sendo, o significado de “irmão” incerto, passeamos para o

termo “cooperador” (gr. sunergon, “quem trabalha junto com outrem”,

v. 25). Através da história a igreja demonstrou a forte tendência

de formar uma hierarquia, os líderes importantes sobem a escada

de honra e autoridade. Creio que Paulo teria julgado esta inclinação

contrária à vontade de Cristo (cf. Lc 22.24-27). Epafrodito não foi

considerado superior, nem inferior a Paulo; mas simplesmente um

trabalhador ao lado de Paulo. Valioso é reconhecer na igreja que

todos trabalham em equipe. Somos sunergoi com Cristo, a cabeça,

Senhor de todos os que cooperam na sua obra. Como formigas que

sem obrigação nem domínio externo (cf. “nicolaítas”, no grego quer

dizer dominadores do povo”, Ap. 2.6) trabalham espontaneamente

em todas as áreas necessitadas: ensino, contribuição, evangelização,

cuidado com os necessitados, trabalho missionário distante etc. De

acordo com o dom recebido, devemos colaborar.

' - 158-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

A terceira palavra no original, usada para caracterizar a

Epafrodito se traduz com a frase “companheiro de lutas” (gr.

sustratiõtês, “soldado companheiro de batalha”, “companheiro de

armas”), Vocábulo bem raro, não temos muitas condições para adivinhar

por que Paulo o designou desta maneira. No v. 30, somos

informados de que Epafrodito “chegou... às portas da morte” e “se

dispôs a dar a própria vida” (gr.paraboleusamenos, “arriscar a vida”,

“apostar a vida”). Creio que se oferecer para transportar a oferta

da igreja de Filipos até Paulo, o que era muitíssimo arriscado, possivelmente

explicaria o uso deste termo por Paulo. A história do Bom

Samaritano que Jesus contou ao advogado (Lc 10.30-37) indica até

que ponto chegava o perigo para quem viajava longas distâncias

sozinho (cf. 2Co 11.26, “em perigos de salteadores”).

Além dessa ameaça universal, E pafrodito enfrentou a

enfermidade, “adoeceu mortalmente” (v. 27). No primeiro século,

o perigo de germes e micróbios, de febres provocadas pelas águas

poluídas, alimentos perigosos, antes das descobertas científicas que

nos capacitam tomar as medidas de precaução, eram freqüentes.

Viajar significava inevitavelmente enfrentar o perigo de doenças

como tifo, cólera, malária e muitas outras doenças, sem qualquer

tratamento eficaz. Paulo reconhece a disposição de Epafrodito em

“apostar sua vida” da mesma maneira que ele costumava fazer. Por

isso, mereceu o título de “companheiro de batalha”, pois o incentivo

foi servir a Cristo, beneficiando o apóstolo.

Epafrodito foi também o apóstolo ou “mensageiro” (gr. apostolos)

da igreja de Filipos (v. 25). Recebeu a comissão de “enviado

oficial” ou “procurador” dos filipenses junto a Paulo. Um apóstolo

para os judeus, “era igual àquele que o enviou”2. Portanto Epafrodito

tornou-se o substituto para a igreja junto a Paulo. Nessa posição

serviu também de “auxiliar nas m inhas necessidades” (v. 25).

“Auxiliar” representa a palavra leitourgon no original. Significa em

serviço ou culto que beneficia o povo. Na Septuaginta ganhou quase

exclusivamente o significado de serviço de sacerdote em prol da

nação.

E difícil saber se em outras passagens Paulo queria comunicar

um sentido mais religioso (ex.: Rm 15.27; 2Co 9.12), ou talvez

menos. Se, como veremos no cap. quatro, a oferta dos filipenses foi

um “sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (4.18 b), por que não

deduziriam os que aqui E pafrodito serve como “sacerdote”

comissionado pela igreja, oferecendo a Deus os donativos dos

- 159-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

irmãos filipenses e suprindo a falta do apóstolo de Cristo (2.30)?

Esta é mais uma passagem que emprega linguagem relacionada ao

culto, e ao serviço sagrado dos membros (cf. Hb. 8.2), especialmente

no ato de suprir uma necessidade no corpo de Cristo. O termo

“serviço” (leitourgia) já foi usado por Paulo para indicar o ministério

sacerdotal que o seu martírio efetuaria (v. 17). Portanto, ambos,

Paulo e os filipenses, por intermédio de Epafrodito, exerciam ministério

sacerdotal.

Epafrodito era um homem sensível. Ao saber que a notícia

de sua grave doença tinha chegado à igreja de Filipos, ficou angustiado

(v. 26). Paulo, igualmente ansioso por causa da aflição dos

filipenses que só receberam a notícia da enfermidade, e não que

Deus o havia levantado (v. 27), depressa mandou Epafrodito de

volta. Naturalmente, levou esta preciosíssima epístola de Paulo aos

filipenses na viagem. Assim, Paulo descansaria (“eu tenho menos

tristeza v. 28”), no conhecimento de que a igreja não continuaria

na angústia em relação a Epafrodito. Timóteo também irá (v. 19)

logo que Paulo puder lhes informar a seu próprio respeito. Paulo,

Timóteo e Epafrodito merecem uma recepção alegre e honrosa (cf.

v. 22,29). Paulo também irá logo que puder (v. 24), tendo confiança

que o Senhor o libertará da prisão e “sentença de morte” (2Co 1.9)

que pairava sobre sua cabeça.

Na apresentação dos três homens de Deus, Paulo, Timóteo e

Epafrodito, descobrimos os traços daqueles que merecem essa

designação. Homens que se desvinculara dos seus próprios valores

para, incansavelmente, buscar os de Cristo e da sua igreja. Estavam

envolvidos no serviço sacerdotal dos irmãos e desta maneira cultuavam

a Deus. Oremos a Deus insistentemente para nos tornar homens

de Deus, levantando-nos no meio da sua igreja, para a sua glória.

Perdendo para ganhar (3 .1-8 )

3 'Quanto ao mais, irmãos meus, alegrai-vos no

Senhor. A mim não me desgosta, e é segurança para vós

outros, que eu escreva as mesmas coisas. 2Acautelai-vos

dos cães! acautelai-vos dos maus obreiros! acautelai-vos

da falsa circuncisão! 3Porque nós é que somos a circuncisão,

nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos

em Cristo Jesus, e não confiamos na carne. 4Bem

que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais:

5Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da

tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei,

fariseu, 6quanto ao zelo, perseguidor da igreja, quanto à

justiça que há na lei, irrepreensível. 7Mas o que para mim

era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. 8Sim,

deveras considero tudo como perda, por causa da

sublim idade do conhecimento de Cristo Jesus, meu

Senhor: por amor do qual, perdi todas as coisas e as considero

como refugo para ganhar a Cristo.

introdução

Uma das coisas estranhas sobre um homem como Paulo é que no

mesmo instante em que está insistindo em que os leitores tenham

alegria, está também furioso.

E não vê nenhuma contradição entre essas duas fortes emoções

contrastantes. E intensa sua hostilidade para com os judaizantes

perseguidores, que o estão seguindo e se infiltrando nas

igrejas que ele fundou (3.2). Mas Paulo diz aos filipenses que devem

alegrar-se (3.1). Há dezesseis referências à palavra “alegria” ou

“regozijo” nesta epístola curta, o que indica a significância

espiritual que a alegria tem para Paulo.

Mas, como estar alegre e furioso ao mesmo tempo? Como se

pode experimentar esta “alegria no Senhor” e a hostilidade juntamente?

E por falar nisso, é possível cometer um erro sério quando

se confunde “alegria” com “felicidade”. Feliz e afortunado são

termos paralelos. Afortunado vem da palavra latina “fortuna” que

tem a ver com situações externas mas que afetam a você pessoalmente.

Poderiamos chamá-la de emoção circunstancial. Se suas

circunstâncias são favoráveis, então sua reação para com elas é

positiva e você fica feliz. Mas alegria é outra coisa bem diferente

porque tem a ver com as profundezas de seu ser. Compare tal estabilidade

com o mar. A poucos quilômetros de profundidade no

oceano, a milhares de metros abaixo da superfície, você descobre

que nenhum efeito é causado por qualquer circunstância que ocorra

na superfície. Nas profundezas a temperatura permanece constante.

Nenhuma tempestade ou bater de ondas perturba o fundo do mar.

Como nas camadas inferiores dos oceanos, é a alegria inspirada

por Deus. Existem coisas surpreendentes na Bíblia, por exemplo,

161 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

na última fala de Jesus com seus discípulos, o Senhor ofereceu-lhes

“Eu lhes dou meu gozo”, mesmo quando estava caminhando para

o Getsêmano. Hebreus menciona isto quando registra que nosso

Senhor chamou-o “da alegria que lhe estava proposta” (12.2).

Suportou a cruz, e até mesmo quando suportava a dor, isso não lhe

afetava quanto à alegria. Só o cristianismo pode oferecer-lhe, meu

amado leitor, uma “alegria” tão incondicional. Nenhum a outra

religião pode falar em alegria como pode o cristianismo. É um dom,

uma dádiva do Espírito Santo. Tem a ver com aquilo que Filipenses

3.3 chama de “adorar a Deus verdadeiramente”. Se você realmente

adora a Deus “por meio do Espírito” (creio que é uma tradução

mais exata do que “no Espírito”), seu coração pode transbordar de

alegria mesmo num campo de concentração. Nas circunstâncias

mais miseráveis e penosas, ainda que você esteja experimentando

uma tristeza profunda pela perda de um ente querido, você ainda

pode se extasiar com a alegria do Senhor, alegria que lhe vem pela

presença do Espírito. A alegria tem direito de estar na lista dos

frutos do Espírito (G1 2.20).

A hostilidade de Paulo

E enquanto Paulo experimenta esta alegria e encoraja os cristãos

em Filipos a “regozijarem-se no Senhor” ele acrescenta: “Acautelai-vos

dos cães”. A palavra “cães”, usada para descrever estes

obreiros maus, é uma forma particularmente judaica de falar. Não

que Paulo sentisse aversão especial pelos animais de estimação que

temos. É que um cão era considerado animal impuro, visto que

não podia ser sacrificado nem comido. Em conseqüência disso,

“cães” tornava-se uma palavra útil para descrever os gentios, aqueles

que não eram incluídos no pacto de Deus. Os gentios eram

“pecadores” (G1 2.15), e excluídos da presença de Deus por causa

de sua imundície cerimonial e religiosa. Portanto, quando Paulo

fala nos adversários farisaicos da salvação gratuita pela graça de

Deus, ele diz: “estas pessoas que se consideram povo verdadeiro de

Deus são realmente “Cães”, são alienados, são gente de fora. Fica

mais claro ainda no versículo 2 quando Paulo os chama de “maus

obreiros”. A razão é que proclamam um evangelho diverso, que

realmente destrói a fé dos gentios que creram. Faz deles, não

candidatos para os céus, mas iludidos, sem alento, a caminho do

inferno. É uma situação que deixa Paulo extremamente infeliz, mas

- 162-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

não sem alegria. Fica furioso, mas não perde o regozijo. Prossegue

descrevendo os falsos mestres como “cortadores”, como diz uma

tradução, “m utiladores”. “Eles se m utilam ” significa que estão

praticando a circuncisão. Não que Paulo se opusesse à circuncisão;

ele próprio circuncidou a Timóteo (Atos 16.3). O que condenava

era dar a este ritual judaico um valor que não podia ter mais,

especialmente no caso dos gentios convertidos. Toda vez que uma

cerimônia religiosa adquire um significado à parte, sem ser o de

engrandecer o valor de Cristo Jesus, há um deslize da natureza

daquele em que incorreram os heréticos judaizantes, que semeavam

mentiras nas igrejas fundadas por Paulo. Na verdade, Filipenses

3.2 precisa ser lido em combinação com toda a epístola aos gálatas.

Basta lembrar o que o apóstolo diz em Gálatas 1.9: “Se alguém lhes

prega evangelho que vá além daquele que receberam apresentando

outra forma de ser salvo, que seja anátema”. Esse alguém era mestre

perigoso, era mesmo um cão devorador. Era pessoa para ser evitada,

excluída da comunhão dos santos.

A verdadeira adoraçã®

Então, Paulo continua com uma afirmação inesperada, no versículo

3: “Nós somos a circuncisão verdadeira”. Há várias passagens na

Bíblia que falam da circuncisão ser “verdadeira”. Aqui há o contraste

subentendido. Se há uma circuncisão verdadeira, deve haver

uma falsa. A circuncisão era o sinal característico do homem judeu,

significando que ele estava incluído nas promessas da aliança de

Deus feitas a Abraão e aos seus descendentes. O pacto fez com que

Israel fosse o povo eleito de Deus. Dois versículos adiante (3.5)

Paulo faz uma lista de seus bens religiosos, e põe a circuncisão

como o primeiro que perdeu a fim de ganhar a Cristo. Pela circuncisão

Paulo estava incluído, segundo acreditavam os judeus, no povo

da aliança de Deus. O sinal externo desse concerto era a circuncisão.

Paulo diz que os representantes da religião judaica não são a

verdadeira circuncisão, mas que são “cães”. Como descrentes na

graça, são de fora e são impuros. Os cristãos se tornaram os

verdadeiros israelitas. Paulo inclui os gentios incorporados em

Cristo pela fé. A igreja de Jesus Cristo se tem tornado o único

herdeiro legítimo das promessas salvadoras de Deus dadas a Abraão.

A circuncisão à qual Paulo se refere em Romanos 2.29, chamada “a

circuncisão do coração”, é a única circuncisão verdadeira. Não é

- 163 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

um rito carnal, mas um coração mudado. E você, leitor, você se

inclui com Paulo e os filipenses nesta circuncisão verdadeira? Já

foi circuncidado de tal m aneira que o arrependim ento e a fé

transformaram seu coração? Sem uma circuncisão desta natureza

não há vida! É esta circuncisão que incorpora em Cristo os pecadores

perdidos. Por isso Paulo a chama de “circuncisão de Cristo” (Cl

2.11). Nele, tanto homens como mulheres foram cincuncidados,

não por mãos, mas no despojamento do corpo da carne na circuncisão

de Cristo. A crucificação de Jesus Cristo é a circuncisão que

Deus colocou à disposição de todos nós. Confiando nele como nosso

Senhor, somos incluídos no povo verdadeiro de Deus, tornandonos

verdadeiros filhos de Abraão e filhos de Sara (veja Rm 4). Em

resumo, somos o verdadeiro Israel de Deus.

Por causa de Abraão, o pai dos homens de fé de todo o mundo,

as únicas pessoas que terão a salvação serão “israelitas” neste sentido

espiritual. Serão o verdadeiro povo judeu, aqueles cujos corações

foram mudados de acordo com a promessa da Nova Aliança (veja

Ezequiel 36.23-32). O Senhor prometeu que faria uma coisa nova

pelo seu povo, que faria deles um povo novo, em contraste com

aquela nação profana que se afastava dele e servia a ídolos. “Para

que as nações saibam que eu sou o Senhor, vindicarei a minha santidade

através de vocês” (Ez. 36.23). Como Deus demonstrará sua

santidade perante o mundo? Primeiro, mudando, transformando

os corações dos homens, fazendo assim com que sejam seu povo

verdadeiro. “Dar-lhes-ei coração novo, e porei dentro de vocês

espírito novo” (Ez. 36.26). O Novo Testamento proclama o cumprimento

desta promessa maravilhosa da nova aliança. Mas, no Antigo

Testamento também, não há somente esta passagem que se refere

ao Novo Pacto. Está expresso no Antigo Testamento, tanto como

no Novo, onde é proclamado como já realizado. A promessa, então,

é que Deus im plantará seu Espírito transformando pessoas de

corações endurecidos, e daquelas pessoas que, antes dependiam

inteiramente de si, fará servidores de Deus. Porém esta nova vida

da aliança só se encontra em Cristo. Toda vez que celebramos a

ceia do Senhor, somos lembrados da “nova aliança no seu sangue”.

O sangue de Jesus Cristo crucificado, proporcionou-nos esta vida

nova que seu Espírito nos concede. Recebendo o Espírito de Cristo

somos feitos um povo verdadeiro de Deus. Filipenses 3.3, portanto,

relaciona a verdadeira circuncisão, que aponta para o povo verdadeiro

de Deus, com a adoração verdadeira. Pois a igreja é a reunião

- 1 6 4 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

daqueles “que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em

Cristo Jesus, e não confiamos na carne”.

A adoração dos judeus em Jerusalém era conforme a carne, e

não “por intermédio do Espírito”. O culto, o serviço que ofereciam a

Deus (é o que significa a palavra latremontes que Paulo emprega,

compare Romanos 12.1) não era aceitável, porque os judeus não

dependeram da mediação do Messias crucificado. Faltava-lhes o

Espírito da promessa da Nova Aliança (Jo 3.5). Jesus explicou à

mulher de Sicar que somente os que adoram em Espírito e verdade

são procurados por Deus. Todo culto carnal, por mais sacrificial e

sincero, é rejeitado. Agora, podemos entender porque Paulo diz:

“Gloriam o-nos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne”.

Gloriar-nos em Cristo quer dizer reconhecer que somos afortunados,

abençoados. O “alegrar-sè em Cristo”, recomendado por ele, só pode

referir-se à confiança e contentamento que enche o coração do cristão

nascido de novo (comp. G1 6.13-14 onde Paulo limita o “gloriar-se”

exclusivamente à Cruz. Observe seu uso freqüente da palavra

kauchemai (“gloriar-se”) em 2Coríntios também),

A conta espiritual examinada

A oposição que Paulo enfrentava nos primeiros anos do seu m inistério

era em grande parte a dos mestres judeus que se gabavam

de ter credenciais pessoais importantes como autoridades religiosas.

O apóstolo não hesitou em comparar-se aos maiores dentre

eles, enquanto negava, ao mesmo tempo, que valesse alguma coisa

seu prestígio religioso judaico. O que ele diz é o seguinte: “Se a

questão é ter razões para confiar em si próprio, eu tenho mais do

que todos” (v. 4).

Paulo apresenta seus bens, embora sejam religiosos e não

financeiros. Faz como um contador: “Peguem seu livro-caixa e

vejamos a coluna dos créditos e a dos débitos. Vejam minha lista.

Quero registrar que a despeito dos mandamentos da lei que os judaizantes

lhes estão impondo, a despeito de seus currículos impressionantes,

eu tenho o maior saldo em vantagens religiosas do que

qualquer missionário judeu do mundo inteiro”.

Vejamos a lista de Paulo: é de causar admiração. Em primeiro

lugar, quanto à circuncisão (a exigência primária), “Eu estou seguro,

tenho segurança total” (v. 5). Muitos rabinos judeus afirmavam

que nenhuma pessoa que tivesse sido circuncidada podia ser lançada

- 165-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

no inferno. Paulo estava marcado no corpo com o sinal certo, como

membro do povo da aliança de Deus. De maneira que as promessas

que Deus deu a Abraão também eram suas! Não só circunciso, como

também descendente de Isaque e Jacó, o que lhe dava o segundo

crédito da lista. Com isso ele diz que pertence racialmente ao povo

escolhido de Deus. Paulo não vinha de fora como os prosélitos gentios.

Não só foi circuncidado no oitavo dia, como também era de

sangue puro, racialmente, descendendo diretamente de Abraão

através de Isaque e Israel. Podia levantar os olhos e ver o oceano de

pessoas que não podiam reivindicar este privilégio. Os árabes traçam

sua linhagem por intermédio de Ismael mas não através de Isaque,

sendo portanto excluídos da aliança de Abraão. Não é o meu caso,

diz Paulo. Em terceiro lugar, Paulo era benjamita. A tribo de Benjamim

tinha uma história bastante gloriosa na nação. O primeiro rei

de Israel, Saul, foi benjamita. E você se lembra da divisão do reino

depois do pesado governo de Salomão? Houve uma revolta assoladora

das dez tribos do norte contra Reoboão, filho de Salomão, porque

não quis diminuir os encargos impostos pela linha dura do governo.

Somente uma tribo não se separou de Judá e da linhagem de Davi;

foi a tribo de Benjamim. Conseqüentemente, Benjamim permaneceu

firme no círculo verdadeiro, privilegiado, do povo de Deus. Em lugar

de adorar a ídolos e construir altares aos deuses Baal e Asera como

fizeram as tribos do norte, Judá e Benjamim mantiveram pelo menos

a aparência do culto verdadeiro a Deus. Paulo podia orgulhar-se de

pertencer à tribo que escolheu seguira Davi e seus filhos, è adorar a

Deus no seu templo em Jerusalém.

Consideremos o quarto crédito da lista de haveres de Paulo.

Ele afirmava ser “Hebreu dos hebreus”. Um hebreu nascido de

pais hebreus possuía mais um recurso religioso de valor. Na época

de Alexandre, o Grande, e muito mais ainda no tempo de Antíoco

Epifânio (logo antes da revolta dos Macabeus, no segundo século

antes de Cristo), o povo judeu tinha sido forçado a aprender a língua

grega e adotar a cultura grega. Alguns judeus permaneciam fiéis à

herança e cultura judaicas. Era muitas vezes extraordinariamente

alto o custo da perseguição e da repressão econômica. Entre os

judeus, aqueles que mantiveram sua cultura, língua e culto hebraico

eram considerados os mais verdadeiros de todos e quaisquer judeus

existentes no mundo. E quase certo que foi por esta razão que os

pais de Paulo o levaram a Jerusalém quando pequenino, para sorver

a atmosfera judaica e crescer no âmago da cultura israelita em

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Jerusalém, capital do mundo judaico. Como Paulo foi criado em

Jerusalém, ele falava a língua divinamente endossada, que era o

hebraico, lia a palavra de Deus nas palavras originais que os profetas

inspirados falaram e escreveram. Portanto, estas foram suas

vantagens independentes da vontade, da escolha: Paulo não escolheu

ser circuncidado, não escolheu ser benjamita, como nenhum de

nós pode escolher a cor ou raça de que provém. Foram benefícios

que ele atribuía à graça selecionadora de Deus, como todo judeu

fazia. Como Paulo devia ter-se gloriado na eleição divina de Abraão

e de sua semente! Podia dizer como o fariseu que orava: “Que bom

o Senhor ter-me feito judeu, e não gentio... Estou contente por me

ter feito homem e não mulher”. Lucas 18 conta do fariseu que subiu

ao Templo para orar. “Deus, agradeço-lhe porque não sou como outros

homens...” Paulo tinha haveres no livro-razão religioso, embora não

lhes atribuísse nenhum valor depois de sua conversão. A graça

gratuita é que faz a grande diferença. Paulo, entretanto, não parou aí

com a lista de seus bens. Ele prossegue, citando os itens ganhos por

escolha e esforço próprio. Escolheu ser fariseu, isto é, membro do

partido mais rigoroso e mais admirado entre os vários partidos

religiosos judaicos. Não era uma fraternidade muito numerosa. Algumas

autoridades acham que não houve mais de seis mil fariseus

vivendo na mesma época. Eram muito exigentes, como numa loja

maçônica ou outra organização na qual os iniciados assumem

responsabilidades e votos perante Deus. O objetivo da renúncia era

agradar a Deus. Consistia em jejuar, dar dez por cento de tudo que

se recebia, valesse alguma coisa ou não, e ser meticuloso na observância

do sábado. Li a respeito de um fariseu que passou oito horas

por dia durante dois anos estudando a lei do sábado: o que se podia

e não podia fazer para agradar a Deus e cumprir seus mínimos mandamentos.

Paulo diz: “Escolhi fazer parte da fraternidade dos

fariseus”. E ainda: “Fui além. Tornei-me extremamente zeloso para

proteger a pureza da verdade de Deus”. Foi isto que motivou Paulo a

perseguir a igreja de Jesus Cristo. Não acredito que Paulo tenha

odiado as pessoas por natureza, mas ele detestava as pessoas que não

enxergavam a verdade como ele a via. Estava mais que disposto a ver

os heréticos cristãos sofrerem, chorarem, até morrerem se fosse

necessário; foi por esta razão que encontramos Paulo encabeçando o

apedrejamento de Estêvão (Atos 8.1).

Zelo, eis a característica de Paulo, mais zelo do que qualquer

um dos seus adversários tinha. Além de tudo, Paulo afirma, “quanto

167 -


epístolas da prisão

à justiça, a minha era composta de todas as minúcias da Lei”. Referia-se

ao fato que durante todos os momentos em que ficava

acordado, estava obcecado em seguir as regras de Deus. Desde a hora

em que foi iniciado nas responsabilidades adultas judaicas, aos doze

anos, tornando-se “filho da Lei”, tentou cumprir todas as exigências.

Paulo então podia dizer: “Se alguém quiser verificar meu currículo,

há de ver que fui inculpável quanto aos requisitos da lei”.

Foi esta a auto-avaliação de Paulo. Somando as sete vantagens,

qual é o total? Para um judeu, sabemos que tudo era considerável.

Ele tinha o céu na mão, e o que havia de melhor nas honras e

posições deste mundo ao mesmo tempo. Do ponto de vista daqueles

falsos mestres, Paulo estava com tudo. Mas ele, tendo completado

a lista, passou à outra coluna do livro-razão.

Uma m udança de valores, profunda e radical, ocorrera

quando Paulo se encontrou com Jesus Cristo e submeteu-se a ele

como Senhor de sua vida. Vejamos o versículo 7, e faço novamente

uma paráfrase: “Somei todos os numerários do meu passado religioso,

e foram milhões que eu tinha ganho (sabem como isto pode

subir à cabeça, pois os multimilionários podem ficar orgulhosos

do que ganharam)... Espere um pouco. Acabo de perceber que

aquelas vantagens todas eram como zeros sem o dígito “um ” na

frente. Portanto todas elas não trazem absolutamente nada”. Paulo

tinha chegado a essa conclusão para descobrir e apropriar o valor

de Cristo. Olhemos de novo o versículo 7, para ver como foi que o

apóstolo reavaliou seu ativo corrente: “O que para mim era lucro

(pois eu tinha tudo) considerei (hêgêmai está no tempo perfeito) e

continuo a considerar perda; são antigos valores que na nova

estimativa perderam o efeito por causa de Cristo, por amor a ele. A

palavra grega traduzida como “perda” é usada duas vezes em Atos

27, onde Paulo estava viajando naquele enorme navio veleiro no

Mar Mediterrâneo em direção a Roma. Paulo levantou-se e disse

ao capitão do navio e ao centurião em comando: “Se este navio

prosseguir viagem, haverá dano e m uita perda” (Atos 27.10).

Imaginem como devem ter olhado para ele e pensado: “O que você

sabe de navegação; é óbvio que você é um pregador, não um marinheiro”.

Portanto não deram atenção ao prisioneiro Paulo. Poucos

dias depois, quando uma tempestade perigosa os alcançou e já

haviam lançado ao mar tudo que era removível, Paulo disse: “Vocês

sabem que se me tivessem atendido, vocês teriam evitado todo este

dano e perda” (aquela mesma palavra). Perda é ficar sem uma coisa

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

permanentemente, como se um relógio caísse de sua mão ou um

anel de seu dedo ao você se debruçar sobre o parapeito de um navio

no meio do Oceano Atlântico. Você tem certeza que isso é perda

irrecuperável. A perda é definitiva e irreversível. Por isso o apóstolo

dá tanta ênfase: “Aquele dia, na estrada de Damasco, eu perdi tudo

isso, e está perdido até hoje”. Foi uma perda tão completa que não

havia como recuperá-la, de nenhuma forma, absolutamente. Então

o versículo sete diz: “Considerei tudo perda, por causa de Cristo”.

Fica claro, portanto, que ou nós perdermos todos os valores religiosos

para ganhar a Cristo, ou nos apegamos a eles e perdemos a

Cristo. A mensagem inconfundível é que você não pode manter a

justiça que criou por si, do legalismo judaico, e abraçar a Cristo ao

mesmo tem po. No versículo 8, Paulo dá ainda mais ênfase:

“Realmente, continuo a considerar (a mesma palavra do versículo

7, significando “avaliar”, “somar”) tudo como perda por causa da

sublim idade (valor inestimável) de conhecer a Jesus Cristo”.

Perdera todos os valores religiosos judaicos, perdera sua posição

privilegiada, sua importância na sociedade, seu nome. Além das

perdas passadas, existem as presentes. Paulo está continuando a

perder. Fala sobre algo diferente no versículo 8. Está pensando nos

confortos que a vida oferece, na vantagem pessoal de uma boa

aposentadoria em paz para deleitar-se o resto de seus dias. Paulo

não era tão sobrehumano que não fosse atraído pela idéia de ser

dispensado da batalha para a folga da aposentadoria.

Paulo está reconhecendo que para ele não será concedida a

dispensa de serviço! “Eu não tenho nada que valha a pena nesta

vida esperando por mim. Ainda estou perdendo tudo. Cada vez

que me levanto para pregar, meus ouvintes se enlouquecem; alguns

querem me apedrejar, me matar. Outros riem de mim achando que

sou demente. Esta perda contínua é pela excelência, pela sublimidade

extraordinária de conhecer a Cristo”. E diz ainda: “Estou

ganhando recursos líquidos no lugar daquilo que perdi e estou até

agora perdendo”. Qual o lucro que ele estava ganhando? Só há um

benefício subrepujante, de valor incomparável, que Paulo está

ganhando, segundo esta passagem. É Cristo. Veja o final do versículo

8. “Eu os considero (estes valores religiosos, tais como os que os

judaizantes estavam promovendo) como refugo ou lixo, para que

eu possa ganhar a Cristo”. Não nos esqueçamos que Paulo já tinha

ganho a Cristo, ganhou-o na estrada de Damasco. Mas ele diz “Eu

ainda o estou ganhando”. Fiquei como completo perdedor (no meio

- 169-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

do versículo 8) e conto tudo como refugo a fim de poder ganhar a

Cristo.

Conclusão

Cada um de nós nos envolvemos na mesma questão de Paulo. Temos

uma vontade ingênua de equilibrar as contas das duas colunas, de

tal forma que nenhum lado perca. Será que cada um de nós também

não deseja poder ganhar algo que venha da carne; alguma vantagem,

algum reconhecimento, alguma posse na qual possa estar mais

seguro? Paulo nos diz que até o ponto e na proporção em que nos

firmamos nestes recursos, já perdemos a Jesus Cristo (conf. G15.2).

Por outro lado, se você já perdeu tudo, toda a esperança auto-produzida

da aprovação de Deus, toda sua justiça própria, tudo que

você faz em questões espirituais, então Cristo pode ser de valor

eterno para você. A palavra “carne” significa simplesmente o que

você pode fazer sozinho, independente do auxilio de Deus incluindo

todo o bem que já fez e que não foi considerado perda. Se você está

dependendo da “carne”, então você não chegou a conhecer Cristo

de maneira nenhuma! Ninguém faz de Deus o seu devedor.

Conhecera Cristo realm ente significa um cancelamento

definitivo, riscar completamente aquela primeira coluna de recursos,

cheia das provas de nossas boas obras. Na outra coluna está

somente Cristo. “Só ali pode ser visto o valor supremo de ter Jesus

como Senhor e Salvador. Conhecer o Filho de Deus está muito,

muito acima de todo o valor ganho com esforço próprio que antes

pensava possuir”.

O valor real em troca de supostos recursos é para você também,

se conhece a Cristo como Paulo o conhecia. Se você o conhece

pela fé, se o conhece como aquele de quem tudo se origina, se o vê

como quem lhe deu a vida, e tem todo direito ao seu amor e lealdade,

então você o “ganhou”. Se você se apega a ele, chegando-se a Cristo

naquele relacionamento de concentração total, então o verá como

Aquele de quem procedem todas as coisas para você, e saberá que

tudo existe para ele. Em termos bíblicos, isto é expresso em uma

pequena frase que se refere a Deus: “Porque dele e por meio dele e

para ele são todas as coisas” (Rom. 11.36). Se é assim que você

considera a Jesus Cristo, você perdeu tudo para ganhar a pérola de

grande preço. As escolhas significativas e a volta da estrada foram

ordenadas por ele, não por você. A maneira de você pensar e usar

- 170 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

seu tempo e recursos materiais, tudo contribui para mostrar como

você se relaciona com Jesus Cristo. Digamos assim: “Se você o

escolhe, então tudo mais deve perder o valor, tornar-se mesmo como

lixo ou “refugo”, para usar a palavra de Paulo no versículo 8. Precisa

ser como todo aquele trigo que foi jogado ao mar, do navioprisão

em que Paulo viajou, ameaçado e agitado por aquelas ondas gigantescas

(At 27.17 em diante). Não nos admira o fato de Paulo estar

tão alegre e disposto! É lógico que recomenda aos leitores que se

alegrassem no Senhor, porque um ganho incomparável tinha

substituído todas as perdas do passado e do presente.

Examine sua vida hoje. Onde você está em relação a perder

tudo a fim de ganhar a Cristo?

A ambição de Paulo (3.9-16)

9e ser achado nele, não tendo justiça própria, que

procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a

justiça que procede de Deus, baseada na fé; 10para o

conhecer e o poder da sua ressurreição e a comunhão

dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua

morte; "para de algum modo alcançar a ressurreição

dentre os mortos. 12Não que eu o tenha já recebido, ou

tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar

aquilo para o que também fui conquistado por Cristo

Jesus. "Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado;

mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que

para trás ficam e avançando para as que diante de mim

estão, "prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana

vocação de Deus em Cristo Jesus. "Todos, pois, que somos

perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se porventura

pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá.

"Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos.

A autobiografia que Paulo começou a escrever no v. 4 continua

até o v. 16. Só uma vírgula separa os v. 8 e 9. A divisão em duas

mensagens foi feita unicam ente por conveniência e não pelo

conteúdo do texto. Nos v. 4-7 o apóstolo fala do seu passado, incluindo

a mudança transcendental pela sua conversão (v. 7). O v. 8

apresenta como ele encara o presente, trocando tudo pela “sublimidade

do conhecimento de Cristo”. Na última passagem deste


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

versículo e no restante da passagem, parece que Paulo contemplava

um futuro que incluía seu relacionamento com Cristo, após a existência

presente ser trocada pela nova vida através da ressurreição

(v. 11,14). Ele desenvolve neste trecho sua mais profunda ambição.

Concentra todas as suas energias no prosseguimento para alcançar

aquela meta que, por si, explica a extraordinária dedicação do

famoso missionário aos gentios. Qualquer indivíduo que pretende

ser um homem de Deus, não poderá deixar de aproveitar a vantagem

de adotar esta mesma ambição.

A meta de ser achado em Cristo

O motivo que o apóstolo tem para lançar fora do barco de sua vida

religiosa, todos os valores anteriormente buscados com tanto afã,

se encontra no v. 9: “ser achado nele, não tendo justiça própria...

senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de

Deus...”. Este versículo apresenta o cerne da doutrina paulina da

salvação em Cristo. Se pela fé renunciamos toda justiça própria e

recebemos aquela oferecida por Deus mediante a fé nele, garantimos

o mais precioso de todos os valores. A união com Cristo pela fé,

que nos enxerta nele (também chamada de “união mística”), pela

operação do Espírito Santo (cf. ICo 12.13 e G12.20), nos garante a

participação na própria justiça impecável de Cristo. Essa justiça

Deus oferece de graça à todos que confiam no seu Filho. A justificação

(o ato divino que legalmente nos absolve dos nossos pecados

e nos declara justos) não depende de nada bom ou justo que

possamos oferecer em troca. Deuz fez tudo para que não tivéssemos

em nós motivos de glória (Ef 2.8, 9) e para que só exaltássemos a

Jesus Cristo. Assim, Paulo deixa claro que a justificação pela fé e a

união com Cristo são realidades equivalentes. Ambas explicam o

porque dos pecadores salvos gozarem da justiça que eles não podem

produzir. Não é por retidão ou piedade por eles alcançadas, mas

por dádiva completamente gratuita. O nono versículo, portanto,

explica a realidade válida para todos os que, como Paulo, consideram

todas as coisas como refugo (v. 8). A fé que se destaca, repetida

duas vezes no v. 9, tem então um aspecto negativo (perder tudo que

possa fornecer motivo de auto-confiança ou orgulho e igualmente

um positivo. Pela fé nos identificamos com Cristo, confiamos nele

e nos entregamos a ele. Somos unidos com ele e nele permanecemos

Qo 15.3-11). Portanto, ele é nossa “justiça”, escreveu Paulo aos

- 172 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FIL1PENSES

coríntios (ICo 1.30). Seria um erro fatal, no entanto, concluir que

a fé proporciona um descanso excluindo o esforço, numa sonolência

absoluta. A justiça inputada por Deus deve ser praticada pela

dinâmica que surge da vida de Cristo em nós. Todo o zelo que Saulo

de Tarso empreendia no esforço para cumprir a lei e merecer a

aprovação divina passou a busca do reino de Cristo (cf. Mt 6.33).

Desligado da frenética corrida para a justiça própria, Paulo encorajou-se

para a exploração do relacionamento com Cristo. O amor

por ele (cf. v. 8) substituiu o amor próprio.

0 alvo de experim entar a vida real de Jesus

Este zelo, impulsionado pelo amor, explica o pensamento do v. 10.

Novamente ele repete a meta da sua vida em Cristo. — 1) Desejava

ardentemente “conhecer” a Cristo. Já revelara que conhecer a Cristo

Jesus é excelente, uma “sublimidade” Qiuperechon no grego — v.

8). Creio que cabería uma ilustração aqui.

Um vagabundo que cambaleava ao lado de um rio, caiu nas

águas profundas. Não sabia nadar, mesmo se estivesse sóbrio.

Passava à beira daquele rio um senhor que ouviu os gritos de socorro.

Sem hesitação, o homem distinto pulou nas águas arriscando sua

própria vida para salvar o bêbado. Novamente em terra firme, o

desgraçado tentou, mesmo com muita dificuldade, externar sua

gratidão. “Obrigado, obrigado”, falou sem m uita convicção. O

homem que o salvara tirou do bolso do paletó gotejante, um cartão

de visita. “Se algum dia precisar de mim, vá à minha' casa e procure-me”,

disse o estranho desprendidamente. Naquela noite, o

vagabundo dorm iu todo m olhado, como sem pre, na sarjeta.

Amanheceu com frio e faminto, mas não dispunha de dinheiro

algum. Mal se lembrava da experiência do dia anterior; porém a

fome intensificou sua perspicácia e se lembrou: “o cartão!” Logo

encontrou a casa. O que mais o surpreendeu é que era a maior casa

e a mais opulenta da cidade toda. Apertou a campainha. Suas roupas

rasgadas e imundas o constrangiam, mas o porteiro logo o conduziu

à belíssima sala de estar onde aguardaria a chegada do amigo desconhecido.

Quando pouco depois chegou o fidalgo, aquele mesmo

senhor que apenas horas antes o socorrera das águas ameaçadoras,

trazia um sorriso que comunicava um “bem-vindo” genuíno. Assentaram-se

e conversaram. “Deve estar com fome! Gostaria de tomar

o café comigo?” disse o simpático anfitrião. Queria, e como queria!

- 173-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

O café reforçado, corno nunca havia saboreado em toda sua vida,

matou sua fome. Subitamente o nobre dono da casa indagou se

gostaria de tomar um banho. “Quero sim...”. Havia também um

terno no guarda-roupas e lâminas de barbear no banheiro. “A casa

é sua; não há pressa”, reforçou o benévolo senhor.

“Fique aqui comigo. O quarto de hóspedes está à sua disposição!”.

O bêbado tomou seu banho, descansou na cama macia,

vestiu-se no terno novo, tentando sempre responder à indagação:

“Por que este fidalgo está me tratando assim?”. Em nenhum

momento satisfez a sua curiosidade. Foi sinceramente convidado

a ficar naquele palácio por quanto tempo quisesse, bondade que

não podería deixar de aceitar, uma vez que nada tinha na vida.

Mais estranho ainda era o fato que o amigo tão distinto e bondoso,

nada tinha a fazer de mais urgente do que conversar com o

vagabundo, agora em vias de transformação radical. Os dias se

passaram. Chegaram a ser amigos, e dos mais íntimos. O antigo

bêbado, já reform ado, buscava servir o nobre com toda sua

capacidade. Contava como o tempo mais precioso da sua vida o

da comunhão com seu amigo. Conversavam sobre tudo que os

interessava.

O estranho chegou a ser “conhecido” já no fim do primeiro

dia, mas depois de meses e anos de comunhão, o ex-alcoólatra

miserável podia dizer: “estou conhecendo o amigo que me salvou!”.

Este relacionamento representa o sentimento de Paulo. Do

auto esforço para fazer o que era certo (tal como o viciado que tudo

faz para livrar-se do álcool ou (das drogas), passou a conhecer o

seu libertador, e conhecendo-o foi tornando-se gradativamente mais

seu imitador (1 Co 11.1).

2) O apóstolo desejava também conhecer o poder da sua ressurreição

(v. 10). Tal como a força nuclear tem transformado o mundo

e a política internacional até às raízes, assim o poder de Deus

demonstrado na ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos,

modificou a realidade do nosso mundo. Foi esse o poder exercido

quando nós fomos ressuscitados da morte em “delitos e pecados,

pelo qual Deus féz-nos assentar com Cristo nos lugares celestiais”

(cf. Ef 1.19-2.1 e 6). O poder da ressurreição transformou a derrota

da cruz em vitória sobre todas as forças malignas (cf. 1.21, 22), e

entronizou Jesus Cristo como Messias e Senhor (kúrios) à destra de

Deus (SI 110.1; At 2.36; Rm 1.4). Creio que Paulo, que achava a

língua grega pobre demais para descrever esse poder (nota-se em

174


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

sua oração, para que os efésios pudessem conhecer “a suprema

grandeza do seu poder (dunamis) para com os que cremos, segundo

a eficácia (energeian) da força (kratos) do seu poder (ischuos)” exercida

na ressurreição cap. 1.19), esperava no Senhor, cada dia, receber

manifestações dessa atuação na ressurreição de mortos espirituais

pela sua anunciação das boas novas.

Pela m aneira como Paulo une as duas metas no v. 10, a

primeira, conhecer a Cristo, e a segunda, o poder da ressurreição,

podemos deduzir que, ter comunhão íntima com Cristo traz o efeito

de experimentar esse poder da nova criação (2Co 5.17). Buscar

zelosamente a comunhão com Cristo pela oração, pela meditação

na sua Palavra e pela adoração espiritual (v. 3), incute no cristão o

poder que emana do Salvador ressurreto e exaltado.

3) Em terceiro lugar, Paulo ansiava pela comunhão nos

sofrimentos de Cristo (v. 10). “Comunhão” (koinõnia) deve ser entendida

no seu sentido básico de “participação”. Os sofrimentos de

Jesus, quando viveu no mundo, incluiram toda forma de rejeição

dos homens. Nosso Senhor suportou o que o autor aos Hebreus

denominou de “tamanha oposição dos pecadores” (12.3).

Esses sofrimentos de Cristo ocorreram em conseqüência

direta da sua humilhação e obediência (2.8). O servo Paulo (1:1)

não esperava nem desejava melhor sorte neste mundo que a do seu

Senhor (cf. Jo 13.16). Portanto, desejava participar dessas aflições

por causa de Cristo e para a glória dele.

O que Cristo sofreu por nós na terra foi, infinitamente, mais

do que o necessário para cobrir nossos pecados (ljo 2.2). As perseguições

e dores dos discípulos nada contribuem para a expiação do

pecado humano. A redenção, ou preço do nosso resgate, só o Filho

perfeito pode oferecer ao Pai (Rm 3.24, 25; ICo 6.20; Ef 1.17; Cl

1.14). Mas o preço sacrificial para divulgar essa notícia redentora é

o que “resta das aflições de Cristo” (Cl 1.24). Paulo está disposto a

sentir esses sofrimentos na carne, até mesmo a própria morte. Esse

desejo de se apresentar diante de Cristo, tendo trilhado a ‘via de

glória” (é como os mártires chegaram a entendê-la!) não era mórbida.

Isso já percebemos no exame dos versículos 1.29-26. Paulo

simplesmente via no martírio o mais extraordinário testemunho

da fé, a mesma fé pela qual conhecera o Senhor. Não haveria mais

concreta demonstração da sua fé em Cristo, nem do seu amor por

ele, do que receber de Deus a graça de se conformar com Cristo no

sacrifício da vida (cf. 2.17). Daí o poder da ressurreição, atuando

175


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

nesta vida na carne, manifestar-se no levantamento de Paulo dentre

os fisicamente mortos (v. 11). Parece que Paulo tinha alguma dúvida

a respeito da sua ressurreição corporal, porque disse, “para de

alguma maneira alcançar a ressurreição...”. A frase “de alguma

maneira” representa o grego “ei-põs”, que introduz a possibilidade

que é o objeto da esperança ou desejo. Não creio que seja o destino,

mas o modò de chegar, pelo martírio, pela morte natural ou mesmo

pela transmutação na vinda de Jesus Cristo (lTs 4.15; ICo 15.51),

que Paulo não prevê claramente. O dia da ressurreição será o mesmo

do nosso aperfeiçoamento (v. 21). Naquela grandiosa hora de vitória,

receberemos tudo o que Deus planejou para os seus amados. Ainda

que Paulo acreditasse na ressurreição com Cristo após a morte com

ele (Cl 2.12; 20.31), ele não ensinou que o crente recém-batizado

obtém a perfeição (3.12). No intervalo entre a regeneração e a transformação

escatológica completa, temos a carreira cristã para ocupar

todo nosso esforço.

0 que incentivou Paulo

O veterano missionário fala, no v. 12, da motivação central da sua

ambição. “Prossigo (gr. diõkõ: “perseguir”, “concentrar os esforços”)

para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por

Cristo Jesus”. Desde o dia em que viu e ouviu a chamada do mestre

na estrada em Damasco, soube que era “um instrumento escolhido

para levar o nome de Cristo perante os gentios e os reis, bem como

perante os filhos de Israel” (At 9.15). Foi cativado numa conquista

estarrecedora de Cristo. Conseqüentem ente quis tam bém, de

maneira incansável, conquistar os territórios ainda rebeldes ao seu

Rei. Juntavam-se na visão de Paulo, o aperfeiçoamento pessoal

através do conhecimento de Jesus (v. 8,10), e seu ministério evangelizador.

Seu Senhor o conquistara para ambas as tarefas. Cristo

também fez o mesmo com cada um de nós. A finalidade de nossa

eleição é proclamada claramente: sermos apresentados perfeitos

em Cristo (Cl 1.28; cf. Ef 1.4). Mas, assim como o guerreiro Paulo,

somos soldados do Rei Jesus (2Tm 2.3,4) na luta para a conquista

das “terras” dominadas pelas trevas satânicas. Em Romanos, Paulo

esclarece aos seus leitores qual era sua visão do seu ministério. Era

“ministério do Senhor Jesus no sagrado encargo de anunciar o

evangelho de Deus, de modo que a oferta deles (os gentios) seja

aceitável, uma vez santificada pelo Espírito Santo... esforçando-me

- 176 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FiLiPENSES

deste modo para pregar o evangelho não onde Cristo já fora anunciado...”

(15.16, 20).

Tudo isto deixa bem claro por que o apóstolo não corria sem

meta. Declarou ele: “...luto, não como desferindo golpes no ar”

(ICo 9.26). É certo, porém, que muitos componentes do “exército

da salvação”, ainda não foram conscientizados com respeito à luta.

Não perseguem a perfeição nem anseiam a conquista do alvo para

o qual Deus os chamou. Estão contentes com a salvação gratuita,

mas a ambição de conhecer a Cristo e participar nos seus sofrimentos

e exercer seu poder não se manifesta!

Qual seria a explicação para essa anomalia? Creio que podemos

descobrir um motivo, que se subentende das entrelinhas dos

versículos 13-15.

Paulo não se colocava entre os que julgavam que já haviam

alcançado o alvo divinamente escolhido para cada um. Parece que

em Filipos, como também em outras igrejas gregas, surgira a teologia

perfeccionista. Raízes deste erro se descobriam no gnosticismo elitista

de um lado e no judaísmo do outro (ver a frase relevante do v. 6,

“quanto à justiça que há na lei, irrepreensível”, tratando da vida no

farisaísmo de Saulo/Paulo). O gnóstico, iniciado nas especulações

acerca do distante Deus bom e imaterial, e também acerca do mundo

mau, por ser material, possuía duas tendências: uma ascética e a

outra libertina (veja os v. 18,19). Pelo conhecimento (gnõsis), o adepto

poderia subir a suposta escada da perfeição, desligando-se do “imperfeito”.

Semelhantemente, o fariseu orava no templo agradecendo a

Deus por sua perfeição (Lc 18.11,12).

Pela sua conversão radical, Paulo se distanciou totalmente

desse tipo de auto-conceito. A perfeição de Jesus Cristo fez contraste

com este tipo, como a escuridão da meia-noite o faz com o brilho do

sol ao meio-dia. A profunda revelação da depravação íntima, à luz

da santidade divina, convenceu o apóstolo que ele era não o mais

perfeito dos santos, mas o “principal dos pecadores”’ (lTm 1.15).

Por isso se esquecera “das coisas que para trás ficam” (3.13). Tudo

que conseguira, por sacrifício e abnegação, não pesava na balança.

Eram como trapo imundo uma vez que agora estava revestido com a

justiça imaculada que Deus lhe proporcionara (v. 7-9). Aliviado da

necessidade de se convencer de que merecia um galardão da parte

de Deus, Paulo então pode se dedicar, sem tréguas, à conquista do

alvo. O termo “avançando” (gr. epekteinomenos, “estendendo-se”,

“esticando-se ao máximo”), mostra a obsessão do homem de Deus

- 1 7 7 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

na perseguição (gr. diõkõs, “prossigo’ v. 14, também v. 12) do alvo (já

visto nos v. 9,10). O alvo (skopos, “um objeto no qual se fixa os olhos”,

“a meta numa corrida”) corresponde ao prêmio descrito simplesmente

como a “chamada de Deus em Cristo Jesus”. A figura da corrida

serve para destacar que Paulo enxergava nitidamente o alvo, e

esperava logo receber o prêmio. Refere-se ao encontro com seu amado

Senhor o qual já descrevera como “incomparavelmente melhor”

(1.23) do que viver neste mundo de sofrimento e decepção.

Parece-me que descobrimos aqui porque os cristãos mornos

não passam de espectadores, ao invés de corredores na corrida da

salvação. Não descartam todos os bens alcançados por esforço

próprio. Sentem-se bem na “perfeição” atingida. Não almejam o

conhecim ento de C risto, seu suprem o valor, nem se sentem

impulsionados a “perseguir” o alvo da santidade, pela comunhão

dos sofrimentos de Cristo. Não contemplam a vida como uma

corrida com um prêmio a ser ganho no fim. Pelo contrário, a única

luta que travam é para melhorar esta vida, buscando mais conforto,

prazer e reconhecimento dos homens (cf. Jo 12.42,43). Crêem que

sua ressurreição está garantida, mais certa que a de Paulo (v. 11).

Todas as energias que têm, dissipam adorando o “deus ventre” e

tentando resolver as preocupações seculares (cf. v. 19; Lc 8.14, onde

os tais são os crentes sufocados pelos espinhos de “cuidados,

riquezas e deleites da vida”). É notável que Paulo, que negou no v.

12 o fato de ter alcançado a perfeição no sentido moral e corporal

da ressurreição, se inclua entre os perfeitos, no v. 15. Obviamente o

sentido é distinto. Nesta últim a passagem significa “m aduro”,

“adulto”, contrastando com a “criancice” e a imaturidade (cf. ICo

2.6 e Cl 1.28 onde o mesmo termo é usado).

Os adultos espirituais, segundo este versículo 15, devem

manifestar a mesma atitude (phronêma, cf. 2.2,5; 4.8). A criança na

fé então, seria m ais autodependente, defensiva, ao invés de

arrependida e ansiosa para conhecer a Cristo cada vez melhor. Em

Filipos não houve sentimento de rebeldia contra Paulo, o que

dispensou a necessidade de ele apoiar a sua autoridade apostólica,

contrariam ente ao que aconteceu em C orinto (cf. ICo 9.1).

Qualquer divergência de pensamento que por acaso pudesse surgir

em Filipos, não perturbava Paulo. Conquanto a atitude fosse de

submissão ao Senhor, podería haver diferença sem divisão, e Deus

lhes esclarecería (v. 15b). Paulo finaliza este parágrafo com seu “mais

uma coisa” (gr. plên, palavra usada para introduzir uma declaração

- 178 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

que destaca o ponto principal que o autor disse no parágrafo todo).

“Continuemos no mesmo caminho em que estamos em vez de voltarmos

e tomarmos um rumo novo” (v. 16).

Conclusão

Ao meditar nesta declaração autobiográfica, não é fácil escapar à

acusação íntima de que somos espectadores. Nossas ambições estão

mais voltadas para vantagens mundanas do que para prêmios celestiais.

Mas Deus é capaz de refocalizar nossa visão e renovar nossa

ambição pelo alvo.

0 corpo (3 .1 7 -2 1 )

l7Irmãos, sede imitadores meus e observai os que

andam segundo o modelo que tendes em nós. lsPois

muitos andam entre nós, dos quais repetidas vezes eu

vos dizia e agora vos digo até chorando, que são inimigos

da cruz de Cristo: 190 destino deles é a perdição, o deus

deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia; visto

que só se preocupam com as coisas terrenas. 20Pois a nossa

pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador,

o Senhor Jesus Cristo, 2Io qual transformará o

nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da

sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de

até subordinar a si todas as coisas.

Introdução

Facilmente confundo os fatos, mas se a minha memória não falha,

li há tempos que a preocupação prioritária do norte-americano é a

saúde. Creio que seria nossa preocupação também aqui. Quando

perguntamos, “Como está?” normalmente indagamos “Como está

fisicamente?”. “Como está o seu corpo?” Está doente ou saudável?”

“Está com dor de cabeça ou se sente capaz de voar?”, se tivesse

asas, claro. Para nós, então, o corpo é o que mais importa. Talvez os

cristãos afirmariam, “Não, não é meu corpo, mas a minha alma,

meu espírito que destaca-se com proeminência”.

Não seria difícil mostrar que a Bíblia concede um significado

imenso ao corpo. Não tanto a “meu corpo”, sendo que biblicamente

- 179 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

se destaca mais a verdade que “somos corpo”, do que, “tenho corpo”.

Observemos, portanto, algumas verdades da Bíblia sobre esta

realidade física.

0 significado do sorpe na Bíblia

Paulo dá ao corpo uma posição central na sua teologia. É do corpo

do pecado condenado a destruição que precisamos ser salvos (Rm

6.6). “Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo

desta morte?” é o grito desesperado de quem vê o pecado utilizando

o corpo como uma prisão, um verdadeiro meio de tentação e tortura.

Desse corpo de pecado Paulo almeja libertação. É o grito de desespero,

como ouvi ao falar com uma moça que me disse ter muitas

vezes tentato se suicidar. Queria destruir o seu corpo físico. Pude

sentir o profundo desprezo que ela tinha para com seu corpo. Não

tinha mais razão para viver no corpo. A única razão pela qual não

decidiu acabar com sua vida é que não sabia como será a vida fora

ou além do corpo.

Mas Paulo afirma que pelo corpo também somos salvos. Jesus

Cristo uniu-se a humanidade por meio da encarnação num corpo.

Entre as mais importantes de todas as verdades, afirmamos que

Deus se tornou homem (Jo 1.14). “Sacrifício e oferta não quiseste,

antes corpo me formaste”, é a inspirada confissão atribuída pelo

autor de Hebreus (10.5) a Jesus Cristo, citando a versão grega de

Salmos 40. Porque recebeu um corpo, Cristo pode sacrificá-lo numa

oferta aceitável pelo pecado. Por causa do corpo de Jesus, nascido

da virgem Maria, podemos esperar um corpo transformado quando

Cristo voltar (3.21). Em conseqüência da morte na cruz e a ressurreição

de Jesus, ambos eventos condicionados pelo corpo, nós que

cremos nele, temos a firme esperança de ganhar um novo corpo,

semelhante ao dele. Paulo o descreve como “igual ao corpo de sua

glória” (v. 21). Por sermos incorporados pelo Espírito ao seu corpo

(ICo 12.13), que é a igreja, temos a certeza de compartilhar a nova

realidade eterna que caracteriza o Jesus assunto: um corpo que não

pode morrer, “eterno, nos céus” (2Co 5.1).

Em ICoríntios 15, o corpo ressurreto de Cristo é denominado

“as primícias” (v. 23) da colheita toda. A conseqüência inevitável

da ressurreição do Senhor no primeiro domingo de páscoa, será a

transformação de todos os que lhe pertencem “na sua vinda” (ICo

15.23), porque todos são incorporados nele.

- 1 8 0 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILiPENSES

Na ceia, Jesus nos oferece o seu corpo “que é dado por vós”

(ICo 11.24). Porque será que não nos oferece o seu Espírito assim?

Deve ser porque através da união com seu corpo, nos é oferecido

seu Espírito. A vida está no corpo, não nos membros separados,

assim como os ramos de uma videira gozam da vida unicamente

pela permanência no tronco Qo 15.1-9). Evidentemente, trata-se

de conceitos hebreus, não gregos. Nós pensamos de maneira grega,

Paulo de maneira hebraica. É o corpo que manifesta a vida de Cristo

(ICo 10.16,17). Por isso, é sumamente importante que os membros

do corpo se reúnam dando localização e objetividade a personalidade

do Senhor que vive no corpo, a igreja. Devemos constantemente

reconhecer nossa dependência uns dos outros e a vida

comum que sustenta o corpo. L.S. Thornton intitulou seu livro, A

Vida Comum no Corpo, o que transmite a verdade central. Nossa

vida em Cristo não é em primeira instância, uma vida unida individualm

ente a Cristo, mas uma vida com partilhada com nossos

irmãos em Cristo (Rm 12.5).

Por esta razão, Paulo diz aos coríntios, “o corpo não é para

impureza, mas para o Senhor” (ICo 6.13). Nossos corpos são comprados,

destinados por meio da transformação da ressurreição a

transm itir a perfeição do corpo de Cristo, porque nossos “corpos

são membros de Cristo”(ICo 6.15).

O crente que comete fornicação ou adultério toma um

membro de Cristo (o corpo) e o faz membro de meretriz (ICo 6.15,

16). Assim, pelo corpo nos unimos a Cristo, ou nós nos separamos

dele. Se pelo corpo humano reconhecemos as máculas e a beleza

da pessoa, a Bíblia indica que semelhantemente o corpo manifesta

por um lado a formosura de Jesus e os defeitos humanos. Com

razão o apóstolo aponta para o corpo como “corpo de humilhação”

(3.21), repleto de limitações e deficiências. Mas também é concretização

da personalidade, membro do corpo de Cristo, garantia da

nossa existência eterna que aguardamos (v. 21).

I concepção grega do corpo

A maneira de os antigos gregos olharem para o corpo foi muito

distinta. O corpo se assemelhava a um escravo. Como servo vivo, é

óbvio, mas distinto da personalidade. Manda-se o escravo agir, e

ele obedece. Surgiu uma frase entre os gregos da antigüidade: sõma

sêma, “corpo caixão”. Como noz na casca, a alma existia dentro do

- 181 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

corpo. O verdadeiro eu e você, segundo os gregos, eram distintos

do corpo. Evidentemente, se acatarmos tal ponto de vista, o que se

faz com o corpo não tem importância alguma para o ser verdadeiro.

Se meu corpo é escravo, faço o que quero com ele, sem temer culpa.

A eutanásia não seria pecado, porque destruiria o que não tem

mais utilidade. Se o corpo não passa de caixão ou casca, por que

não maltratá-lo comendo erradamente, tomando drogas, ou de

qualquer outra forma? O suicídio seria uma opção perfeitamente

viável para quem se cansou de viver, no caso de alguém que não

encara seriamente a maneira bíblica de pensar.

O pensamento gnóstico foi uma das maiores ameaças à igreja

primitiva. Com um forte dualismo radicado na filosofia grega, a

matéria era considerada má, e o espírito, bom. Alguns eram da

opinião de que uma vez iniciado na realidade espiritual, o que se

fazia com o corpo não importava. Havia gnósticos libertinos que

praticavam a prostituição (Ap 2.14,21), incluindo toda e qualquer

perversão (cf. Jd. 4,7-16). A essa ala de hereges Paulo se dirige em

3.18-19, uma vez que o deus deles era o ventre e “a glória deles

estava na sua infâmia”.

A outra ala gnóstica, representada no quadro pintado por

Paulo em Colossenses 2 e ITimóteo 4.1-4, cria no asceticismo. Por

meio da observação de ritos e evitando os tabus prescritos, seria

possível subir a escada de “espiritualização”, deixando para trás a

matéria má.

O cristianismo atraiu estes filósofos religiosos que desconheciam

qualquer Deus pessoal, e procuravam soluções para a

ansiedade do homem que precisa ser salvo, achando que pode a si

mesmo redimir.

0 conceito do corpo entre os lielreus

Mas qual era, afinal, o conceito hebreu do corpo? Tanto no Antigo

como no Novo Testamento, o corpo se identifica estreitamente com

você. Portanto, é lógico dar seu último cruzeiro para manter o corpo

vivo se não houver a ressurreição. Se a vida neste corpo humano, é a

única vida, porque não mantê-la fazendo uso de todo o nosso esforço?

Estranhamente, os hebreus careciam de qualquer vocábulo

para transm itir o conceito de “corpo”. No hebraico original do

Antigo Testamento, seja onde for, não descobrimos a palavra

“corpo”. O que encontramos são os membros, partes do corpo, que

- 182


EPÍSTOLA d e PAULO AOS FILIPENSES

representam o corpo ou funções da personalidade. Creio que a razão

pela qual o hebreu não idealizou a palavra “corpo” era porque o

homem não era visto com um corpo individualizado. Pelo contrário,

o que era significativo no Antigo Testamento, era o conceito do

homem como ser vivente (Gn 2.7). Ele foi conceituado como carne,

animada pelo fôlego de Deus, inteiramente dependente e responsável

junto a ele. Por isso, o salmista disse:

Se ocultas o teu rosto, eles se perturbam,

Se lhes cortas a respiração, morrem

e voltam ao seu pó.

Envias o teu Espírito, eles são criados,

e assim renovas a face da terra (SI 104.29, 30).

Deus é quem dá o fôlego de vida à carne humana para que a

pessoa se concretize no corpo.

Por esta razão, o corpo apresenta um quadro ou janela aberta

da vida que o indivíduo está vivendo. Marcas suscitadas pela ansiedade

se manifestam no corpo. O temor estampa no rosto suas marcas

visíveis. Paz e a tranqüilidade criam sua fisionomia característica.

Segundo seus sentimentos, o corpo reflete o orgulho e superioridade,

ou vergonha e inferioridade. O sorriso do indivíduo alegre

e confiante expressa o que se passa no seu coração, mas um olhar

triste ou m edroso igualm ente reflete quem form ou essa sua

característica de personalidade. Os hábitos de longos anos fazem

do corpo uma carta aberta para todos lerem (cf. 2Co 3.3).

Epicureus e estoicos

Também pelo fato de a vida ser corporal, devemos refletir uns instantes

sobre a morte. Os epicureus gregos (cf. At 17.18) conceberam

a morte como os psicólogos modernos que seguem o pensamento

de B.F. Skinner da Universidade de Harvard. A morte é simplesmente

a desintegração das moléculas que, juntas, mantém a

vida corporal. Assim como cortar um nervo, cessa a transmissão de

um sentido porque o impulso elétrico não pode passar, a vida cessa

quando não há mais impulsos elétricos no cérebro. Para o epicureu

que aprendeu com Demócrito ou Lucrécio, ou o homem moderno

que limita o significado da vida a processos mecânicos e biológicos,

a influência mecânica atinge diretamente seu modus vivendi. “Se os

mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morre­

- 183 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

remos” (ICo 15.32) revela a filosofia decorrente da concepção de

morte a qual nos apegamos. Não há outro estágio de vida, apenas

aniquilação, um nada infinito, como pensava Jean Paul Sartre,

existencialista francês moderno.

Para os estóicos (cf. At 17.18), morrer era o clímax da vida.

Como Sócrates, os estóicos almejavam morrer com coragem, bela e

tranqüilamente. Assim, o espírito do morimbundo se une com a

mente espalhada em todo o universo. Era um modo de pensar que

aproximava-se do panteísmo. Assim Platão achava que pela morte

o homem era novamente unido ao ideal, o deus universal do mundo

de idéias. A personalidade individual desaparece como a gota de

água no mar. Também se assemelhava a doutrina budista do nirvana,

em que se esperava perder a consciência no eterno inconsciente.

PauEo apeSa aes filipenses para que o imitem

Que contraste notável encontramos em Filipenses 3. Em

primeiro lugar o apóstolo reage ao ponto de vista gnóstico: “Irmãos,

sede imitadores meus” (v. 17). Imitação requer o corpo; sem ações

visíveis, ou palavras faladas, torna-se impossível imitar o modelo.

Todos transmitimos modelos de ação aos nossos filhos, maneiras

de falar, agir ou tratar os outros, por intermédio do corpo. Mas

Paulo refere-se a sua vida em Cristo que fornecia um quadro atuante

que devia ser imitado pelos filipenses e por nós.

No meio do povo de Deus, havia e ainda há, “muitos... que

são inimigos da cruz de Cristo” (v. 18). Paulo julgou necessário

advertir os cristãos reais, repetidas vezes, acerca deste modelo oposto

ao que Jesus nos deixou na sua paixão. Paulo enfatizou sua mágoa

com lágrimas, “chorando”. Preciosíssimos candidatos para partilhar

a glória de Jesus Cristo (cf. Jo 17.22), foram desviados para atitudes

e ações inimigas do significado real da cruz. Enquanto a morte de

Cristo foi a ponte providenciada por Deus para efetuar o perdão e

negação do pecado, este pensamento satânico (cf. Mt 16.23), gloriava-se

na exaltação do pecado. Nestes versículos, Paulo não

condena os perseguidores, mas membros da comunidade que reivindicam

ter uma compreensão mais profunda da graça. Se comportavam

como os coríntios que se jactavam de uma liberdade tão

ampla que apoiaram integralmente a imoralidade do membro da

igreja que se atreveu a “possuir a m ulher de seu próprio pai” (ICo

5.1s). Afinal das contas, o “pecado” não passou de ato corporal!

- 1 8 4 -


E P ÍS T O L A DE PAULO AOS F1L1PENSES

Mas uma vez percebida a finalidade da cruz de Cristo, não seria

possível evitar a conclusão que o pecado inclui atos praticados pelo

corpo e pensamentos também. Paulo reconhecia que toda iniqüidade

nega a finalidade da morte agonizante de Cristo no calvário.

Por isso ele disse, “Longe de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso

Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu

para o mundo” (G1 6.14).

Jesus convidou os seus seguidores a tomar a cruz e segui-lo

(Mt 16.24). A cruz foi um eficaz instrumento romano de morte

cruel. Nela o corpo era preso, torturado e finalmente morto. “Estou

crucificado com Cristo”, confessou o apóstolo em Gálatas 2.20. Em

conseqüência, levava “sempre no corpo o morrer de Jesus para que também

a sua vida se manifeste em nosso corpo” (2Co 4.10). Como o corpo

do Filho de Deus foi traspassado e esmagado na cruz, Paulo deduziu

que todos que gozam do privilégio de participar no corpo de Cristo

(a sua igreja) devem também compartilhara mesma finalidade da

encarnação, isto é, extirpar o pecado do nosso corpo individual e

lutar para a santificação no corpo de Cristo (cf. ICo 5.6-8). É pelo

corpo que revelamos a realidade invisível do “homem interior” (cf.

2Co 4.16). Assim também o sacrifício perfeito de Jesus na cruz revelou

a realidade da sua vontade submissa ao Pai, que o aceitou como

expiação por nós (Hb 10.10). Mas os hereges judaizantes gnósticos

(cf. v. 2) eram inimigos da cruz. Um cristianism o m ental ou

“espiritual” bastava. Se ser cristão implicava em perseguição física,

fome, vida de pureza moral, e perda de conforto corporal ou status

na sociedade, porque não m odificar a doutrina? Tal foi a

transformação da verdade revelada que levaram seu destino do céu

para o inferno (v. 19, “perdição”). Seu “deus” foi destituído do alto

céu para se localizar nos apetites, tanto para alimentos suculentos

como para o sexo. A glória divina manifestada na encarnação, paixão,

ressurreição e exaltação de Cristo foi transformada na “infâmia” (gr.

aischune, “vergonha”, “práticas denunciadas pela própria sociedade

como inconvenientes e contrárias à moralidade” (cf. Ef 5.11,12). A

degradação de tal modo os dominou que não elevavam seus olhos

acima do mundo e os prazeres imediatos que ele oferece (v. 19b).

Não deixemos de fixar firmemente a ironia destas linhas do

texto sagrado. A busca da “boa vida” e a “liberdade” em Cristo,

afirmando o dualismo que abafava o corpo e exaltava uma espiritualidade

espúria, resultou na vida dominada pelos instintos mais

baixos. Talvez seja a razão pela qual o Novo Testamento apresenta

- 185 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

a “perdição”, que é destino deles, como um inferno físico. Não

encontramos um quadro de tormentos mentais, mas o “ranger de

dentes”, chamas e sede tão intensa que uma gota de água oferecería

um alívio tremendo (cf. Lc 16.24). “Adoraram” seus corpos,

colocaram a satisfação e prazer do físico em primeiro lugar, em vez

de dar prioridade ao reino de Deus (Mt 6.33).

Deus convida os seus filhos a oferecerem seus corpos como

sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (Rm 12.1). Ao contrário dos

que edificam um altar para o “deus ventre”, eles sacrificam o corpo

ao Criador como veículo de serviço e glorificação. Desse modo, o

corpo se manifesta como verdadeiro palácio ou templo do Rei divino.

Vejamos como Paulo avaliava o corpo nos versículos 20 e 21. Primeiro,

reconhecemos que somos cidadãos de um outro país. Filipos

era colonia romana. A população, na maioria, era composta de

cidadãos de Roma ainda que vivendo na Macedônia (hoje Grécia),

tendo os privilégios e responsabilidades dos romanos nativos. Os

cristãos também são cidadãos do céu, sua verdadeira pátria e destino.

Nossa vida no corpo mostra alguns inconvenientes. Mesmo

quem é portador do passaporte celestial, tem que aguardar pacientemente

(gr. apekdechometha) a vinda do nosso Salvador (v. 20) para

receber a libertação da “humilhação” que nossos corpos nos impõem.

Nesta vida pré-transformada (v. 21) os nossos corpos nos

humilham constantemente. Mesmo entregues totalmente a Deus,

isso não corresponde à realidade. Não seria agradável dar 24 horas

de serviço incansável a Deus? Não podemos. Não nos agradaria

oferecer todo nosso dinheiro para a obra de Deus (como a viúva de

Mc 12.41-44)? Não podemos, pois é necessário gastar com alimento,

aluguel, vestimenta e, às vezes com o médico. Nosso corpo se cansa

rapidamente; tem fome e sede pouco tempo depois de alimentado.

Não importa quanto nos preocupamos em tratá-lo bem, doenças

das mais variadas sortes o invadem e o derrubam. Passando os anos,

o corpo se enfraquece, aumentando ainda mais a nossa “hum i­

lhação”. O corpo reivindica conforto, segurança, sustento, beleza e

satisfação. Mas preocupar-se apenas com tais reivindicações apaga

a evidência de nossa cidadania celestial. Paulo escreve: “Esmurro o

meu corpo, e o reduzo a escravidão, para que tendo pregado a outros não

venha eu mesmo a ser desqualificado”(\ Co 9.27). Por isso quando Paulo

186-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

ensinava e exortava a igreja de Trôade durante toda a noite (At

20.7-12), não duvido que tenha se cansado mais do que Êutico que

se deixou vencer pelo sono (v. 9). Paulo aprendera com Jesus (cf.

Lc 6.12,22.39-46 e paralelos). Há ocasiões em que o corpo deve ser

subjugado para dedicar um serviço agradável a Deus.

Após mil outros golpes no próprio corpo, Paulo chegou a

Roma, condenado a prisão. Confinado a uma pequena cova abaixo

do nível da terra, se pudermos confiar na tradição incerta, sofreu

frio (cf. 2Tm 4.13), ausência de seus livros e solidão (2Tm 4.13,

16). O corpo reclamava, mas Paulo sacrificara seu corpo na esperança

da sua transformação “para ser igual ao corpo da sua glória”

(3.21). Provavelmente, Paulo foi decapitado. As moléculas e os

átomos que compuseram seu corpo há muitos séculos se separaram

do corpo que se decompôs. Mas a lei que domina toda a existência

orgânica neste mundo não vencerá a promessa nem o poder de

Deus. Ele tem poder, declara Paulo, para subordinar todas as coisas

a si segundo sua eficácia (v. 21), e demonstrada historicamente na

ressurreição de Jesus (cf. Ef 1.19, 20).

Na reintegração da nossa personalidade com o corpo transformado

igual ao corpo de Jesus Cristo, não teremos que lutar contra

o corpo, nem sentiremos mais a sua humilhação. Nunca mais

sentiremos cansaço ou fome. Cantaremos louvores sem enfado;

serviremos sem desejarmos férias. Tudo, e particularmente nossos

corpos, estarão subordinados na mais perfeita submissão a Deus.

Então, poderemos servi-lo sem qualquer impedimento.

Conclusão

Paulo começou este parágrafo exortando os filipenses a imitá-lo, o

que significa que devem valorizar seus corpos como ele o fez. Nós

tratam os o corpo como se fosse pessoal, i.e., o mais precioso

sacrifício que podemos oferecer ao nosso amado Senhor. Especialmente

devemos nos lem brar que quem entregou seu corpo ao

Senhor, apenas está reconhecendo a verdade fundamental que ele

não só nos criou, mas também nos comprou pelo sacrifício do seu

próprio corpo (ICo 6.19, 20). O corpo não pertence mais a nós.

Até que ponto nosso corpo reflete nossa cidadania celestial?

Temos, como Paulo, subordinado e escravizado nosso “homem

exterior” ou o estamos idolatrando? Somos inimigos da cruz de

Cristo ou carregamos diariam ente nossa cruz e o “m orrer de

- 187-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Cristo”? Se aceitamos realmente a Jesus Cristo como nosso Senhor,

implicitamente oferecemos nossa vida no corpo para que ele o

habite e o utilize. Que Deus nos mostre como imitar a Paulo que,

por sua vez, imitou a Jesus, dando-nos o incentivo do seu Espírito,

essencial a qualquer autodomínio.

0 contentamento ( 4 .1 - 7 )

4'Portanto, meus irmãos, amados e mui saudosos,

minha alegria e coroa, sim, amados, permanecei, deste

modo, firmes no Senhor. 2Rogo a Evódia, e rogo a Síntique

pensem concordemente, no Senhor. 3A ti, fiel companheiro

de jugo, também peço que as auxilies, pois juntas

se esforçaram comigo no evangelho, também com Clemente

e com os demais cooperadores meus, cujos nomes

se encontram no livro da vida. 4Alegrai-vos sempre no

Senhor; outra vez digo, alegrai-vos. 5Seja a vossa moderação

conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.

6Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém,

sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela

oração e pela súplica, com ações de graça. 7E a paz de

Deus, que excede todo o entendim ento, guardará os

vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus.

Introdução

Aprendi a dirigir com um primo que dava voltas num caminhão

que apanhava leite ao longo dos caminhos poeirentos da Carolina

do Norte, nos Estados Unidos. João dirigia um caminhão que levava

as latas de vinte ou trinta litros de leite das chácaras e sítios para a

usina onde se condensava e se enlatava o leite. O rótulo das latas de

leite comunicava aos consumidores que o leite viera de vacas

contentes. Eu sei pessoalmente que nem todas as vacas que forneceram

esse leite para a companhia “Carnation” estavam sempre

contentes. Tirando leite em certa ocasião, a vaca deu um coice no

balde que me molhou com todo aquele líquido branco. Então, eu

fiquei descontente!

O primeiro parágrafo de Filipenses 4 tem muito a dizer sobre

contentamento. Leiamos o texto dos primeiros sete versículos.

- 188 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FiLIPENSES

Alguém, com uma boa dose de sabedoria, acertou, na verdade,

ao declarar que contentamento estraga o mundo. Para esse crítico,

contentamento significava simplesmente acomodação e complacência.

Quem é complacente não se perturba com as favelas que

rodeiam as grandes metrópoles. Não se incomoda com os milhões

de mal-nutridos, morando em choupanas de velhos pedaços de

madeira e lata, onde a chuva e o frio penetram sem impedimentos.

O complacente não se importa com milhares de operários não registrados,

nem com muitos que tentam sustentar a família com o salário

mínimo ou menos, e não têm emprego seguro. Não se preocupa

com milhares de crianças que não freqüentam a escola, ou pior

ainda, são abandonadas por pais irresponsáveis. Complacência

abafa a corrupção, apoiando a decadência moral do povo. Conforma-se,

contudo, para não ter que se preocupar com o mal que corrói

o mundo.

Não é complacência que desejo comunicar com o vocábulo

“contentamento”. Quero, pelo contrário, lembrar-lhes de uma raiz

da palavra: contentamento, vindo de “contém” e “contido”. Trata-se

da vida cheia de satisfação, porque contém todos os elementos que

devem “encher” a vida. É o oposto da vida de sonhos, tempo e mentes

vazias, sem alvos alcançados por causa da indolência e ociosidade.

Contentamento é fruto de energia bem usada, decisões acertadas,

porque sob a direção de Deus se investiu o necessário para conseguir

os objetivos que ele colocou no coração. Foi Paulo que, aproximando-se

do fim da vida, escreveu para Timóteo: “De fato, grande

fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (lTm 6.6).

0 contentam ento de Paulo

Um dos termos básicos de Filipenses é a palavra “alegria”. Quatorze

vezes em forma nominal ou verbal o apóstolo menciona a alegria

que invade a vida cristã real. Da sua injusta prisão ele expressa seu

contentamento em primeiro lugar pela sua família em Cristo que

ele chama de “irmãos”. Mesmo estando preso, e ainda mais, enfrentando

a possibilidade de morte violenta, o velho apóstolo pensa

nos seus “filhos amados” duas vezes neste primeiro versículo. Emprega

o mesmo vocábulo grego que Deus Pai usou ao declarar que

Jesus era seu filho amado (Lc 3.22).

Amor pelos irmãos que compuseram a igreja de Filipos

encheu o coração daquele que investiu suor e sangue para ganhá-los.

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E P ÍS T O L A S

DA PR 1SA0

N aturalm ente, Paulo sentia contentam ento. O terceiro termo

“saudosos” traduz uma palavra cheia de emoção e profundo desejo,

que aparece apenas quatro vezes no Novo Testamento (duas em

Filipenses, veja também 1.8). Em lPedro 2.2 comunica o ardente

desejo que um nenen tem para o leite, e que o recém-convertido

deve ter para a Palavra de Deus. Saudade caracteriza o impulso

forte natural que leva os pais para estarem juntos com seus filhos

ou o marido e a mulher para eliminarem a distância que os separa.

Querer estar juntos surge da imensa apreciação e amor como se vê

no caso do jovem que fugiu de casa revoltado. Passados anos de

separação, repletos de variadas atividades repugnantes aos ideais

paternos sem ter-se comunicado com os pais, chegou ao desespero.

Idealizou um plano em função do fato que a estrada de ferro passava

nos fundos da casa de seus pais. Mandou um bilhete aos pais sugerindo

que pendurassem uma tira de pano branco visível do trem

onde passaria. Esse sinal indicaria o seu desejo de que o pródigo

voltasse para casa. No dia marcado, o jovem, desesperado e ansioso,

viajava rumo a sua cidade temendo a ausência de qualquer sinal de

convite para voltar a seu antigo lar. Grande foi a sua emoção ao

contemplar, não uma tira de pano branco, mas vinte ou trinta tiras

amarradas em ramos, arbustros e galhos! O jovem naquele instante

percebeu a profundidade da saudade imerecida que os pais guardavam

para com o filho rebelde.

A igreja era a “alegria” de Paulo. Esta quarta maneira de

descrever o contentamento com essa comunidade, dispensa maiores

comentários. Forneceram para o sofrido pastor-evangelista a alegria

de satisfação. Como um tesouro preciosíssimo, os filipenses amados

provocaram uma fonte de gozo a jorrar no coração de Paulo. Não

só durante esta vida apenas, mas para todo o sempre. O contentamento

com o fruto do seu trabalho na primeira igreja implantada

por Paulo no solo europeu (cf. At 16), o acompanharia.

O quinto termo descritivo, “coroa”, acrescenta a idéia de festa

e celebração. O stephanos (“grinalda”, “coroa”) não era feito de ouro

e pedras preciosas, porque não sinalizava autoridade de rei ou

imperador. Pelo contrário, comunicava heroísmo, por exemplo, um

atleta que ganhasse uma competição (cf. ICo 9.24,25). Assim era a

honra outorgada a um casal na festa de casamento. Uma coroa composta

de folhas e flores, posta na cabeça, marcava quem recebia o

reconhecimento dos hóspedes. Paulo lembra, portanto, aos filipenses

que eles tornaram sua prisão em salão de festa e ocasião de

IS Cl •


E P ÍS T O LA DE PAULO AOS FILIPENSES

celebração constante. Forneciam-lhe o sentimento de um herói

coroado. E quem é para nós tal motivo de celebração? Quem agora,

ou futuramente na eternidade será para nós o sinal do prêmio

ganho? O missionário David Brainard norrendo aos vinte e nove

anos de idade, após rigoroso desgaste na evangelização dos índios

norte-americanos, disse: “Não teria gasto minha vida de outro modo

por causa alguma no mundo”. Aí está a expressão de contentamento

na hora mais importante da vida.

Aos que tão importante contribuição ofereceram para seu contentamento,

o apóstolo pede firmeza no Senhor. Esta palavra que no

original quer dizer “ficar em pé”, o contrário de “abalado” ou

“derrotado”, se destaca no último capítulo de Efésios (6.11-14). Toda

igreja é alvo dos ataques inimigos, forças satânicas e tentações carnais.

Por causa da sua vulnerabilidade, Paulo manda que os filipenses se

mantenham firmes para manter a satisfação do “Pai da igreja”.

Logo que Paulo pensou na firmeza fundamental, veio-lhe a

mente uma das brechas que favorecem o abalo da igreja, que é a

falta de entendimento, Evódia e Síntique, valiosas cooperadoras

do apóstolo no início e depois com Clemente e outros, haviam

ajudado no avanço do evangelho. Mas, um desentendimento rachou

a comunhão, e não houve suficiente espiritualidade para consertá-la.

E de grande vantagem, numa hora dessas, ter um “fiel

companheiro de jugo” (possivelmente seu nome era Suzugo), capaz

de auxiliar as m ulheres na reconciliação de suas diferenças.

Literalmente elas devem pensara mesma coisa (frase já encontrada

em 2.2, onde Paulo exortou a igreja toda a pensar concordemente.

Sobressai nestes versículos a importância de cooperadores. Paulo

não valorizou o trabalho solitário. Timóteo e Epafrodito irão para

Filipos para representar o apóstolo (2.20,22,28). Novamente vemos

a im portância de Evódia e Síntique, do “fiel com panheiro”

(pastor?), de Clemente e os demais colaboradores (gr. sunergoi,

“trabalhadores juntos”). Paulo não orgulhou-se em trabalhar isoladamente

mas em equipe. Ficou contente em compartilhar seu galardão.

Seus nomes também estão inscritos no rol celestial dos

salvos, chamado o livro da vida (v. 3). Não creio que Paulo ficou

contente com seu próprio trabalho, mas com o sucesso da sua

equipe. Foram homens e mulheres que levantavam e sustentavam


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

as mãos do líder como Arão e Hur fizeram com Moisés (Ex 17.12).

Quando Jesus enviou seus auxiliares, os 12 discípulos e em seguida

os 70 missionários, voltaram jubilosos por causa do poder pelo qual

foram capazes de lutar contra o inimigo. Jesus, porém, lhes advertiu,

“alegrai-vos não porque os espíritos se vos submetem, e sim,

porque os vossos nomes estão arrolados nos céus” (Lc 10.20). Nosso

contentamento, portanto, não deve se afixar nos sucessos desta vida,

mas no relacionamento infindável com nosso Senhor.

Contentam ento nas circunstâncias

Nada fica mais claro do que a necessidade de os filhos de Deus

terem seu contentamento “no Senhor” e não nas circunstâncias

variáveis do dia-a-dia. Em Cristo, Senhor de todos os acontecimentos

que atingem nossas vidas, temos a possibilidade de manter

a esperança tranqüilamente. Fora da soberana vontade do Senhor,

onde se descobriríam bases para satisfação quando as crises e

problemas nos apertassem?

Quando a injustiça nos atinge, os insultos falsos nos degradam,

mudam o contentamento em queixumes e insatisfação. Quando

a situação nós decepciona até o ponto de querer agredir alguém,

como se alegrar no Senhor? Permitir surgir em nós aquele espírito

de amargura mortífera, nos destrói e facilmente se espalha pela

igreja. Paulo admoesta, “Alegrai-vos sempre no Senhor” (v. 4). Repete

a exortação feita anteriormente em 3.1. Só o Senhor pode transformar

nossa atitude de depressão e amargura em contentamento

e alegria.

Li a impressionante descrição de Alexander Solhenitzen

sobre “Um Dia na Vida de Ivan”, preso num campo de concentração

russo. Esta pobre vítima da injustiça do sistema ateu comunista,

terminou seu dia contente. Muitos toques de boa sorte o atingiram

naquele dia. Não o levaram para o isolamento. Não haviam despedido

a mulher que havia preparado seu arroz. Recebera uma tigela

extra de “casha”, portanto não sentia a fome tão aguda como sempre.

Seu trabalho desse dia foi erigir um muro. Sentiu prazer nisso.

Também tinha encontrado um pedacinho do seu serrote que escondeu,

esperançoso de um dia possivelmente usá-lo para preparar

meio de fuga. Não adoecera, o que era comum acontecer a maioria

dos presos. Foi um dia sem nuvem negra, portanto adormeceu

contente. Vale a pena contemplar a vida de quem sofre e aprendeu

- 192 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

o segredo do contentamento e lembrar das inúmeras alegrias com

que Deus galardoa nossas vidas.

Assim, faremos a nossa alma bendizer ao Senhor e não se

esquecer de nem um só de seus benefícios (SI 103.2).

Alegria no Senhor

A. W. Tozer observou com perspicácia que “quem tem Deus e mais

tudo o que há no mundo, não está mais bem colocado na vida do que

o homem que tem só Deus”. Foi semelhante verdade profunda que

Paulo desejava expressar com sua exortação repetida, “regozijai-vos

no Senhor, sempre”. Isaías predisse, 700 anos antes de Cristo, que os

remidos tirariam com alegria “águas das fontes da salvação” (12.3).

Apesar desta e outras promessas encorajadoras, muito crentes

revelam profunda insatisfação. As circunstâncias que Deus destinou

para sua disciplina, produziram ressentimentos e amargura. As fontes

da salvação não jorram águas alegres, louvor e gratidão, mas azedas

reclamações. Enquanto uns aprendem (como Paulo aprendera, v. 11)

a viver contentes e a extravazar um doce e suculento suco, outros se

assemelham a vinagre! Porque não aprender que Jesus Cristo é a

fonte de alegria do crente? Poderemos buscar nele, a qualquer

momento, o medicamento que substituirá nossa depressão com

alegria. Davi disse: “Como suspira a corça pelas correntes das águas,

assim por ti, ó Deus, suspira a minha alma” (SI 42.1, cf. v. 5,11). O mais

famoso filósofo dinamarquês do século passado, Soren Kierkegaard,

procurou durante sua vida o segredo de paz e contentamento. Era

religioso, mas no luteranismo do seu dia-a-dia, a hipocrisia reinava.

Encontrou muito pouco relacionamento pessoal com o Senhor vivo,

ressurreto, nas igrejas. Religião formal, nominal e morta abundava.

Kierkegaard escreveu o seu livro poderoso, entitulado Temor e Tremor,

no qual imaginava Abraão preparando-se e viajando até o Monte

Moriá. Mesmo nessa crise mais dura da vida, descobrimos Abraão,

por causa da sua fé dominante, quase alegre. Assim foi também com

nosso Salvador que nas horas precedendo sua traição e crucificação,

ofereceu a seus discípulos sua alegria e paz (Jo 14.26, 27; 15.11).

Kierkegaard externou um profundo cinismo com respeito à igreja

européia. Tinha anseio insaciável por uma fé que não ficasse prostrada

pelo confronto com a dureza da vida. Paulo mais do que exorta,

manda, em nome do Senhor, que os seus leitores (e nós) nos regozijemos

sempre no Senhor.

- 1 9 3 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Moderação evidente

Além da constante alegria que o crente deve mostrar, também

necessita de moderação que o mundo observará (4.5). A palavra

grega epieikês comunica uma atitude de consideração e grandeza

de coração, capaz de perdoar e desprezar os próprios direitos justos.

Contrasta-se com a brutalidade, excesso de rigor na aplicação da

lei em detrimento do réu. No AT este vocábulo expressa a graciosa

gentileza do governo de Deus (cf. ISm 12.22; SI 86.5). No NT

aponta para a personalidade mansa de Jesus que convidou os

fracos, necessitados e cansados a gozarem do seu alivio (Mt

11.28-30). A mansidão e benignidade de Jesus Cristo (2Co 10.1),

formam uma base para a exortação de Paulo aos coríntios que tão

obviamente careciam dessa qualidade. Mas a igreja de Cristo deve

ter renome pela benignidade e gentileza que a caracterizam .

Dem onstrar serenidade é uma das qualidades mais aparentes no

contentamento. O cristão que reivindica para si o direito de julgar

o próximo (cf. Tg 4.11, 12), condenando sem brandura ou m ansidão,

toma o lugar do amoroso juiz, Jesus, apontado para julgar

os homens. Fica patente que, à medida que a igreja perde sua

benignidade “diante dos homens”, perde também sua qualidade

de povo convidativo e contente.

0 Senhor voltará em breve

Enfim, lembra-nos Paulo neste mesmo versículo que o Senhor está

perto. Quer dizer que Cristo logo julgará com perfeita eqüidade os

iníquos do mundo. Ele em breve voltará. Não é necessário tentar

nos vingar dos que nos trataram com injustiça. Assim o povo de

Deus novamente mostrará seu contentamento. A segunda vinda

de Cristo marcará finalmente a implantação do governo perfeito e

justo. Não é de nossa competência impor à sociedade uma justiça

humana, mas anunciar a solução presente e vindoura porque “perto

está o Senhor”.

A paz do Senhor

Um dos mandamentos menos observados pelos filhos de Deus é o

de não perm itir que a ansiedade sobre coisa alguma penetre no

coração (v. 6). Talvez você seja semelhante a uma panela de pressão

194


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

que à medida que as circunstâncias se tornam mais e mais quentes,

a pressão aumenta. Lembro de ter visto uma vez no teto de uma

cozinha, o efeito da excessiva pressão de vapor numa panela que

acabou explodindo. Descontentamento se externa com reclamação

e queixumes. Mas, reprimido no coração, poderá levar a uma explosão

com conseqüências incalculáveis. E como é difícil perdoar quem

perdeu o controle, particularmente aquele que se dizia “crente”.

Semelhante ao erro permanente ou ao pecado que nunca tem perdão

é aquela ansiedade que não se neutralizou na “paz de Deus” (v. 7),

aumentando até explodir em palavras ou atos violentos (Tg 3.8-12).

Meus amados leitores, já conseguiram experimentar a “paz

de Deus que excede todo o entendim ento”? Como o óleo que

“excede” porque absorve a alta temperatura do motor, e ao mesmo

tempo lubrifica todos os pontos de pressão e atrito, assim acontece

com a paz divina. Ela emana da segurança absoluta, de que todas

as circunstâncias que surgem na vida, especialmente as que estão

fora de nosso controle, são as melhores para mim. Deus, nosso Pai

onipotente, onisciente e amoroso, escolheu cada detalhe da vida

passada e futura para nosso bem.

A promessa da paz que excede e que guardará nossos corações

e mentes em Cristo Jesus (v. 7), evidentemente, não foi oferecida a

todos os cristãos! Doutra maneira não havería crentes preocupados

com o presente e temerosos do futuro. Como se explica a falta de

paz em tantos corações? Deus inspirou seu apóstolo a escrever as

palavras infalíveis deste versículo. Mas na experiência do dia-a-dia,

as mentes e coração dos irmãos são mais pertubados que as ondas

do mar num furacão (cf. Jo 14.17; 2Co 2.13). Não é de admirar que

o mundano incrédulo, na maioria dos casos, procura o psiquiatra

para ajudá-lo a conquistar sua ansiedade, e não a igreja de Cristo.

Se esta paz que excede o entendimento estivesse à venda, muitos se

prontificariam a pagar milhões para adquiri-la. Mas se os seguidores

de Cristo não tem a solução, como se espera que os descrentes

acreditem nesta promessa?

Não creio que Paulo sugere que a paz celestial dominará o

coração de todo crente como as águas cobrem o mar. Se a divulgação

desta paz fosse automática, não havería no texto o mandamento

aos crentes, “Não andeis ansiosos de coisa alguma” (v. 6). Mas a segunda

parte desse versículo manda que “em tudo porém, sejam conhecidas

diante de Dem as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações

de graça”. O antídoto à ansiedade e descontentamento não encon­

- 1 95-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

tra-se em outra ação senão na oração de fé. A palavra “porém” {alia

no grego) expressa nitidamente o contraste. Pensamentos que trazem

ao coração revoltantes e horríveis possibilidades devem ser

vencidos pela comunhão com Deus na oração, juntamente com

petições específicas e marcadas com “ações de graça”. Quando oferecemos

o verdadeiro sacrifício de gratidão a Deus (cf. Hb 13.15,16),

admitimos que ele tem o direito de nos atender segundo lhe parecer

bem. Reconhecemos abertamente que Deus faz com que todas as

vicissitudes da vida cooperem para o bem daqueles que o amam

(Rm 8.28). Lancemos nele toda nossa ansiedade. Descansaremos

no cuidado que ele tem por nós (lPe 5.7).

Se observarmos, de fato, as condições tão claramente expostas

por Paulo, a paz de Deus “guardará” nossos corações e mentes. O

termo, guardará (no grego phrourevõ) literalm ente sugere uma

proteção interna. Em 2Coríntios 11.32, o rei Aretas tentou evitar a

fuga de Paulo, com um destacamento de soldados dentro da cidade

de Damasco. A palavra significa proteção interna potente ou

invulnerável aos ataques externos. Com a oração eficaz colocamos

sentinelas às entradas da mente e do coração para impedir a penetração

de pensam entos oriundos do tentador. Satanás deseja

ardentemente expulsar a paz de Deus do íntimo do cristão, sabendo

que desse modo estará pondo em dúvida a própria fé dos salvos.

Conclusão

O direito do crente é o contentamento. A insatisfação representa o

sintoma de algo errado, precisando ser corrigido. Neste parágrafo

tao sugestivo, Paulo apontou para sua satisfação com a comunidade

dos filipenses e seus auxiliadores que labutavam no ministério

pastoral. Ficou descontente, sem dúvida, com o desentendimento

que tornou as cooperadoras Evódia e Síntique inimigas, mas contava

com um fiel companheiro junto a Clemente e outros obreiros para

resolver a questão.

Os fatores elementares do contentamento, frisados por Paulo,

são: 1) alegria no Senhor, não nas circunstâncias sujeitas a tão

bruscas mudanças. 2) um espírito tolerante e misericordioso que

se afasta da obrigação de cobrar todos os direitos, ou vingar-se de

todas as injustiças. 3) Paulo apresenta a ansiedade como pecado, o

oposto da oração e gratidão. Por meio da petição e confiança no

Senhor, podemos usufruir da sua paz interna, não importando as

- 196-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

circunstâncias ameaçadoras. Busquemos incansavelmente esta

“grande fonte de lucro [que é] apiedade com contentamento” (lTm 6.6).

0 Deus da paz será convosco (4 .8 -13 )

8Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo

o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro,

tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma

virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe

o vosso pensamento. 90 que também aprendestes, e recebestes,

e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus

da paz será convosco. 10Alegrei-me sobremaneira no

Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu

favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis antes,

mas vos faltava oportunidade. "Digo isto, não por causa

da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e

qualquer situação. 12Tanto sei estar humilhado, como

também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias

já tenho experiência, tanto de fartura,.como de fome;

assim de abundância, como de escassez; 13tudo posso

naquele que me fortalece.

Introdução

Poucos anos atrás, dormindo num a dependência de um acampamento

no Piauí, acordei bem antes do sol despontar. Ouví o ruído

familiar de asas batendo dentro do quarto sem teto. Só depois de

algumas horas verifiquei que não se tratava de um passarinho como

pensava, mas morcegos. Agilmente entravam e saíam a procura de

insetos invisíveis na escuridão. Os morcegos equipados com um

tipo de radar sonoro não encontravam dificuldade alguma em

descobrir aberturas por onde entrar e sair. Lembrei-me da observação

verdadeira. Não podemos evitar que os “morcegos” sobrevoem

nossas cabeças, mas não somos forçados a lhes perm itir fazer ninhos

em nossos cabelos!

Pensamentos são companheiros constantes enquanto vivemos

acordados. O apóstolo aprisionado deve ter contemplado o aparecimento

de inúmeros pensamentos.

No v. 6 acima, Paulo exortou os filipenses a não andarem

ansiosos de coisa alguma. A ansiedade reflete pensamento sobre

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

possíveis acontecimentos desastrosos do futuro que amedrontam o

indivíduo que permite tais “morcegos” penetrarem em sua mente...

Vimos que a maneira mais efetiva para combater pensamentos

negativos tais como o medo do futuro, é pela oração.

Pensamentos vigiados

No versículo 8 Paulo reapresenta o lado positivo em relação à mente.

Um filho do Rei dos Reis, deve prestar homenagem ao Deus que

lhe concede paz que não pode ser explicada humanamente (v. 7),

concentrando sua atividade mental em “tudo que é verdadeiro, tudo

o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é

amável, tudo o que é de boa fama”.

Creio que Deus quer que tornemos um hábito esta triagem

do nosso pensamento. Aprendemos com a assistência do Espírito,

que foi outorgado para santificar nossa mente, a vigiar as aberturas

por onde entram “morcegos”. Tanto ‘virtude” como “louvor” oferecem

uma meta para focalizar a ocupação da mente (v. 8b).

Tudo o que é verdadeiro

A primeira ocupação da mente que devemos manter é entitulada a

“verdade”. Só devem passar pelas veredas do cérebro pensamentos

que não sejam hipócritas e falsos. Freqüentem ente, nós nos

encontramos em ambientes onde fofocas e rumores são espalhados.

Criam-se suspeitas e dúvidas acerca de irmãos que raras vezes estão

perto para se defender. Um pastor por mim admirado teve a feliz

prática de perseguir os fatos logo que surgisse qualquer comentário

sobre um membro da igreja. O confronto imediato com os fatos,

não raro, fechou a boca do fofoqueiro. Falsos pensamentos são

gerados onde a verdade não é virtude valiosa.

Acredito que o termo “verdadeiro” não define simplesmente

fatos verídicos, mas focaliza o que denominamos “genuíno”. Jesus

reivindicou ser “a verdade” (Jo 14.6), não no sentido de uma enciclopédia

cheia de fatos e mínimos erros, mas por ser uma pessoa que

é a fonte da realidade. Ele se apresentou como o oposto de toda

ilusão, falsidade, maldade disfarçada e mudança (Hb 13.8). Ele

encarna o eterno “Amém” (verdade imútável, 2Co 1.20; Ap 3.14).

Pecado, na sua raiz, não passa de mentira, uma depravação da natureza

santa de Deus. Conseqüentemente, conhecer a verdade (quer

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

dizer, entregar-se a Cristo) liberta do pecado (Jo 8.32). Jesus Cristo

nos oferece em si mesmo a eterna fidelidade (sentido básico de

“amém”) de Deus. Pensar no verdadeiro seria manter na mente

apenas o que é coerente com a natureza, vontade e lei do Criador.

Tudo o que é respeitável

Pensar no que é respeitável comunica a idéia de limitar a entrada

ao laboratório da m ente ao que é nobre (semna no original).

Conceitos paralelos como “venerável”, “sério”, “digno de reconhecimento

elevado”, igualmente emanam deste vocábulo. Este termo

se destaca nas epístolas pastorais. O pastor deve criar os seus filhos

“com todo o respeito” (lT m 3.4). Os diáconos devem ser “respeitáveis”

(como também as mulheres, lT m 3.8, 11). Os velhos das igrejas

devem apresentar esta qualidade que comunica seriedade moral,

na intenção interior e comportamento externo. Piedade íque se

manifesta na vida ordeira está em vista.

Pensar naquilo que se qualifica pela nobreza e dignidade

proíbe os “morcegos” de penetrarem na cabeça, que na melhor das

hipóteses, são frívolos e caóticos (cf. M t 12.26). Quando os pensamentos

se exteriorizam através de palavras e frases, longe de baixarem

o nível de pensamentos sobre os amigos, elevam-nos. Creio

que a responsabilidade de manter um alto padrão de pensamento

depende dos amigos que escolhemos e do que lemos e vemos na

TV Ouvir conversas, ler livros ou artigos e acompanhar programas

prepara dos para capturar nossos pensam entos, seguram ente

escravizarão nossos cérebros àquilo que apreciamos.

Por isso, necessitamos de um guarda “respeitável” para

proibir a entrada de tudo que tem a forte tendência de dim inuir a

nobreza do nosso pensar.

Tudo o que é justo

A justiça deve cercar os pensamentos do cristão genuíno como os

muros de uma cidade medieval. Paulo escolheu este termo para

englobar o mais amplo conceito do que é certo, visto do ponto de

vista divino. Deus sendo absolutamente justo na sua pessoa, revela

na sua lei a justiça que ele exige das criaturas formadas segundo a

sua imagem (cf. Rm 7.12). Desse padrão divino os homens deduzem

o que representa o certo ou errado. A lei pode ser justa, mas se o

199-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

nosso pensamento não se apegar com profundo amor aos mandamentos

do Senhor, seremos controlados pela força do mal que nos

conduz contra nossa própria vontade (Rm 7.19-21).

A retidão no pensamento certamente renunciaria às imaginações

da carne em que outrora (antes da conversão) andávamos

(Ef 2.3). Moisé escreve em Gênesis 6 por que Deus foi obrigado a

julgar a hum anidade pelo dilú^zo. “Viu o Senhor que a maldade do

homem se havia multiplicado na terra, e que era continuamente mau

todo desígnio do seu coração” (v. 5). Jesus também enfatizou que

ritos de purificação religiosos não adiantam enquanto não se

efetua uma transformação radical na fonte dos seus “maus desígnios”

(Mc 7..21).

Pela ação do Espírito, a mente cristã pode ser capturada para

servir a Cristo. Paulo, escrevendo aos coríntios, admite que ainda

que ninguém tenha direito de instruir o Senhor, “Nós, porém, temos

a mente de Cristo” (ICo 2.16). Trata-se de homens espirituais (também

maduros, 3.1; 2.6), que, pela renovação da mente, rejeitaram a

mente moldada segundo “este século” para “experimentar a boa,

agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). Sujeitando-se ao

poder do Espírito, podemos levar cativo todo pensamento à obediência

de Cristo” (2Co 10.5b).

“Tudo o que é justo”, portanto, não visa simplesmente ocupara

mente com as nobres idéias dos líderes humanos que detêm

os prêmios Nobel de literatura, ou paz. Ordena que nos preocupemos

com a purificação da massa cinzenta (Mc 7.21,22) que gera

nossos pensamentos egocêntricos e que a substituamos pelo pensamento

de Cristo.

Tudo o que é puro

Pureza ressalta, tanto em grego como em português, o significado

de “limpeza”, de ser não-contaminado ou poluído. Mente pura deve

ser mente casta, como a “virgem pura” que Paulo idealizava para a

igreja ao comparar os coríntios a uma moça aproximando-se das

núpcias (2Co 11.2). Divide-se o emprego deste vocábulo no Novo

Testamento entre pureza sexual e a observação santa do culto a

Deus com o coração leal e singelo. Contemplando a vinda de Cristo,

o cristão reconhece que será semelhante a ele e “purifica a si mesmo”...

assim como ele épuro” (ljo 3.3). A lavagem dos pés dos discípulos

depois da última ceia foi praticada por Jesus para simbolizar o

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EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

arrependimento repetido com intuito de ser purificado e manter a

comunhão com o Mestre (Jo 13.5-11; 15.3).

Entre os “morcegos” que mais perturbam a mente do cristão,

se destaca a impureza sexual. Encabeçam as listas dos pecados nas

Epístolas que os seguidores de Cristo devem mortificar, “prostituição,

impureza, paixão lasciva, desejo maligno e avareza” (Cl 3.5; Ef 4.19;

5.3; lTs 4.5, 6). Nossa cultura ocidental estimula o pensamento

impuro por todos os meios que dispõe: propaganda, revistas, quadros,

programas sensuais na TV, filmes eróticos, livros e conversas

sugestivas.

Aos tessalonicenses, Paulo lembra que o pensamento impuro

caracteriza “os gentios que não conhecem a D eus” (lTs 4.5).

Representa uma ofensa contra Deus que ele não deixará de punir

(v. 6). Jesus também advertiu contra o acúmulo de pensamento

impuro no coração. Para Deus a intenção equivale ao ato de adultério

(Mt 5.28). A seriedade do pecado mental também descobrimos

nos versículos que seguem. “Se o teu olho... tefaz tropeçar, arranca-o...

Se a tua mão... te faz tropeçar, corta-a...” (v. 29, 30). O perigo que

Jesus aponta é o de ser lançado no próprio inferno.

Nunca esquecerei as lágrimas que correram da face de um

pastor colega, ao testemunhar a derrota que tinha sofrido nos pensamentos

impuros. Parece que a confissão tão dolorosa é comparável

a arrancar um olho e lançá-lo para longe. Fortalece a última petição

da oração que Jesus ensinou: “Não nos deixes cair em tentação, mas

livra-nos do mal” (Mt 6.13).

Pensar em tudo o que é puro seria possível pelo preparo de

uma peneira para evitar que nossos olhos e ouvidos contemplem o

maculado e o degradante. “A impudicícia e toda sorte de impurezas, ou

cobiça, nem sequer se nomeie entre vós, como convém a santos” (Ef 5.3).

Conceitos puros, pensamentos edificantes, estimulados pela

palavra aplicada pelo Espírito Santo, são os únicos que devem ter

acesso ao nosso cérebro. Como seres libertos da corrupção que há

no mundo (ICo 6.11), temos a incumbência de escolher as fontes

de nosso pensam ento para m elhor combater as tentações que

assediam a mente.

Tudo o que é amável

O vocábulo original (prospbilê “o que conduz à amizade”) só se

encontra no Novo Testamento. Pensar naquilo que promove o amor

-201 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

parece ser, à primeira vista, não apenas uma recomendação boa,

mas fácil de entender. O ser hum ano, por natureza, quer ser

apreciado e amado. Amizade representa o que mais valorizamos

na vida. Porque encontramos então uma ordem divina para pensar

de modo amável?

A resposta a tal pergunta, parece estar num fato fácil para

verificarmos. Não é difícil acumular pensamentos positivos acerca

das pessoas de nosso círculo que nos apoiam, que nos valorizam e

nos fazem sentir bem. Mas dos rivais e concorrentes é bem difícil

não pensar criticamente. Suspeitas e invejas caracterizam o oposto

de pensarem tudo o que é amável.

Pelo grande número de palavras que Paulo usa para descrever

as obras da carne que separam os irmãos, devemos concluir que a

mente está mais disposta a pensar belicamente do que amavelmente.

Considere esta lista: “Inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias,

dissenções, facções e invejas” (G15.20,21). Todas são qualidades más.

Infelizm ente, aparecem no relacionam ento entre irm ãos na

comunidade da graça e exteriorizam assim o que se passa nas mentes.

Estes “morcegos” devem ser expulsos o quanto antes sendo substituídos

pelo fruto do Espírito (G1 5.22, 23). Jesus declarou no mais

famoso sermão de todos os tempos, “Não julgueis para que não sejais

julgados. Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados” (Mt 7.1,2).

Pensamentos longânimos, que suportam os irmãos em amor

(Ef 4.2) são úteis para tecer laços de amizade. Perdão oferecido na

mente e em seguida por palavras, sinaliza o perdão divino que todos

os crentes reivindicam (Ef 4.32; Mt 6.14). Porque não concentrar

um amor deliberado no irmão menos amável da igreja? Porque não

levantar uma onde de comentários positivos e verídicos a respeito

do irmão que mais desprezo suporta? Pensar em tudo que conduz

para amizade granjeia um grande galardão.

Tudo o que é de boa fam a

O sentido do vocábulo que significa “boa reputação” ou “fama”

(■euphêma, no grego) não é difícil de captar. Pensamentos devem

gravitar na direção de tudo que merece louvor e comentários de

apreciação. A propaganda aumentou assustadoram ente com o

advento dos meios de comunicação em massa. Todo produto que o

consumidor deve adquirir para criar lucros para o produtor, tem a

boa fama do propagandista. Com certeza, o apóstolo rejeitaria

- 202-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

valorização deliberada só para aumentar as vendas. A ordem divina

é para que deixemos penetrar em nossa meditação cerebral o que

merece bons comentários e que tem valor real intrínseco. O erro

dos gnósticos libertinos que se gloriavam na “infâmia” (3.19) foi

justamente de não cogitar os valores eternos. “Só se preocupam com

as coisas terrenas” (v. 19b).

Os pensamentos filtrados pela peneira do Espírito, levam a

mente a cogitar o que tem boa fama e que vem “dele e por meio dele

epara ele” (Rm 11.36). A criação vem de Deus, podemos valorizá-la

conquanto não esqueçamos a natureza temporária da presente época

ou século contaminado pelo pecado e aguardemos esperançosos o

novo mundo vindouro, (cf. 3.20).

Para completar a lista das qualificações do pensamento do cristão,

Paulo acrescenta mais duas restrições. Primeiro, deve haver louvor

surgindo da atividade cerebral. Como água fervendo cria vapor

naturalmente, nossos pensamentos devem produzir louvor da nossa parte

e dos que compartilham nosso modo de encarar a realidade (SI 34; 2,3).

Segundo, deve-se lim itar o pensamento pela virtude que

reside nele Virtude (aretê vocábulo predileto na ética helenista)

significava para os gregos, toda atividade excelente, valiosa, benéfica

para a sociedade (cf 2Pe 1.5) O famosos comentarista J. B. Lightfoot

achou que Paulo apontava para qualquer valor que ainda por acaso

residisse no conceito pagão de virtude. O amor que une uma família

seria um valor que não deve ser renunciado simplesmente porque

é reconhecido como virtude na ética dos mundanos.

Concluímos que o cristão não deve deixar a mente acumular

pensamentos inconvenientes ou “morcegos” descontrolados. O

Espírito Santo veio nos habitar (Jo 14.17) para produzir o fruto de

domínio próprio (G1 5.23) que começa no coração, filtrando os

pensamentos.

0 cristão deve ser um modelo

Páulo não termina a sua exortação no mundo privativo da mente. Todo

cristão cria um círculo de influência a seu redor. Devemos aspirar que

os que recebem nossa influência não provoquem vergonha.

O apóstolo ordena a igreja de Filipos a praticar, isto é, fazer

reviver a vida de Paulo em cada membro. Dependia deles pôr em

prática o que Paulo ensinou (emathete, “Aprendeste como discípulos”,

cf. M t 28.19). Os cristãos filipenses também receberam de

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EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Paulo o que deviam realizar. Deve referir-se a transmissão da

tradição (comp. parelabete aqui com ICo 11.23; 15.3 que tem o

mesmo vocábulo). A tradição cristã com origem nas palavras e vida

do Senhor Jesus, não deve ser menosprezada mas praticada e

transmitida para a nova geração.

Ouvir a Paulo ensinar e exortar com respeito à vida cristã

deve ter sido muito emocionante. Com lágrimas, intenso amor e

preocupação, o apóstolo encorajava os seus ouvintes (veja At 14.22,

20.9, 31). Roga aos filipenses que não se esqueçam de fazer o que

ouviram da sua boca. Freqüentemente, ouvimos a mensagem no

culto, mas logo que deixamos o santuário conversamos sobre tudo,

menos como pretendemos concretizar o que Deus acaba de nos

falar pela Palavra. Este hábito insensibiliza o coração.

Não só os ouvidos, mas também os olhos, são conclamados a

dar assistência aos irmãos na imitação e obediência prestada a Paulo.

“O que viestes em mim, isso praticai” (v. 10). Aprendemos melhor

quando vemos como o herói modela a vida. D. James Kennedy,

autor do livro Revolução na Evangelização, exortava os membros de

sua pequena igreja a evangelizar. Deu um curso intenso sobre como

ganhar homens para Cristo. Porém, somente quando ele mesmo

saiu várias.vezes com um presbítero para dem onstrar como

conversar com incrédulos, é que começou a revolução da evangelização

na sua igreja (hoje com milhares de membros).

Assim, o discipulado, a tradição (preservada nos evangelhos),

o ensino e a demonstração devida, devem se unir ao pensamento

filtrado (v. 8), para criar uma igreja em que Deus espalha sua paz.

Shalom (paz em hebraico) comunica um conceito de bem-estar,

harmonia e vitalidade. A promessa que Paulo estende aos irmãos é

no sentido do Deus da paz estar com eles. Cristo prometeu estar

com seus discípulos (e certamente com seus sucessores) até o fim

do século (Mt 20.28). Nesta promessa descobrimos a autoridade da

igreja para vencer todo inimigo e conquistar todo problema que o

povo de Deus é obrigado a enfrentar (cf. SI 27.1; 91.1-16).

0 contentamento que o crente deve expressar

Nos versículos 10-13, Paulo exterioriza seu profundo contentamento

com a oferta que os filipenses mandaram pelas mãos de Epafrodito

(2.25-30). “Alegrei-me sobremaneira no Senhor” revela que sua

satisfação não se baseava na oferta em si, mas no Deus que mais

- 204-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

uma vez renovou sua bondade por intermédio dos filipenses (4.10).

“Renovastes” representa o vocábulo, anathallõ, literalmente uma

planta que brota com folhas e flores de novo. A preocupação dos

filipenses por causa da prisão de Paulo, finalmente causou ação no

levantamento e envio do donativo. Acredita-se que eles teriam

mandado o donativo antes, mas não descobriram meios propícios.

Mas o apóstolo não deseja que a igreja se sinta culpada porque

não conseguiu enviar antes sua oferta. “Digo isto, não por causa da

pobreza” (lit. husterêsis, quer dizer, falta). A fé de Paulo não permitiu

que guardasse uma palavra como “falta” no seu vocabulário. Paulo

confessa que aprendera a (emathon, “ser instruído como discípulo)

viver contente em toda situação (v. 11). Quem ensinou ao apóstolo

tão importante lição? Não seria o próprio Senhor Jesus que recusou

fazer de pedras pães, ainda que passando cruciante fome depois de

40 dias de jejum (Mt 4.3, 4)? Foi ele quem combateu a preocupação

desnecessária dos discípulos com o pão (Mc 8.16-21) e

reivindicava um a com ida não m aterial desconhecida pelos

discípulos (Jo 4.32-34).

Paulo empregou um termo apreciado pelos estóicos para

com unicar seu contentamento: autarkês, lit. “auto-suficiente”,

indicando independência de circunstâncias externas, usado também

para quem se auto-sustenta. Revela uma força interior arraigada

na fé num Deus todo-poderoso que faz com que “todas as coisas

cooperem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).

A vitória interna de Paulo sobre a ansiedade não foi obtida

pela força de pensamento positivo, ao modo de Norman Vincent

Peale ou R. Schuller, mas por meio de um aprendizado que segue

naturalm ente à crucificação com Cristo (G1 2.20). Por isso ele

escreve: “...sei estar humilhado” (v. 12). Saber, vem pela experiência,

observação e interpretação do mundo exterior no fundo do coração

em que a fé cria convicção absoluta. “De tudo (gr.panti, singular) e

em todas as circunstâncias (pasin, plural) tenho experiência (memuêmai,

lit. “tenho sido iniciado numa religião mistério”). Faz uso desta

palavra para dizer quão profunda foi a experiência de ser inserido

na plena confiança de depender de Deus em tudo, inclusive o

afastamento da preocupação natural humana com o pão cotidiano.

“Humilhado”, neste contexto, não se- refere a reação psicológica

que cria ou revela a vergonha, mas uma diminuição de recursos

materiais. Fome ou miséria simplesmente não preocupavam a

Paulo. Estava profundamente contente.

- 205-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Mais um ponto nos chama a atenção. Aparentemente, o

apóstolo achou mais necessário ser instruído como reagir frente a

abundância do que frente a miséria. Duas vezes escreve no original,

perissevein, “ser honrado”; “abundância” (v. 12). Esta palavra trata de

transbordar, receber mais do que necessário. Para a maioria de nós,

não parece ser desafio algum ter mais do que precisamos. Torna-se

claro que Paulo percebeu tanto em fartura como em escassez uma

prova, ou mesmo uma tentação. O aumento de bens materiais, o

salário crescendo, ou uma herança recebida, desafia o cristão a

procurar saber o que Deus pretende com “bênçãos” assim. Temos

certeza que toda abundância vem para testar nosso amor a Deus e

ao nosso irmão. A “benção” não vem para nos fartar mas para

“acudir ao necessitado” (Ef 4.28). Deus nos dá para investir em

amigos que virão um dia nos dar as boas vindas “nos tabemáculos

eternos” (Lc 16.9, 6.38). Paulo testemunha acerca do que fez com o

que transbordava (At 20.34). Escreveu para os coríntios que a

abundância deles deve suprir a falta dos crentes judeus em

Jerusalém (2Co 9.14).

Paulo encerra sua majestosa declaração com as palavras

freqüentemente citadas, “Tudoposso naquele que me fortalece” (v. 13).

Aqui deparamos com o segredo do contentamento incessante, da

paz e dos pensamentos controlados pelo bem. Consideremos esta

afirm ação m ais de perto. Tudo (panta, “todas as coisas ou

circunstâncias”) posso (ischuõ, tenho força”, posso aguentar) naquele

que me está fortalecendo (endunamounti, “capacita”, “fortalece”, que

vem da raiz, dunamis, “poder”, “milagre”, cf. At 1.8). Paulo não

sugere que o segredo de suportar a dura vida como preso, a tortura

da forme ou a ansiedade de prever o martírio (cf. 1.20) esteja na

sua própria disciplina ou autocontrole. Pelo contrário a explicação

se encontra unicamente na constante (tempo presente) dinâmica

da comunhão fortalecedora com Jesus Cristo pela atuação do

Espírito Santo. Para fazer outra colocação, o contentamento do

missionário perseguido é uma dádiva gratuita, graças à realidade

do poder miraculoso de Deus.

Conclusão

Esta passagem começou apelando para o pensamento controlado

por Deus. Prosseguiu com um convite para praticar os ensinamentos

transmitidos por palavras e pela vida de Paulo, assegurando-nos a

- 2 0 6 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

presença de Deus que dissemina a paz. Termina nos v. 10-13 revelando

a transbordante alegria, sentida por Paulo ao constatar

novamente que Deus supria todas as necessidades, materiais e

pessoais. Quantos de nós poderiamos testemunhar tão bela comunhão

com Aquele que nos amou e entregou-se a si mesmo por nós?

A necessidade e o suprimento (4 .14 -2 3 )

14Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha

tribulação. I5E sabeis também vós, ó filipenses, que no

início do evangelho, quando p a rti da M acedônia,

nenhuma igreja se associou comigo, no tocante a dar e

receber, senão unicamente vós outros; 16porque até para

Tessalônica mandastes não somente uma vez, mas duas,

o bastante para as minhas necessidades. 17Não que eu

procure o donativo, mas o que realmente me interessa é

o fruto que aumente o vosso crédito. 18Recebi tudo, e

tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito

me passou às mãos o que me veio de vossa parte, como

aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus.

19E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de

suprir em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades.

20Ora, a nosso Deus e Pai seja a glória pelos séculos dos

séculos. Amém. 21Saudai a cada um dos santos em Cristo

Jesus. Os irmãos que se acham comigo vos saúdam. 22Todos

os santos vos saúdam, especialmente os da casa de

César. 23 A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso

espírito.

Introdução

Enquanto meditava na mensagem destes versículos, ocorreu-me

um novo pensamento, ainda que velho, sem dúvida, para alguns.

Surgiu-me a idéia de que Deus desenhou este mundo para funcionar

no princípio de necessidade e suprimento. Esta ecologia global

explica satisfatoriamente tudo que doutra forma seria apenas mistério.

Por exemplo, imagine uma semente sem terra onde fosse capaz

de germinar, se desenvolver e criar plantas que produzem outras

sementes. Semente sem solo seria um ponto de interrogação — não

imaginaríamos porque veio a existir. Mesmo que acreditássemos

- 207-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

numa inteligência e poder suficientes para fazer uma semente, não

estaríamos em condições para descobrir sua razão de ser.

As plantas necessitam de luz para crescer. Não achariam

estranho plantas que não se desenvolvem porque não há luz? Num

mundo distinto do nosso, como a lua, não existe água nem mar.

Impossível é cogitar uma criação como a nossa sem chuvas, rios,

mares e atmosfera. A ecologia da criação de Deus está de tal modo

gravada em nossa consciência que necessita de suprimento.

Que achariam de corpos sem vida? Lembro-me de uma vez

no porão de uma catedral de Dublim, na Irlanda, apertei a mão de

um senhor que participou de uma cruzada há mais de oitocentos

anos passados. Claro que este veterano não estava vivo, mas seu

corpo secou como a múmia de um faraó. Não havia mal cheiro

provocado pela decomposição, nem atraía a concorrência como um

velório de um amigo recentemente morto. Como seria ter corpos

assim, sem vidas em nossas casas, escolas ou igrejas? Assim nossa

civilização manifesta sua inteligência.

Para nossas estradas produzimos carros, ou vice-versa. Carros

sem ruas ou estradas sem carros nos pareceríam uma loucura. Os

cientistas tentam descobrir a utilidade daquelas linhas de quilômetros

de comprimento, perto de Nasca ao longo da costa peruana.

Parecem caminhos mas não ligam centros de população; um

suprimento para que?

Como seria ter carros sem gasolina ou lâmpadas sem eletricidade,

bancos sem dinheiro ou cheques, um povo com muito

dinheiro mas nada para comprar, ou fábricas sem produtos para

produzir. Vivemos em contato constante com a ecologia de necessidade

e suprimento. Conta-se que Um senhor sonhou que ganhou

cem milhões na loteria. Ficou tão alegre que pulou da cama, cantando

e assoviando. Entrou no chuveiro, mas abrindo o registro

não havia água. Apertou o interruptor para acender a luz — não

havia eletricidade. Saiu para comprar seu jornal mas não encontrou

ninguém na banca. A padaria estava vazia, nenhum ônibus circulava.

Parou na casa de um amigo para indagar sobre o que acontecia.

“Não ouviste?”, informou o seu vizinho, “todo mundo ganhou cem

milhões e ninguém mais trabalha”. A boa sorte era a ligação íntima

entre a necessidade e o suprimento.

Se a ecologia fundam ental da criação e da civilização se

caracteriza por suprimento e necessidade, deve, igualmente, ser

natural para a igreja. Deus criou a igreja para suprir a necessidade

- 208-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

que ele também colocou em nossos corações. Igreja sem membros

seria mistério ou um contrasenso. Mas existem irmãos na igreja que

não pararam para pensar seriamente quais seriam as necessidades

para as quais a igreja foi formada, pelo Espírito de Deus, para

supri-las. Paulo não deixou de reconhecer este princípio e nem a

igreja de Filipos. Os membros dessa igreja estavam conscientes dá

natureza da participação na comunhão do corpo de Cristo. Cada

indivíduo tem necessidades que o corpo pode suprir, mas o próprio

corpo é composto desses membros que suprem as necessidades da

comunidade. Destarte, o corpo ilustra melhor do que qualquer outra

metáfora esta ecologia de suprimento e necessidade.

Quando uma parte do nosso corpo físico deixa de funcionar

bem, temos certeza de que não está recebendo o que precisa. Por

exemplo, suponham os que tenho câncer ou tuberculose nos

pulmões. Pelos pulmões o sangue toma o oxigênio necessário para

distribuí-los às células do corpo todo. Mas se os pulmões suprem

pouco oxigênio para o corpo, eles mesmos sentem a falta do oxigênio

necessário para funcionar bem. Felizmente, Deus colocou no corpo

humano os meios necessários para suprir as carências de todas as

partes. Apenas no caso de doença, o corpo sofre a falta no sistema

ecológico, mas também, mesmo assim, depende da assistência

médica do próprio curativo que quase sempre restabelece o homem

enfraquecido. Doutro modo, morreriamos com a primeira doença

que, eventualmente, nos atingisse.

Notamos que o v. 14 mostra a necessidade de Paulo e o suprimento

da igreja de Filipos, “Fizestes bem, associando-vos na minha

tribulação”. Faltaram recursos para viver na prisão, já que os presos

dependiam de parentes ou amigos para alimentos, roupas e tudo

mais. Por amor, os filipenses compartilharam com Paulo os bens e

fundos que podiam sacrificar, uma vez que ele nao tinha condições

para suprir sua própria falta. Dessa maneira, os filipenses mostraram

que a doutrina do corpo de Cristo era mais do que uma figura. Era

realidade concreta. Tal associação (gr. sugkoinonesantes, “partilhar

junto”, “participar em comum”) apresentava o quadro sobre o qual

Jesus afirmou que iria persuadir o mundo da autenticidade de seus

discípulos (Jo 13.35). O sinal da genuína conversão dos filipenses foi

sua prontidão em suprir a necessidade de Paulo. Na igreja de

Jerusalém, diz Lucas, “nenhum necessitado havia entre eles” (At 4.34).

Por outro lado, não devemos esquecer que não há outra opção,

segundo ljoão 3.17: “Aquele que possuir recursos deste mundo e vir seu

- 209-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

irmão padecer necessidade e fechar-lhe o coração, como pode permanecer

nele o amor de Deus?” Para que a igreja seja o corpo de Cristo, as

.necessidades devem ser supridas para evitar a hipocrisia. E falsidade

reivindicarmos o direito de nos chamarmos a igreja de Cristo se

não colocamos em prática a ecologia do amor de Deus.

Em escala mais ampla, as igrejas da Macedônia demonstraram

a graça de Deus que lhes foi concedida. Mesmo em grande

tribulação (aperto e necessidade) e profunda pobreza, “superabundou

em grande riqueza da sua generosidade” (2Co 8.1,2). Pediram a Paulo

o privilégio “departiciparem da assistência aos santos” (2Co 8.4). Partilharam

seus bens tão escassos não porque Paulo os persuadiu ou os

pressionou, mas porque a “graça de Deus”, equivalente ao “amor

derramado em nossos corações” (Rm 5.5) lhes constrangeu (2Co 5.14).

E não era a primeira vez que os filipenses mandavam suprimento

para o apóstolo. Logo após a sua partida da Macedônia, eles

enviaram a Paulo em Tessalônica, duas ofertas, suficientes para

satisfazer suas necessidades (4.15, 16). Outras congregações não

sentiram qualquer obrigação em sustentar esse obreiro (v. 15) que

tanto receio tinha de revelar suas próprias necessidades (cf. ICo

9.12,15). Paulo ficara convencido que seu Deus supriría cada uma

das suas necessidades (v. 19). Não se preocupava com suas necessidades

uma vez que Deus o arregimentara para seu exército. Ele,

certamente, como bom general, não deixaria de suprir o essencial

para que esse guerreiro pudesse lutar na guerra santa despreocupadamente

(cf. ICo 9.7; 2Tm 2.4).

Mas, para muito crentes, e até obreiros, hà uma distinção

notável entre “necessidade” e o “essencial”. Tentei uma vez definir

o que seria uma necessidade. Não aproveitei a definição do dicionário,

mas concluí que uma necessidade representa uma falta que

ao ser suprida, redunda num bem maior. Pode-se imaginar que a

lua necessita de habitantes lunares. Mas ninguém estaria pronto a

viajar até a lua para morar antes de ter certeza que resultaria no

bem dele e do mundo.

Certa vez, o famoso pastor Harry Ironside da igreja de Moody,

em Chicago, foi convidado para pregarem Fresno, na Califórnia.

Era jovem ainda e a igreja de Fresno não pensou nas suas necessidades.

Tinha o pastor apenas o dinheiro suficiente para pagar uma

noite no hotel. Pensou “se a igreja de Fresno não me pagar o suficiente

não poderei saldar a minha conta”. Decidiu sair para o parque

para dormir. Reclamou bastante a Deus pela falta de recursos e o

2 1 0 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

aparente desinteresse da igreja. Enquanto queixava-se da falta de

tudo, veio-lhe a mente a frase: “Meu Deus... há de suprir... cada

uma de vossas necessidades” (4.19). Começou a refletir sobre quais

seriam suas necessidades. Descobriu que o essencial era recarregar

as suas baterias espirituais. Foi aquela uma noite de confissão e

avivamento para seu espírito amargurado. Uma vez: resolvido o

essencial no íntimo, as reuniões correram muito melhor. O povo

teve compaixão dele, convidando-o para suas casas e cuidando dele

tão bem que voltou para casa pesando um quilo a mais. No fim

dessa semana tão marcante recebeu uma carta do seu pai que disse

“Tenho me impressionado com Filipenses 4.19. Meu Deus há de

suprir cada uma de suas necessidades. De fato, ele assim fará. Uma

dessas podería ser a necessidade de passar fome”. Quando experimentamos

somente a fartura, esquecemos das necessidades que

nosso generoso Deus está constantemente suprindo.

Paulo tendo aprendido a viver com fartura, como também com

fome (v. 12), não passou seus dias na prisão esperando ou pedindo

donativos (v. 17). Na generosidade sacrificial dos filipenses, ele

percebeu “o fruto” do evangelho, que aumentava o crédito deles no

“banco celestial”. Mais significativo era a espontaneidade da igreja

impulsionada a compartilhar seus recursos com ele, do que o donativo

que Paulo recebera. Ele recebeu tudo, teve abundância, ficou suprido,

desde que Epafrodito lhe passou “às mãos o que me veio da vossa

parte”(v. 18). Além disso, os contribuintes agradaram a Deus.

Para isso Deus idealizou a igreja. Quem supre a necessidade

do seu irmão faz bem (v. 14), não apenas porque atende ao necessitado,

mas também porque a generosidade representa crédito eterno na

conta de quem dá com alegria (2Co 9.7). O doador não deve se

preocupar com qualquer reconhecimento humano (Mt 6.1-4).

A nossa preocupação está em nunca passarmos necessidade.

Desejamos como o tolo na história de Jesus, acumular o suficiente

para ter “em depósito muitos bens para muitos anos”. Assim, queremos

descansar, comer e beber e regalar-nos” (Lc 12.19). A este

modo de pensar e agir, Deus chama de loucura. “Esta noite tepedirão

a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que

entesoura para si e não é rico para com Deus” (Lc 12.20,21).

Na igreja devemos ser lembrados constantemente de que

quem entesoura para si mesmo é um tolo e quem reparte com os

necessitados é um sábio. E a intenção divina que a necessidade dos

outros seja suprida pela nossa generosidade, para que assim sejamos

211


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

ricos para com D eus. Por esta razão, Jesus afirm ou: “Mais

bem-aventurado é dar que receber” (At 20.35).

Quem supre a necessidade de um irmão, compartilha sua

vida com ele. É o verdadeiro significado do vocábulo grego que

Paulo usou em 1.7 e novamente neste último parágrafo de Filipenses

(4.14 sugkoinõneõ). Assim as células do corpo se gastam, oferecendo

suas vidas para a vida do corpo inteiro. Não podemos especular

quanto à quantia que os filipenses mandaram a Paulo. Ele escreve,

“Recebi tudo (isto é, pagamento completo) e tenho em abundância;

estou suprido” (v. 18). Se recebeu o suficiente para pagar o aluguel

da casa em Roma (At 28.30) e comprar uns mantimentos, era “abundância”.

Sobrava para os companheiros (cf. At 20.34), visto que as

necessidades do apóstolo eram muito reduzidas. E tolice guardar

para mim o que meu irmão precisa, sob pretexto de que eu não

tenho acumulado o suficiente para cobrir m inhas necessidades.

Feliz o crente que sabe que todas as suas necessidades estão supridas,

não porque acumulou terras, propriedades e tem cem

milhões na poupança, mas porque faz parte de uma comunidade

que, por amor a Deus, cuida dos seus membros crentes e confia no

Senhor que tudo supre para suas ovelhas (SI 23.1).

0 significado do donativo

Já vimos no v. 17 que o donativo que a igreja mandou a Paulo foi

comparado a fruto que aumentava o crédito dos filipenses. O fruto

de uma árvore aumenta quando plantamos sua semente em terreno

preparado. Anos depois de crescer a árvore, finalmente aparece o

fruto abundante, multiplicando muitas vezes o valor da semente

plantada. Terá semelhante aumento no crédito celeste, o donativo

investido no bem-estar de Paulo.

A oferta, em segundo lugar, recebe a descrição de “aroma

suave” no v. 18 (gr. osmên euõdias, “fragrância de um cheiro bom”,

correspondendo a frase comum no Antigo Testamento para o bom

aroma que subia de um holocausto, Gn 8.21, Lv 1.9, 13 etc.), Em

conseqüência da morte substitutiva de Jesus por nós na cruz, não

há sacrifícios de animais que podemos oferecer a Deus que sejam

aceitáveis. Porém, há sacrifícios que Deus não só aceita, mas que

também o agradam. Primeiro devemos oferecer nossos corpos em

sacrifício a Deus, corpos vivos, santos ê agradáveis a ele (Rm 12.1).

Segundo, devemos oferecer a Deus “sempre, sacrifício de louvor, que

é o fruto de lábios que confessam seu nome” (Hb 13.15). Corpos entre­

- 212 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

gues para servir a ele e lábios empregados na exaltação do seu nome

são sacrifícios legítimos dos filhos de Deus.

Terceiro, encontramos aqui em Filipenses 4, o sacrifício de

dinheiro ou posses para suprir a necessidade de um cidadão. Esta

oferta é declarada “aceitável e aprazível a Deus” (v. 18). Compartilhar

bens com necessitados é ao mesmo tem po uma oferta

apresentada a Deus. Havendo a motivação de amor e gratidão (não

reconhecimento humano, Mt 6.1-4), da parte do ofertante, seu

sacrifício será aceitável e aprazível a Deus. Enquanto Jesus habitou

fisicamente entre os homens era possível ofertar-lhe dinheiro (Lc

8.3) e “bálsamo de nardopuro” Qo 12.3). Esses sacrifícios eram aceitáveis

ao Senhor. Mas logo que ele foi exaltado, concretizou-se a

situação que ele predissera: “Porque os pobres sempre os tendes convosco,

mas a mim nem sempre me tendes” Qo 12.8). Na ausência física de Cristo,

temos o privilégio de trazer nossas ofertas ao altar 4, para serem

redistribuídas aos necessitados. Ofertas de bens, impulsionadas pela

graça de Deus (2Co 8.1) e compaixão pelos irmãos necessitados,

tributam graças a Deus (2Co 9.11) e acrescentam “glória ao próprio

Senhor” (2Co 8.19). Somente em sentido muito humano e restrito,

poderiamos afirmar que Deus necessita de nossas ações de graça e

glória que a ele sacrificamos. Mas se reconhecemos que tudo que lhe

dá prazer (gr. euareston, “bem aceitável”, “prazeiroso”, 4.18)

corresponde a seu desejo, será mais fácil compartilhar os bens que

ele mesmo nos ofertou! Paulo, portanto, aponta para: 1) o galardão

que os filipenses receberão no futuro (“o fruto que aumentou o vosso

crédito, v. 17), 2) o prazer que o sacrifício suscita a Deus e 3) o

benefício recebido pelo carente suprido com a oferta (v. 14-16).

Quanto à vida do servo de Deus, é descrita também como

“bom perfume” (gr. euodia, o termo técnico associado ao sacrifício

aceitável a Deus, 2Co 2.15) de Cristo. O simples viver, testemunhar

e espalhar “operfume do seu conhecimento” é uma oferta contínua no

altar de Deus. Assim a igreja de Filipos, permanecendo em Cristo,

resplandece no mundo como um céu escuro salpicado por luzeiros

e “preserva a palavra da vida” (2.15, 16). Assim estaria oferecendo

um sacrifício de serviço de fé sobre o qual a possível morte de Paulo

seria uma libação (2.17), sugerindo um ato consagratório antes de

queimar-se a oferta.

Uma vez que Cristo nos “amou e se entregou a si mesmo por

nós, como oferta de sacrifício a Deus em aroma suave” (Ef 5.2),

dependemos inteiramente dele para receber nosso perdão e justiça.

- 213-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Somente a oferta desse sacrifício único serve para expiar nosso

pecado e remover nossa culpa. O que nos resta para sacrificar? O

Novo Testamento deixa muito claro que, motivados pela gratidão,

devemos oferecer nossos corpos, nosso louvor, nossos bens e nossa

vida. Disso Deus se agradará (Hb 13.16).

A reação de Deus é uma promessa de suprimento

Os sacrifícios que os cristãos tributam a Deus são indicadores da

filiação divina qüe reivindicam. Mas Deus também corresponde

às ofertas de seus filhos com o suprimento para cada uma de nossas

necessidades. Paulo não hesita em chamar o Senhor de “meu Deus”.

Ele, sendo Pai de Paulo e dos filipenses, tem um compromisso com

os seus. A frase segundo a sua riqueza em glória abre nossa visão para

a infinita grandeza de sua despensa ou banco. Dele é o mundo e

tudo que nele se contém (SI 24.1; 50.12) “São meus” disse o Senhor,

“todos os animais do bosque, e as alimárias aos milhares sobre as

montanhas” (SI 50.10). Quando Paulo pensava no sentido da palavra

“glória” no hebraico (significa “peso”), não deixava de contemplar

a riqueza, majestade, importância e uma fonte inesgotável de todos

os valores. Não meramente das riquezas, mas segundo as riquezas em

glória, Deus suprirá a carência dos filipenses.

Certa vez, um amigo meu foi pedir fundos para iniciar uma

obra im portante. Apelou para um irmão riquíssimo na Suíça.

Depois de pegar o talão de cheques e orar, o banqueiro e dono de

prédios e estabelecimentos comerciais preencheu um cheque de

dois mil francos e o entregou a meu amigo decepcionado. Tinha

partilhado sua imensa riqueza mas não “segundo as suas riquezas”

como Deus promete fazer. Devemos também notar que -a palavra

“suprir” (gr. plerõsei, “encher”, “fazer transbordar”) é a mesma que

Paulo usou no v. 18, “abundância”. Pela fé, Paulo promete que Deus

suprirá abundantemente todas as necessidades dos filipenses. Eles

terão que receber pela fé o que Deus lhes outorgar, tendo como

mais do que suficiente para suas necessidades e não seus desejos.

Por que os crentes tem tanto receio de compartilhar sacrificialmente

suas posses com os carentes? Creio que foi C.S. Lewis que

apontou para o obstáculo principal. Não é uma vida de mais luxo que

desejamos mas o fim do temor frente à insegurança do futuro. Se

formos generosos como os filipenses, nosso futuro estará garantido,

não em bens materiais, fundo de garantia ou apólices de seguro de

vida, mas em Deus que promete suprir todas as nossas necessidades.

- 2 1 4 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

Epílogo

A fé que confia em Deus como Pai para um futuro desconhecido,

também quer que toda glória lhe seja tributada (v. 20). Os santos

em Cristo Jesus devem receber a saudação individual e carinhosa

do apóstolo preso. Nenhum santo (crente) deve ser esquecido. Os

companheiros de Paulo também mandam saudações com as de

Paulo. “Os santos”, provavelmente, se distingüem dos “irmãos” que

fazem parte da equipe de Paulo, porque são componentes da igreja

(em Roma ou talvez em Éfeso). Os santos da “casa de César” se

referem aos cristãos que moravam e trabalhavam no palácio do

governo onde Paulo estava encarcerado. Tinham oportunidades

freqüentes para encontrar, ouvir e orar com ele.

Paulo termina esta epístola tão bela com a petição a Deus

para que a graça do Senhor Jesus Cristo seja com o espírito dos

filipenses, isto é, com a igreja como uma entidade ou organismo

vivo. Amém.



R U S S ELL P. SHED D



Introdução

Era por volta do ano 60 A. D. Em Roma, num a casa alugada,

encontrava-se aquele que talvez tenha sido o preso mais famoso

de toda a história: Paulo, da cidade de Tarso. Com ele achava-se

alguém que saboreava as palavras do apóstolo com evidente

satisfação, arriscando-se, de quando em quando, a alguns palpites:

Timóteo. Fora seu companheiro de longas e cansativas viagens e

de ardentes perseguições. Ali estava, também preso, o companheiro

Aristarco, além do evangelista Marcos e de Onésimo, o escravo

foragido da casa de Filemom, de Colossos. Em Roma, nesta ocasião,

encontrava-se também Lucas, o médico amigo e companheiro de

Paulo, autor do terceiro evangelho.

Paulo recebera, há pouco, a visita de Epafras, o evangelista

que havia fundado três igrejas no Vale do Lico, no interior da

província romana chamada Ásia: Colossos, Laodicéia e Hierápolis.

Epafras expusera a Paulo a situação decorrente do surgimento de

certas correntes teológicas que ameaçavam a saúde espiritual desse

novo centro de divulgação do cristianismo. Com Paulo achava-se

ainda Tíquico, que fazia as funções de “secretário”, escrevendo o

que o apóstolo dizia. E o que foi escrito é justamente o que mais

tarde veio a ser conhecido como a Epístola aos Colossenses, livro

inspirado que veio a integrar o cânon do Novo Testamento.

219 -


epístolas da prisão

Antecedentes

Uma curiosidade é que Paulo, mesmo estando sempre a orar pelos

colossenses, nunca chegara a visitar essa igreja, até então. Assim,

não nos é difícil imaginar o cuidado com que ele ouviu o relato de

Epafras, procurando informar-se de todas aquelas idéias que os

mestres heterodoxos estavam divulgando naquela pequena cidade.

Para nós, hoje, não é tão fácil entender o que realmente perturbava

a fé cristã daqueles que se tinham convertido durante o ministério

de Paulo em Éfeso, na sua terceira viagem missionária (52-55 A.D.),

quando “todos os que moravam na Ásia ouviram a palavra do

Senhor, tanto judeus como gregos”. O instituto bíblico de Éfeso,

fundado e dirigido por Paulo nas dependências da escola de Tirano

(At 19.9), desempenhou um importante papel na preparação de

obreiros, tais como Epafras e Arquipo. Estes, evidentemente, eram

os líderes da igreja de Colossos (Cl 4.17) na ocasião em que Paulo

escreveu esta epístola. Mas eles não se sentiam capazes de vencer

de uma vez, naquele confronto com as novas correntes teológicas,

que traziam uma heresia sincretista. Meu amigo e antigo professor,

James Stewart, da cidade de Edimburgo, certa vez observou que

toda a controvérsia do Novo Testamento pode ser reduzida à

batalha da liberdade evangélica contra o legalismo dos judaizantes,

de um lado; e, do outro, à luta da verdade salvadora contra o gnosticismo.

Paulo entendeu plenamente a deficiência doutrinária dos

gnósticos que menosprezavam a Cristo mas supervalorizavam os

anjos; que davam pouca atenção à moralidade e à ética, porém

muita à especulação teosófica; que diminuíram o papel da história

mas exaltavam o misticismo.

No combate levantado na Epístola aos Colossenses, percebemos

que a heresia era uma mistura ou apanhado de elementos

judaicos e gnósticos. “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida

e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábado, porque tudo isso

tem sido sombra das coisas que haviam de vir” (Cl 2.16, 17). Esta

frase faz-nos lembrar do judaísmo. “Culto aos anjos”, “visões”,

“rudimentos do mundo” e proibições de tocar, manusear e provar

(Cl 2.18-21) indicam uma forte inclinação para o gnosticismo.

Logo após a invasão da cultura grega no Oriente Médio, em

conseqüência da vitória de Alexandre sobre os persas, no quarto

século antes de Cristo, a filosofia grega fez-se sentir tal como a

cultura ocidental permeia o mundo de nossos dias. O primeiro

século caraterizou-se por um profundo anseio pela salvação. Onde

-220


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

encontraria o homem aquela segurança religiosa em face dos

poderes destrutivos que incessantemente ameaçavam a sua vida?

Era uma época de experiência e fomentação de movimentos antagônicos.

Promessas cativantes emanavam das religiões orientais,

cheias de mistérios, fundadas num certo tipo de magia que induzia

uma profunda experiência religiosa, descrita como “união com o

deus” da religião, fosse Isis ou Cibele, Osíris ou Dionísio. Assim,

uma religião se confundia com outra. A busca de uma segurança,

pretendida através da aceitação de várias formas de adoração,

convidava os pensadores a sugerir umPan-Theos, um deus que incluiría

todo e qualquer deus, uma idéia não muito distante dos filósofos

religiosos estóicos. Na iniciação de Lúcio no mistério de ísis, vê-se

que Diana, Vênus, Astarte e Minerva eram todos nomes distintos

de uma única deusa. O estoicismo queria aliar a filosofia do ocidente

à religião do oriente, como o espiritismo e o catolicismo se unem na

fé popular brasileira. Possidônio nos fornece um exemplo interessante:

era cientista, importante platonista, mas também um místico

e astrólogo e acreditava firmemente na união com um deus.

0 problema fundamental

Depois de terem ouvido e crido no evangelho salvador, como foi

que os colossenses se sentiram atraídos por conceitos tão inferiores?

Convém observar que o desafio surgiu da luta humana contra o

poder do mal e do azar. Como se podería admitir a realidade de um

Deus criador, todo-poderoso, onisciente e bom, que permitisse o

sofrimento no seu universo? Os gnósticos propuseram a solução da

separação, quase infinita em distância, do Deus bom, de um lado;

e do mundo material, de outro. O homem, pelo conhecimento (gnosis,

isto é, conhecimento esotérico) e acertada adoração, podería influenciar

os poderes angelicais e demoníacos que dominavam o espaço

entre Deus e o mundo. Com muito sacrifício se propunha uma

caminhada intelectual especulativa do nível material para o espiritual.

Os gnósticos hão achavam necessário negar o poder de Cristo

para salvar os homens do pecado, mas criam que o sofrimento e a

morte de Jesus mostravam inconfundivelmente que ele mesmo fora

vítima do azar, condenado a sofrer um caprichoso fatalismo do

mundo material. Assim vieram a apoiar uma teologia que, por um

lado, era ascética, de privação do material para se elevar e escapar;

e que, de outro, defendia a posição antinomista, que consistia em

comer, beber e entregar-se às orgias sexuais, já que o ser humano

-221 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

estava desesperadamente envolvido no mundo material (veja Ap

2.14 e a doutrina de Balaão).

A reação de Paulo

Diante deste quadro, que lhe fora pintado por Epafras, Paulo não

fica inerte. O apóstolo desembainha a sua espada contra toda

essa sutileza filosófica e escreve a epístola aos colossenses. Como

veremos, ele emprega quatro métodos em sua luta:

(1) Advertência: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar

com sua filosofia e vãs sutilezas. . .” (2.8). Não pode haver um

casamento entre a verdade evangélica e as mentiras inventadas

por mentes não iluminadas pelo Espírito de Deus.

(2) Usa os termos-chaves dos hereges contra as suas próprias

doutrinas. Exemplos temos em palavras tais como, “plenitude”

(gr.plerõma, que aparece dez vezes em Colossenses), “conhecimento

pleno” (gr. epignõsis) e mistério (gr. mystõríon).

(3) Dá à história o seu devido lugar, como percebemos nos

pretéritos repetidos, ao destacar o que realmente aconteceu nos

eventos da morte, ressurreição e entronização de Jesus Cristo.

(4) Exalta Cristo, o Filho de Deus, que se tornou carne por

nós, homens. Afirma que ele agora preenche muito mais do que os

gnósticos esperavam dos poderes angelicais; e enfatiza que Cristo,

o Senhor, está sobre todos esses poderes. Assim Jesus Cristo, o

verdadeiro m ediador, dá acesso ao D eus único. Enquanto o

gnosticismo colocou a matéria em oposição a Deus, a encarnação

traz o Deus transcendente para dentro da nossa humanidade. Não

é a matéria, em oposição a Deus, o antagonismo fundamental;

mas ela é o meio pelo qual Deus se revela no corpo de Cristo. Não

é a m atéria o obstáculo ao progresso, mas o veículo pelo qual

Deus nos salva por meio da cruz e do túmulo vazio.

Em síntese, Paulo nos mostra, em Colossenses, que é no

senhorio de Jesus Cristo que jaz toda a esperança da humanidade.

O primeiro credo da igreja, Cristo é o Senhor, é o tema desta epístola

aos Colossenses. Paulo destaca o fato de que o cristão não somente

aceitou a Cristo como Senhor, num momento de sua vida, mas

deve viver nesta mesma condição, ou seja, sob o senhorio de Cristo:

“Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele... ” (2.6).

Vejamos a seguir como este tema é desenvolvido nesta

belíssima obra de arte, escrita há quase dois milênios, mas ainda

atualíssima na sua abordagem da verdade libertadora do evangelho.

- 2 2 2 -


Análise e

Interpretação

Autor, destinatários e saudação inicial ( 1 .1 ,2 )

0 autor

'Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de

Deus, e o irmão Timóteo, 2aos santos e féis irmãos em

Cristo que se encontram em Colossos, graça e paz a vós

outros da parte de Deus nosso Pai.

O autor se apresenta como apóstolo: no sentido técnico da palavra,

um mensageiro, um agente autorizado, com os direitos de um

procurador. Ele é, pois, um mensageiro de Jesus Cristo, pela vontade

de Deus. Falsos apóstolos, condenados por Paulo em 2Coríntios

11.3 e por Cristo em Apocalipse 2.2, são homens que agem por

conta própria, sem essa autorização plena que recebe no apostolado

uma testemunha da ressurreição, especificamente comissionada

por Cristo (cf. ICo 9.1; 15.8ss). Pelo que se deduz de Efésios 2.20,

Paulo parece endossar a afirmação do Talmude judaico: “Um

- 223


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

homem enviado é equivalente àquele que o enviou” (Beracote 5.5).

A igreja foi fundada sobre os apóstolos e os profetas, já que são

eles que garantem os fatos históricos sobre os quais está alicerçada

a nossa fé.

Disso decorrem três pontos muito significativos:

Primeiro: Que a igreja só é igreja de Cristo enquanto for apostólica,

isto é, enquanto seguir as normas doutrinárias e as práticas que

lhe legaram os apóstolos.

Segundo: Que a inspiração do Novo Testamento é igualmente

apostólica. Cremos em Cristo assim como ele foi crido e interpretado

pelos apóstolos e profetas. Nada pode exigir tão fortemente de

nós o cumprimento da vontade de Cristo quanto a nossa obrigação

de cumprir os ensinamentos dos escritores do Novo Testamento.

Terceiro: Que a comissão apostólica não pode ser transmitida a

outrem. Não há, portanto, base algum a para a crença católico-romana

de que há uma sucessão de homens que podem exercer

a autoridade infalível dos primeiros apóstolos.

Os destinatários

Os destinatários são descritos como santos e fiéis, designação característica

do Novo Testamento.

O termo santo tem profundas raízes no mundo hebreu do

Antigo Testamento. Literalmente, refere-se a algo ou alguém diferente.

Da raiz, que quer dizer saudável, passou a significar separado,

para indicar possessão e uso exclusivos de Deus. Os santos recebem

essa qualificação pelo preço da redenção, que os comprou (1 Co

6.20), e pela presença do Espírito Santo, que os santifica.

A palavra fiéis refere-se aos que crêem; não há, no grego,

qualquer distinção entre quem crê e quem é fiel. A ênfase diz respeito

à entrega confiante a Cristo, que passa, então, a controlar todos

os aspectos dessa vida que descansa nele. A fidelidade evidencia

uma fé realmente salvadora (Cl 1.23; Hb 3.14).

Irmãos são os membros da mesma família, da qual Deus é o

Pai. No judaísmo, podia-se cham ar de irmão tanto a um compatriota

quanto a alguém que tivesse aderido à religião judaica.

Não esqueçamos que, como filhos adotivos de Deus, tornamo-nos

igualmente irmãos de Jesus Cristo e cada cristão, um do outro.

Mas nem sempre temos dado o justo valor aos nossos irmãos de

outras raças ou denominações; não temos reconhecido devidamente

- 224 -


que pertencemos a uma mesma família. Paulo diz que os irmãos

estão em Cristo; ou, em outras palavras, só numa relação vital

com Cristo é que existe alguma veracidade no privilégio de ser

santo ou um fiel membro da família de Deus.

A saudação

Paulo saúda os irmãos com os termos graça e paz. O primeiro

lembra a saudação comum no grego, que traduzimos por “Ave!”.

Graça é todo favor que Deus nos concede incessantemente. Paz

traduz uma palavra grega que reflete o conceito hebraico de

“shalom”, indicador de prosperidade e bem-estar outorgados por

Deus apenas àqueles que o amam.

A fé , o amor e o evangelho (1.3 -8 )

3Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor

Jesus C risto, quando oram os por vós, 4desde que

ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus, e do amor que

tendes para com todos os santos; 5por causa da esperança

que vos está preservada nos céus, da qual antes

ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, 6que

chegou até vós; como também em todo o mundo está

produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós,

desde o dia em que ouvistes e entendestes a graça de

Deus na verdade; 7segundo fostes instruídos por Epafras,

nosso amado conservo, e, quanto a vós outros, fiel

ministro de Cristo, 8o qual também nos relatou do vosso

amor no Espírito.

Fé e amor

Apesar de nunca ter tido o privilégio de conhecê-los pessoalmente,

Paulo amava os novos convertidos que compunham a pequena

comunidade cristã de Colossos. Esse amor, ele o expressava dando

constantemente graças por eles ao Pai de Jesus Cristo, e fazendo

petições em favor daqueles que criam no Senhor (Cf. 1.12; 2.6;

3.15, 17).

O que motivou o apóstolo à oração foi a notícia da fé em

Cisto, sinal do poder que operava nos colossenses a convicção da

- 225-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

verdade do evangelho, levando-os a se comprometerem inteiramente

com o senhorio de Cristo. Uma fé que se restringe a apenas

crença ou assentimento não pode reivindicar o direito de ser chamada

“fé”, no sentido bíblico. A fé sem compromisso ou obediência

não passa de uma ilusão.

A conseqüência inevitável de uma fé comprometida é o florescimento

do amor fraternal para com todos os santos (v. 4; veja também lPe

1.22). Dentro do único corpo de Cristo é impossível não haver auxilio

mútuo, mesmo quando os irmãos estão geograficamente separados

(como era o caso de Paulo, distante dos colossenses a mais de 1.500

quilômetros). A única explicação para esse amor é a operação do

Espírito Santo, como o evidencia a frase “amor no Espírito” (v. 8).

A fé e o amor dos colossenses fundamentavam-se na esperança

(v. 5) despertada nos corações daqueles que eventualmente

viriam a crer em Cristo. Essa esperança os fez voltarem os olhos

dos seus corações para o céu, onde estava o Senhor ressurreto, bem

como para a herança de vida que abrangería todos os benefícios e

alegrias incontaminados do Paraíso. Convém atentarmos para o

fato de que a esperança precede a fé e esta, o amor. Não nos devemos

basear nisto para evangelizarmos os não-cristãos desiludindo-os

em relação a este mundo e incentivando-os a almejarem um mundo

perfeito “onde habita justiça”? (cf. Rm 8.24).

Esse trio de virtudes — fé, amor e esperança — que os colossenses

compartilhavam, confirmou, para Paulo, a operação da graça

do Espírito Santo na vida deles. Mas se indagássemos sobre a dinâmica

dessa intervenção de Deus, que transforma pecadores em

santos, o apóstolo apontaria para o evangelho. A boa nova refere-se

àquilo que Deus fez historicamente em Cristo; o evangelho, de igual

forma, pode ser denominado “palavra da verdade”. Essa mensagem

original, anteriormente ouvida pelos colossenses por intermédio de

Epafras, tinha que ser contrastada com uma nova versão de “boas

novas”, distorcida por astutas especulações humanas. Por isso Paulo

os faz lembrar que a mensagem pura eles a ouviram antes (2.6; note

a palavra “recebestes”, no passado).

0 evangelho

Consideremos como o evangelho é descrito aqui: em primeiro lugar,

é uma mensagem que consiste na verdade. Logos, o termo escolhido por

Paulo, e que em português se traduz por palavra, diz respeito à

- 226 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

lógica, razão e mensagem persuasiva por não ser contraditória. É

também o título atribuído por João a Jesus no seu evangelho (Jo

1.1, 14). Assim, o evangelho resume-se essencialmente na verdade

que nos revela quem é Jesus Cristo e o que ele fez por nós em sua

vida, morte, ressurreição e exaltação.

Segundo, percebe-se que esta mensagem de Deus é universal

em seu escopo: “... chegou até vós, como também em todo o mundo

está. . (v. 6). Tanto o gnosticismo como o judaísmo se restringiram,

necessariamente, a uns poucos indivíduos que estavam em condições

de se encaixar no sistema. O evangelho, por sua vez, oferece a todos,

indistintamente, a sua maravilhosa salvação.

Terceiro, o evangelho tem a qualidade fundamental de vida. Por

isso ele frutifica — e esta palavra frisa o seu poder penetrante (Hb

4.12) e transformador. O texto ainda adiciona que esse evangelho

está crescendo, tanto entre os colossenses como em toda e qualquer

parte do mundo. A ênfase é dada à dinâmica extensiva do evangelho,

estendendo-se em direção a todos, sem acepção de raça, língua, cultura

ou geografia. Como disse Crisóstomo: “O crescimento externo acompanha

os passos da sua energia interna”. Essa energia espiritual existe

em virtude do senhorio de Cristo, ativo em sua igreja onde quer-que

esta se encontre, na Ásia de então ou no Brasil de hoje.

Quarto, Paulo dá-nos a conhecer que o evangelho é nada

menos que a graça de Deus em verdade (v. 6b). Evidentemente, a

graça se coloca em oposição às obras ou ordenanças (2.14) promulgadas

pelos falsos m estres. Estes exigiam do homem m érito

suficiente para obrigar Deus a salvá-los. Mas a graça declara justo

o pecador, mesmo sem mérito algum, através da expiação dos

seus pecados pelo sangue remidor de Cristo (v. 14).

Quinto, notamos que o evangelho não funciona afastado do

coração humano. Paulo emprega três termos para mostrar a absoluta

necessidade de que a mensagem penetre os ouvidos (ouvistes, v.

6b) e o entendimento conhecestes, de “epignote”, que fala de um

conhecimento com convicção), vindo então o discipulado (aprendestes,

verbo cuja raiz é a mesma que a de ser discipulado). Sem o

envolvimento da mente e da vontade do homem, o evangelho não

tem condições de crescer e frutificar. À comunicação de tão valiosa

mensagem, portanto, deve ser dada muita atenção.

Finalmente, o evangelho precisa de um portador, alguém que o

comunique. Entre os colossenses, era ‘Epafras, “um dos vossos”

(4.12), quem exercia esse dom de evangelista (Ef 4.11). As quali­

- 227-


epístolas da prisão

dades deste obreiro, semeador do evangelho, não devem passar

despercebidas: sendo um “escravo junto com Paulo” (do grego sundoulos),

entende-se que a sua motivação e energias foram colocadas

à plena disposição do seu Senhor Jesus Cristo. Também é referido

como amado, o que indica a amizade que o unia a Paulo e seus

companheiros. Epafras, diz Colossenses 4.12, era um servo fiel

(diakonos); isto destaca a lealdade e fidelidade com que prestava a

sua “diaconia” ou serviço, representando a igreja de Colossos junto

a Paulo, “esforçando-se sobremaneira, continuamente, por vós nas

orações” (4.12). A frase “fostes instruídos” (1.7) revela a qualidade

de pastor-mestre que discipulou os cristãos, conforme o sugere o

original dessa expressão. Epafras também compartilhava a prisão

com Paulo, segundo entendemos a partir de Filemom 23.

O quadro inteiro nos dá a impressão de um jovem pastor,

cheio de amor por Deus, por seus irmãos e pelos perdidos do Vale

do Lico, já que foi ele, provavelmente, quem fundou não só a

igreja de Colossos como também as de Laodicéia e Hierápolis (cidades

localizadas no vale e bem próximas umas das outras). Oxalá

fôssemos insistentes diante de Deus, pedindo-lhe levantar, nas

igrejas brasileiras, muitos servos como Epafras!

Em resumo, Paulo agradece incessantemente pelos irmãos

colossenses, pela manifestação da fé, amor e esperança que os

caracterizavam. O evangelho é o meio usado por Deus para produzir

o fruto, que se expandia e tinha sucesso em todo lugar. Mas

Deus não dispensa homens como Epafras, plenamente dispostos

a pregar, discipular e até mesmo sofrer por amor a Cristo.

Intercessão em estilo apostólico (1 .9 -1 2 )

9Por esta razão, também nós, desde o dia em que o

ouvimos, não cessamos de orar por vós, e de pedir que

transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade,

em toda a sabedoria e entendimento espiritual; 10a fim

de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro

agrado, frutificando em toda boa obra, e crescendo no

pleno conhecimento de Deus; 11sendo fortalecidos com

todo o poder, segundo a força da sua glória em toda a

perseverança e longanimidade; com alegria, 12dando

graças ao Pai que vos fez idôneos à parte que vos cabe

da herança dos santos na luz.

228


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

0 pleno conhecimento da vontade de Deus

Com a chegada de Epafras e o relatório que este lhe apresentou,

Paulo foi levado a orar nos termos aqui descritos. Assim, a oração

cresce num solo de gratidão (“Por esta razão. . .”) e traça o desenvolvimento

que se deve esperar na vida cristã, começando na

infância espiritual e indo até a plena maturidade em Cristo.

Ao analisarmos o pedido de Paulo, assim expresso: .. que

transbordeis de pleno conhecimento da vontade de Deus” (v. 9), concluímos

que esta é a necessidade básica para todo crescimento

espiritual. Sem conhecer a vontade de Deus para nós (estando ela

revelada na sua Palavra), como poderemos atingir a “sabedoria e

entendimento espiritual” que nos possibilitarão viver de maneira

digna do nosso Senhor?

O termo transbordeis traduz a mesma palavra no pretérito

(aoristo) que aparece no presente em Efésios 5.1S. Quando todo o

espaço das nossas mentes for preenchido até transbordar com o

conhecimento da vontade do Senhor, já não teremos muito interesse

em satisfazer egoisticamente a nossa vontade. A voz passiva, no

original, indica que não é outro senão o Espírito de Deus que grava

a lei de Deus no coração do crente, conforme prometido séculos

antes em Ezequiel 11.19,20 e 36.25-27. Tudo parte deste princípio,

dando Deus aos seus filhos uma gloriosa apreciação da sua vontade

divina, bem como a motivação para fazê-la. É bem mais do que

um farisaísmo árido, que procura cum prir Iegalisticamente as

ordens de Deus. Não! Não! Seria uma reação da pessoa inteira

(vontade, ambição e intelecto) diante de Deus, que se revelou em

Cristo encarnado, vivendo este em plena submissão ao Pai.

Sabedoria e entendimento

Os termos sabedoria e entendimento espiritual indicam as qualificações

da vontade de Deus, ou os critérios pelos quais distinguimos essa

vontade das atraentes e convincentes “vontades” contrárias àquilo

que Deus quer.

Sabedoria fala de revelação divina, ao contrário de soluções

intelectuais e humanas. Na literatura sapiencial (Provérbios, Jó, Eclesiastes)

refere-se ao relacionamento humano e à responsabilidade.

Entendimento espiritual (isto é, concedida pelo Espírito) diz-nos

da aplicação pormenorizada da revelação que Deus nos deu na

- 2 2 9 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

sua Palavra e na vida de Cristo (1 Co 1.30). Convém lembrar a

importância que tem, para o cristão verdadeiro, o possuir a mente

de Cristo (Fp 2.5ss).

As consequências de conhecer a vontade de Deus

O propósito de que o cristão transborde (v. 10) de pleno conhecimento

da vontade de Deus é que ele ande de maneira digna do

Senhor. Modo digno traduz uma palavra relacionada com a balança.

Imaginemos as atitudes, palavras e ações de Deus colocadas num

dos pratos de uma balança e as nossas empilhadas no outro prato.

Se a nossa vida, como cristãos, deixar de corresponder à vida do

Senhor, estaremos andando indignamente. Vemos aí a importância

de que a nossa intercessão mútua focalize a necessidade de, sob a

ação do Espírito Santo, transbordarmos do conhecimento da vontade

de Deus.

Daí, o apóstolo aponta cinco conseqüências de uma conduta

cristã digna do Senhor:

1) Agradando a Deus. Deve ficar bem claro para o cristão que

“viver para o seu inteiro agrado” é, em síntese, o único propósito

para o qual vivemos. Tornou-se bastante conhecida a primeira

pergunta do Catecismo de Westminster: “Qual é a razão principal

pela qual o homem existe?” Resposta: “Para glorificara Deus e

deleitar-se nele para sempre”.

2) Frutificando em toda boa obra é a segunda conseqüência.

Não se trata de ação ou obra alguma que o homem possa efetuar

para conseguir mérito aos olhos de Deus, mas, sim, atos tão cheios

de amor que quem os observa não pode explicá-los sem recorrer à

operação de Deus na vida do cristão. Por isso Jesus recomendou

que fizéssemos boas obras que redundassem em glória para Deus

por parte dos homens (Mt 5.16).

3) Crescendo no pleno conhecimento de Deus: isto só ocorre

quando o cristão vive santa e piamente pelo poder de Deus. No v.

9, Paulo recomenda aos seus leitores que transbordem do pleno

conhecimento da vontade divina. E, logo a seguir, notamos que

aproximar-se de Deus de forma mais íntima e pessoal produz o

mesmo resultado que o de obedecer à vontade dele na vida prática.

4) Sendo fortalecidos com todo o poder de Deus. Esse poder

(dunamis) é comparável (pelo significado da palavra “segundo”) à

força dominadora que tem a glória de Deus, cada vez que se ma­

- 230-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

nifesta. Imaginemos o terror dos guardas do túmulo de Jesus quando

a pedra foi removida e Cristo ressurgiu, radiante, superando o poder

da morte e a precaução dos romanos! Quando Isaías entrou no

templo, a glória de Deus encheu a casa e o profeta caiu em si,

arrependido e disposto a servir ao Senhor onde e como este ordenasse.

O termo fora (kratos) significa imponência de alguém como

um imperador que, pela majestade da sua presença e reconhecimento

do seu poder, provoca uma total submissão à sua vontade.

Esse crescimento no pleno conhecimento de Deus ocorre

em virtude de algumas atitudes, aqui indicadas por duas palavras:

. . em toda a perseverança e longanimidade” (v. 11). A primeira

(hupomonê) é freqüentemente traduzida por “paciência”, no sentido

oposto ao de covardia ou disposição de tentar escapar de uma

situação difícil. A segunda palavra (mákrothumia) corresponde

àquela paciência que contrasta com a ira ou hostilidade; expressa

bem a atividade passiva de quem aceita de bom grado uma aflição

ou injustiça, sem ficar revoltado. Bem disse Tertuliano, antigo pai

da igreja: “A fé é a paciência com a lâmpada acesa”.

A terceira atitude característica encontra-se na referência a

“alegria”. Não é difícil perceber que tudo que Paulo almeja para os

colossenses era experimentado por ele mesmo. Na sua epístola

aos filipenses, o termo “alegria” aparece, de uma forma ou de

outra, num total de dezesseis vezes, indicando a forma como Deus

lhe respondia as orações na prisão.

5) A oração é concluída com adoração (v. 12): “Dando graç

ao Pai que vos fez idôneos” para herdar tudo que ele tem para os

seus filhos. A gratidão e o louvor são a conseqüência natural de

uma conduta digna do Senhor. Estando idôneos ou capacitados,

a nossa mente se abre para toda a obra redentora de Cristo,

mediante a qual Deus nos deu as condições para herdarmos o

céu. Aqueles que estavam, anteriormente, alienados e sem Cristo,

os que eram “estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança

e sem Deus no m undo” (Ef 2.12), agora passaram a ter

direito à escritura do paraíso, lavrada por Jesus Cristo, favorecendo-lhes

em tudo.

Em síntese, Paulo fundamenta a sua oração pelos cristãos

de Colossos demonstrando a realidade e o poder do evangelho.

Roga a Deus que eles conheçam plenamente a sua vontade, a fim

de poderem viver segundo o inteiro agrado do Senhor. Eis o modelo

apostólico de intercessão!

- 231 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Jesus Cristo, Senhor de toda a criação (1 .1 3 -2 3 )

13Ele nos libertou do im pério das trevas e nos

transportou para o reino do Filho do seu amor, 14no qual

temos a redenção, a remissão dos pecados. 15Ele é a imagem

do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;

16pois nele foram criadas todas as coisas, nos céus e

sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos,

sejam soberanias, quer principados, quer potestades.

Tudo foi criado por meio dele e para ele. 17Ele é antes de

todas as coisas. Nele tudo subsiste. 18Ele é a cabeça do

corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre

os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, 19porque

aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude, 20e

que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por

meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas,

quer sobre a terra, quer nos céus. 21E a vós outros também

que outrora éreis estranhos e inimigos no entendimento

pelas vossas obras malignas, 22agora, porém, vos reconciliou

no corpo da sua carne, mediante a sua morte, para

apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis,

23se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes,

não vos deixando afastar da esperança do evangelho que

ouvistes, e que foi pregado a toda criatura debaixo do

céu, e do qual eu, Paulo, me tornei ministro.

0 resgate que Deus efetuou no passado

Deus montou uma “operação resgate” para libertar os pecadores

do poder das trevas. Foi nessa investida contra o reino satânico,

levada a efeito por Jesus Cristo, que a luz brilhou naquele império,

sendo construída a ponte que daria acesso dali até o reino do Filho.

“Ele nos libertou” (v. 13): isto indica que os santos já não estão

mais sujeitos à escravidão do pecado nem à obediência à vontade

de Satanás.

Uma vez que ele “nos transportou” (o tempo aoristo, no

grego, mostra uma ação completada) para o reino do amado Filho

de Deus, gozamos dos benefícios interpretados por alguns no

contexto do milênio. O reino de Cristo (“do Filho”) é termo raro

no Novo Testamento, em contraste com a expressão “reino de

- 232-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

D eus”. Em ICoríntios 15.24-28, Paulo mostra que a presente

exaltação de Cristo ao trono do Pai caracteriza-se pelo domínio

das forças inimigas que se opõem ao seu reinado. E Apocalipse

11.15 afirma que o domínio deste mundo já foi transferido ao

Senhor (Deus Pai) e ao seu Cristo (o Messias), que reinará pelos

séculos dos séculos. Esta perspectiva é denominada pelos teólogos

escatologia realizada. As coisas que se realizarão plenamente no

futuro (na segunda vinda e no milênio) já são uma realidade presente.

O reino futuro já se manifestou na primeira vinda de Cristo

(veja Mt 12.28 e Lc 11.20), mas só o veremos na totalidade na

Parousia (comparar ICo 15.50). Alguns interpretam a presente

realidade como o reino de Cristo (ICo 6.9ss; 15.50; G1 5.21; 2Tm

4.1,18) e o futuro reino como o reino de Deus. O mais importante

é saber que o verdadeiro cristão já é cidadão do reino de Jesus

Cristo, vivendo já como súdito de tão glorioso Rei, cujo domínio

se manifesta na santidade e no amor dos “filhos do reino”.

A redenção presente

Enquanto o v. 13 coloca no passado o resgate e o transporte de um

reino para o outro, o versículo seguinte declara a verdade da

salvação presente. Em Cristo temos a redenção por intermédio de

um redentor (no hebraico, “goel”: um parente ou intermediário que

tinha possibilidades e direitos para readquirir o que tinha sido

vendido ou escravizado, como se vê em Rute 2.20 e 4.1-12). Outro

exemplo de destaque na Bíblia encontra-se no Êxodo, quando Deus

redimiu da escravidão o seu povo Israel. Redenção envolve o pagamento

do preço, ou algo oferecido em troca do valor da pessoa ou

objeto a ser redimido. Efésios 1.7 revela a imensidão do preço que

nos resgatou: nada menos que o sangue do próprio Rei da glória,

vítima de violenta morte! Desta forma, os direitos com que o império

das trevas segurava os seus súditos foram substituídos pelos

direitos plenos que nos impõe o cativeiro gracioso de Cristo (Ef

4.8ss; 2Co 2.14ss; ICo 6.19, 20).

0 perdão dos pecados

Além do resgate, do transporte para o reino de Cristo, e da redenção,

realizados no passado e no presente, temos ainda o perdão

dos pecados e o privilégio de gozar a paz advinda do total paga­

- 233-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

mento da dívida (idéia comunicada pelo grego afesin), dando-nos

acesso à plena comunhão com Deus e uns com os outros. Já não

mais existe barreira entre o pecador imundo e o seu Deus três vezes

santo. O que aconteceu com Lady Macbeth, na peça de Shakespeare,

não ocorre com o cristão verdadeiro: a mancha do pecado não lhe fica

nas mãos. Ainda que ele peque, o sangue remidor de Jesus Cristo

combate eficazmente o poder contagioso e febril da maldade. E

nem mesmo Satanás resiste ao sangue do Cordeiro (Ap 12.10, 11).

0 senhorio de Cristo na criação

Nos versículos 15 a 17, Paulo deixa de lado a obra redentora para

considerar a grandeza da pessoa de Jesus Cristo:

Ele é a imagem do Deus invisível. Nosso Senhor reflete perfeitamente,

tal como um espelho, a exata natureza de Deus; no seu

corpo encarnado podemos contemplar as marcas deixadas pelo

molde divino. Dessa forma o próprio Deus, embora oculto aos

olhos pecaminosos, se fez visível através do seu Filho, que o revelou

(Jo 1.18; Rb 1.3). Quem quer saber como é Deus, considere atentamente

a pessoa de Jesus Cristo: seu amor e sua indignação, sua

misericórdia e sua denúncia dos hipócritas, sua humildade e majestade,

sua atitude de servo e seu senhorio.

Ele é o primogênito de toda a criação. Esta afirmação ressalta

a verdade da primazia de Jesus Cristo como o “primeiro gerado”,

o herdeiro de tudo. Como Senhor e também autêntico representante

e substituto do Pai, a ele cabem todos os direitos, tanto na área

civil quanto na religiosa. Na antigiiidade, o primogênito também

exercia soberania na casa (cf. Gn 25.31; 27.29, 37; 49.3). Assim,

constatamos que o nosso soberano Senhor é o herdeiro de tudo

quanto já foi criado; e, como tal, possui direitos irrevogáveis para

possuir e exercer absoluta autoridade sobre a criação, quer sejam

os céus, quer a terra ou tudo que neles há (cf. SI 24.1).

A primogenitura indica também o privilégio de ser eleito ou

escolhido para ocupar a mais alta posição de honra. Neste sentido,

Israel foi constituído primogênito de Deus (Êx 4.22,23), que assim

declarou o seu amor para com o povo escolhido. Da mesma forma,

o Pai se manifestou na ocasião do batismo de Cristo (Lc 3.22). Os

privilégios decorrentes de se receber o título de primogenitura são

encontrados no Salmo 89.27, onde o divino descendente de Davi é

assim descrito: “Fá-lo-ei, por isso, meu primogênito, o mais elevado

- 234-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

entre os reis da terra” (cf. Ap 1.5). Não obstante os argumentos

dos arianos do século IV, que afirmaram ser Jesus parte da criação,

é muito claro que ele foi co-agente e já era antes de tudo o que

Deus fez (v. 16, 17).

Em Romanos 8.29 há mais um sentido no qual o primogênito,

Cristo, está relacionado com a igreja, constituída por muitos

filhos de Deus, irmãos transform ados na imagem do próprio

primogênito. O apóstolo concentra sua atenção num horizonte

distante, a partir do versículo 19 do referido capítulo de Romanos.

Toda a criação geme, na ansiedade de presenciar a restauração de

todas as coisas, no glorioso dia em que o Senhor da criação tomará

posse do novo céu e da nova terra. Nesse mesmo dia, os filhos de

Deus receberão corpos reconstituídos, como o de Cristo, declarado

as primícias da ressurreição (ICo 15.23).

Por que o Senhor foi exaltado à primogenitura? Três verdades

fundamentam o pensamento de Paulo com respeito à relação entre

a criação e Jesus Cristo. A palavra “pois” (do grego hoti) mostra

que a posição atribuída ao Senhor é conseqüência do que Paulo

apresenta logo em seguida:

1) Nele, todas as coisas foram criadas. Portanto, ele é a fonte

originadora de tudo que existe no céu e na terra; tudo que o olho

humano é capaz de perceber, bem como o invisível ou que está

fora do alcance dos sentidos humanos, tudo se originou no plano

e no poder do Senhor. Tronos e senhorios, tanto de anjos quanto

de homens, príncipes e autoridades do mundo sobrenatural, todos

emanaram do seu poder criador. “Cristo, ele próprio, enche o

universo da maior profundeza até a maior altura com Deus e faz

da alma humana o seu santo dos santos.”

Tais implicações não devem ter passado desapercebidas aos

colossenses, que consideravam tão atraentes as reivindicações dos

mestres gnósticos acerca dos poderes invisíveis dos ares. Paulo

simplesmente derruba qualquer busca de meios e caminhos para

influenciar os “soberanos” invisíveis do universo, apresentando a

inabalável verdade: “Cristo é senhor, herdeiro e primogênito sobre

tudo e sobre qualquer inteligência desencarnada”. Buscá-lo é a

única forma de vencer todas as forças opositoras na vida!

2) Tudo foi criado por meio dele. Cristo é o agente do poder

criador de Deus. Se é que tudo que existe passou pelas mãos dele,

então podemos ter absoluta confiança no seu controle providencial.

Para ele não há surpresas e nunca podería encarar como tal os

-235


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

nossos incidentes e “por acasos”, já que nada do que existe nem

qualquer ocorrência pode ser separado da sua divina vontade (veja

Jo 1.3 e Hb 2.8).

3) Tudo foi criado para ele. Cristo, aqui, é-nos apresentad

como o alvo da criação. Todas as coisas feitas e moldadas pelas

sua mãos, todas as funções da variedade infinita do nosso universo

— tudo tem como única finalidade render ao Senhor todo o louvor

possível! Desde os bilhões de sóis que compõem as galáxias espalhadas

pelos céus, até os micróbios unicelulares, tudo rende e ainda

prestará dívidas de louvor, numa sinfonia que proclama eternamente

que o Senhor é digno de receber toda a honra, glória e

adoração (SI 19.1-4; 5.11-14).

A prim azia de Cristo

Após declarar a razão por que Cristo merece ser o primogênito de

toda a criação, no v. 17 Paulo passa a apresentar duas verdades

que apoiam a absoluta primazia de Jesus.

Em primeiro lugar, “Ele é antes de todas as coisas”. Quando

Jesus surpreendeu os judeus, ao declarar que já existia antes de

Abraão (Jo 8.58), lançou a base para o que Paulo diz aos colossenses

aqui. Além disso, Jesus empregava a frase “Eu sou” (no grego, ego

eimi), colocando-se a si mesmo acima do tempo, no sentido em que

os homens o vivem; ele era sem início e sem fim, “o mesmo ontem,

hoje e para sempre” (Hb 7.3; 13.7). No pensamento antigo, quem

vem antes merece o primeiro lugar. Confrontamo-nos, assim, com

a prioridade de Jesus, evidenciada no fato de que, já que todas as

coisas lhe são posteriores, logo ele é superior a tudo que existe.

Considere-se, em segundo lugar, o fato de Cristo integrar

todo o universo. “Nele tudo subsiste” significa que ele é o centro de

coerência ou coesão. Sendo ele o segredo da unidade, que interliga

e dá simetria a todas as leis da física ou da química, da biologia

como também da astronomia, os sistemas de leis que regem todo

o universo são manifestações para dar lugar aos novos céus e à

nova terra. Talvez assim possamos entender melhor a declaração

do v. 20, que aponta a cruz como o veículo de reconciliação de

“todas as coisas”. Os rabinos judaicos acreditavam firmemente

que a prim eira criação tinha sido o modelo ou o tipo da nova

criação. A redenção não se efetivou num vácuo, mas no centro da

história e do universo. Deus encara com tanta seriedade a ordem

2 3 6 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

própria do mundo por ele estabelecido, que sacrificou seu próprio

Filho a fim de salvar o mundo sem desprezar essa ordem. A nova

criação vem a ser, portanto, o “não” de Deus aos problemas deste

mundo, como também o seu “sim” para o propósito original.

Na época de Paulo (e em parte também na nossa), o homem

não se preocupava tanto com seus problemas pessoais, seu pecado

ou retidão, mas, sim, com os problemas do mundo: a falta de

significado na vida, a ameaça do azar, a tirania desoladora das

forças que controlavam os eventos terrestres e as estrelas que supostamente

determinavam toda mudança na sorte dos homens. Mas

Paulo teve um encontro com Cristo e, ao conhecê-lo, descobriu a

solução para todo esse quebra-cabeça. A resposta estava enquadrada

na soberania de Cristo: não uma verdade teórica ou apenas

religiosa mas, sim, para o dia-a-dia. Assim, ao enfrentar o sofrimento,

perseguição ou qualquer problema, o apóstolo passou a

encará-los como manifestações da graça de Cristo, que atuava em

tudo (veja 2Co 12.7-10).

0 senhorio de Jesus Cristo sobre a nova criação

Em relação à igreja, encontram-se nos v. 18 e 19 quatro afirmações

de amplo significado:

1) A cabeça do corpo. Além de ser o titular do governo sobr

a criação, Jesus Cristo foi exaltado à posição de cabeça do corpo,

figura escolhida por Paulo para salientar a relação orgânica existente

entre Cristo e a igreja universal. Assim como Eva foi criada

do corpo de Adão, também a igreja surgiu pela encarnação do

único Filho de Deus, o qual, na sua morte e ressurreição, se ofereceu

para criá-la (Jo 2.19-21). Ao se dizer que o Senhor é “a cabeça”,

está implícita a sua inseparabilidade do corpo, ao mesmo tempo

que se exclui a sua identidade total com esse corpo. Os benefícios

da redenção fluem da cabeça para o corpo, mas este não tem o

direito de reivindicar soberania sobre o mundo, nem de exercer

um espírito triunfalista. Cristo, e não a igreja (e muito menos a

sua hierarquia), é o Senhor. Cada vez que a igreja tem usurpado a

posição soberana de Cristo sobre o mundo, foram notados sinais,

não do seu caráter celestial, mas carnais e até infernais.

2) O princípio da nova criação. Cristo estabeleceu o esboço

da igreja, assim como os alicerces dão, em princípio, a idéia

projetada de como será o prédio a ser sobre eles educado. Em

- 237-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Hebreus 12.2, Cristo aparece como o “autor e consumador da nossa

fé”. Daí percebemos que ele é a cabeça por ser o iniciador da nova

raça dos salvos.

3) O primogênito de entre os mortos. Focalizando a ressurreição

(veja também Ap 1.5), esta frase declara que o Senhor tem o direito

de governar a sua igreja por ser o herdeiro, o primeiro e o principal

dentre muitos irmãos. Mais ainda, este versículo ensina que o

fato de que “dos mortos a vida por ele começou” (O Novo Testamento,

versão de Phillips) implica em ser ele realmente o Senhor

de tudo na igreja. Quando os santos, que compõem seu corpo,

evidentemente lhe desobedecem, estão negando abertam ente a

finalidade da ressurreição. Deus Pai o constituiu para exercer pleno

domínio sobre os seus “irmãos mais novos”. No grego, Paulo usou

a palavra “auton” (ele mesmo) dentro da cláusula: “para em todas

as coisas (ele mesmo) ter a primazia”. Isto objetiva enfatizar que

somente Jesus Cristo tem o direito de dirigir, e não o pastor ou a

congregação; não o bispo nem mesmo o Papa, mas Cristo, sozinho.

Todos estes devem se subordinar à cabeça, para servirem unicamente

a ele. É evidente que nem o mundo, nem os demônios ou

os anjos rebeldes reconhecem ainda a primazia de Cristo, mas a

sua igreja deve testemunhar incessantemente essa realidade.

4) Nele reside toda a plenitude. Outra razão pela qual Cristo deve

ter a primazia sobre tildo na igreja surge na frase: “porque aprouve a

Dem que nele residisse toda a plenitude” (v. 19). O termo plenitude (plõrõma)

denominava, para os gnósticos, todas as emanações que ocupavam o

espaço entre o deus espiritual e o mundo material. Provavelmente, é

neste sentido que Paulo deseja que seus leitores concebam a Cristo,

como aquele que preenchería totalmente qualquer necessidade que

eles tivessem de alcançar o Deus verdadeiro. Podería indicar também

todos os atributos divinos de Cristo (2.9). Assim, podemos confiar

que Cristo supre tudo que a igreja necessita para cumprir sua missão

ou para enfrentar os poderes do mal.

Cristo, o reconciliador de tudo

Tendo apresentado a pessoa de Jesus Cristo, Paulo volta a discutir

o seu direito de primazia em decorrência da sua obra (v. 20-22):

“Havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele

reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra,

quer nos céus”.

- 238-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

A obra efetuada por Cristo proporciona a visão dos benefícios

que acompanharão os salvos no dia do encontro.

A paz entre pecadores e Deus

Convém lembrar a rica herança que tem a palavra “paz” nas suas

raízes hebraicas: o shalom de Deus. Não somente refere-se ao cancelamento

de inimizade, como também à prosperidade que Deus concede

aos seu amigos (Abraão, Davi e tc .). Esta relação de amizade foi

ganha na morte de Cristo na cruz. Seu sangue homologou a nova

aliança de paz, um tratado gracioso originado inteiramente nos propósitos

e planos de Deus. E Paulo novamente nos adverte que o preço

que pagou essa paz foi o sangue sacrifícial vertido na cruz.

A reconciliação

Reconciliação reflete duas palavras hebraicas que expressam a

remoção da inim izade, criando, por um lado, uma atmosfera

agradável e, por outro, acalmando atitudes hostis. Objetivamente,

no sacrifício expiatório e substitutivo de Cristo Deus removeu a

inimizade criada pelo pecado humano, apaziguando essa rebelião.

Ao notar a condição em que estavam os colossenses quando

foram alcançados pelo evangelho, Paulo aponta para a situação

dos gentios, tão necessitados de reconciliação. Eram estranhos,

isto é, pertenciam literalmente a outro rei ou dono, que os hostilizara

com Deus. Eram alienados, cidadãos de outra potência que os

mobilizara numa rebelião contra a autoridade de Deus. A expressão

no entendimento (v. 21) indica que essa alienação e hostilidade contra

Deus eram o resultado de uma persuasão de Satanás, que levara

suas mentes e imaginação a concluírem que as obras malignas

estavam certas. Ideologias como o marxismo, ou mesmo a conversa

informal de uma turm a de jovens numa grande cidade, são exemplos

de como a mente humana concorda com a maldade e racionaliza

qualquer ação repreensível praticada no corpo.

Ao outrora do passado (v. 21) segue-se o hoje presente (v.

22), caracterizado pela reconciliação dentro do corpo de Jesus, por ele

oferecido voluntariamente na cruz. O corpo da sua carne ferida

pelos cravos mortíferos possibilitou uma nova harmonia com Deus.

E são as testemunhas vivas dessa harmonia que compõem o novo

povo de Deus, a igreja.

- 239-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

A segunda parte do versículo 22 resume o tríplice propósito

de Deus ao oferecer o “Filho do seu amor”. Ele quer apresentar a si

mesmo, num dia futuro, os membros do corpo de Cristo, que deverão

ter as seguintes características:

Santos. Esses pecadores, que antes serviam prazerosamente

a Satanás, são agora santos, inteiramente consagrados e separados

para Deus. Ele os santificou pela reconciliação e amizade plenas,

tal qual o filho pródigo foi santificado pela restaurada harmonia

com seu pai (Lc 15.11-32).

Inculpáveis. No grego, usava-se a palavra “amomos” para descrever

animais limpos, imaculados e, conseqüentemente, aceitáveis

para o sacrifício a Deus. Esta mesma palavra é usada por Pedro

para comunicar a qualidade do “cordeiro (Cristo) sem defeito”, absolutamente

aceitável como sacrifício para a nossa remissão (lPe 1.19).

Irrepreensíveis. Isto é, sem possibilidade de ser alvo de uma

acusação efetiva. Não haverá cheiro de escândalo nem crítica válida

que o inimigo das almas possa lançar contra os convidados para

as bodas do Cordeiro. Os salvos estarão absolutamente imunes

ao castigo que os seus pecados merecem. Toda repreensão cairá

sobre o Filho perfeito (Is 53.6).

As condições providenciadas por Deus

No versículo 23 vemos essas importantes condições, que definem

os que realmente podem ser enquadrados no rol dos reconciliados:

Firmes na fé. “Se é que permaneceis na fé” parece ser uma

condição para gozarmos todos benefícios oferecidos, em princípio,

na morte reconciliadora do Senhor Jesus. E preciso preservar na fé

até o fim (cf. Mt 24.13). Esta perseverança na comunhão de Cristo

é a única base válida para a segurança da salvação (Jo 15.2-6). O

cristão que se afasta daquele que é o único capaz de salvar não

deve pensar que a fé efêmera do passado lhe garantirá automaticamente

o futuro.

Alicerçados na rocha. Alicerçados mostra que, sem que a nossa

confiança esteja fundamentada na rocha, não há base para presumirmos

que de fato temos a segurança na salvação. O homem que

construiu a sua casa sobre a areia necessitava deste fundamento

imprescindível (Mt 7.24-27; Lc 6.48, 49). Cristo é o único fundamento

(ICo 3.11) e a rocha eterna. Quem nele confia não será

envergonhado.

- 2 4 0 -


EP ÍS TO LA DE PAULO AOS C O LO SSE N S ES

Firmes. Juntamente com a palavra “inabaláveis” (ICo 15.58),

firmes mostra a constância e a imutável firmeza que são condições

para se esperar essa apresentação gloriosa, já vista no v. 22.

Não vos deixando afastar da esperança do evangelho. Aqui o

apóstolo emprega a figura dos estragos decorrentes de um terremoto,

capaz de remover um edifício do seu fundamento, destruindo-o.

Durante o reinado do imperador Tibério (14-37 A.D.), doze cidades

da Ásia M enor foram arrasadas. No ano 60, segundo Tácito

(segundo Eusébio, em 64 ou 65), um fortíssimo terremoto abalou

a Laodicéia, atingindo também Colossos, cidade vizinha. Se é que

isto acabava de acontecer, entende-se que efeito causaria nos

cristãos colossenses a advertência de Paulo quanto a não se deixarem

levar por ensinamentos falsos que viessem a destruir a sua

esperança no evangelho.

Esperançosos no evangelho. Segue-se a condição de esperarem

no evangelho que já ouviram (v. 23b). O evangelho não significa

boas novas apenas para alguns, mas para toda a humanidade,

que tem plenos direitos a ouvi-lo. Toda barreira de raça, cor, geografia,

idade, língua ou tribo foi tirada, em princípio, quando Jesus

afirmou que o evangelho seria pregado por todo o mundo, antes

do fim (Mt 24.14). Por isso ele deu aos seus discípulos a missão

de levar o evangelho a todas as nações (Mt 28.20) e prometeu o

poder incontido do Espírito para dar sucesso a esse empreendimento

mundial de testemunhar dele (At 1.8). Ao declarar que

“foi pregado a toda criatura debaixo do céu”, Paulo queria dizer

que o evangelho já se espalhara aos grandes centros do império,

tornando-se acessível a todos.

Desse evangelho é que Paulo foi apontado ministro (do grego

diakonos, term o ainda m uito geral, na sua acepção neotestam

entária). Sobre esse m inistério, ele discorrerá nos versículos

seguintes.

0 senhorio de Cristo no ministério de Paulo (1.2 4 -2 .5 )

24Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós;

e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha

carne, a favor do seu corpo, que é a igreja; 25da qual me

tornei ministro de acordo com a dispensação da parte

de Deus, que me foi confiada a vosso favor, para dar

pleno cumprimento à palavra de Deus: 26o mistério que

“ < *.*•!• S


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia,

se manifestou aos seus santos; 27aos quais Deus quis

dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério

entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da

glória; 28o qual nós anunciam os, advertindo a todo

homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria,

afim de que apresentemos todo homem perfeito em

Cristo; 29para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me

o mais possível, segundo a sua eficácia que

opera eficientemente em mim.

2 ]Gostaria, pois, que saibais quão grande luta

venho mantendo por vós, pelos laodicenses e por quantos

não me viram face a. face; 2para que os seus corações

sejam confortados, vinculados juntamente em amor, e

tenham toda riqueza da forte convicção do entendimento,

para compreenderem plenamente o mistério de Deus,

Cristo, 3em quem todos os tesouros da sabedoria e do

conhecimento estão ocultos. 4Assim digo para que ninguém

vos engane com raciocínios falazes. 5Pois, embora

ausente quanto ao corpo, contudo em espirito estou

convosco, alegrando-me, e verificando a vossa boa ordem

e a firmeza da vossa fé em Cristo.

Passando das considerações quanto à posição do Senhor

Jesus Cristo sobre o universo e a igreja, o apóstolo discorre, agora,

sobre a sua própria parte na evangelização m undial, particularmente

dos gentios.

Um ministério de alegre sofrimento

“Agora me regozijo”, diz Paulo. Antes, ele aproveitava sua liberdade

viajando e propagando o evangelho de cidade em cidade. Agora,

porém, preso e impossibilitado de se deslocar, ele se alegra num

“serviço inativo” mas sofredor. E certas afirmações suas nos

desafiam a pensar: como atuaríamos, se estivéssemos na situação

de Paulo?

Primeiro, Paulo estava sofrendo no lugar dos colossenses. Não

era um sofrimento expiatório, mas algo que penetrava no território

do inimigo com o conhecimento da verdade. Enquanto os colos-

- 242 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

senses viviam na tranqüilidade estável, Paulo confrontava a perseguição

que todo cristão merece. Sofrimento é, portanto, a forma

que o amor tem de assumir quando entra na luta contra o mal

para conquistá-lo.

Em seguida, diz o apóstolo que esses sofrimentos preenchem o

que resta das aflições de Cristo. Não podem, é claro, ser os sofrimentos

de Cristo na cruz para expiar os pecados do mundo (Jo 1.29); são

aflições especiais, relacionadas com o testemunho cristão. Existe

um sofrimento que vem como conseqüência do pecado; mas há

outro tipo que vence o mal no próximo: são as chamadas “aflições

de Cristo”, sendo que, ao sofrer o corpo, a cabeça também sente.

(Em Atos 9.4, vemos que a perseguição de Saulo à igreja atingia

também a Cristo.) O sacrifício de Jesus na cruz foi oferecido na

sua carne. Da mesma forma, “o que resta das aflições de Cristo”

atinge a carne de Paulo e a dos cristãos perseguidos através dos

séculos; trata-se daqueles que de bom grado se ofereceram sobre o

altar (Fp 2.17; Ap 6.11).

Podemos imaginar três tipos de sofrimento suportados por

Paulo. Primeiro, eram as aflições provocadas por inimigos de Cristo:

perseguição na prisão, cadeias, restrições, má alimentação, desconforto

de toda espécie. Segundo, ele menciona o sofrimento do

cansaço: ‘Tara isso é que eu me afadigo, esforçando-me o mais

possível...” (v. 29). O apóstolo experimentou, tanto no corpo quanto

na mente, a fadiga de longas viagens a pé e de noites inteiras a

pregar e ensinar. Mais do que tudo, este servo de Deus sabia o que

era sofrer na luta de oração; “esforçando-me” (do grego agonizontes)

e a “grande luta que venho mantendo” (2.1) são expressões que

bem descrevem esta maneira de sofrer. Todas estas formas de sofrimento

tinham um valor eterno como “investimentos no banco

celestial”, por produzirem transformações nas vidas dos cristãos

pastoreados pelo apóstolo.

Se ainda houver na igreja líderes dispostos a sofrer na carne,

no cansaço mental e, acima de tudo, na luta espiritual em oração,

pode-se esperar um grande avanço na conquista do território

inimigo. Muito ao contrário dos mestres gnósticos, para quem era

ideal o escapar do sofrimento, o apóstolo de Cristo declara suá

alegria por sofrer em benefício dos crentes de Colossos, apressando

a segunda vinda de Cristo, dia em que findará o sofrimento de

todos os santos (veja 2Pe 3.12, 13).

- 243 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Um ministério de serviço (diakonia)

Paulo, a exemplo do seu Senhor, considerava-se um servo (cf. Mc

10.45). Foi Deus quem o comissionou, de acordo com o seu plano,

com a responsabilidade de mordomia da casa divina.

O termo dispensação (grego, oikonomia) indica uma pessoa

encarregada de administrar os bens do seu senhor (cf. Lc 16.1-8).

O serviço incluía a responsabilidade de cuidar da melhor forma

possível dos valores e posses do dono, a fim de poder prestar contas

alegremente. Mas também era responsável por suprir as necessidades

dos outros empregados ou escravos (note Lc 12.42-48). As

exigências impostas ao servo despenseiro, segundo ICoríntios 4.2

e Lucas 12.42, são fidelidade e prudência. O mordomo infiel utiliza

o que não lhe pertence para alcançar os interesses próprios. O

servo imprudente faz mau uso dos valores de modo que os negócios

do seu senhor não granjeiam lucros, mas perdas. Paulo sentia

profundamente a responsabilidade da dispensação que Deus lhe

dera em favor dos colossenses (v. 25). “D ar pleno cumprimento”

quer dizer desempenhar toda a missão que lhe foi confiada (Ef 3.8),

incluindo a pregação do evangelho, acompanhando, em seguida,

os novos decididos na fé até a maturidade espiritual (v. 28).

O caráter especial da dispensação concedida a Paulo foi o

de anunciar o mistério que outrora fora oculto durante séculos e

gerações do Antigo Testamento e no período interbíblico. Nas

religiões de mistério, o segredo ou “mistério” era o rito de iniciação

pelo qual o novato ingressava numa união com o deus patrocinador

da religião. M as aqui deve ficar bem claro que

“m istério” refere-se a um segredo revelado por Deus aos seus

santos (v. 26).

Não foi, porém, uma revelação sem im portância, como

um anúncio de jornal datado de um ano atrás, mas uma verdade

de tão grande significado que Deus quis que a riqueza da

glória deste m istério fosse conhecida e divulgada entre todos

os gentios.

A substância desse m istério tão valioso e irradiado da

glória do céu é Cristo, o Messias judaico, e igualm ente o Senhor

dos crentes gentios. N eles tam bém C risto h a b ita , g a ra n ­

tindo-lhes, assim, a esperança de com partilharem da glória de

Deus (v. 27).


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Um ministério pastoral

O método usado por Paulo para desenvolver a sua tarefa de “administrador

do mistério” girava em torno de três atividades pastorais.

1) Em princípio, era-lhe necessário, bem como à sua equipe,

anunciar o senhorio de Cristo, o Salvador. Em 2Coríntios 4.5, ele

aborda o perigo sutil e constante de se anunciar a si mesmo ao

invés de Jesus Cristo como Senhor, ou seja, reivindicar para si

próprio algum direito ou privilégio especial. O anúncio enfatiza

especialmente a disponibilidade de Cristo para salvar qualquer

pessoa que queira ser redimida.

2) Não se cumpre a responsabilidade de despenseiro apenas

divulgando a verdade do evangelho. Muitas pessoas são apáticas,

necessitando, portanto, de advertência; e este é um termo negativo

que aponta para o grande perigo que corre aquele que não atende

ao convite do evangelho. Quase sempre que a palavra advertência

(nouthetêo, nouthesia) é usada no Novo Testamento, ela se refere a

crentes. Isto indica que precisam ser readvertidos para os riscos

na vida cristã. (Veja At 20.31, ICo 4.14, lTs 5.12 e também aqui,

onde se destaca o trabalho pastoral de admoestar e advertir; em

Rm 15.14, Cl 3.16, lTs 5.14 e 2Ts 3.15, é um serviço que deve ser

prestado pelos membros da igreja.)

3) Anunciar as Boas Novas e advertir os ouvintes, e isto sob

a bênção de Deus, produz conversões. Paulo nunca achou que o

fato de ganhar almas o desobrigava de integrá-las no corpo vivo

de Cristo. Daí a sua declaração quanto a se responsabilizar pelo

ensino de todos com “toda a sabedoria” de Deus; trata-se da cuidadosa

catequese dos cristãos gentios, discipulando-os na doutrina

e na prática cristã (cf. At 20.20, 27, 32). Jesus, logo antes da sua

ascensão, ordenou aos onze que fizessem discípulos de todas as

nações, batizando-os e ensinando-lhes tudo que ele mesmo lhes

havia ensinado a guardar, tudo que lhes ordenara (Mt 28.19, 20).

O objetivo final do bom despenseiro de Deus não deixa de ser a

apresentação de “todo homem perfeito em Cristo”. Perfeito (em

grego, teleios) significa maduro, adulto, e não quem jamais pecou

(veja Fp 3.12-15). Um cristão adulto, em contraste com o imaturo

(ICo 3.1,2; Hb 5.12-14), pode servir ao Senhor, conduzindo outros

à m aturidade. A criança na fé fica na dependência da ajuda e

sustento do cristão mais maduro, sendo incapacitada de continuar

sem esse apoio. Neste curto v. 28, Paulo fala em “todo homem”


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

três vezes, querendo mostrar com isso o quanto lhe desgostara a

atitude dos gnósticos de Colossos, não reconhecendo a universalidade

do evangelho. Eles queriam “aperfeiçoar” somente alguns,

uma elite; mas o evangelho, por natureza, tem que ser para todos.

Todos merecem ouvir.

Um ministério de trabalho

O apóstolo não apenas sofre (v. 24) e desempenha sua mordomia

(v. 25-28); ele trabalha. “Também me afadigo, esforçando-me

(agonizo) o mais possível, segundo a sua eficácia (energeia) que

opera eficientem ente (energoumenên... en dunam ei)”. Se

compararmos este versículo com Filipenses 2.12,13, verificaremos

que o esforço humano pode abrir caminho para a manifestação do

poder divino. A Paulo não importava desgastar o seu corpo e ficar

bem cansado (“me afadigo” traduz bem o grega “kopioõ” com o

sentido de trabalhar tanto até se cansar muito). O seu esforço,

porém, não se realizava na “carne”, mas no Espírito. Provavelmente

ele estava falando da oração, já que na prisão não lhe era possível

gastar muita energia física em favor dos colossenses.

Só Paulo, no Novo Testamento, emprega nove vezes o vocábulo

aqui traduzido por “eficácia” (veja Ef 1.19; 3.7; 4.16; Fp 3.21).

A nossa palavra “energia” vem do grego, mas o original enfatiza a

eficiência da energia usada. Muitas vezes sentimos cansaço no

trabalho de Deus sem ver um resultado correspondente. Por quê?

Não se explicaria este fenômeno pelo esforço carnal em vez da

oração do justo, que “muito pode, por sua eficácia” (Tg 5.16)? O

elemento chave é a fé, sem a qual não é possível agradar .a Deus, e

muito menos efetivar o seu serviço espiritual.

Paulo prossegue, em 2.1, expondo a importância da oração

na sua estratégia de batalha. Não queria que os cristãos de

Colossos e Laodicéia pensassem que ele, por não conhecê-los

pessoalmente, deixava de lutar por eles de uma forma absorvente,

concentrando todo o seu ser nessa “agonia” (gr. agõna. Compare

com Fp 1.30 e lTm 6.12). À semelhança do conflito de Jesus no

Getsêmani, o apóstolo se empenhou na batalha pela salvação

das almas que Cristo comprara com o seu precioso sangue. Essa

luta de joelhos, na prisão de Roma, vencia as forças satânicas

que avançavam contra os mal protegidos cristãos da Ásia.

Combate idêntico ele já travara outrora em favor dos gálatas e

- 246 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

coríntios, que também enfrentaram o perigo de serem enganados

por um falso evangelho.

O que Paulo pedia em favor dos colossenses?

1) Encorajamento para os seus corações (v. 2). “Confortados”

traduz a palavra grega parakaleõ, que tem o sentido de exortar,

encorajar, animar. Corações desanimados geram um pessimismo

na igreja. A depressão espiritual não deixa de ser o campo mais

propício para o inimigo semear o “joio” doutrinário, para não dizer

o da falta de amor e a desunião. O pedido de que Deus os encoraje

condiz com a promessa do Pai (Jo 14.16ss, 26;15.26;16.7,13):o

Espírito Santo, o Consolador (paraklêtos). Este, sim, atuando em

resposta às orações, conforta os corações dos santos.

2) Vinculados pelo amor (v. 2). Além de encorajamento para

os seus corações, Paulo pedia que os crentes fossem estreitamente

ligados pelos vínculos do amor. Esta mesma palavra, vinculados, é

empregada em 2.9 para descrever a maneira como funcionam juntas

e ligamentos do nosso corpo, ilustrando assim as relações dinâmicas

e edificantes em toda a igreja. Quando o povo de Deus se

une em amor, pode resultar em encorajamento e firmeza contra o

erro e, sobretudo, orientação para a plena riqueza da convicção

trazida pelo entendimento (v. 2). O erro doutrinário tem livre acesso

à mente que não tem certeza (gr. pleroforia) daquilo em que crê,

justamente por não o entender. Tudo resulta numa compreensão

de quem é realmente o Senhor Jesus Cristo. Ele é o conteúdo do

segredo de Deus. E a hum anidade tateia em busca de solução

definitiva da conquista do pecado e do sofrimento, até encontrá-la

em Cristo (cf. At 17.27), pois é nele e na sua obra redentora que se

encontra a salvação.

Em Cristo encontra-se a mina inesgotável de todos os valores

da verdadeira sabedoria (sofia) e conhecimento (epignõsin). Mas

esta sabedoria não está na superfície, nem este conhecimento é

como as águas do mar para o marinheiro: ambos estão ocultos em

Cristo. E preciso buscar, cavar nessa mina, cujos brilhantes só se

desenterram com oração, leitura da Palavra, meditação e espera

no Espírito Santo. Em 1 Coríntios 1 a 4, Paulo desenvolve o tema

da sabedoria, ressaltando esta verdade: a espiritualidade real só

se encontra em Cristo, e este crucificado.

Esses tesouros, sabedoria e conhecimento, como já vimos nos

versículos 9 e 10 (cap. 1), levam-nos a uma verdadeira penetração

no mistério de Deus, isto é, uma integração dentro do propósito

- 247 -


EPÍSTOLAS DA PBISÁO

divino, revelado na vinda de Jesus Cristo ao mundo. Devemos

saber que o objetivo de Deus Pai ao dar o seu Filho ao mundo foi

produzir muitos filhos semelhantes ao seu Unigênito (Rm 8.29).

Quem buscar em Cristo, na singularidade da sua pessoa e vida, e

também no seu ensino, a sabedoria de Deus, encontrá-la-á. Este

seria o galardão prometido a quem se restringir a procurar de fato

o ponto de vista divino em sua única fonte, o tão grande Salvador!

O objetivo desta ênfase de Paulo era advertir os seus leitores

quanto ao perigo do engano (no original: para, “ao lado de”; logizõ,

“raciocinar”) através de palavras cativantes ou “argum entos

atraentes” (v. 4). Palavras habilmente utilizadas podem persuadir,

assim como um filme de cinema pode iludir. Se não tivermos

critérios bíblicos, como discerniremos a verdade no meio de tantas

palavras persuasivas? (Veja At 20.30.)

Embora fisicamente separado dos colossenses, Paulo declarou

sua presença espiritual com eles (v. 5):ou pelo seu próprio espírito

(imaginando), ou pelo Espírito Santo (revelando), ele presenciava

o que acontecia na Ásia distante. Isto lhe dava ânim o, pois

observava, com muita alegria, duas características da igreja (ele

as descreve usando uma terminologia militar). Primeiro, sua boa

ordem (gr. taxin, “fileiras ordeiras de um exército”) e, segundo,

sua firmeza (stereõma, “linha de frente firme”, “falange pronta

para receber o impacto do inimigo, sem recuar”) na fé, posta no

Senhor.

Assim, neste trecho o apóstolo Paulo nos dá o privilégio

de divisar um panorama geral do seu ministério. Mostra a nós,

seus leitores, as vantagens do sofrimento, os valores do esforço e

a centralidade da oração. Tudo isso para proteger uma igreja

pequena contra os ataques de um inimigo sobremaneira esperto

e poderoso. Mais uma vez conserva-se no centro a imagem de

Jesus Cristo. Foi ele quem inspirou seu servo a se gastar no amor

que o incentivou a desempenhar tão desinteressadamente o seu

serviço.

E nós? Seguimos nos seus passos m arcantes ou consideramos

o preço alto demais? Só a clara visão de Cristo nos moverá

a tal nível de sacrifício pelos outros!


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Em Cristo, o Senhor (2.6 -15 )

6Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor,

assim andai nele, 7nele radicados e edifcados, e confirmados

na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em

ações de graça. 8Cuidado que ninguém vos venha a

enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a

tradição dos hom ens, conform e os rudim entos do

mundo, e não segundo Cristo; 9porquanto nele habita

corporalmente toda a plenitude da Divindade. '“Também

nele estais a aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado

e potestade. Nele também fostes circuncidados,

não por intermédio de mãos, mas no despojamento do

corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo; 12tendo

sido sepultados juntamente com ele no batismo, no qual

igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder

de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. 13E a vós

outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões,

e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntam

ente com ele, perdoando todos os nossos delitos;

14tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós

e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial,

removeu-o inteiram ente, encravando-o na cruz; 15e,

despojando os principados e as potestades, publicamente

os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz.

Até o final de 2.5, não encontramos qualquer exortação, imperativo

ou mandamento explícito. Mas no v. 6 o apóstolo Paulo muda a

maneira de falar. Aqui aparece uma ordem, simples e clara. “Andai

nele”, ordena o apóstolo, “tal como recebestes Jesus Cristo, o

Senhor”! Ou, em outras palavras: “Portanto, visto que Jesus foi

entregue a vós como Cristo e Senhor, continuai vivendo conforme

esse fato de ele ser o vosso Senhor”. (O verbo entregue, em grego

“paralembanõ”; sugere esta tradução.) “Recebestes” ou “foi entregue”

era o termo comumente usado para indicar o recebimento de

uma tradição. Logo no v. 8 Paulo adverte contra o perigo de abraçar

“a tradição dos homens”. Ou vivemos segundo a lei da liberdade

que o Senhor grava no coração, ou em breve estaremos moldando

- 249 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

a nossa conduta pelas especulações hum anistas da cultura

semi-religiosa contemporânea.

A vereda, então, é Cristo Jesus, continuamente convidado a

se assenhorear de todos os nossos atos, planos, pensamentos e ambições

(cf. Rm 12.2). Esta figura do caminho nos lembra a afirmação

de Jesus: “Eu sou o caminho” Qo 14.6). No livro de Atos, os discípulos

são o “povo do caminho” (22.4), símbolo desta verdade: todo

verdadeiro cristão é um peregrino (Mt 8.20) e estrangeiro (Hb 11.13)

que caminha na direção de sua pátria celeste.

Mele radicadas, edificados e confirmados

Três palavras ligadas às figuras da árvore e do edifício apresentam

outras verdades muito significativas (v. 7):

Nele radicados está no pretérito perfeito, indicando uma

experiência no passado que não m udará. A árvore, uma vez

enraizada, só fica mais firme à medida que o tempo passa e ela

cresce. Paulo deixa bem claro que, à semelhança da árvore, os

cristãos foram plantados em Cristo, de uma vez para sempre. Sendo

um verbo passivo, dá para entender que foi Deus quem plantou a

igreja, e não uma decisão meramente humana.

Nele edificados sugere um prédio em construção. O comentarista

Lightfoot traduz assim: “Sendo edificados nele hora após

hora”. As pedras vivas, lavradas por Deus, estão sendo colocadas

no Templo vivo da ressurreição (Jo 2.20ss). Não foi, porém, um

simples ato, mas é um processo contínuo. Maravilhoso é pensar

que as influências e experiências que Deus manda para nós, individual

e coletivamente, têm o único propósito de nos edificar. E este edifício

o Senhor está construindo para sua habitação (Ef 2.22).

Nele confirmados novam ente é verbo passivo no tem po

presente. Fala de um processo pelo qual se garante uma verdade,

tornando-a imutável (veja Hb 2.2; 3.14). O andar em Cristo, a

firmeza das raízes crescendo no evangelho, o processo de edificação,

tudo deve confirmar a convicção do crente na fé. Por isso não é de

se admirar que Paulo, muitos anos depois de experimentar um

encontro transformador na estrada de Damasco, pudesse escrever

aos filipenses: “Estou plenamente certo de que aquele que começou

boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus”.

As três descrições da vida cristã nos termos “radicados”,

“edificados” e “confirmados” ocorrem onde há instrução verdadeira

- 250-


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

e cuidadosa na doutrina dos apóstolos (At 2.42). Junto com a

instrução deve haver crescente louvor e ações de graças, que indicam

a importância da adoração verdadeira para a santificação da vida

em Cristo.

0 perigo do ensino falso

Mesmo havendo tão excelentes motivos para que os colossenses

crescessem na fé, Paulo sabia que também havia perigos que ameaçavam

o fundamento do edifício, bem como idéias falazes que

bem poderíam cortar as raízes da árvore da fé cristã. Daí a nova

ordem do apóstolo: “Cuidado que ninguém vos venha enredar com

sua filosofia e vãs sutilezas” (v. 8). Enredar (no grego, sulagogõ:

“seqüestrar”, “raptar”) adverte os leitores para o perigo de serem

persuadidos a m udarem as convicções de mente por meio da

filosofia. Mas não se tratava de filosofia que buscasse a verdade

pela análise cuidadosa, sempre consciente de suas limitações;

muito pelo contrário, a heresia constava de idéias insensatas, de

um intelectualism o capaz de penetrar onde nenhum a mente

humana podería ir sem a iluminação de Deus.

Daí Paulo revelou a fonte de tais especulações: não passavam

de “tradições humanas”, isto é, falatórios consagrados pela transmissão.

Às vezes o passar de palavras da boca para o ouvido, ou

da cabeça para o papel e tinta, impressiona ouvintes ou leitores

como sendo válido. Confiamos na capacidade da mente humana

de discernir a verdade e descartar o erro. Mas nada fica mais longe

da realidade! Jesus condenou redondamente a facilidade com que

os homens transformam a revelação em especulação e os mandamentos

de Deus em tradição humana.

Ao conteúdo dessa tradição o apóstolo chama de “rudimentos”

(gr. stoicheia). Esta palavra significava, no primeiro século,

os elementos básicos de toda existência, ou o “ABC” de qualquer

assunto, no sentido de passos preliminares e básicos (veja Hb

6.1). Mas também significava poderes espirituais ou corpos celestes

que supostamente governavam (no pensamento astrológico) as

circunstâncias da vida humana. De fato, não importa muito o

que seriam aqueles “elementos”, uma vez que reconhecemos a sua

oposição total à realidade de Cristo (v. 8). Ele tanto é o único

fundamento como o destino de toda realidade. “Alfa e Omega” é a

feliz designação dada por João no Apocalipse (1.8).

- 251


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Cristo, a única fonte

Não se pode esperar qualquer auxilio de nenhuma destas fontes,

diz o apóstolo. A razão é muito simples. Em Cristo reside permanentemente

toda a plenitude da Divindade em corpo. Como,

então, procuraria o cristão manifestações de poder, proteção ou

qualidades sobrenaturais de outra fonte que não fosse Cristo? Uma

interpretação sugere que a plenitude seria uma referência às emanações

intermediárias que, na opinião dos gnósticos, preenchiam

o espaço entre o deus espiritual e mundo material. Paulo, então,

declara que Cristo não seria qualquer um destes, mas a soma

total dos seus supostos poderes, englobados sob a sua soberania.

Outra interpretação vê nesta passagem a verdade inegável de

que todos os atributos divinos habitam (objetivam ente) em

Cristo.

O termo “divindade” foi usado em Romanos 1.20 para

indicar a mão de Deus revelada na criação do universo. Aqui,

estaríamos vendo a Cristo como a revelação da face de Deus.

A palavra “corporalm ente” pode significar “encarnado”;

portanto, acontecido concreta e historicamente na pessoa de Jesus

de Nazaré. Também esta palavra (sõmatikõs) pode ter a idéia de

“totalmente”, ou “unidamente”, e não poderes ou espíritos distribuídos

e espalhados, como pensaram os gnósticos. Paulo relembra

os colossenses de que já passaram pela experiência da “circuncisão

espiritual” (v. 11). Assim é que eles foram galardoados com a perfeição

de Cristo (v. 10). À indagação de como se apropriaram desta

plenitude de Deus, Paulo responde: pelo novo nascimento, cujo

sinal foi o batismo, um ato que tinha profundas raízes no Antigo

Testamento e na paixão e ressurreição de Cristo.

Não por intermédio de mãos humanas nos mostra que o valor

da cerimônia inicial da vida cristã não depende de ação humana

Qo 1.13). Também não coincide, de forma alguma, com o rito

judaico da circuncisão física, que marcava a vinculação da criança

com a aliança feita por Deus com Abraão, quase vinte séculos

antes. Mas é o “despojamento do corpo da carne”, isto é, a negação

definitiva, no ato do batismo, da vida marcada pelo egoísmo e

pela sensualidade. Em Romanos 6.6, uma passagem paralela,

Paulo aponta para o batismo como o homem velho (as práticas e

atitudes anteriores à conversão) sendo crucificado com Cristo, “para

que o corpo do pecado seja destruído”.

- 252 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

A circuncisão de Cristo se refere especificamente à morte de

Jesus na cruz, morte esta compartilhada por todo cristão enxertado

em Cristo pelo novo nascimento, e testem unhada pelo seu batismo.

Os cristãos não só com partilharam da crucificação de

Cristo, mas também do sepultamento com ele no seu túmulo.

Trata-se de um enterro espiritual acentuado pelo batismo, simbolizando

o fim da vida velha no mundo e a ressurreição espiritual

como mem bro do corpo de Cristo. Estas realidades somente

podem ser apropriadas pela “fé no poder de Deus” (v. 12), que

literalm ente levantou Jesus Cristo dentre os mortos. Crer na

ressurreição é essencial para que se receba o dom da salvação

(Rm 10.9;1 Co 15.14, 17).

Este modo de falar tem muito em comum com o pensamento

dos judeus em relação ao Êxodo. Na Páscoa, a família judia revivia

a realidade dos eventos que deram à luz a nação israelita. Através

da celebração, na qual o judeu comia o cordeiro e os pães asmos,

ouvia e respondia às perguntas de seus filhos, entendia-se que os

participantes realisticamente compartilhavam do acontecimento

original. Nesse contexto de pensam entos, o apóstolo fala da

repetição, através do batismo, do evento salvador original, quando

Cristo morreu e reviveu por nós.

Além de focalizar a morte de Cristo compartilhada por todos

os seus “irmãos menores”, Paulo chama atenção, no v. 13, para o

estado mortal que precede a nova vida ressurreta dos regenerados.

O estado de morte é primeiramente descrito como um produto

das transgressões. O pecado, rebelião contra Deus, merece ser condenado

pelo Deus da criação. No jardim do Éden nossos primeiros

pais sofreram a implacável ira de Deus contra a sua desobediência.

No mesmo dia, Adão e Eva morreram, no sentido de comunhão

vital com Deus. A transgressão da lei de Deus é sempre punida

pela separação dele, que é a única fonte de vida. Assim devemos

considerar o sentido de morte pelas transgressões.

Em segundo lugar encontramos a frase “pela incircuncisão

da vossa carne”. Quer dizer, alienados e separados da aliança que

Deus fez com Israel (Ef 2.12). Foi Deus quem tomou a iniciativa

de fazer essa aliança de graça e favor junto ao seu povo. Os colossenses,

porém, não eram judeus, mas gentios; portanto, não podiam

reivindicar qualquer vantagem dessa natureza.

Diante de tão impossível situação de marginalização espiritual,

Cristo veio e “deu vida juntamente com ele” (v. 13), vida


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

que Paulo exporá mais claramente no capítulo 3, nos versículos 1

a 4. Assim, a vida ressurreta de Cristo substitui a morte que antes

nos caracterizava.

Todos os pecados foram perdoados por esta ação divina providenciada

no Filho. Diz Sócrates, o famoso filósofo grego: “Pode

ser que a deidade possa perdoar pecados, mas não vejo como!” O

renomado Dr. Bob Pierce, acometido pela terrível leucemia, passou

dezessete dias no hospital aguardando a morte, que Deus miraculosamente

afastou por um longo tempo. Comentando sobre aquele

período, poucos meses atrás, em nossa igreja, ele disse: “A única

coisa realmente importante é que todos os meus pecados estão

debaixo do sangue!” Cada dia a realidade do perdão deve tornar-se

mais gloriosa e suscitar contínuo louvor.

Paulo explica, no v. 14, o meio pelo qual Deus nos outorgou

este perdão: foi cancelado (exaleipsas, quer dizer, “apagar”,

“remover”, “queimar ou inutilizar uma acusação ou dívida escrita”)

o escrito de dívida que seria a base de punição. A figura de um

tribunal está na mente de Paulo. O réu está no banco. A escrita,

repleta de acusações, está sendo preparada e lida. Mas o juiz, que

é Deus, inocenta o culpado, tendo satisfeito na morte de Jesus,

seu Filho amado, todas as exigências da lei (cf. Mt 18.23-35).

O apóstolo denomina essas exigências de “escrita de dívida”

(cheirographon, uma promessa de pagar uma quantia x, assinada

pessoalmente), que consistia nas ordenanças de Deus encontradas

na Bíblia. As leis e obrigações do Antigo Testamento, que os homens

sozinhos seriam incapazes de cumprir, e mesmo os mandamentos

do Novo Testamento, nunca deixariam de condenar impreterivelmente

todo pecador ao inferno. Por isso encontramos a palavra

“ordenanças” (dogmasin, “ordens de tribunal ou juiz “, “decretos”;

cf. v. 20, dogmatizesthe: “sois sujeitos a ordenanças”). Mas este

vocábulo acrescenta a idéia de “tradição hum ana”.

Paulo pede aos seus leitores que considerem tão maravilhosa

verdade. Cristo tomou sobre si mesmo as acusações todas. Em

obediência absoluta a todas as ordens de Deus, ele cum priu

completamente as obrigações, removendo-as inteiramente (v. 14).

Ficaram cravadas na cruz do Calvário as mãos e os pés do nosso

Senhor, estendidos e traspassados pelos cravos, mostrando assim

sua total submissão a toda a vontade de Deus. Fragmentos rasgados

jazem espalhados no seu túmulo. Assim, nossa sujeição não

pode ser mais a essas ordenanças religiosas, mas a Cristo, o Senhor.

■- 254 -


EP ÍS TO LA DE PAULO AOS COLOSSENSES

A “Lei”, no sentido legalista, não é mais constitucional no reino

do Filho do seu amor. Como Paulo escreveu aos coríntios: “Não

estais sem lei para com Deus, mas debaixo da lei (ennomos) de

Cristo...” (9.21).

O v. 15 destaca a maravilhosa vitória de Jesus Cristo sobre

os poderes satânicos: despojou (apekdusamenos, “desarmou-os”,

“derrotou-os”, “tirou todas as suas armas”, “neutralizando-os”)

os principados e potestades, ao vencer todas as tentações satânicas,

vivendo uma vida absolutamente sem pecado. Mais ainda, Cristo

os venceu pela morte conquistada na ressurreição. Os poderes do

mal tentaram destruir a Jesus, publicamente, pela rejeição do povo,

que gritava: “Crucifica-o!” e pelo poder político dos líderes israelitas,

junto com a concordância de Roma (At 2.23). Justamente

na hora da maior vitória das trevas sobre o Senhor da Glória, ele

rompeu os grilhões da morte, demonstrando sua vitória sobre o

poder do pecado na sua expiação na cruz e sobre a morte pela

ressurreição. A palavra grega aqui traduzida por “triunfando”

(também em 2Co 2.14) pode indicar o cortejo triunfal do general

romano que, após a conquista de território novo, traz os cativos

amarrados, junto com o seu exército vitorioso.

Resumindo, entenderemos o argumento deste capítulo se

lembrarmos que os colossenses estavam sendo atraídos por uma

“salvação” mística, intelectual, especulativa e pela busca de contato

benéfico com poderes espirituais. Procuravam uma “perfeição”,

não moral ou espiritual, mas teosófica. Paulo combateu toda essa

palha, reconfirmando as principais verdades históricas e teológicas

do evangelho:

1) Cristo incorpora toda a realidade divina: v. 9.

2) Ele é superior a todo poder real ou inventado: v. 10, 15.

3) A perfeição se alcança unicamente em união vital com

ele: v. 10.

4) Por intermédio da fé e do enxerto em Cristo, simbolizado

no batismo, todos os benefícios da morte e ressurreição dele são

compartilhados.

5) Não estando mais morto e alienado de Deus pelo pecado,

o cristão vive totalmente liberto da culpa e em tranqüilidade diante

de qualquer obrigação religiosa, por intermédio da vitória de Jesus

na morte e ressurreição.

- 255 -


e p í s t o l a s d a prisão

Conseqüências de estar em Cristo, o Senhor (2 .16 -3 .4 )

16Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e

bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, ^porque

tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam

de vir; porém o corpo é de Cristo. '"Ninguém se faça

árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto

dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo

algum na sua mente carnal, 19e não retendo a cabeça,

da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas

juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede

de Deus. 20Se morrestes com Cristo para os rudimentos

do mundo, por que, como se vivésseis no mundo, vos

sujeitais a ordenanças: 21Não manuseies isto, não proves

aquilo, não toques aquiloutro, 22segundo os preceitos e

doutrinas dos homens? pois que todas estas coisas, com

ouso, se destroem. 23Tais coisas, com efeitos, têm aparência

de sabedoria, como culto de si mesmo, e falsa

hum ildade, e rigor ascético; todavia, não têm valor

algum contra a sensualidade.

3 'Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com

Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive,

assentado à direita de Deus. 2Pensai nas coisas lá do alto,

tio nas que são aqui da terra; 3porque morrestes, e a vossa

vida está oculta juntam ente com Cristo, em Deus.

4Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então

vós também sereis manifestados com ele, em glória.

0 cristão não vive debaixo da lei cerimonial

Se a vitória foi inteiramente conquistada por Cristo, quem, além

dele, teria o direito de colocar os colossenses debaixo de qualquer

espécie de jugo religioso? Os mestres falsos vinham ensinando

que algumas comidas e bebidas contaminavam quem as consumia,

impedindo-o de entrar em contato com poderes sobrenaturais.

Assim foi no período do Antigo Testamento, quando os israelitas

foram advertidos contra alimentos “imundos” que os separariam

da santidade de Deus.

As festas sagradas e os dias religiosos, como o sábado, tinham

igualm ente um elem ento de união ou de separação entre os

- 2 5 6 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS CGLOSSENSES

adoradores e o seu Deus. Mas não é mais assim na nova época

inaugurada pela exaltação do Senhor Jesus. Todas as exigências da

velha aliança relativas aos alimentos e dias sagrados não passavam

de sombras das novas condições na era da igreja (cf. Hb 10.1).

“Sombras” quer dizer “tipos” e “sinais” que, a partir do Antigo Testamento,

apontavam para a realidade que todo cristão usufrui no

corpo de Cristo. Gálatas 3.23-25 nos informa sobre a- utilidade da

lei, que serviu ao povo de Deus como aio ou tutor para conduzir

todos os que lhe estavam sujeitos. A graça representa filiação completa,

contrastada com a situação de dependência dos filhos menores.

Como devemos compreender a frase: “Porém o corpo é de

Cristo” (v. 17b)?

A primeira sugestão sustenta a posição de que o corpo é a

igreja. Então o que decorre disso, evidentemente, é que a igreja

não deve ficar presa às cerimônias típicas do período de antecipação

no Antigo Testamento, mas viver na plena liberdade da sua relação

vital com o seu Senhor.

A segunda idéia vê na palavra “corpo” (grego, sõmà) o conceito

de “substância” ou “realidade”. O original podería ser entendido

dessa forma. Neste caso, a sombra nunca deveria substituir a

realidade; pelo contrário, sempre teria que exultar nos privilégios

da adoração verdadeira desejada por Deus (Jo 4.23, 24).

A terceira posição limita o significado de “corpo” à encarnação

de Cristo e às conseqüências da profecia de Salmos 40.7. Aí a promessa

do recebimento de um corpo preparado por Deus e oferecido em

holocausto que acaba com qualquer outro sacrifício se coloca em

contraste com a imperfeição de todo e qualquer rito judaico.

Enfim, Cristo nos liberta de toda e qualquer observância

levítica. Paulo admite o privilégio que tem o cristão de optar

particularm ente (como muitos judeus em Jerusalém, de fato, o

faziam) por continuar as práticas tradicionais e culturais. Mas

não é possível dar a tais atos de piedade um caráter compulsório.

Os cristãos não têm motivo para temer quem quer que os

ameace de perder a corrida ou de não receber o prêmio (v. 18). O

termo “árbitro” traduz uma palavra extremamente rara: provavelmente

quer dizer “agir na capacidade de um juiz ou árbitro que,

num jogo, desqualifica o atleta ou lhe nega o prêmio”. Claramente,

tais “juizes” eram mestres gnósticos que não davam ao Senhor

Jesus Cristo o lugar supremo (“não retendo a cabeça”, v. 19), mas

se reservavam uma superioridade própria. Com essa finalidade


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

eles se mostravam m uito hum ildes (não em espírito, mas no

corpo), por meio de jejum e de uma disciplina rigorosa do corpo.

Em 3.12 a mesma palavra é usada para descrever uma virtude

recomendável. A humildade deve ser uma atitude do coração mais

do que uma prática legalista externa.

Também esses líderes da falsa religião adoravam anjos, atribuindo-lhes

a posição de mediadores, assim como muitos hoje

querem cultuar a Deus por intermédio dos “santos” ou de Maria.

As visões que eles tinham tido (talvez induzidas por meio dos

ritos de jejum) os enchiam de vaidade. Enfatuado sem motivo revela

uma atitude de jactância no reivindicado conhecimento da verdade,

mas que, na realidade, não passava de invenções de mentes dominadas

pela carne e não pelo Espírito (cf. Ap 2.24). Idéias inteiramente

humanas, sem utilidade alguma, freqüentemente fascinam

quem as ouve. A sutileza do pai do engano nunca deixou de exercer

atração sobre as mentes humanas desde a Queda, porque oferece

a esperança da salvação própria.

Mas em todos estes acréscimos ao evangelho, observa-se a

falta de reter a cabeça (v. 19). No grego, “retendo” representa kratõn

(usado também em Mc 7.3, 4, 8; At 2.24) e significa literalmente

que os falsos mestres não estavam mantendo firmemente a Cristo

como a cabeça. Esta figura exalta o nosso Senhor à posição suprema

em relação ao corpo, a sua igreja. Da cabeça a igreja recebe todo o

suprimento completo de sua vida (cf. E f 4.12). Essa vitalidade

passa para o corpo por intermédio das juntas e ligamentos, que

devem ser os ministros e servos de Deus que edificam seus irmãos

na doutrina e na sabedoria prática recebidas do Senhor. As duas

palavras, “suprido” e “vinculado” (também em 2.2), comunicam,

por um lado, a idéia de equipar ou treinar e, por outro, a de unir e

produzir lealdade ao Senhor (veja Ef 4.16, passagem paralela).

Em conseqüência de se manter fixa em Cristo (retendo a

cabeça), a igreja se desenvolve com o crescimento que unicamente

Deus pode dar. Paulo, em ICoríntios 3.6, declara que o milagre do

crescimento só se explica pela atuação sobrenatural de Deus

(também At 2.47). Mas também existe um crescimento canceroso

que vem do apelo à carne, e este é totalmente oposto ao desenvolvimento

proporcionado por Deus. Fica evidente, assim, o objetivo

final do exercício do ministério mútuo dentro da unidade do Espírito

no corpo: é o crescimento para a perfeição de Cristo em amor (esta

conclusão se confirma em Ef 4.15).

- 2 5 8 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

0 cristão não está sujeito às ordenanças humanas

Nos versículos 16-19 Paulo se opõe à piedade dos colossenses,

porque esta nega o senhorio de Cristo. Aqui, ele apela aos irmãos

para largarem essas práticas inúteis, pois não correspondem à

nova vida ressurreta assinalada pelo batismo. “Se morrestes com

Cristo” — e todo verdadeiro cristão teve essa experiência (veja

2.10-12) — então isto significa que ele foi completamente cortado

da sujeição aos elementos ou poderes espirituais (cf. 2.8) que

anteriormente controlavam sua vida.

Não há motivo algum para o filho de Deus ser escravizado

por regrinhas de cunho humano (gr. dogmatizesthe, “continuar a ser

dom inado por ordenanças”, v. 14). Neste contexto Paulo está

indicando práticas ascéticas que proibiam manusear ou tocar uma

série de coisas, para evitar contaminação cerimonial. Junto com

esses tabus, havia regras contrárias a provar comidas e bebidas

declaradas imundas (v. 21). Mas Deus nunca se manifestou contrário

às práticas condenadas por estes preceitos e ensinos puramente

humanos (22). Como influiríam estas coisas, supostamente

intocáveis e proibidas, sobre a vida eterna (ressurreta) do cristão, já

que são apenas transitórias? Jesus pronunciou esta mesma doutrina

quando lutou contra as tradições humanas (veja Mt 15.9; Mc

7.18,19). Novamente vemos o contraste entre o eterno, relacionado

com Cristo, e o transitório, relacionado com o mundo (2Co 4.18).

Tais coisas (v. 23) são aquelas ordenanças de negação. Elas

têm, no pensamento humano, certa reputação de sabedoria, porque

envolvem a disciplina voluntária e gozam de uma aparência de

piedade e controle rigoroso sobre o corpo. Mas são totalmente

inúteis na guerra contra a indulgência da carne, isto é, o egoísmo

e os desejos contrários à vontade revelada de Deus. Mesmo no

nosso século persistem pontos de vista paralelos. Pessoas fazem

romarias até Fátima, em Portugal, ou até Aparecida, no Brasil,

andando de joelhos nus e ensangüentados, sofrendo agonias, na

esperança de que a severidade no trato do corpo venha a agradar a

Deus ou à “santa”; mas isto em nada transforma o coração do

sofredor. O apóstolo mostra um pessimismo profundo diante de

qualquer esforço humano. Não só a salvação é gratuita, não susceptível

a qualquer merecimento em conseqüência de obras boas,

mas a santificação também depende da revelação da vontade de

Deus e a operação do Espírito para transformar vidas à imagem

2 5 9 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

de Jesus Cristo. Esta ênfase tão forte na morte e ressurreição com

Cristo sustentam o fato de que a verdadeira vida cristã é uma

vida totalmente dependente de Deus.

Âs consequências da ressurreição com Cristo

Este trecho nos apresenta o lado positivo, contrastando com os

anteriores, especialmente em 2.20-23. A referência à morte de Cristo

deve seguir-se a consideração das conseqüências de se ter ressuscitado

com ele (3.1). As “ordenanças” de Deus, nestes versículos,

são evidentemente opostas às invenções legalistas de homens.

Esta passagem é a única, em Colossenses, que explicitamente

faz referência à segunda vinda do Senhor. É notável a

combinação das duas “escatologias”, a realizada afirmando que o

cristão já passou pelo julgamento (morte) e possui a vida da nova

era eterna. A qualidade dessa vida deve ser manifesta na conduta.

Mesmo não sendo muito impressionante, muitos mundanos não

admitiríam o milagre operado pela morte e ressurreição na conversão

do crente; mas quando Cristo voltar, então a verdadeira

natureza do cristão “supernaturalizado” se tornará evidente para

todos. Isto se chama escatologia futurista.

Se fostes (v. 1) não sugere dúvida alguma quanto a essa ocorrência.

“Sendo que fostes ressuscitados juntamente com Cristo”,

seria uma redação um pouco mais acertada. Esta verdade radicada

no evento central de toda a história, acontecido com Jesus no

domingo da Páscoa e experimentado pelos crentes no batismo

pela fé, implica na busca dos valores celestiais.

Buscar as coisas de cima. As coisas temporais, como já vimos

em 2.16-23, não merecem a nossa atenção. Por isso, em primeiro

lugar, somos mandados por Deus a fixar nossa ambição na busca

de tudo que esteja relacionado com Cristo na sua exaltação. Deste

modo Paulo reitera a exortação de Jesus no Sermão da M ontanha:

“Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça...”

(Mt 6.33). Logo veremos, aqui também, a ênfase sobre a

justiça. Cristo agora reina, sentado no trono à direita do Pai. Os

interesses e a justiça do seu reino devem ser prioritários para todos

que compartilham do seu Espírito. Paulo nos lembra que Cristo

vive “lá no alto” (Efésios 1.3,20; 2.6; 3.10 e 6.12 usa a palavra

sinônima epouraniois, “lugares celestiais”), porque quer distinguir

o que é eterno do que é temporário e passageiro.

- 2 6 0 -


E P ÍS TO LA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Pensar nas coisas do alto. Em segundo lugar, devemos pensar

nas coisas lá do alto (v. 2). A palavra grega (phroneite, “pensar”, “ter

uma atitude definida”) é a mesma empregada por Paulo em

Filipenses 2.5 para chamar atenção para o tipo de inclinação de

mente que o cristão precisa ter. Sua mente não liga para as coisas

mundanas, não fica presa nem obcecada pelos valores materiais.

Pelo contrário, tendo sua cidadania no céu (Fp 3.19, 20), ele contempla

ansiosamente sua herança prometida (Hb 11.13).

Depois desta dupla exortação aos colossenses, nos v. 1 e 2,

o apóstolo dá as razões pelas quais um peregrino deve ter suas

ambições conscientemente vinculadas ao céu:

(1) Deve ser a conseqiiência natural da morte com Cristo. A

morte inevitavelmente desliga o defunto dos interesses deste mundo.

Tal como o “rico louco” de Lucas 12.16-21 mergulhou na busca da

“dolce vita” apenas até morrer, assim também, na morte com Cristo,

deve haver uma mudança de 180 graus na ambição do convertido.

(2) A vida dos cristãos foi oculta, juntamente com Cristo, em

Deus (v. 3). Assim como o cadáver é oculto na terra, fora da vista

dos antigos associados e colegas, o cristão, sepultado com Cristo,

fica oculto em Deus. Aí está sua proteção (SI 91.1-10), bem como

o seu sustento. Não esqueçamos que já encontramos a palavra

oculto usada para a localização de “todas as riquezas de sabedoria

e conhecimento” em Cristo (2.3). Provavelmente devemos entender,

com esta frase difícil, que Deus sustentará a nova vida dada aos

seus filhos por intermédio de Jesus Cristo. Não há razão alguma

para procurar outras fontes nem meios para o suprimento da vida

cristã, como encorajavam os hereges gnósticos. Ainda que a frase

em Deus seja bastante rara nas epístolas de Paulo, a frase em Cristo

se encontra mui freqüentemente; mas o significado deve ser quase

o mesmo (cf. Jo 14.23).

(3) A vida dos santos é a vida de Cristo outorgada pelo

Espírito que habita o seu corpo (1 Co 12.13). Esta vida, que vivemos

pela fé (G1 2.20), não atrai muito a atenção dos pagãos, que se

impressionariam muito mais com milagres estupendos e demonstrações

dramáticas. A vida de Cristo na sua igreja é, na maioria

dos casos, sóbria, tranqüila, moderada (Fp 4.5). O fruto do Espírito

deve ser esperado mais do que as maravilhas espetaculares da sua

operação.

Mas tudo isto não quer dizer que Jesus nunca se manifestará

visível e poderosamente. Bem ao contrário, o dia de sua vinda em

261 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

poder e glória transformará esta vida secreta no maior espetáculo

de todos os tempos! A Segunda Vinda, então, marcará o dia da

revelação da verdadeira natureza dos filhos de Deus. Aparecerão

com Cristo (lTs 4.14) revestido de sua glória, dando, assim, a

última confirmação da verdade de que quem tem Cristo como

Salvador e Senhor possui tanto quanto aquele que tem a Jesus e

também o mundo todo.

0 senhorio de Cristo na vida prática (3 .5 -17)

5Fazei, pois, m orrer a vossa natureza terrena:

prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno,

e a avareza, que é idolatria; 6por estas coisas é que vem

a ira de Deus (sobre os filhos da desobediência). 7Ora,

nessas mesmas coisas andastes vós também, noutro

tempo, quando vivíeis nelas. 8Agora, porém, despojai-vos,

igualmente, de tudo isto: ira, indignação, maldade,

maledicência, linguagem obscena do vosso falar.

9Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes

do velho homem com os seus feitos, 10e vos revestistes

do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento,

segundo a imagem daquele que o criou; "onde não pode

haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão,

bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo e em

todos. 12Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos

e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade,

de humildade, de mansidão, de longanimidade. 13Suportai-vos

uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso

alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim

como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós;

14acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo

da perfeição. 15Seja a paz de Cristo o árbitro em vossos

corações, à qual, também, fostes chamados em um só

corpo: e sede agradecidos. 16Habite ricamente em vós a

palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos m utuamente

em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos

e hinos e cânticos espirituais, com gratidão, em vossos

corações 17E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em

ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele

graças a Deus Pai.

- 262 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Tendo Cristo como Senhor, deiemos

m ortificar a nossa natureza terrena

“Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena” (v. 5). A palavra

“pois” indica que a mortificação na prática é motivada pelas

verdades espirituais que acabamos de ver nos versículos anteriores.

Pela última vez na sua epístola Paulo emprega este conceito de

“morte”. Torna-se fascinante rever os diversos sentidos dados por

ele ao termo “morte” ou “morrer”.

(1) Há uma referência nítida à morte natural (1.22). A morte

literal foi experimentada por Cristo na cruz.

(2) Já vimos a “morte em transgressão e no pecado” (2.13;

Ef 2.1). Esta morte espiritual caracteriza todos os que pecaram e

estão destituídos da glória e vida de Deus (cf. ICo 15.22).

(3) Um aspecto da morte na teologia de Paulo seria a morte

de Cristo vista do ponto de vista de uma “personalidade incorporada”.

Isto significa que, quando ele expirou, todos os salvos,

quer do passado, presente ou futuro, estavam incluídos nele como

seu representante realístico (veja 2.11 e G1 2.20).

(4) Enquanto a morte com Cristo ocorreu na cruz, no ano

30 A.D., há uma morte simbólica experimentada concretamente

no batismo do novo convertido, como observamos em 2.12 (veja

Rm 6.3-6).

(5) Finalmente encontramos neste texto uma morte obrigatória

na vida prática. Todas as outras “mortes” foram operadas, não por

nós, mas sobre nós. O imperativo de 3.5, fazei morrer, mostra-nos

claramente a responsabilidade de mortificar a nossa “natureza

terrena”. Não foi bem “natureza terrena” que Paulo escreveu. Literalmente,

ele diz que os colossenses devem “matar seus membros

que estão sobre a terra”. Escrevendo para os Coríntios (ICo 15:31),

o apóstolo declarou que morria diariamente, refletindo assim os

perigos que ele sempre enfrentava. Aqui é bem diferente. Os membros

sobre a terra são os instrumentos através dos quais o pecado

opera. Jesus recomendou aos seus discípulos a mesma coisa, quando

disse: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de

ti...” (Mt 5.29, 30). Todo desejo pecaminoso, juntamente com a

prática do pecado, exige dos “membros” ou instrumentos do corpo

humano algo para a sua realização. Como devemos “matar” estes

membros, isto é, tirar a vitalidade pecaminosa dessas inclinações?

Acho que Paulo nos respondería que cumpriremos esta obrigação

- 2 6 3 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

somente na medida em que oferecermos os membros do nosso

corpo a Deus para vivermos de uma forma santa e digna dele

(esta é a exortação de Rm 6.12-23). Paralelamente à mortificação,

Paulo colocou o “despojamento” (v. 8), sendo ambas idéias negativas,

mas necessárias para se transformar na imagem do “novo

homem” (v. 11). Em princípio, lembremos que não podemos estrangular

nossos maus desejos. “Mas se pelo Espírito mortifícardes os

feitos do corpo, certamente vivereis” (Rm 8.13). A operação do

Espírito é, portanto, essencial à mortificação.

Também podemos afirmar que não mataremos estes desejos

machucando-nos ou provocando sofrimentos no nosso corpo. A

todos que queriam realmente viver para Deus, Jesus aconselhou

negarem-se a si mesmos, tomarem a sua cruz e o seguirem (Mc

8.34). Esta idéia de negar a si mesmo e carregar a própria cruz, contudo,

estava longe da posição dos pseudo-religiosos e supersticiosos

ascéticos de Colossos. Somente na íntima companhia de Cristo

há esperança de se ter a vontade transformada. Com ele é possível

considerar-se morto para o pecado (Rm 6.11). Despindo-se do

pecado é possível revestir-se de Cristo (Rm 13.14).

Sendo Cristo o Senhor da nossa vida, temos

de deixar as práticas impuras da carne

O apóstolo cita as seguintes práticas carnais:

1) Prostituição. A prostituição refere-se a toda relação sexual

fora do casamento. A palavra pomeia vem do verbo pemumi, que

quer dizer “vender”. Fica evidente que, para Deus, este pecado de

vender ou comprar um ato do mais profundo amor é um dos pecados

mais graves que se pode cometer. A prostituição nega o amor

que une no nível mais profundo as personalidades do marido e da

esposa. Jesus avisou aos seus ouvintes que esta transgressão é

cometida não apenas no ato de relação sexual ilícita, mas que, em

primeira instância, realiza-se na mente e no coração (Mt 5.28).

A prostituição era um pecado quase universal na época em

que Paulo escreveu Colossenses. Demóstenes, orador dos mais

famosos da Grécia, disse: “Nós reservamos amantes para nosso

prazer; concubinas para as necessidades corporais do dia-a-dia;

mas temos esposas para produzir crianças legitimamente e para

ter quem seja fidedigna para guardar os nossos lares”. Na cidade

de Corinto havia cerca de mil prostitutos (tanto mulheres quanto

- 284 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

homens) servindo no tem plo de Afrodite. A prostituição e a

idolatria andavam de mãos dadas.

2) Impureza. A impureza, em seu sentido físico, descrevia a

sujeira ou a putrefação de uma chaga infetada; moralmente significava

qualquer coisa revoltante e miserável, particularmente perversão

sexual. No Antigo Testamento usava-se para denotar a

impureza cerimonial daqueles que não podiam entrar na presença

de Deus por causa da contaminação. A impureza era sempre considerada

vergonhosa (Os 2.10) e, mais ainda, destrutiva, tanto a

indivíduos como a uma nação (Mq 2.10). O cristão, nascido do

Espírito de santidade, nunca poderá sentir-se indiferente diante

deste desafio a fugir de toda impureza, como Paulo exortou a Timóteo

(2Tm 2.22). Particularmente o jovem cristão deve estar alertado

para fugir da impureza da mente, pois o Senhor disse que os puros

de coração são bem-aventurados (Mt 5.8).

3) Paixão lasciva. Da palavra pathos, que quer dizer “sofrimento”,

herdamos a expressão “paixão de Cristo”. Mas em lTessalonicenses

4.5 e Romanos 1.26 torna-se muito claro que é outro o

significado aqui. Seria aquela paixão que, sem a verdadeira paciência

do amor, fica dominada pelo fogo do sexo. Davi se apaixonou por

Bate-Seba, esposa de Urias, e a conseqüência foi adultério e homicídio,

tudo porque não dominou, pelo poder do Espírito, esse ardor

ilícito. Logo em seguida, em 2Samuel 13, conta-se a sórdida história

de Amom, Filho de Davi, que se enamorou de Tamar. As conseqüências

dessa paixão ímpia arruinaram não apenas a vida da

inocente Tamar como a de Absalão, irmão dela, provocando até

uma guerra civil.

4) Desejo maligno. O “desejo’ (epithumia) pode ser santo, como

no caso de Jesus, que ansiou profundamente comer a páscoa junto

com seus discípulos (Lc 22.15 tem a mesma palavra na forma de

verbo). Mas, delimitado pela palavra “maligno”, não deixa de ser

o pecado da concupiscência ou lascívia, como vemos em lTessalonicenses

4.5, onde obviamente se refere ao sexo. Provavelmente

foi isto que despertou a consciência de pecado de Paulo (veja Rm

7.7, 8, onde ele usa a mesma palavra). Sem corações controlados

pelo Espírito Santo não há esperança alguma de vencer a tentação

do desejo maligno. Louvado seja Deus, que nos deu o seu Espírito

para nos santificar (lTs 4.7, 8)!

5) Avareza. Avareza comunica a idéia de tirar uma vantagem

egoísta, muitas vezes iludindo e prejudicando a vítima. Por isso a

- 265 -


epístolas da prisão

mesma palavra no grego foi traduzida por “defraudar” em lTessalonicenses

4.6, referindo-se a relações sexuais (cf. também Ef 4.19,

onde está ligada com “impureza”). Todo contato que suscita propositadamente

o desejo sexual promete um amor permanente e sacriflcial.

Quando esta promessa é esquecida resulta em defraudação de um

irmão ou irmã. Deus não abranda sua ira santa contra este pecado

tão indigno e comum na igreja de Jesus Cristo. Podemos esperar

que Satanás pratique esta “chantagem” (veja 2Co 2.11, que tem a

mesma palavra em forma de verbo), mas não os filhos de Deus!

6) Idolatria. Deve ser m uito im portante o fato de Paul

definir a “avareza” como “idolatria”. Esta palavra, originária de

latreia, “serviço ou culto religioso em favor de ídolos” (imagens

dos falsos deuses), descreve a principal abominação praticada pelo

povo de Deus e pelos pagãos durante quase todo o decurso da

história bíblica. A ira de Deus tem que se manifestar com toda a

força contra o culto àquilo que é criado, em lugar do Criador (Rm

1.19-23). No mundo de Paulo a idolatria encorajava a prática de

toda espécie de perversão sexual. Por isso, aqui, como também em

Gálatas 5:19, a idolatria encerra a lista dos pecados sexuais.

Em Sabedoria de Salomão 14.12 o autor judeu afirma: “A

idéia de fazer ídolos foi o início da fornicação e a invenção de

imagens, o começo da corrupção da vida”. Que formas de idolatria

moderna encorajam a impureza? Televisão, novelas, revistas,

filmes? Não devemos pensar que o mundo moderno viva sem

ídolos. A maneira de cultuar e a forma dos ídolos podem diferir;

mas valorizar a criação acima do Criador nunca deixou de ser a

abominação predileta da humanidade caída.

A ira de Deus

Deus reage em ira contra todas as transgressões. A palavra thumos,

“ira”, significa uma violenta, fervente e rápida reação emocional de

oposição e vingança contra o pecado. Romanos 1.18-32 revela que a

ira divina cai sobre os “filhos da desobediência”, em forma e tempo

presente, entregando os iníquos aos seus pecados. Futuramente, essa

ira será terrivelmente manifestada no juízo final (Rm 2.5; 2Ts 1.6-9).

Enquanto estes pecados da antiga vida dos colossenses os separavam

da comunhão com Deus (v. 7), provocando a sua justa ira contra

eles, na lista que segue no v. 8 deparamos com práticas pecaminosas

que separam o homem do seu próximo. Todas estas obras da carne

- 266 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLQSSENSES

devem ser igualmente cortadas da vida do cristão, decisivamente

por meio da submissão a Cristo como Senhor (lPe 3.15).

Atitudes e maneiras de falar que ámem ser afastadas

Paulo muda a figura que vimos no v. 5, de matar os membros do

corpo para acabar com os pecados na área do sexo, passando a

encorajar seus leitores a se “despojarem” igualmente de tudo isto:

“ira, indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena do

vosso falar”. Será que reconhecemos a necessidade de santidade

no falar (cf. Tg. 3.1-12)?

Despojar-se ou despir-se é linguagem relacionada com o

batismo. A prática antiga de despir-se da roupa velha e suja para

em seguida vestir-se de roupa nova e branca simbolizava o fim das

práticas da velha vida, seguindo-se práticas santas e puras. Um

costume oriental da antigüidade pode oferecer-nos o pano de fundo

para esta figura. Quando um alto oficial do governo era deposto,

era obrigado a despojar-se das vestimentas relativas à sua posição

(ver 2.15 e 3.9, onde há uma palavra sinônima, “despistes”). Vejamos

agora quais os pecados específicos que Paulo destacou:

Ira e indignação. A primeira vista, ambas são atitudes; mas

neste contexto devem ser entendidas como maneiras de falar. A

prim eira palavra, ira, com unica uma condição confirm ada e

constante. Usamo-la há pouco para descrever a atitude de Deus em

oposição à maldade dos homens, no v. 6. Indignação (thumos) se

relaciona com a palavra “ferver” (no grego), significando, portanto,

irritação violenta e breve como o fogo na palha. Em Efésios 4.26 o

cristão é advertido contra dar abertura ao pecado, e a não permitir

que o sol se ponha sobre a sua ira. Fica bem claro que o homem de

Deus não tem licença da parte do Senhor para manifestar indignação

fria nem irritação impaciente, pois estas quase sempre excluem o

amor que edifica. A ira de Deus é a revelação de sua condenação do

pecado e tem a finalidade de encorajar o pecador a se arrepender.

Assim, tanto tem um lado negativo quanto outro, positivo.

Maldade. A maldade (kakian) abrange o território entre “criar

problemas” e uma atitude culpável de iniqüidade. Sendo um termo

bastante geral, toca em qualquer comunicação que venha prejudicar

ou destruir a reputação do próximo. As críticas aos nossos irmãos

devem ser de tal modo dominadas pelo amor que sempre expressem

- 267-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

o desejo de encorajar, e nunca a intenção de destruir maliciosamente.

Cuidado com as fofocas e os comentários desnecessários

que, ao invés de encorajar e abençoar, amaldiçoam e desestimulam!

Maledicência. A maledicência (blasphêmian) está na mesma

linha de pensamentos. Paulo teria em mente palavras proferidas

com a intenção de abusar, caluniar e destruir o valor de uma pessoa

nas mentes dos ouvintes. Pode também estar se referindo aos

casos de blasfêmia sob as pressões da perseguição ou do medo.

Foi assim que Pedro blasfemou o nome de Cristo na noite em que

o Senhor foi traído.

Linguagem obscena. Alinguagem obscena, sendo impura e capaz

de suscitar pensamentos impuros, deve ser de uma vez para sempre

afastada da boca de todo cristão. Como Jesus advertiu no Sermão

da Montanha que o adultério pode ser cometido no coração (Mt

5.28), também os santos logo reconhecerão a inconveniência de

comunicar idéias que levem outros a pecar. Obscena quer dizer

vergonhosa; portanto, o cristão que assim fala está nas trevas da

vergonha, mesmo reivindicando ser filho da luz (Ef 5.12, 13).

Mentira. Não mintais é uma exortação que nunca se torna

desnecessária, pois mesmo os santos são tentados a falsificar uma

comunicação que traria algum a vantagem egoísta, mas uma

desvantagem em detrimento de outrem. Mentir significa, no fundo,

aliar-se com Satanás, 0 “pai da m entira” (Jo 8.44), para defraudar

o próximo. As palavras de Apocalipse 21.8, 27 e 22.15 mostram

singelam ente como D eus se opõe à desonestidade. Por isso

devemos deliberadamente tirar os trapos velhos deste terrível mal

e nos revestir de cristalina honestidade, como os ares das grandes

cidades são purificados da poluição após uma chuva de verão!

0 novo homem de que nos revestimos

A pureza na vida e a linguagem dominada pelo Espírito Santo são

caraterísticas do “novo homem” de que todo cristão verdadeiro se

revestiu. Falar de vestir-se do homem novo (em contraposição a se

despojar do “velho homem”) não é muito comum entre cristãos

do século XX. Mas Paulo achou estas frases ótimas para comunicar

a mudança radical ocorrida na verdadeira conversão. Para ele, o

“velho homem”, pertencente a Satanás, caraterizado pelos hábitos

iníquos, morreu no sepultamento batismal e na ressurreição para

a novidade de vida pelo Espírito Santo (Rm 6.4-6; T t 3.4, 5).


EPÍSTOLA DE PAULO AOS C oL0SSENSES

Em seguida, notamos a finalidade deste revestimento na

frase: “que se refaz para o pleno conhecimento...” (v. 10). A renovação

no presente (gr. anakainoumenon) refere-se à operação graciosa

do Espírito Santo através da Palavra. Quando permitimos que ele

nos “guie a toda a verdade” (Jo 16.13), os vícios, hábitos e atitudes

vão sendo substituídos pelos do Senhor Jesus Cristo, que viveu

seus anos na terra refletindo perfeitamente o caráter de Deus, que

originalmertte criou Adão (o homem) à sua imagem (Gn 1.26,27).

Paulo reconhecia a Cristo como o “segundo Adão” (Rm 5.12-19;

ICo 15.22, 45), sendo este a perfeita imagem de Deus. Pecadores

restaurados em Cristo atingem o conhecimento pleno que os falsos

mestres de Colossos pretendiam alcançar (mesmo não o tendo

conseguido) por meio de suas práticas ascéticas e especulações

teosóficas e espíritas. É provável que haja alguma alusão à busca

do conhecimento do bem e do mal por meio da fruta que Adão e

Eva provaram. Evidentemente o conhecimento se refere à relação de

fé e amor que os fiéis gozam com Deus.

Assim como em Adão toda raça humana que surgiría depois

já existia, em princípio, no “segundo Adão” não pode haver

distinções significativas entre judeus e gentios (gregos), entre

circuncidados e não circuncidados, entre bárbaros e citas (o mais

baixo dentre os bárbaros) ou entre escravos e homens livres. Estas

divisões raciais, religiosas e sociais foram anuladas, em princípio,

quando Cristo morreu igualmente por todos e os integrou ao seu

próprio corpo. Todos aqueles que formam o “novo homem” são

irmãos, membros do mesmo corpo, unidos na mesma igreja de Deus.

Cristo é tudo e em todos (v. 11b) declara o fato, tão facilmente esquecido,

de que o importante é o Senhor, no final das contas; outras

distinções quaisquer não devem afetar em nada a nossa percepção

desta realidade, nem nossa prática de tudo que dela decorre.

Paulo afirmou, no v. 10, que os cristãos já se revestiram do

novo homem ao serem enxertados em Cristo. Nos versículos 12 a

17 os mesmos cristãos são admoestados a se revestirem do caráter

do seu precursor, Cristo. (Lembremos este mesmo tipo de aparente

contradição no uso do conceito de morte em 2.20, comparado

com 3.5.)

Os três termos distintivos — eleitos, santos e amados —

descrevem como Deus considera seus filhos ao contemplá-los em

Cristo. Eleitos indica a seleção, dentre toda a humanidade, feita

por Deus antes da fundação do mundo (Dt 14.2; Ef 1.4). Não há


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

qualquer razão revelada pela qual ele teria escolhido alguns para

gozar os eternos benefícios de sua graça; e muito menos a eleição

teria sua explicação em alguma qualidade inerente ao pecador.

Porém o objetivo dessa maravilhosa seleção foi partilhar a santidade

de Deus com pecadores.

Santos é mais um termo tirado do Antigo Testamento para

descrever o povo de Deus. Israel devia cum prir a missão de

manifestar a santidade de Deus no mundo (Êx 19.6), mas falhou,

lançando sobre o Novo Israel esta incumbência (cf. D n 7.13- 21).

Amados tem raízes profundas no amor declarado por Deus para

com seu povo (Is 5:1; Os 2.25). No Novo Testamento aplica-se este

termo exclusivamente para descrever o objeto do amor de Deus,

primeiramente declarado a respeito do Filho (Mt 3.17; 12.18; Lc 9.35;

cf. Is 42.1) e depois aos que lhe pertencem. Sendo Cristo o eixo, por

intermédio dos raios inclui o aro, pois ele é tudo em todos (v. 11).

Qualidades que devem substituir as características carnais

Tendo chegado à firme convicção da maravilhosa posição por Deus

concedida aos santos, o apóstolo convida os seus leitores a se

vestirem de oito virtudes efetivamente manifestadas por Jesus na

sua vida terrestre.

1) Ternos afetos de misericórdia, isto é, o cristão deve ter um

coração compassivo. No original, “splangna oiktirmou” quer dizer

entranhas compassivas, indicando a importância de se cultivar, com

o auxílio do Senhor, os sentimentos de simpatia. A violência, que

atrai tanta atenção na literatura, televisão, revistas e uma grande

parte dos meios de entretenim ento, tende a criar sentimentos

opostos, imunidade e indiferença emocional frente à miséria e

sofrimento terríveis de que há tantas vítimas no mundo.

2) A segunda peça de vestuário que Deus nos manda usar é a

generosidade ou bondade. A palavra “chrêstotêta” muitas vezes descreve,

na Bíblia, a maneira como Deus trata os homens que, por serem

pecadores, não merecem tão bondoso tratamento (Mt 5.46; Rm

11.22). Gálatas 5.22 apresenta esta qualidade divina em quinto lugar

na lista das evidências vitais do Espírito Santo operando na vida

do crente. Temos, assim, uma resposta à pergunta: como posso

me revestir de uma virtude que reconheço estar ausente e até mesmo

ser contrária à m inha natureza? A resposta: somente dependendo,

pela fé, do Espírito de Deus.

- 270 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

3) Em terceiro lugar encontramos a humildade, essa qualidade

paradoxal que era desprezada pelo mundo grego mas tão

elogiada por Jesus. Não foi apenas a si mesmo que ele atribuiu

esta qualidade (Mt 11.29), mas enfatizou ser a humildade essencial

como característica de todos os que entram no Reino dos Céus

(Mt 5.3; 18.3; Tg 4.6). Cristo, o modelo da humildade, brilha luminosamente

nas páginas dos evangelhos, porém é descrito num

curto parágrafo de Filipenses 2. Da igualdade com Deus para a

posição de escravo crucificado: isto é a infinita humilhação. E os

seus discípulos devem ter a mesma atitude (Fp 2.5-8).

4) A mansidão freqüentemente está vinculada à humildade

(veja Mt 11.29). Trata-se de uma disposição a ceder os direitos e

permitir que Deus molde o caráter pelas circunstâncias com que ele

cerca nossa vida. O contrário da mansidão, segundo o Salmo 32.8 e

9, é a qualidade do cavalo e da mula, os quais têm que ser dirigidos

pela força, com freios e cabrestos. Peçamos a Deus que sempre crie

em nós o espírito voluntário da mansidão, para experimentarmos a

boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12.2).

5) A quinta peça do vestuário de Cristo é chamada longanimidade.

Já deparamos com esta palavra em 1.11, no contexto da

petição em favor do fortalecimento com o poder divino. Enfatiza

um elemento fundamental no caráter cristão, o de exercer equilíbrio

de espírito frente a qualquer provação e ser tolerante diante das

falhas e defeitos dos irmão. Além desta constância, mantida pelo

Espírito reinante no coração, sugere uma atitude esperançosa.

Quando amamos a D eus e confiamos na sua providência, a

esperança cristã sempre brota de novo, mesmo após repetidos esmagamentos

e perseguições.

6) “Suportai-vos uns aos outros” deve ser uma exortação a todos

que vivem ou trabalham juntos. Os hábitos, as práticas, a cultura

ou a falta de cultura sempre provocam alguma irritação naqueles

que se associam mais estreitamente. A carência de harmonia nas

relações mútuas só pode ser superada pela tolerância e aceitação

dos colegas, num espírito de constante perdão. Foi assim que o

Senhor Jesus viveu na terra, cercado do vexame dos pecados

daqueles homens tão imperfeitos com quem vivia; mas ele aplicava

incessantemente o óleo lubrificante do seu perdão e aceitação.

7) “Perdoai-vos mutuamente” chama atenção específica para

a necessidade de que o cristão esteja sempre pronto a perdoar

quando for ofendido ou vítima da maldade. Mas a mutualidade

271 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

exige que ele também fique atento: não estará ele mesmo pecando

contra um seu irmão? Que procure a reconciliação perdoando,

bem como pedindo humildem ente o perdão do seu parceiro (cf.

M t 5.23-25). Deixar de perdoar não pode ser uma opção para o

filho de Deus, já que ele mesmo foi absolvido de toda a sua

iniqüidade pelo perdão que recebeu de Deus gratuitam ente (Mt

18.21-35).

8) “Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo d

perfeição” (v. 14). O amor “agapê ” isto é, amor desprendido, sacrificial,

que visa o benefício do próximo, é aqui descrito como o

principal vestido exterior. Ele mantém no lugar apropriado cada

uma das outras peças de roupa. O amor seria, então, como o polo

norte para a bússola da vida, orientando o cristão para a direção

prática que deve tomar.

O termo vínculo (sundesmos) descreve o elemento unificador

e, portanto, a integração e a coerência. Cristo é declarado o princípio

de coerência do universo inteiro, segundo 1.17. Vemos agora

que o “agapê ” é o princípio integrante de toda conduta realmente

cristã. Não devemos perder de vista, no entanto, que Cristo é a

fonte e a perfeita expressão desse amor, não criado nem produzido

por nós, mas recebido por intermédio do Espírito (G1 5.22) que

Deus nos concedeu através da regeneração.

Piretrlzes para uma vida cristã bem sucedida

Primeiramente focalizemos nossa atenção nos conselhos do Senhor

para uma vida emocional equilibrada. “Seja a paz de Cristo o

árbitro em vossos corações” (v. 15). Comparando esta frase inicial

com João 14.27, concluímos que esta paz é aquela que Cristo dá

Resulta da firme confiança no controle exercido por ele sobre nossas

vidas (cf. João 14.1) e também é o galardão da obediência aos

seus m andam entos. Q uando tom am os decisões que criam

conflitos, estamos desprezando o árbitro (o juiz de um jogo). Eis,

pois, uma excelente regra a seguir na busca da vontade de Deus:

Sinto no coração a paz que Cristo dá? A decisão cria conflito ou

promove a paz? Já que “fomos chamados em um só corpo”, que é

a igreja, devemos achar que não importa aos outros o que nós

fazemos individualmente (Rm 12.17, 18; Hb 12.14)?

Em segundo lugar, há várias exortações para a vida espiritual,

particularmente na adoração:

- 272 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Sede agradecidos (v. 15b) denota o sacrifício normal do filho

de Deus. Por saber que Deus está fazendo com que todas as coisas

concorram para o bem (Rm 8.28), não há circunstância nem eventualidade

que não mereçam a reação deste aroma suave levantado

até o trono de Deus (cf. Hb 13.15 e Fp 3.18).

Habite ricamente em vós a palavra de Cristo (v. 16). Esta palavra

do Senhor deve ser aquela mensagem que ele proclamou e viveu e

que encontramos em todo o Novo Testamento, sendo Cristo o seu

autor, por intermédio dos seus apóstolos e profetas. Dar às instruções

de Cristo, nosso Rei, um rico acolhimento em nossos corações indica

que a mente e a vontade estão concentradas no intuito de saber e

praticar realmente o que ele quer que sejamos e façamos. Podemos

comparar a expressão “habite Cristo nos vossos corações” (Ef 5.17)

com o permitir que ele seja dono da casa, sem restrições. Mui valiosa

é a comparação deste versículo com Efésios 5.18, 19, onde Paulo

exorta seus leitores a permitirem que o Espírito os encha. Aqui,

neste trecho paralelo, são encorajados a dar uma rica aceitação à

palavra de Cristo. Concluímos que o enchimento do Espírito corresponde

a uma disposição para obedecer aos mandamentos de Cristo.

Tal desejo e capacidade não se explicam senão pela operação graciosa

de Deus no coração convertido Qo 14.23).

Em toda a sabedoria. A vida espiritual bem sucedida exige

instrução e aconselhamento mútuos feitos com sabedoria. As

ocasiões que Paulo tinha em mente eram provavelmente os cultos

que a igreja primitiva realizava em casas particulares (veja 4.15).

Assim o número de crentes reunidos não podia ser grande, dando

oportunidade à instrução dos “presbíteros” (também chamados

pastores ou bispos no Novo Testamento) e a exortações mútuas

entre os assistentes. “Em toda a sabedoria” sugere que a reunião

não deve descambar em críticas e exortação de acerbo cunho particular,

mas deve ser totalmente controlada pela sabedoria de Deus,

que se caraterizaria por muita humildade e respeito (veja ICo

2.2-5). O grego, traduzido por aconselhai-vos, hteralmente significa

“admoestai-vos” ou “adverti-vos”. Há perigos a serem evitados

pelo conselho dos mais experimentados. Deveria haver liberdade

para falar.

Louvor. Junto com a edificação mútua, a igreja deve dar muita

atenção ao culto. A principal forma de adoração seria por intermédio

da música, salmos, hinos e cânticos espirituais, entoados

para louvar a Deus. Os salmos provavelmente eram os mesmos


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

que encontramos em nossa Bíblia, veículo maravilhoso dos sentimentos

de louvor e adoração, durante os últimos três mil anos.

Hinos: eram peças compostas em forma prática, que exaltavam a

Cristo (exemplo: Fp 2.6-11). Cânticos espirituais talvez fossem cantos

ou coros compostos nas reuniões, especialmente sob a inspiração

do Espírito (à semelhança da prática de falar línguas e profetizar

— veja ICo 14). Outra possibilidade de interpretação desta frase

seria que toda adoração precisa ser em espírito (Jo 4.23, 24) ou

oferecida pelo Espírito a Deus (Fp 3.3). A música vocalizada

deve ser acompanhada pela música do coração (v. 16b). Freqüentemente

o que se canta não tem eco num espírito de louvor interno,

transform ando, assim, a adoração em formalismo e não

uma realidade (cf. ICo 1.4.15). A frase “com, gratidão” (v. 16b)

representa as palavras “en te c h a r iti“em” ou “com graça”, sugerindo

o sentir-se aceito pela graça quando entramos na presença

de Deus para adorá-lo.

Em terceiro lugar a exortação do v. 17 nos dá o segredo de

uma vida diária bem sucedida. Toda ação no mundo e toda palavra

falada devem ter como motivação a glorificação de Jesus Cristo

(veja ICo 10.31). Em nome de quer dizer com o endosso e interesse

particular do indivíduo nomeado. O Senhor, então, deve controlar

tão especificamente tudo que fazemos que seria correto afirmar

que é Jesus que está agindo através de seus agentes.

Dando graças por ele a Deus Pai revela a necessidade de oferecer

a Deus nossa vida secular, nosso trabalho, nossos prazeres e meios

de entretenimento, uma vez apoiados pela vontade de Cristo, como

nosso sacrifício de gratidão. No período do Antigo Testamento, os

israelitas tinham a obrigação de oferecer sacrifícios compostos dos

frutos do seu trabalho, como sinal, em ação de graças, de que

tudo vinha das mãos generosas de Deus. Por que não pararmos

um instante, no fim de cada dia, para reconhecer o merecimento

total da parte de Deus, dos afazeres do dia, ao mesmo tempo

pedindo perdão pelos deslizes e pecados cometidos?

0 senhorio de Cristo no lar e no serviço (3 .18 -4 .6 )

18Esposas, sede submissas aos próprios maridos,

como convém no Senhor. 19M aridos, amai a vossas

esposas, e não as trateis com amargura. 20Filhos, em

tudo obedecei a vossos pais; pois fazê-lo é grato diante

- 274


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

do Senhor. 21Pais, não irriteis os vossos filhos, para que

não fiquem desanimados. 22Servos, obedecei em tudo

aos vossos senhores segundo a carne, não servindo

apenas sob vigilância, visando tão só agradar homens,

mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor. 23Tudo

quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o

Senhor, e não para homens, 24cientes de que recebereis

do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor,

é que estais servindo; 25pois aquele que faz injustiça

recebera em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção

de pessoas.

4 'Senhores, tratai aos servos com justiça e com

eqüidade, certos de que também vós tendes Senhor no

céu. 2Perseverai na oração, vigiando com ações de graça.

3Suplicai, ao mesmo tempo, também por nós para que

Deus nos abra porta à palavra, a fim de falarmos do

mistério de Cristo, pelo qual também estou algemado;

4para que eu o manifeste, como devo fazer. 5Portai-vos

com sabedoria para com os que são de fora; aproveitai as

oportunidades. 6A vossa palavra seja sempre agradável,

temperada com sal, para saberdes como deveis responder

a cada um.

Acreditam os estudiosos que as exortações dirigidas particularmente

aos membros da família, abrangendo os escravos e servos,

faziam parte da instrução particularm ente essencial aos novos

convertidos do paganismo. Para nós, hoje, não é tão fácil imaginar

o marcante contraste entre a vida transformada dos seguidores do

Senhor Jesus e a que se levava normalmente em um lar gentio.

Tudo indica que os mestres das primitivas comunidades cristãs

relembravam constantem ente aos seus ouvintes a importância

de Cristo ser o Senhor do lar. (Compare Ef 5.22-6.9; lPe 2.13-

3.7; Tg 2.1-10; lTm 2.8ss; 6.1ss, e os escritos dos primeiros pais

da igreja: Barnabé, lClem ente, Policarpo e também o “Didaquê”.)

É sobretudo notável a reciprocidade das responsabilidades

das pessoas relacionadas, pois em Cristo todo indivíduo se tornou

precioso, e não apenas valorizado segundo a classe social ou

“status” adquirido.

-2 7 5


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

0 dever das esposas

As mulheres devem ser submissas aos seus maridos. Em Efésios

5.21 Paulo diz que todos os cristãos devem se submeter m utuamente.

Trata-se de uma atitude de respeito e valorização do marido,

que redunda num desejo natural de servi-lo, apoiá-lo e obedecê-lo.

Esta conduta da esposa tem uma limitação: deve agir corretamente,

“como convém no Senhor” (v. 18b). Acima da autoridade do marido

está a soberania do Senhor. Por isso a esposa deve procurar fazer

a vontade do marido quando esta coincidir com a vontade de Deus.

O fato de ser uma esposa submissa mostrará a todos que ela quer

acompanhar o marido, ao invés de controlá-lo ou empurrá-lo. Dar

a ele o maior apoio em tudo que for possível, dentro das normas

cristãs, é a declarada vontade de Deus.

0 dever dos maridos

A obrigação universal do m arido é am ar a sua esposa com o

amor “agapê” ! (veja página 73). O padrão deste amor está claro

em Efésios 5.25: “como Cristo amou a igreja e se entregou por

ela”. Não as trateis com amargura refere-se à impaciência e aos

resmungos que criam tensão no relacionamento, gerando logo o

desânimo. O esposo, estimulado pelo Espírito do Senhor, deve

deixar bem claro que deseja o bem da sua m ulher e por isso a

honra e valoriza.

Nestas duas exortações, dirigidas ao m arido e à mulher,

encontramos o segredo completo de um lar feliz, de onde sairão

filhos também felizes e equilibrados.

0 dever dos filhes

Os filhos menores e os que ainda moram com os pais devem

obedecê-los em tudo. De uma certa forma, os pais estão na posição

de Deus diante dos filhos. Se estes aprenderem a cumprir habitualmente

as ordens daqueles, ser-lhes-á muito mais natural observar

com diligência os mandamentos do Senhor. Assim, como no caso

das esposas, também os filhos devem fazer o desejo dos pais, caso

não contrarie a vontade revelada de Deus. A alegria do Senhor por

tal comportamento se reflete na expressão “fazê-lo é grato” ou,

literalmente, “agrada bem a Deus” (cf. 1.10).

- 276 -


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

0 dever dos pais

Há, nesta exortação aos pais, uma advertência muito significativa:

os filhos não devem ser irritados a ponto de ficarem desanimados

(em grego, anthumosin: “sem espírito e sem motivação”) ou mesmo

com ódio dos pais. Os psicólogos modernos têm advertido enfaticamente

os pais quanto às conseqüências que pode gerar na vida

futura dos filhos a maneira como foram criados. Muitos pais, oü

por indiferença ou por receio de disciplinar os filhos, não os ensinam

a obedecer. E o resultado disto é a praga de delinqüentes,

“play-boys” e, não raro, criminosos. Por outro lado, há pais que

são tão rígidos, dogmáticos e severos na disciplina que os filhos

são condenados a conviver com um espírito cheio de apatia e de

revolta. O caminho cristão é disciplinar com amor e perdão, seguindo

o modelo de Deus (Ef 6.4b; Hb 12.4-12).

0 dever des servos

A palavra que Paulo dirigiu aos escravos (<douloi, no grego) mostra

que Deus nunca tencionou provocar uma revolução social, mas

espiritual. Num mundo como o de Roma e seus domínios, a maioria

da população era composta de escravos, gente sem qualquer direito

ou recurso. A mensagem inspirada lhes recomendava: “Obedecei

em tudo aos vossos senhores” (v. 22), pois agindo assim estariam

servindo ao seu verdadeiro Senhor, Jesus Cristo (v. 23).

Paulo usa, aqui, dois padrões de avaliação do trabalho: no

nível humano (“vossos senhores segundo a carne”), o serviço prestado

pelo empregado deve agradar ao empregador; mas, acima de

tudo, deve ser feito para agradara Deus. Fica subentendido que o

serviço feito sem interesse real, apenas por aparência (ophthalmadoulia,

“serviço para ser visto”) ou para agradar momentaneamente

ao patrão, é desaconselhado.

Muito pelo contrário, o escravo ou empregado cristão trabalhará

com singeleza de coração, sem fingimento (veja lPe 1.22),

mas plenamente consciente do fato de que o Senhor está presenciando

todo o seu serviço. Esta forma de servir, “temendo ao Senhor” (v.

22b), revela que todo empregado cristão deve se considerar servo de

Deus, acima do relacionamento que tem com o seu chefe. Embora o

conceito de muitos seja que apenas os pastores, missionários e “obreiros”

vocacionados estão servindo ao Senhor, a verdade .não é bem

- 277 -


e p ís t o l a s d a p r is ã o

esta. Toda vocação e qualquer serviço que se puder fazer para o Senhor

deve ser feito de coração (v. 23), pois este é o cumprimento da responsabilidade

de todo filho de Deus, a de colocar sobre o altar do Senhor

a sua vida inteira. Já que o serviço foi feito, não “para homens” (v.

23b) mas para o Senhor, ele galardoará tudo que for colocado aos

seus pés. Assim se evidenciará a verdade de que “a Cristo, o Senhor,

é que estais servindo” (3.24b).

O obreiro ou trabalhador deve estar consciente de que quem

realmente paga o seu salário (em grego antapodosin, “recompensa”)

não é o seu patrão, mas o Senhor. Evidentemente, esse “pagamento”

será futuro, na volta de Jesus Cristo. Essa recompensa

será “a herança” (v. 24), incluindo o direito de gozar plenamente

os benefícios da vida celestial. E provável que essa referência à

herança tenha como pano de fundo a lembrança dos israelitas

que trabalharam sob a opressão egípcia até a sua libertação, que

resultou finalm ente no recebim ento da herança, a Terra Prometida.

Por outro lado, Deus não deixará de pagar com o merecido

juízo os pecados cometidos contra os indefesos escravos e trabalhadores

que, através da história, têm sofrido os condenáveis frutos

da injustiça humana. Aquele que criou todos os homens com

direitos iguais aplicará a sua justiça a todos, sem acepção.

Vimos, assim, os motivos cristãos para servir bem e evitar

fazer um trabalho mal feito ou injusto. Deus equilibrará tudo no

dia em que finalmente se prestarão e pagarão todas as contas.

Os deveres dos senhores cristãos

Finalm ente chegamos à responsabilidade dos senhores dos

escravos, ou dos empregadores. No primeiro século não se pensava

em deveres dos senhores, porque os escravos não gozavam de

qualquer direito. Mas quando veio o cristianismo, afirmando que

os “donos” também tinham um Senhor que um dia exigiria deles

a prestação de contas, a visão mudou completamente. O maior

dentre os homens não passa de um mordomo, administrando o

que não lhe pertence. Daí a solene advertência: Tratai aos servos

(escravos) com justiça e com eqüidade (4.1). Justiça quer dizer: respeitar

integralmente os iméritos do escravo ou empregado, que tem, garantido

pelo Criador, o direito de receber uma justa porcentagem do

fruto do seu trabalho ( veja ICo 9.7-9; ITm 5.18).


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Mais ainda, o empregador ou chefe deve tratar seus empregados

com eqüidade. Trata-se da obrigação de garantia da maior

igualdade possível entre todos os que fazem o mesmo serviço ou

desempenham uma função de igual responsabilidade. Não é da

vontade de Deus que os chefes tratem seus subordinados corri

acepção de pessoas, porque o próprio Deus usará de um único

padrão para julgar e galardoar os seus servos.

Os deveres de Iodos os cristãos

Na verdade, o versículo anterior (4.1) marca o fim das exortações

especificamente relacionadas com a vida particular e profissional.

Esta pequena série de mandamentos que segue, e para a qual todos

devem atentar, abrange dois campos de ação: a oração e a vida no

meio de incrédulos.

instruções a respeito da oração

Perseverai vem da palavra grega cujo significado é “continuar”,

“apegar-se bem de perto”, “manter constantemente”. A oração deve

ter um lugar central na nossa relação com o Senhor. “Orar sem

cessar” (lTs 5.17) nos exorta, no mesmo sentido, a m anter

constantemente o aparelho telefônico celestial no ouvido e pertinho

da boca, nunca “desligando” a nossa conversa ou o nosso pensamento

da presença divina.

A oração é o meio pelo qual vigiamos, opondo-nos a toda

cilada ou tentação satânica que nos possa atingir pela astúcia. A

vigilância é o contrário de um espírito sonolento, letárgico, desligado

dos problemas e perigos que nos cercam. Lembremos que Jesus,

repetidas vezes, exortou os seus discípulos a vigiarem para que não

caíssem na tentação (Mt 26.40, 41; 25.13 etc.). A proteção mais

segura contra o diabo é a oração feita com “ações de graça” (4.2b).

Cinco vezes o apóstolo chama a atenção para a importância que

deve ter a gratidão na vida dos remidos (1.12; 2.7; 3.15, 17; 4.2).

Suplicai, ao mesmo tempo, também por nós: esta exortação

ressalta a importância da oração específica para o avanço do

evangelho. Notemos que Paulo pede aos colossenses que orem em

favor de uma porta aberta à Palavra. Deus tem poder para abrir

uma brecha nas defesas do “homem forte” (veja Mt 12.29; Lc

1.21, 22); espera, contudo, as orações dos justos para demonstrar

- 279 -


epístolas da prisão

o seu poder. A oração é a chave que abre a porta grande e oportuna

(ICo 16.9) para divulgar o “mistério de Cristo” (veja 1.26, 27),

que é a pregação da salvação pela submissão ao senhorio de Cristo,

entre os gentios. Foi justamente por causa dessa proclamação de

Jesus Cristo como Salvador e Senhor que Paulo teve que escrever

esta epístola em uma prisão (4.3).

Pelo poder da oração Paulo espera desvendar e revelar quem

é Cristo, na realidade. Manifesto traduza mesma palavra que muitas

vezes fala da manifestação de Jesus Cristo na sua segunda vinda.

Quem escutasse a pregação de Paulo deveria sentir a realidade do

Cristo vivo e presente (ainda que invisível) e não duvidaria da sua

“manifestação”. Isto ocorrería em resposta à oração, da parte dos

colossenses, como súplica urgente (cf. ICo 14.24, 25) em favor de

Paulo. Hoje em dia, o que mais falta aos pregadores e evangelistas

é o apoio das súplicas insistentes dos justos.

Todo cristão deve viver sabiamente

entre os incrédulos

Jesus encorajou os seus discípulos a se portarem com a astúcia da

serpente (Mt 10.16). Não deve haver práticas de extremismo que

poderíam ser interpretadas pelos mundanos como tolice, separando

desnecessariamente os cristãos destes últimos. Se isso acontecer,

como pode avançar a causa do Senhor na evangelização? Nada de

barreiras levantadas para os não crentes, além das citadas pelo

próprio evangelho. Veja em ITessalonicenses 4.11, 12 como é

importante que o cristão viva tranqüilamente, trabalhe e se porte

com dignidade “para com os de fora”, ganhando o respeito sempre

que possível.

Em seguida, os filhos de Deus são aconselhados a tratar o

tempo como algo de muito valor e, por isso, bem aproveitado e

não desperdiçado (v. 5). No original, aproveitar (exagorazontes)

sugere um objeto que pode ser comprado (com investimento de

tempo) e beneficiado, para render lucros durante toda a eternidade.

Oportunidades quer dizer tempo marcado em “minutos”, “horas” e

“dias”, dando abertura para produzir este lucro eterno, transformando

“os dias maus” em tempo beneficiado para a glória de

Deus (cf. Ef. 5.16).

Além de sábio no comportamento e de aproveitar bem o

tempo, o cristão deve ter, sempre que possível, um falar agradável


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

aos não-cristãos. Literalmente Paulo exortou seus leitores a fazerem

uso da palavra “em graça” ou “com graça”. O significado é de

uma linguagem atraente, que provoque nos descrentes uma reação

favorável. Foi essa caraterística no falar de Jesus que agradou aos

seus ouvintes (Lc 4.22). Semelhantemente, os primeiros cristãos

da igreja de Jerusalém também falavam com graça (literalmente,

no grego), de modo a suscitar interesse na doutrina que haviam

abraçado (At 2.47; 4.33).

Temperada com sal acrescenta a figura do sabor do sal, que

agrada o paladar quando combinado com a comida na quantidade

certa. Possivelmente quer dizer que a conversa com os incrédulos

nada lucra com a monotonia, falta de humor ou aquela seriedade

que revolta as pessoas que não pensam na eternidade. Assim como

o sal desperta o apetite de quem come, assim também as palavras

do cristão devem suscitar interesse, sendo atraentes e até engenhosas

e argutas, para que também o descrente seja atraído pela

mensagem do amor salvador.

A referência ao sal pode ser também entendida no sentido

de salubridade. Os cristãos devem evitar qualquer contribuição a

conversas que não sejam benéficas e sadias, mostrando-se sempre

dispostos a com partilhar boas idéias. Enfim, diz o apóstolo, o

cristão precisa estar preparado para responder e contribuir como

deve, por ser ele embaixador, diplomata de Cristo em um mundo

inimigo e hostil (cf. lPe 3.15).

Vidas sob o senhorio de Cristo (4 .7 -1 8 )

7Quanto à minha situação, Tíquico, irmão amado,

e fiel ministro, e conservo do Senhor, de tudo vos informará.

8Eu vo-lo envio com o expresso propósito de vos

dar conhecimento da nossa situação, e de alentar os

vossos corações. 9Em sua companhia vos envio Onésimo,

o fiel e amado irmão, que é do vosso meio. Eles vos

farão saber tudo o que por aqui ocorre. 10Saúda-vos Aristarco,

prisioneiro comigo, e Marco, primo de Barnabé

(sobre quem recebestes instruções; se ele for ter convosco,

acolhei-o), ue Jesus, conhecido por Justo, os quais são

os únicos da circuncisão que cooperam pessoalmente

comigo pelo reino de Deus. Eles têm sido o meu lenitivo.

,2Saúda-vos Epafras que é dentre vós, servo de


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Cristo Jesus, o qual se esforça sobremaneira, continuamente,

por vós, nas orações, para que vos conserveis

perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade de

Deus. 13E dele dou testemunho de que muito se preocupa

por vós, pelos de Laodicéia e pelos de H ierápolis.

14Saúda-vos Lucas, o médico amado, e também Demas.

l5Saudai aos irmãos de Laodicéia, e a Ninfa e à igreja que

ela hospeda em sua casa. 16E, uma vez lida esta epístola

perante vós, providenciai por que seja também lida na

igreja dos laodicenses; e a dos de Laodicéia lede-a igualmente

perante vós. 17Também dizei a Arquipo: Atenta

para o m inistério que recebeste no Senhor, para o

cumprires. I8A saudação é de próprio punho: Paulo.

Lembrai-vos das minhas algemas. A graça seja convosco.

Chegamos aqui à últim a parte do nosso estudo de Colossenses.

Paulo, no fim da sua epístola, faz várias referências

pessoais, transmite saudações e dá suas últimas instruções. Porém

o que basicamente devemos considerar, neste texto, são aquelas

palavras ditas em testem unho de cristãos seus companheiros,

verificando se elas encontram eco em nossas vidas.

Tíquico

Este companheiro de Paulo era dotado de preciosas qualidades.

Era irmão amado, sem dúvida por causa do seu interesse pelo

apóstolo e por seus companheiros. Evidentemente foi o portador,

junto com Onésimo, desta epístola e também das epístolas aos

Efésios e a Filem om . Não podem os afirm ar se T íquico se

prontificou a fazer esse serviço por amor ao apóstolo ou porque

viajaria para Efeso e Colossos de qualquer forma. E suficiente

lembrarmos quanto sacrifício exigia uma viagem de Roma até a

Ásia. Tíquico foi tam bém denom inado fiel ministro, porque

desempenhava o seu serviço (em grego, diakonia) com fidelidade.

Comparemos com a descrição de Epafras em 1.7.

Conservo vem da palavra grega “sundoulos” (escravo junto com),

evidência de que Paulo o reconhecia como colega sob o jugo de

Cristo no serviço de Deus.

Os versículos 7 e 8 mostram até que ponto a situação do

primeiro século dependia de comunicações verbais. A comunicação


e p ís t o l a DE PAULO AOS COLOSSENSES

por epístola era bastante rara e, por isso mesmo, usada apenas

para transmitir uma mensagem de grande importância. As informações

do dia-a-dia eram comunicadas oralmente. Atos 28 mostra

que a vida de Paulo como preso, durante os dois anos em que

aguardava uma decisão de César, não era tão difícil. Por isso devia

alentar os corações dos irmãos a quem se destinava esta epístola (v.

8), isto é, consolá-los.

Onésimo

Este filho espiritual de Paulo (Fm 10), dantes um escravo foragido,

era agora um homem regenerado, tendo voltado para o seu antigo

patrão, Filemom, m em bro da igreja de Colossos. Aqui ele é

denominado fiel e amado irmão, sinal da alta posição que Cristo

lhe dera (cf. Tg 1.9). De acordo com a lei romana, Filemom podería

aplicar a Onésimo a penalidade máxima, por ter fugido e roubado

do seu dono. Mas Paulo não hesitou em m andá-lo de volta,

garantindo, com confiança: “Ele, antes, te foi inútil; atualmente,

porém, é útil, a ti e a mim” (Fm 11).

Aristarco, iarcss 8 Jesus

Aristarco, membro da igreja de Tessalônica, fora um dos sete irmãos

que acompanharam Paulo na viagem a Jerusalém, levando a coleta

levantada na Grécia para os irmãos necessitados da Judéia (At

20.4). Pelo que tudo indica, não voltou mais à sua terra, tendo

sido preso. Assim ficou prisioneiro (literalm ente, “de guerra”)

comigo, diz Paulo.

Marcos, autor do segundo evangelho, era primo de Barnabé.

Acompanhara Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária até

Perge, como catequista e ajudante dos missionários; mas, tendo

desanimado, tinha então voltado a Jerusalém (At 13.13). Paulo

lembra os colossenses de que já receberam instruções a respeito

desse irmão, que provavelmente ainda iria visitá-los. Mas agora

toda a impaciência e rancor que Paulo sentira a respeito de Marcos

já desapareceram, merecendo ele os elogios que Paulo mais tarde

escreveu: “... traze-o, pois me é útil para o ministério” (2Tm 4.11).

Jesus Justo, mais um “irmão da circuncisão” (judeu convertido)

que, junto com Aristarco e Marcos, cooperava particularmente no

ministério de Paulo. Atos 28.30, 31 revela que, durante o período

283 -


EPÍSTOLAS DA PR1SÁO

em que escrevia esta epístola, Paulo gozava da liberdade de receber

visitas, sem restrições, e também de pregar o reino de Deus.

Estes três foram um “lenitivo” para o velho apóstolo. A

expressão têm sido indica, no original, que eles, numa ocasião

específica, agiram com Paulo de um modo confortador (parêgoria,

“lenitivo”, “conforto”).

Epafras (veja 1.7) era outro membro da igreja colossense que não

estava voltando para a Ásia na ocasião; por isso Paulo inclui a

sua saudação. Suas qualidades eram notáveis. Paulo o chama

literalmente de escravo de Cristo Jesus, indicando a sua dedicação e

obediência a Cristo (cf. Rm 1.1). Era também grande homem de

oração: se esforça (em grego agonizomenos) continuamente por vós, nas

orações. Já notam os a palavra esforço usada duas vezes para

descrever as orações de Paulo em favor dos colossenses nessa

conjuntura perigosa da sua vida eclesiástica (1.29; 2.1).

Epafras era um homem de fé e esperança. Não deixava de

suplicar a Deus pelos crentes de Colossos, pedindo que se mantivessem

em pé, maduros (ou perfeitos) e plenamente convencidos

da verdade do evangelho como sendo a plena vontade revelada de

Deus. Que quer dizer tudo isto? Sim plesm ente que Epafras,

fundador da igreja de Colossos, não se conformava com a erosão

da fé dos seus filhos espirituais. O amor de Deus no seu coração o

levara a agonizar nas orações para que os colossenses não perdessem

a tão grande salvação que o Senhor lhes outorgara.

Não devemos esquecer a relação entre a. preocupação (literalmente,

“luta”) e a oração (v. 13a). Quem não se envolve na vida

dos outros, tal como os pais se preocupam pelos filhos, pouca

ansiedade sentirá. Não era o caso de Epafras, nem de Paulo. As

lutas para formar o corpo de Cristo nas três igrejas do vale do

Lico forçosamente levaram Epafras a se esforçar na oração, tal

como o fizera na luta para ganhar e instruir os cristãos neófitos.

O médico amado (veja 2Tm 4.11 e Fm 24), autor do livro de Atos

e do evangelho que tem o seu nome, era também companheiro de

Paulo em Roma. Conforme Atos 27, fizeram juntos a viagem de


EPÍSTOLA DE PAULO AOS COLOSSENSES

Cesaréia a Roma, quando sofreram o naufrágio. É provável que

Lucas tenha ido acompanhar Paulo em virtude da enfermidade

mencionada em Gálatas 4.13, 14 (cf. At 16.10) e, portanto, na

qualidade de profissional. Paulo o chama de amado, assim como o

fizera a Tíquico (4.7) e a Epafras (1.7); com isso talvez se refira a

um serviço sacrificial desempenhado por ele em favor do apóstolo

e sua missão.

Dem as está incluído na lista de cooperadores (sunergoi,

“colaborador”) junto com Marcos, Aristarco e Lucas, em Filemom

24. O título parece indicar que ele servia como evangelista.

Infelizmente, em 2Timóteo 4.10 são dadas, a seu respeito, informações

bem diferentes, isto uns seis anos depois desta epístola:

“Demas, tendo amado este século, me abandonou”. Deixando o

ministério que exercera junto ao venerado apóstolo, foi buscar os

valores efêmeros deste século! O mais triste ainda é que milhares de

outros obreiros, desde Paulo até nossos dias, têm seguido os últimos

passos de Demas! E é nosso dever interceder continuamente diante

de Deus pelos que o servem em qualquer função, para que não

permitam que o amor a este século substitua o amor de Deus.

Outras saudações e recomendações

Laodicéia (veja Ap 3.14), Hierápolis e Colossos eram cidades do

vale do Lico e distavam poucos quilômetros uma da outra. Por

isso, as saudações m andadas para Colossos deveríam abranger

também Laodicéia (v. 15). Particularmente, Paulo desejava saudar

também os cristãos que se reuniam na casa de Ninfa (v. 15b).

Só bem mais tarde é que as igrejas construiríam templos.

Antes disso, reuniam-se nas casas mais espaçosas dos próprios

irmãos (veja Rm 16.23). Mesmo que houvesse várias congregações

numa mesma cidade (em Efeso, Antioquia da Síria ou em Roma),

não se usava o plural para descrevê-las. Havia uma só igreja em

cada localidade, sendo que todos os membros eram irmãos, uma

só família cristã. Portanto, não se pode determinar se havia, em

Colossos ou em Laodicéia, uma ou mais congregações. Todos os

cristãos, de ambas as cidades, deveríam ouvir o conteúdo desta

epístola (v. 16), bem como o de outra, enviada por Paulo aos laodicenses.

Segundo alguns estudiosos, esta última talvez tenha sido

a Epístola aos Efésios. Colossenses era, como o livro do Apocalipse,

uma circular, escrita para ser lida e ouvida pelo maior número de

- 285-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

cristãos da Ásia, cuja capital era Éfeso. Portanto, era de esperar

que Paulo desejasse que também os laodicenses conhecessem o

conteúdo da epístola.

Uma paSawra de admeestação para Arquipo

O último nome a ser citado é Arquipo (v. 17). Chamado por Paulo

de companheiro de lutas ou soldado colega (Fm 2), provavelmente era

filho de Filemom e líder na igreja de Colossos. Atenta para o ministério

que recebeste no Senhor: esta exortação parece indicar que Arquipo

bem pouco se preocupava com o falso ensino que vinha ameaçando

a igreja. Paulo, conseqüentemente, lhe chama a atenção para o

lado episcopal (termo que vem do grego episcopos, “olhar com

cuidado especial”, “cuidar para não perder”) do trabalho de Deus

(veja At 20.28-31). Quantas vezes os ataques perigosos do inimigo

atingem as pessoas desprecavidas e os pastores nem se preocupam!

Paulo se preocupava; Epafras, também. Mas Arquipo mostrava-se

indiferente. Pedro e os discípulos que acompanharam Jesus até o

Getsêmani manifestaram despreocupação frente à terrível ameaça

de Satanás e se portaram mal na hora crítica. Oxalá que nós, que

servimos em posições de liderança, possamos levar bem a sério a

necessidade de ficarmos atentos para o ministério, para o cumprir!

Saudação! finaS de Paul®

A epístola é assinada pelo próprio Paulo, o que confirma a sua

autenticidade. Evidentemente, havia pessoas que chegavam ao

cúmulo de assinar falsamente uma epístola com o nome de uma

autoridade como Paulo, m andando-a a uma igreja a fim de

enganá-la (veja 2Ts 2.2). Este artifício os colossenses não precisavam

temer, quanto a esta epístola.

O apóstolo pede aos leitores que se lembrem da sua prisão

(algemas). Ele parece estar impedido de receber qualquer auxilio

que lhe poderíam prestar, preso que estava por causa de Jesus

Cristo.

E, finalmente, a inspirada epístola é concluída com est%s

palavras simples e profundam ente significativas: a graça seja

convosco. Que esta mesma mensagem continue ecoando em nosso

coração!

- 286 -




Introdução

A ocasião da epístola

A vida do apóstolo Paulo foi marcada por uma série de situações

difíceis. Pouco tempo depois da sua conversão a Cristo na estrada

para Damasco, o zeloso fariseu que perseguira os cristãos fugiu

dos judeus que tramavam a sua morte (At 9.23, 29). Durante os

anos seguintes, como ele afirmou mais tarde em 2Coríntios 11.23-

27, ele foi açoitado terrivelmente, surrado com varas e chicotes.

Várias vezes ele havia enfrentado a morte em terra e mar e experimentado

fome, sede, frio e nudez.

Durante um dos períodos freqüentes em que estava preso,

Paulo escreveu a Filemom e à igreja que se reunia em sua casa, a

respeito de uma situação delicada. Um escravo de nome Onésimo

fugira de Filemom, seu dono. Paulo fizera amizade com Onésimo e

havia pouco tempo o levara ao Senhor. As autoridades romanas

não viam com bons olhos quem ajudasse um fugitivo. O envolvimento

de Paulo com Onésimo poderia representar um obstáculo

à sua própria soltura da prisão. Ele podia até ser punido pela lei

romana e responsabilizado pelo trabalho que o escravo deixara de

fazer.

:89 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Além disso, Onésimo estava em situação perigosa. Ofereciamse

recompensas para quem fornecesse informações que levassem à

captura de um escravo fugitivo. Seu dono podia puni-lo com

brutalidade, até crucificá-lo, sem responder por suas ações a quem

quer que fosse. Escravos não eram considerados pessoas, mas

propriedades sem direito algum.

Filemom se convertera por intermédio do ministério de Paulo

(v. 19). A igreja em Colossos se reunia na casa dele. Na mente de

Paulo não há dúvidas de que Onésimo tem de voltar ao seu dono,

Filemom. Ele espera que este não o trate com crueldade. Como

Paulo podería ajudar Filemom a vestir-se do evangelho do perdão

e da reconciliação pela maneira como recebesse Onésimo?

0 local de composição e a data

Alguns estudiosos dizem que Paulo estava na prisão em Efeso (em

meados da década de 50 d.C.) quando escreveu a epístola. Outros

afirmam que ele a escreveu durante sua prisão em Roma, no

começo da década de 60. As duas cidades eram grandes o suficiente

para que Onésimo pudesse desaparecer entre os marginalizados

anônimos. A proxim idade de Efeso com Colossos facilitava a

comunicação entre as duas cidades. Em última análise, o pano de

fundo da E pístola de Paulo aos Colossenses determ ina as

informações em Filemom (como se vê na comparação dos nomes

com Colossenses 4.7-17). Deixando os estudiosos entregues à

polêmica, nos concentraremos na mensagem desta epístola de

Paulo, pois ela não depende de solução para essas opiniões

conflitantes.

Um retrato de alguém que pertence a Deus

Paulo escreveu a Filemom por causa da sua preocupação com

Onésimo. Ao fazer isso, no entanto, o apóstolo revela muito de sua

alma e de seu coração. M uita gente tem pouca simpatia por Paulo

como pessoa, lembrando-se dele como alguém inflexível em seu

relacionamento com os que discordavam da sua teologia. Em sua

epístola a Filemom, porém, temos fartas evidências de que a graça

de Deus refinara o caráter de Paulo com o passar dos anos. Seu

relacionamento com Deus o havia transformado em uma pessoa

carinhosa e amorosa. Esta epístola, escrita quando ele contava com


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

mais de sessenta anos de idade, revela-nos um Paulo que é um exemplo

de homem de Deus maduro.

Paulo não se contentou em apresentar o evangelho de Jesus

Cristo apenas em palavras; ele procurava ser semelhante a Cristo

em sua vida cotidiana. A epístola implica que os líderes cristãos, à

semelhança de Paulo, precisam observar padrões éticos elevados,

dando o exemplo para todos os crentes.

Ao longo desta exposição chamarei a atenção para muitas

características do caráter do apóstolo visíveis em sua epístola a

Filemom. Que possamos ser seus imitadores (Fp 3.17).

Algumas características essenciais de

uma igreja genuína

Esta epístola breve, mas muito bela, trata de muito mais do que

uma m era questão pessoal em uma com unidade do passado

longínquo. Ela destaca e ilustra vários pré-requisitos para que uma

igreja atinja “a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13).

Paulo aplica à igreja na casa de Filemom o sentido de seu

ensino de que “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem

liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em

Cristo Jesus” (G13.28). Em outras palavras, ele conclama os crentes

a aceitarem Onésimo sem restrições na comunhão dos irmãos em

Cristo.

Ele também estabelece um exemplo de como os cristãos têm

de avaliar de modo crítico costumes e hábitos aceitos pela sociedade,

para rejeitar os que são contrários à Bíblia e viver de acordo com a

vontade de Deus.

Na análise e interpretação a seguir, identificaremos essas e

outras características como sinais de uma igreja verdadeira.

A estrutura literária

Esta breve epístola segue um padrão encontrado no Antigo Testamento

e em várias parábolas de Jesus chamado de “paralelismo

invertido” (muitas vezes chamado de modo abrangente de quiasmo,

palavra derivada da letra grega chi, “x”). A prim eira unidade

corresponde à sétima, a segunda à sexta e a terceira à quinta. A

unidade central (v. 15-17) forma o clímax da epístola. Nossos títulos

para essas unidades refletem essa organização:

- 2 9 1 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

A - Saudação inicial (v. 1-3)

B - Filemom, sua fé e seu amor têm animado o povo de

Deus (v. 4-7)

C - Quem ama de verdade renuncia aos

seus direitos (v. 8-14)

D - Filemom, ame sem restrições:

receba seu escravo como irmão

amado (v. 15-17)

C ’ - Quem ama de verdade assume as dívidas

do irmão (v. 18-19)

B’ - Filemom, me traga ânimo: faça até mais do que

peço (v. 20-22)

A’ - Saudação final (v. 23-25)

-2 9 2 -


Análise e

Interpretação

A - Saudação inicial (v. 1-3 )

'Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão

T im óteo, ao am ado Filem om , tam bém nosso

colaborador, 12e à irm ã Afia, e a A rquipo, nosso

companheiro de lutas, e à igreja que está em tua casa,

3graça e paz a vós outros, da parte de Deus, nosso Pai,

e do Senhor Jesus Cristo.

1. A epístola, apesar de escrita a Filemom, amigo de Paulo,

não é um documento particular; é uma epístola aberta, a ser recèbida

e lida pela igreja que se reúne na casa de Filemom. A maior

parte da epístola está na segunda pessoa do singular, o que levou

alguns escritores a afirmar que ela não foi escrita para ser lida à

igreja. As saudações inicial e final da epístola, no entanto, englobam

293 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

toda a igreja, pois Paulo insere um pedido que diz respeito à igreja

inteira. Além disso, a ênfase de Paulo na unidade do corpo de Cristo,

em todas as suas epístolas, apóia sua participação. Ao incluir essa

epístola no cânon, o Espírito Santo confronta a igreja de todas as

épocas com sua mensagem.

Paulo costuma se apresentar como apóstolo. Esta é a única

epístola em que ele se apresenta como prisioneiro. A semelhança

do escravo Onésimo, ele sabe o que é perder a liberdade; a diferença

é que Paulo é um prisioneiro que perdeu sua liberdade espontaneamente,

por amor a Jesus Cristo (cf. Fp 3.7-8). Ele irá apelar a

Filemom para que este tome uma decisão difícil por causa do evangelho.

Com a simples palavra “prisioneiro” Paulo deixa subentendido

que partilha da dor de Onésimo, o escravo. Ele sabe o

dilema que seu pedido representará para Filemom, o senhor do

escravo.

Timóteo é um homem mais jovem que serve a Paulo com

fidelidade, “como filho ao pai” (Fp 2.22). Ele é co-autor da epístola,

pois era alguém que tinha interesse genuíno pelo bem-estar dos outros

(Fp 2.20). A expressão “o irmão Timóteo” volta a atenção para o

relacionamento que eles tinham com os crentes em Colossos. Na

verdade, esta epístola é uma correspondência entre irmãos em Cristo,

membros da família de Deus. Como tais, eles partilham dos interesses

do reino de Deus.

Filemom, ao que parece um gentio rico que morava na

pequena cidade de Colossos, na província da Ásia,1 é o principal

destinatário da epístola. Ele se converteu a Cristo por intermédio

do ministério de Paulo (v. 19b) e se tornou seu grande amigo e

colaborador. Paulo muitas vezes chama seus colegas de colaboradores

ou cooperadores, para enfatizar o trabalho em equipe pelo evangelho

(Rm 16.3, 9, 21; 2Co 8.23; Fp 2.25; 4.3; Cl 4.11).

2 . Paulo, sabiamente, dirige essa epístola a outros que terão

uma participação vital na reconciliação com Onésimo. A irmã Afia,

provavelmente esposa de Filemom, tem um interesse especial por

qualquer aspecto que afetasse a casa. Arquipo, nosso companheiro de

lutas (filho do casal?) ocupa um lugar de responsabilidade no

trabalho do Senhor (Cl 4.17). Paulo inclui a igreja que se reúne na

casa de Filemom, pois deseja a unidade desses crentes na questão

1. Província romana da Ásia, na atual Turquia (N. do Editor).

- 234-


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

da aceitação de Onésimo como irmão em Cristo. Residências

particulares eram lugares normalmente usados para as reuniões

dos cristãos (Rm 16.5, 23; ICo 16.19; Cl 4.15). Apenas em meados

do terceiro século as igrejas começaram a possuir edifícios para os

cultos. Mesmo hoje, igrejas nos lares têm um papel importante na

expansão do evangelho em muitos lugares.

3 . A conhecida saudação de Paulo, graça e paz a vós outros,

da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo, une a saudação

tipicamente grega, “graça”, à saudação tipicamente hebraica, “paz”.

Cada um dos term os expressa uma parte da im portância da

mensagem do evangelho. Por meio da graça, Deus oferece gratuitamente

o perdão dos pecados e restaura-nos à comunhão com

ele, apesar de merecermos condenação e não seu amor e misericórdia.

No sentido da palavra hebraica shalom, paz é bem-estar

completo, em todos os sentidos. Pode-se obtê-la somente pela graça

de Deus, que em Cristo oferece paz à raça humana (Rm 5.1), uma

bênção já concedida mas não experimentada em sua plenitude,

pois está à espera da vinda do Senhor Jesus em glória.

Essas dádivas maravilhosas vêm de Deus, nosso Pai, e do

Senhor Jesus Cristo. Além de proporcionar comunhão com Deus,

elas nos permitem ser perdoados e viver em harmonia uns com os

outros. Portanto, Paulo, na verdade, está orando para que a graça

de Deus seja derramada sobre esses crentes. O desafio que ele irá

lançar nesta epístola exige uma resposta que ultrapassa a capacidade

humana.

B - Filemom, sua fé e seu amor têm animado

o povo de Deus (v. 4 -7 )

4Dou graças ao meu Deus, lembrando-me, sempre,

de ti nas minhas orações, 5estando ciente do teu amor e

da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos,

6para que a comunhão da tua fé se torne eficiente no

pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para

com Cristo. 7Pois, irmão, tive grande alegria e conforto

no teu amor, porquanto o coração dos santos tem sido

reanimado por teu intermédio.


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

4-5. Dou graças ao meu Deus, lembrando-me, sempre, de ti nas

minhas orações, ou “Sempre dou graças ao meu Deus quando me lembro

de ti nas minhas orações”. Paulo era um homem de oração e mantinha

um relacionamento muito pessoal com Deus (“meu Deus”). Ele faz

pedidos a Deus em favor de todos os santos, com ações de graças (Cl

1.3-5; Rm 1.8-9; Ef 1.16; Fp 1.3,4; lTs 1.2). Suas orações em favor de

Filemom incluem agradecimentos por três aspectos do caráter cristão

evidentes em seu grande amigo: fé (pistis), amor (agape) e comunhão

(koinonia). Esses termos transmitem conceitos essenciais na epístola e

formam a base para o apelo feito nos versículos 8-20.

Paulo provavelmente soubera por meio de Epafras (Cl 1.7)

da fé que Filemom tinha no Senhor Jesus e do seu amor por todos

os santos. Fé e amor genuínos são inseparáveis, pois a fé no Senhor

Jesus gera e nutre o amor. O objeto da fé de Filemom é o Senhor

Jesus, por meio de quem ele se tornou nova criação (2Co 5.17). Do

mesmo modo, sua fé (ou confiança) nos que são de Deus aumenta

à medida que eles são colocados em novos relacionamentos.

Amor é muito mais que sentimento subjetivo. Nós, cristãos,

devemos amar como Cristo nos amou. E um amor que se estende a

todas as pessoas, mesmo as de quem não gostamos ou nossos inimigos,

e somos chamados a amar “todos os santos” —- isto é, todos os que

são de Deus, não importa a situação social, econômica ou racial. 6

6 . Paulo agradece a Deus porque sabe que Filemom.já expressou

sua fé em termos concretos. Sua fé, no entanto, ligada ao amor,

não devia permanecer estática. Ao mesmo tempo em que Paulo avança

em direção ao propósito de Deus em sua vida (Fp 3.12-14), ele ora

para que Filemom cresça em amor e partilhe de modo prático com

outros todas as bênçãos que Cristo derrama sobre ele.

“Compartilhar” é um dos principais sentidos do termo grego

koinonia, a terceira palavra-chave na epístola (depois de fé e amor

no versículo 5). A idéia básica é “tomar parte em algo com alguém”,

e a palavra é traduzida por comunhão, associação, participação e

generosidade, além da idéia de compartilhar. A pessoa com quem

se tem comunhão é chamada de parceiro ou companheiro (v. 17).

Paulo usa esse termo com freqüência em suas epístolas, derivando

dele várias conotações em relação à participação na vida cotidiana

dos crentes uns com os outros. Koinonia caracteriza os crentes que

expressam sua unidade em Cristo.

- 296


A EPÍSTOLA» SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

Uma das afirmações fundamentais da fé cristã é que, pela

graça de Deus, os crentes são unidos com Cristo em um só corpo

pelo Espírito Santo (Ef 2.16-18; 3.6; 4.4-13). Essa união em Cristo

é dupla: os crentes estão unidos com Cristo, a cabeça da igreja

(Cl 1.18), e uns com os outros. Temos relativa facilidade em aceitar

o conceito da união com Cristo. Difícil, porém, é aceitar — e

praticar — a unidade com outros crentes no toma-lá-dá-cá do

mundo de cada dia. Mesmo assim, o propósito de Paulo é incentivar

esse relacionamento entre os crentes quando ele fala de “compartilhar

a fé”.

A base da koinonia não é social mas teológica. Partilhar a

com panhia de outros por causa de sem elhanças de contexto

econômico, educacional ou étnico, de estilo de vida e outras coisas,

é de natureza social. A koinonia bíblica transcende todas as

distinções culturais, raciais e de classe. Ela é uma expressão de

relacionamentos que resultam do fato de que somos membros do

corpo de Cristo. O individualismo fica de fora. Os cristãos dão uns

aos outros porque pertencem uns aos outros. E não só pertencemos

uns aos outros, mas estamos realmente ligados uns aos outros em

Cristo.

Koinonia inclui as idéias de “comunhão” e “companheirismo”

no sentido de estar junto com outros no culto ou na oração (At

2.4), mas seu sentido vai além disso. A palavra tem a idéia de

“participar com” e inclui o sentido de “partilhar com” os outros. A

“generosidade” se torna tangível quando encontra expressão no

compartilhar de bens materiais (2Co 9.13).

A fé que se torna prática pelo amor na vida de Filemom não

é simplesmente um recurso para enriquecer a própria vida; ela é

dada para ser usufruída junto com os outros. Paulo aqui não está

falando de compartilhar a fé por meio da evangelização. Antes,

Filemom deve expressar sua fé no serviço de amor a todos os santos

(incluindo o recém-convertido apresentado no versículo 10).

Koinonia engloba todos os relacionamentos acima e é um

conceito essencial no apelo de Paulo em favor de Onésimo. Em

essência, Paulo ora (v. 6) por Filemom — e por toda a igreja —

para que sua fé, agindo por meio do amor, se expresse em koinonia,

um espírito comunitário de comunhão expresso em novos relacionamentos

dinâmicos de identificação, solidariedade e partilhamento

com outros crentes. Deus procura formar dos crentes uma

nova família, composta de indivíduos que amam e partilham. Essas


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

qualidades brotam da graça de Deus que nos uniu em Cristo. São

provas da nossa regeneração.

Ao expressar ativamente sua fé por meio desse amor, Filemom

terá pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo.

Paulo não está falando de conhecimento teórico. Está pensando em

compreender de maneira prática as ricas bênçãos que Deus nos

oferece. Isso significa compartilhar nossa vida com os outros, porque

somos um em Cristo. Deus determinou que, em Cristo, “todo o corpo,

bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a

justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a

edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.16). Ao praticarmos a koinonia,

damos prova do fato de que os crentes estão realmente unidos em

Cristo e avançam para atingir “a medida da estatura da plenitude de

Cristo” (Ef 4.13).

Comunhão dessa qualidade apresenta a igreja como alternativa

à sociedade do mundo, onde cada um busca seus próprios

interesses e atropela os dos outros. Consolidada pelo amor a Deus

e pela solidariedade com seus membros, a igreja local se torna uma

amostra da vida no futuro reino de Deus. Isso também é plano

divino.

7 . Filemom havia trazido grande ânimo a Paulo e aos demais

crentes em Colossos, pois dem onstrava sua fé por meio de

expressões concretas de amor, enchendo-lhes o coração de alegria.

Isso também os ajudou nas lutas pelo Senhor (o verbo reanimar era

usado para o um momento de descanso gozado por um exército em

marcha; cf. v. 20). Ao que parece, Filemom também renovava as

forças físicas deles, pois o termo comunhão (koinonia, v. 6) pode

denotar generosidade em coisas m ateriais. Alguns estudiosos

propõem que Filemom era muito próspero e usava seus bens para

ajudar os demais cristãos, sem má vontade. Há quem reparta apenas

de má vontade; todavia, quem compreende a graça de Deus reparte

com alegria (2Co 9.7).

Paulo está radiante com o que Filemom já havia feito (v. 4,

7), sem porém deixar de pedir maiores evidências da sua fé no

Senhor Jesus (v. 5-6). Tais evidências têm de incluir o amor que

alcança todos os seus irmãos e irmãs em Cristo.

Rejeito toda insinuação de que Paulo está bajulando Filemom,

preparando-o para o seu pedido em favor de Onésimo. Isso

2 9 8 -


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

seria indigno do apóstolo Paulo (veja o comentário sobre o v. 21).

Pelo contrário, ao se referir às belas qualidades de Filemom; Paulo

está dizendo: “Filemom, as qualidades e experiências que Deus

lhe concedeu prepararam-no para um papel mais difícil, que vou

lhe mostrar agora”. Por intermédio das dificuldades do presente,

Deus está nos preparando para as lutas que enfrentaremos enquanto

procuramos atingir os seus propósitos conosco em Cristo Jesus (cf.

Fp 3.12-15).

Até aqui Paulo ainda não mencionou Onésimo; ele o fará no

versículo 10. Nesses poucos versículos, porém, ele já nos pintou um

retrato de Filemom. Conhecer esse homem era motivo de ação de

graças. Sua fé e amor vibrantes pelo Senhor eram tema de conversa

entre os crentes (“estou ciente”, v. 5), pois ele se identificava com o

povo de Deus compartilhando a sua fé. Seu amor era motivo de grande

alegria. Ele tinha o dom espiritual de animar as pessoas (cf. Barnabé,

At 4.36). Por causa das suas belas qualidades, Paulo está dizendo:

“Filemom, sua fé e amor têm animado o povo de Deus”.

De onde Filemom tira essas qualidades exemplares? A fonte

principal, é claro, é a graça de Deus que, por meio do seu Espírito

Santo, procura moldar seu povo à imagem de Cristo. Sem dúvida,

Paulo e sua equipe tinham procurado lhe ensinar “todo o desígnio

de Deus”, como era costume de Paulo (At 20.27; Cl 1.25). Além

desses fatores importantes, o exemplo do próprio Paulo era de tal

calibre que ele podia dizer: “O que aprendestes, e recebestes, e

ouvistes, e vistes em mim, isso praticai” (Fp 4.9).

C - Quem ama de verdade renuncia

aos seus direitos (v. 8 -14 )

8Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em

Cristo para te ordenar o que convém, 9prefiro, todavia,

solicitar em nome do amor, sendo o que sou, Paulo, o

velho e, agora, até prisioneiro de Cristo Jesus; 10sim,

solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei

entre algemas. "Ele, antes, te foi inútil; atualmente,

porém, é útil, a ti e a mim.

12Eu to envio de volta em pessoa, quero dizer, o

meu próprio coração. 13Eu queria conservá-lo comigo

mesmo para, em teu lugar, me servir nas algemas que

- 2 9 9 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

carrego por causa do evangelho; 14nada, porém, quis

fazer sem o teu consentimento, para que a tua bondade

não venha a ser como que por obrigação, mas de livre

vontade.

o . Em Cristo, Paulo está investido de autoridade divina. Ele

podia exigir obediência, como fez em certas ocasiões (2Ts 3.6,12).

Sua prisão comprova a fidelidade ao seu chamado apostólico.

Homens mais velhos eram escolhidos por sua sabedoria derivada

da experiência. Com base nisso, Paulo tinha o direito de ordenar a

Filemom que cumprisse sua obrigação moral.

9 . Em vez de exercer seu direito, porém, Paulo apela a

Filemom com base no amor. Na oração e ação de graças de Paulo

por Filemom (v. 4-7), ele provou como o tinha em elevada estima.

Ele não considera seu colaborador alguém inferior, a ser dominado

ou manipulado, mas de igual para igual, livre para escolher. Por

isso ele dá a Filemom a oportunidade de se expressar, mesmo que

decida negar o pedido de Paulo. O amor liga esses “amados companheiros”

e “colaboradores” (v. 1,17). Depois de interceder junto

a Deus em favor de Filemom, Paulo agora intercede junto a Filemom

em favor de Onésimo. Um apelo como esse é muito mais

forte que uma ordem, pois vem de um amigo que o ama em favor

de outro que é amado como “meu filho”, “meu próprio coração”,

“irmão caríssimo, especialmente de mim” (v. 10, 12, 16).

A postura de Paulo em relação às injustiças sociais marca o

contraste com as atitudes encontradas com freqüência hoje em dia.

Filemom provavelmente seria acusado frontalmente de ter privado

Onésimo dos seus direitos humanos e ameaçado de perder os seus.

Muitas pessoas entendem que a sociedade se divide em duas classes:

os que têm direitos e os que foram privados dos seus direitos; os

bons e os maus; os “abastados” e os “desfavorecidos” etc. A luta de

classes caracteriza o ser humano e as sociedades que ele forma;

encontram-se distinções de classes entre empregadores e empregados,

brancos e negros, ricos e pobres, jovens e velhos, poderosos

e indefesos etc. Cada grupo é hostil ao outro. O pecado, que separou

o ser humano de Deus, causa separação entre as pessoas.


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO Ã FILEMOM

Paulo, contudo, tem uma preocupação pastoral por Filemom,

assim como por Onésimo. Cada um dos dois tem a oportunidade

de viver de acordo com as exigências do amor de Deus, por mais

que isso seja custoso. Paulo orou por isso (v. 6), o caminho que leva

à maior semelhança com Cristo. O amor, não a obrigação, é o que

deve caracterizar o crente e a igreja Qo 13.35).

Paulo não escreve “eu poderia lhe ordenar” para convencer

Filemom de que na verdade ele não tem a liberdade de recusar o

pedido que o apóstolo fará. Ele também não escreveu quase metade

da epístola para induzir Filemom à obediência. Paulo é transparente

ao exprêssar sua posição. Ele sabe que essa será uma decisão

difícil para Filemom; o próprio Paulo tem desejos conflitantes

em relação ao retorno de Onésimo (v. 11-14). Assim, ele descreve

suas próprias dificuldades, ao pôr de lado seus direitos, e indica a

Filemom as escolhas que terá de fazer, sabendo que encontrará

conflitos ao tom ar um a decisão tão crucial. Por meio da sua

palavra, Deus propõe escolhas também a nós. As vezes ele até

enuncia as conseqüências das nossas escolhas.

Em ICoríntios 9, Paulo afirma que é um apóstolo autêntico,

com o direito de comer e beber, o direito de levar uma esposa crente

em suas viagens missionárias e o direito de receber sustento. Depois

ele declara de modo enfático: “Eu, porém, não me tenho servido de

nenhuma destas coisas” (v. 15). Isso mostra o rumo do seu apelo a

Filemom.

Deixar de fazer uso dos próprios direitos é um comportamento

muito incomum. Onde ele aprendeu a ceder seus direitos?

A resposta é dada com grande beleza em Filipenses 2.6-11: “Cristo

Jesus, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação

o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou...”. Em sua

encarnação, Cristo abriu mão dos seus direitos divinos. Paulo prefaciou

essa constatação, dizendo: “Tende em vós o mesmo sentimento

que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2.5). Ele praticava

o que pregava: abriu mão do seu direito de ordenar a Filemom o

que devia fazer.

Nosso texto diz Paulo, o velho. Ele devia ter mais de 60 anos

de idade, e provavelmente se sentia mais velho, por causa da vida

de sofrimento físico que levou e do seu confinamento na prisão. O

pedido de um idoso sábio e compreensivo não deve ser tratado com

superficialidade. Apesar de acorrentado por ordem de César, Paulo

-301


epístolas da prisão

se considera prisioneiro de Cristo. Ele vê a prisão como confirmação

da sua lealdade a Cristo e, por isso, é uma honra suportá-la.

Todavia, ele pode ter usado aqui a palavra grega traduzida

por “embaixador” (presbutes) em vez de “velho” (presbeutes). As duas

palavras vêm da mesma raiz (embaixadores realmente eram estadistas

mais velhos), e a diferença entre elas é de apenas uma letra (cf.

Ef 6.20, onde “embaixador” também aparece junto com a idéia de

“prisioneiro”). Portanto, um “embaixador” que provou sua fidelidade

como “prisioneiro” pode ser entendido como uma exigência

de Paulo para que Filemom respeite sua autoridade. Mas Paulo diz

que está fazendo o seu apelo por amor. Como embaixador de Cristo

ele segue o exemplo do seu Senhor. Põe de lado os seus direitos a

fim de executar o propósito de Deus de edificar a sua igreja, em

que não há nem escravo nem livre, mas todos são um em Cristo

Jesus (G13.28; Cl 3.11). Como embaixador de Cristo, Paulo cumpre

seu chamado instando com as pessoas (2Co 5.20-,parakalo é a mesma

palavra traduzida por solicitar no v. 9) em lugar de lhes dar ordens.

À semelhança de Cristo, Paulo escolheu o caminho da humildade;

esse é o caminho da cruz (Mc 8.35).

1 0 . Depois de reafirmar o relacionamento estreito que tinh

com Filemom, Paulo agora enfatiza seu vínculo estreito com

Onésimo: Solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei entre

algemas. Ele espera que Filemom veja seu escravo sob uma nova

perspectiva. Paulo dá apenas um sinal do seu pedido, pois está para

pedir a Filemom que vá contra os costumes sociais da época. Nos

dias de Paulo, praticamente ninguém questionava a instituição da

escravatura. Ele quer que Filemom entenda que as ações dos cristãos

precisam ser transformadas por sua fé e amor por Cristo. Ser discípulo

inclui rejeitar os costumes típicos da cultura em que vivemos,

se eles não estiverem em harmonia com os valores cristãos.

Como escravo, Onésimo era considerado um “bem semovente”,

abaixo de qualquer ser humano na escala social. Escravos

fugidos eram gente considerada do mais baixo nível, a escória da

sociedade. Na providência de Deus, ele encontrara Paulo e se

tornara seu “filho” (seguindo a tradição rabínica, Paulo usa a relação

pai—filho para expressar sua relação mestre— aluno com seus

- 3 0 2 -


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

convertidos, como em ICo 4.14-15; lTm 1.2 etc.). Paulo, na verdade,

está dizendo: “Enquanto eu estava preso, tornei-me pai, e o nome

da criança é Onésimo!”

1 1 . Talvez o próprio Filemom tenha dado a Onésimo esse

nome, que significa “realmente útil” (euchrestos), na esperança

de que ele demonstrasse sê-lo. O valor de um escravo estava em

sua utilidade. Fazendo um jogo de palavras, Paulo mostra que,

antes, Onésimo era inútil ([achrestos) para Filemom, como escravo

e ainda mais fugido, mas agora ele é fiel ao seu nome. Ele já provou

sua utilidade a Paulo e pode ser altamente benéfico também a

Filemom.

A palavra chrestos (útil) está por trás da palavra Christos

(Cristo), e não havia diferença na pronúncia das duas. Assim, pode

ser que Paulo estivesse querendo fazer um jogo de palavras (duplos

sentidos eram comuns na literatura antiga). Onésimo agora está

“em Cristo” (enchrestos); como cristão, ele agora tem um relacionamento

novo tanto com Filemom quanto com Paulo e é muito

útil (euchrestos) a ambos.

1 2 . Onésimo experimentou a alegria do perdão de Deus,

mas também precisa ser perdoado por Filemom. Por isso, Paulo o

está enviando de volta ao seu senhor, sem certeza de como Filemom

o receberá. Sob a lei romana, um senhor de escravos podia aplicar

qualquer pena que quisesse a um escravo fugido. Era comum torturar

ou até crucificar desertores por ofensas menores que a de

Onésimo. Era importante que Onésimo acertasse as coisas com

Filemom, para dar provas da sua conversão, por meio de reconciliação,

restituição e renovada utilidade a ele.

A decisão de Paulo de enviar “seu filho” de volta para um

futuro desconhecido entristece seu coração, pois ele está ligado a

Onésimo pelo amor cristão. Mas ele renuncia ao seu direito de

manter Onésimo consigo. Paulo, o prisioneiro, sabe que direitos e

liberdade não são uma necessidade absoluta para pessoas que cumprem

sua missão na vida. Em suas próprias palavras, “sendo livre

de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número

possível” (ICo 9.19). Ele está confiante de que Deus, que lhe concedeu

a graça até de alegrar-se na prisão (Fp 1.18; 4.4), pode dar a

Onésimo a graça necessária para abrir mão da sua liberdade e voltar

-303


epístolas da prisão

para casa. Escravo ou livre, sua nova vida em Cristo pode evidenciar

um modo de vida alternativo.

1 3 . Filemom provavelmente havia sido colaborador de Paulo

em Éfeso. Agora que Paulo está na prisão por causa do evangelho,

ele depende principalm ente de terceiros para cuidar das suas

necessidades pessoais e das suas preocupações pastorais. Timóteo

está com ele quando escreve a epístola (v. 1), mas Paulo sempre o

enviava a outros lugares como seu emissário (Fp 2.19). Epafrodito

também havia ajudado Paulo na prisão (Fp 2.25-30; 4.18). Agora

que Onésimo o está ajudando (diakonia, o papel de um discípulo,

como Jesus ensinou e exemplificou, Mc 9.35; 10.44), ele está

ocupando o lugar de Filemom, fazendo o que Filemom faria se

estivesse com Paulo. Este reconhece que Filemom e seu escravo

são seus companheiros (koinonoi) no serviço cristão. E faz o apelo

para que Filemom o receba em plena comunhão (koinonia).

Apesar de Paulo ter aberto mão do seu direito de ordenar,

ele agora revela suas preferências. Ele gostaria de manter Onésimo

consigo, pois a amizade deles é grande e gratificante. Ele não está

buscando apenas os seus interesses, mas também os de Filemom

(Fp 2.4). Está disposto a fazer um sacrifício pessoal, como se

enviasse uma parte de si mesmo (v. 12). Se fosse egoísta, manteria

Onésimo consigo. No entanto, Paulo está disposto a aceitar Onésimo

em lugar de Filemom e creditar a ele o trabalho do seu escravo.

1 4 , Por respeito à lei romana, Paulo tem de devolver o

escravo. Por respeito a Filemom, Paulo lhe confirma sua liberdade

como senhor do escravo para decidir o futuro de Onésimo. Sabendo

que a comunhão cristã se baseia na participação voluntária, ele faz

um apelo, não uma exigência, esperando que Filemom responda

“de livre vontade”, com disposição e sem se sentir coagido. Ele

convida Filemom a analisar as implicações da sua fé e assumir a

responsabilidade de pô-las em prática. Será que ele se deixará

constranger apenas pelo amor (v. 7) a fazer todo o bem, como Paulo

orara por ele (v. 6)? Será que ele seguirá o exemplo de Paulo e abrirá

mão de exercer seus direitos? Ou será que insistirá em seu “direito

de posse”? A oportunidade de exercer sua liberdade de escolha

estaria perdida se Paulo lhe desse uma ordem direta.


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE, DE PAULO A FILEMOM

Ao mesmo tempo que Paulo tem Filemom em elevada estima,

ele também valoriza muito Onésimo. Ele intercede junto a Filemom

em favor de seu filho espiritual Onésimo, sem depreciá-lo. O

propósito de Deus em Cristo envolve a eliminação de hostilidades

a fim de formar uma sociedade sem distinção de classes. Ele não

faz isso dando poder a algumas classes de pessoas e relegando outras

a uma condição subumana. Pelo contrário, ele as une num só corpo,

por meio do amor que ele “derramou em nosso coração pelo Espírito

Santo” (Rm 5.5). Paulo atua como representante da nova sociedade

de Deus, em que não há “nem judeu nem grego; nem escravo nem

liberto; nem homem nem m ulher”, pois todos são um em Cristo

Jesus (G1 3.28; ICo 12.13). Paulo considera essa comunhão mais

importante do que libertar Onésimo da escravidão.

Por meio do seu novo nascimento em Cristo, Onésimo se

tornou membro da família de Deus. Ele e Paulo estão unidos pelo

amor de Cristo. Filemom também é irmão em Cristo. Será que ele

tem amor por “todos os santos” (v. 5) suficiente para renunciar aos

seus direitos como senhor de escravos e receber Onésimo em pé de

igualdade como membro da família de Deus? “Acolhei-vos uns aos

outros, como também Cristo nos acolheu” (Rm 15.7) é o plano de

Deus para todos os seus filhos.

D - Filemom, ame sem restrições: receba seu escravo como

irmão amado (v. 1 5 - 1 7 )

15Pois acredito que ele veio a ser afastado de ti

temporariamente, a fim de que o recebas para sempre,

16não como escravo; antes, muito acima de escravo,

como irmão caríssimo, especialmente de mim e, com

maior razão, de ti, quer na carne, quer no Senhor.

17Se, portanto, me consideras com panheiro,

recebe-o, como se fosse a mim mesmo.

15 „ Onésimo fugira de Filemom. Paulo, porém, incentiva

Filemom a encarar sua perda de outro ângulo. Pois acredito —

Filemom, pense nisso. O próprio Deus (como fica subentendido

pelo uso do verbo na voz passiva, “veio a ser separado”) pode ter

estado supervisionando tudo o que aconteceu. Não foi Deus quem


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

elevou Ester à condição de rainha (Et 4.14)? Não foi Deus quem

fez a condição de José como escravo redundar em bem (Gn

50.20)?

Esse “acredito” de Paulo também pode ser uma palavra de

cautela. Os cristãos precisam evitar declarar categoricamente, com

base em Romanos 8.28-29, que dado evento se deu de acordo com o

propósito de Deus. Nossa percepção é uma questão de fé, pois, nas

palavras de Paulo: “Quão insondáveis são os juízos [de Deus], e

quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11.33).

Se Filemom aceitar Onésimo como irmão amado, essa separação

temporária trará benefícios permanentes a ambos, pois o

corpo de Cristo terá sido enriquecido. Não importa a condição futura

do escravo, a reconciliação somente será válida se resultar em

comunhão continuada num só corpo em Cristo.

1 6 . Pela fé no Senhor Jesus crucificado e ressurreto, tanto

Filemom quanto Onésimo se tornaram filhos de Deus. Filhos do

mesmo pai são irmãos. Não importa se um deles é senhor e o outro

é escravo; em Cristo eles são irmãos. O novo parentesco celestial

transcende os relacionamentos terrenos e neles se manifesta.

Paulo está confiante de que Onésimo provará a Filemom a

autenticidade da sua conversão. Ele ainda é escravo, mas tem agora

responsabilidades novas e maiores para com Filemom (como Paulo ,

enunciou em Cl 3.22-4.1; Ef 6.2-9; ICo 7.22). Na graça de Deus,

ele servirá a Filemom “em singeleza de coração, temendo ao Senhor”

(Cl 3.22).

Paulo não está pedindo a Filemom que alforrie Onésimo,

mas que o receba como irmão, demonstrando a natureza radical da

sua conversão. Isso alterará profundamente o relacionamento entre

senhor e escravo. Ele nunca mais poderá tratar Onésimo como mera

utilidade doméstica.

Onésimo era um estranho para Paulo antes da sua conversão;

agora é um irmão amado. O fato de deixar de ser um escravo inútil

o tornaria precioso também para Filemom. Como foi Paulo quem

levou a Cristo tanto o senhor como o escravo, eles partilham uma

relação especial. Essas são razões fortes para esperar que Filemom

acolha seu escravo em seu coração, sua família, seu trabalho e na

igreja que se reúne em sua casa. Uma vez que vivam juntos como

cristãos, Filemom terá a liberdade de alforriá-lo (o apelo de Paulo

-308 -


A EPÍSTOLA, SEMPRE R E L E V A N T E , DE PAULO A FILEMOM

inclui o reconhecimento dessa liberdade). Apesar de na carne, como

homem, Onésimo talvez continuar escravo, ele e Filemom agora

estão unidos no Senhor. A condição de escravo não tem mais

precedência. Onésimo é antes de tudo um irmão. Essa é a verdadeira

carta de alforria de Onésimo e o centro do apelo de Paulo.

i 7 . Será que Filemom receberá Onésimo com o mes

carinho com que recebería Paulo, seu companheiro (koinonon)? A

amargura (Hb 12.15) podería brotar facilmente quando o senhor

visse seu escravo fugitivo retornar. Ao reconciliar o mundo consigo

em Cristo, Deus não levou em conta os nossos pecados (2Co 5.20).

Filemom também não deve fazê-lo. Paulo o conclama a pôr de lado

toda má vontade: “Receba seu escravo como companheiro na mesma

comunhão cristã (koinonia) que une você e eu no Senhor”. Os

cristãos devem receber (ou “acolher”, a mesma palavra em grego)

uns aos outros “como também Cristo nos acolheu” (Rm 15.7). Em

sua graça, Deus, que nos justifica pela fé, nos recebe na comunhão

com ele e nos possibilita ter comunhão com todos os que têm a

mesma fé preciosa. Todos os redimidos — não importa a etnia,

aparência ou posição social — estão incluídos nesse companheirismo

na comunhão e no trabalho do evangelho. Isso une até

senhores e escravos! Foi Calvino quem disse: “Seria um sinal de

trem enda soberba se [alguém] se envergonhasse de considerar

irmão alguém a quem Deus considera filho”. Depois de elogiar a

fé e o amor de Filemom (v. 5), Paulo o desafia a amar sem restrições.

Recebendo Onésimo como irmão caríssimo, ele será um instrumento

de Deus na implementação de uma nova ordem social baseada

na koinonia em Cristo. Deus não chama os seus para seguirem as

norm as da sociedade, mas para evidenciar relacionam entos

transformados por Cristo (Rm 12.1-2). Ele convoca a igreja para amar

sem discriminação no meio de um mundo egoísta, ganancioso e cheio

de ódio. Essa alternativa às tentativas humanas de reforma social

revela um dos aspectos da verdadeira natureza da igreja.

C ’ - Quem ama de verdade assume as dívidas

do irmão (v. 18 -19 )

I8E, se algum dano te fez ou se te deve alguma

coisa, lança tudo em minha conta. 19Eu, Paulo, de


epístolas da prisão

próprio punho, o escrevo: Eu pagarei — para não te

alegar que também tu me deves até a ti mesmo.

1 8 . Com certeza, a fuga de Onésimo atrapalhou as atividades

do seu senhor. Não sabemos se o escravo roubou dinheiro ou bens,

ou até que ponto Filemom sofreu prejuízo financeiro ou de outro

tipo como conseqüência do que Onésimo fez. Sabemos, porém, que

era preciso fazer restituição. Para elim inar qualquer coisa que

pudesse impedir Filemom de receber Onésimo com carinho, Paulo

se oferece para pagar a dívida do fugitivo.

Apesar de Paulo não ser responsável por esses problemas e

pessoalmente não dever nada a Filemom, ele faz tudo o que pode

para reconciliar Filemom e Onésimo. A koinonia vai além da mera

preocupação com os outros e se torna participação recíproca nas

alegrias e sofrimentos uns dos outros (Rm 12.15). Nossa participação

chega ao ponto de passarmos por situações difíceis para que

outros possam retomar o ânimo (2Co 1.6-7; cf. 4.10-15). No versículo

17, Paulo incentivou essa identificação m útua quando pediu a

Filemom que recebesse Onésimo como se estivesse recebendo a ele

mesmo; agora ele se identifica com Onésimo, pedindo que Filemom

cobre dele como se ele fosse Onésimo.

Como ministro da reconciliação, Paulo retrata com sua ação

a obra redentora de Cristo como nosso substituto. O Filho de Deus

tomou voluntariamente nossos pecados sobre si, cancelando assim

nossa dívida e apresentando-nos a Deus santos e livres de qualquer

acusação (Cl 1.22; 2.13-14). Conseqüentemente, o Pai nos recebe

com carinho. Do mesmo modo, Paulo, imitando Cristo em sua

identificação com os pecadores, prom ete fazer a Filem om o

pagamento completo de todas as dívidas e prejuízos decorrentes

da conduta irresponsável do seu escravo. 19*

19. Na forma característica de uma nota promissória, Paulo

acrescenta: “Eu pagarei”. Sua assinatura o obriga a cumprir sua promessa,

mesmo que suas finanças sempre fossem tão limitadas que ele

tivesse de trabalhar com as próprias mãos para suprir suas necessidades.

Com ironia amável, ele acrescenta: “Para não te alegar que

também tu me deves até a ti mesmo”. Paulo, como seu pai espiritual,


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

era o meio pelo qual Filemom recebera nova vida em Cristo.

Onésimo é devedor por causa de perdas materiais; Filemom deve

por causa de um ganho eterno. E impossível comparar as duas

dívidas. Como na parábola do servo que não quis perdoar (Mt 18.21-

35), a dívida de alguém que devia cem denários não podia ser comparada

com a de outro que devia dez mil talentos.

Filemom está seguro no amor que Paulo tem por ele e sente

o espírito no qual escreve. Talvez esse lembrete amistoso faça um

sorriso brilhar no rosto de Filemom.

B’ - Filemom, me traga ânimo: faça até

mais do que peço (v. 20-22)

20Sim, irmão, que eu receba de ti, no Senhor, este

benefício. Reanima-me o coração em Cristo. 21Certo,

como estou, da tua obediência, eu te escrevo, sabendo

que farás mais do que estou pedindo.

22E, ao mesmo tem po, prepara-m e tam bém

pousada, pois espero que, por vossas orações, vos serei

restituído.

20. Apesar de ser o pai espiritual de Filemom, o apóstolo o

chama de “irmão”, pois, em pé de igualdade, são beneficiários da

graça de Deus que os une nos laços da comunhão cristã. Já que os

crentes se alimentam dessa fonte abundante, eles podem enriquecer

a vida dos outros, incluindo seus líderes espirituais. Em outra

ocasião, Paulo procurou o ânimo mútuo dos crentes em Roma (Rm

1.12); agora ele espera de Filemom algum benefício para si (o me é

enfático no grego). Aquele por quem o coração dos santos tem sido

reanimado (v. 7) pode ser usado para animar também a ele. Trata-se

de mais do que mera satisfação na esfera humana. O conforto fluirá

das experiências de Filemom no Senhor e trará ânimo e consolo

àqueles cuja vida está oculta “em Cristo” (Cl 3.3).

2 1 . Dois imperativos enunciam os passos necessários para

que a reconciliação de Filemom com Onésimo se torne uma realidade:

receber Onésimo (v. 17) e lançar na conta de Paulo os prejuízos

causados por ele (v. 18). Certo, como estou, da tua obediência não

309


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

é uma tentativa de bajular Filemom para fazê-lo atender à solicitação

de Paulo (cf. lTs 2.3-5). Uma tática assim seria contrária a

todo o espírito da epístola. Paulo já afirmou a liberdade de Filemom

(v. 13-14). Ele não está dizendo: “Obedeça a mim”. Antes, a ênfase

característica de Paulo em seu m inistério é: “Obedeça a Deus” (p.

ex., Rm 1.5; 15.18). A exemplo dos filjpenses (Fp 2.13-14), Filemom

tem obedecido a Deus. Ele é uma pessoa constrangida pelo

amor, que segue a Cristo com fidelidade (v. 4-7). Isso dá a Paulo

confiança de que ele continuará obedecendo à medida que Deus

for agindo nele para que queira e aja de acordo com os seus propósitos.

Confiança nos colaboradores é essencial ao bom trabalho

em equipe.

Paulo deseja o melhor e mais elevado para Filemom. Ele sabe

que “fará mais” do que receber Onésimo e cancelar sua dívida.

Que “mais” Paulo tem em mente? Ele não está pensando na volta

de Onésimo para ajudá-lo na prisão, pois espera ser solto em breve

(v. 22). Ele não pediu ao senhor que liberte o seu escravo. Talvez

gostaria que Onésimo se tornasse seu companheiro em missões

futuras, uma oportunidade única de ser arraigado e edificado em

Cristo (Cl 2.7) e servi-lo. Mesmo continuando escravo, isso realmente

o libertaria para usufruir a comunhão cristã.

Seja o que for que Paulo tinha em mente com esse “mais”,

ele espera que Filemom se contente apenas se andar a segunda

milha. Ele espera que Filemom, lendo nas entrelinhas, aja motivado

pelo amor a Cristo, em vez de insistir em seus direitos.

Não podemos nos eximir do impacto do ensino de Paulo

dizendo que ele se aplica a condições sociais que não existem em

nossa sociedade. Se não “fizermos mais” do que a sociedade dita,

multidões continuarão a ser exploradas em relações injustas (relações

de trabalho e discriminação racial, para citar apenas dois

exemplos). Cristãos que agem por amor a Cristo são instrumentos

de Deus para libertar os oprimidos do nosso tempo, do mesmo

modo que Paulo em seu tempo.

2 2 . A igreja em Colossos esteve orando por Paulo, como e

orava por ela (v. 4-7). Usando os pronomes no plural vossas e vos,

ele manifesta sua gratidão por toda a intercessão deles em seu favor.

Ele também pretende que a epístola seja lida para a igreja, pois

todos serão afetados pela decisão de Filemom.


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

Em resposta às orações deles, Paulo espera que Deus o

reconduza (como im plica a voz passiva “serei restituído”) aos

crentes de Colossos. Como hóspede na casa de Filemom, ele terá

oportunidade para edificação e incentivo mútuos (cf. Cl 3.16;

lTs 5.11; Rm 14.19). Será uma alternativa bem-vinda à vida na

prisão!

A’ - Saudação final (v. 23-25)

23Saúdam-te Epafras, prisioneiro comigo, em

Cristo Jesus, 24Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus

cooperadores.

25A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso

espírito.

23 -2 4 . Em vez de dizer: “Meus colaboradores mandam

lembranças”, Paulo menciona especificamente duas pessoas para

mostrar mais uma vez que o evangelho aproxima pessoas de todos

os contextos sociais. Epafras havia pregado aos seus concidadãos

em Colossos e m inistrado à igreja ali (Cl 1.7; 4.12-13). Judeu

crescido em Jerusalém, João Marcos havia conhecido os líderes da

igreja em seus primórdios. Ele desistiu de acompanhar Paulo e

Barnabé em sua primeira viagem missionária (At 13.13), porém

mais tarde provou ser um ministro fiel (2Tm 4.11) e escreveu o

evangelho de Marcos. Aristarco, um macedônio, provavelmente se

converteu durante o ministério de Paulo ali. Ele acompanhou Paulo

em várias viagens e foi preso junto com ele (At 19.29; 20.4; 27.2; Cl

4.10) . Demas e Lucas eram gentios. Demas estava com Paulo

quando ele escreveu sua epístola; mais tarde abandonou-o (2Tm

4.10) . Lucas, o médico amado, foi companheiro constante de Paulo

e escreveu o evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos.

A igreja em Colossos pode não ter conhecido todos esses

homens em pessoa. Paulo, no entanto, alinha o ministério deles ao

lado do seu, pois eles não são rivais, mas cooperadores. Juntamente

com Paulo, enviam sua saudação a Filemom.

De acordo com Colossenses 4.7-9, Paulo enviou Tíquico a

Colossos, levando a epístola aos Colossenses. Onésimo o acompanhou

com essa epístola ao seu senhor Filemom.

-311 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

2 5. Paulo desafiou Filemom a fazer algo que ia contra todo

os costumes e hábitos sociais aceitos em todo o mundo romano.

Somente pela graça do Senhor Jesus Cristo ele e a igreja (vosso é indicativo

de plural) podem acolher Onésimo em seu coração e na

comunhão (koinonia) cristã. Bendito seja Deus, pois em Cristo ele

derramou abundantemente a sua graça para que eles — e nós

igualmente — possamos ser frutíferos em toda boa obra (2Co 8.9;

Ef 1.8; 3.20)!

- 312-


Apêndice

A escravatura existe até hoje como instituição e mantém milhões

na servidão em algumas regiões do mundo, mas poucos estão cientes

disso e ainda menos pessoas fazem algo para m udar a situação.

Essa mesma atitude de indiferença podería relegar a epístola de

Paulo a Filemom às informações de interesse histórico, mas

irrelevantes ao mundo em que vivemos. A epístola, todavia, é muito

relevante para a nossa vida, incluindo o aspecto da escravidão.

Acrescentei o estudo abaixo para destacar algumas questões em

Filemom que merecem receber mais atenção em nossos dias.

A mensagem da epístola vai m uito além do dilema que

enfrentavam Paulo, Onésimo e Filemom. Entendemos que essa foi,

em parte, a razão por que uma “epístola pessoal” foi incluída no

cânon do Novo Testamento.

Por que Paulo não denunciou a escravatura diretamente?

Em todo o Império Romano, a escravatura estava firmemente

entrincheirada. Ela havia atingido proporções sem precedentes,

com sessenta milhões de homens, mulheres e crianças na servidão.

Os escravos eram considerados bens particulares, ferramentas como

machados e enxadas. Eram vistos como seres humanos apenas

circunstancialmente e não tinham direito à identidade própria. O

- 3 1 3 -


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

senhor tinha o direito de usar, m altratar e punir seus escravos como

desejasse. O escravo, por sua vez, não tinha nenhum direito e muitas

vezes perdia todo respeito próprio.

A instituição da escravatura era defendida por interesses muito

poderosos como indispensável à vida econômica do império. O povo

em geral também a aceitava. A brutalidade pode não ter sido um

procedimento regular, mas toleravam-se violência e exploração sem

limites dos escravos.

Deve ter havido pessoas que desejavam mudanças, mas a

escravatura apenas raramente foi questionada por alguém, já que

o debate público das questões sociais não era uma característica do

império. Como homem de compaixão com um senso profundo de

justiça, o apóstolo Paulo deve ter ficado muito perturbado com o

tratam ento desumano dado aos escravos e pela instituição da

escravatura em si.

Nas epístolas, Paulo volta sua preocupação sincera para certos

grupos de crentes que enfrentavam situações específicas. Ele não

denuncia a escravatura em si, mas mina suas premissas, pois ela é

totalmente incompatível com o conceito bíblico do ser humano.

Temos de entender o ensino paulino sobre problemas culturais específicos

da perspectiva das preocupações centrais da Bíblia.

Paulo não tinha o perfil político de alguém que defendesse

leis proibindo a escravidão. Promover levantes armados também

não era uma opção para ele. Muitas vezes foi vítima de violência,

mas procurava viver em paz com todo mundo (Rm 12.18). Roma

teria interpretado toda ação aberta contra a escravatura por parte

dos seguidores de Jesus, crucificado por sedição, como mais hostilidade

contra o im pério, resultando em contra-ataque feroz.

Alguns historiadores crêem que a igreja recém-nascida teria sido

esmagada sem piedade. Paulo não iria se lançar em uma missão

impossível.

Contudo, isso não quer dizer que ele se absteve de se pronunciar

sobre a questão da escravatura; ele tratou do problema de

maneira bem diferente. A escravidão se torna uma condição do

coração, tanto do escravo quanto do senhor. O escravo sofre por ser

oprimido; o senhor, por oprimir os outros. Se não passarem por

uma mudança do coração, continuarão a dominar ou a ser desumanizados.

Ambos podem experimentar a transformação do coração

pelo evangelho, o poder de Deus para todo aquele que crê (Rm

1.16). Cristo tinha libertado Paulo da escravidão do pecado (Rm

- 314


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE,

DE PAULO A FILEMOM

6.17), e ele estava convicto de que Cristo podia libertar outros de

uma servidão mais devastadora que a escravidão.

Ele sabia que o mal duraria até o fim desta era, mas também

que Deus estava implantando seu reino, em que homens e mulheres

são libertos do domínio do mal. Esse reino já havia sido iniciado

pela morte e ressurreição de Cristo, mas espera o retorno de Cristo

em glória para ser consumado. Enquanto isso, Deus está enviando

seus embaixadores que, como Paulo, convidam homens e mulheres

em todo lugar a se submeterem voluntariamente ao governo de

Deus. Aqueles que atendem ao convite podem até se alegrar no

sofrimento, pois isso pode servir para a divulgação do evangelho

(Fp 1.12). Eles se tornam membros de uma sociedade alternativa

que busca refletir o caráter de Cristo nos relacionamentos entre si.

Eles continuam a viver em um mundo mau, mas a liberdade do

seu domínio oferece esperança aos escravizados por ele.

Em suas epístolas, Paulo se dirige tanto a escravos como a

senhores, da perspectiva dos propósitos de Deus de, em Cristo, formar

um novo povo. Em nítido contraste com as práticas desumanizadoras

da escravatura, ele se dirige aos escravos como seres humanos responsáveis

(Ef 6.5-8; Cl 3.22-25). Pela fé em Cristo Jesus, eles são filhos

de Deus, em cujo reino não há “nem escravo nem liberto” (G1 3.26-

28; Cl 3.11; ICo 12.13). Ele insiste em que o relacionamento entre

indivíduos — incluindo o relacionamento entre um escravo e seu

senhor — deve evidenciar que eles pertencem a Cristo. Paulo fala

aos senhores de escravos firmado nas mesmas convicções. Deus não

tem predileções. Os senhores, assim como seus escravos, são seres

humanos que precisam prestar contas a Deus, pois têm um Senhor

no céu (Ef 6.9; G14.1). Essa postura radicalmente distinta mina todo

o conceito de escravatura.

Em sua epístola a Filemom (v. 14), Paulo baseia seu apelo

num princípio fundamental do ensino social do Novo Testamento:

não [...]por obrigação, mas de livre vontade. Ordens ou manipulações

não podem cumprir os propósitos de Deus para o seu povo; eles

precisam ser abraçados voluntariamente, por amor a Deus e aos

outros. Se Paulo tivesse exigido que Filemom alforriasse Onésimo,

teria negado a Filemom a oportunidade de exercer a liberdade de

fazer a melhor escolha. Ele prefere que o ato de Filemom “seja

espontâneo, e não forçado” (n v i) . Paulo deseja a liberdade de Onésimo,

mas isso não pode violar a liberdade que Filemom tem para

fazer sua escolha.

-315


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Paulo vai além de “nem escravo nem liberto...” (G1 3.28),

incentivando Filemom a acolher Onésimo como irmão. Ele não

disse: “Liberte-o, e depois pode abraçá-lo como irmão”. Em Cristo,

ele é seu irmão, não importa se é escravo ou livre. Para Filemom,

Onésimo nunca mais poderá ser um mero escravo; ele agora é ao

mesmo tempo uma pessoa e um irmão no Senhor. Sua condição

de escravo não terá prioridade, pois está inserido na comunhão

cristã.

Esse novo relacionamento se estende a todos, a despeito de

raça, gênero, classe social, econômica ou política (Cl 3.11; G1 3.28;

ICo 12.13). Além de ser uma preocupação central da Bíblia, ele

define uma característica essencial de uma igreja autêntica, uma

“casa de oração para todas as nações” (Mc 11.17), instituída em

um mundo dilacerado por todo tipo de divisão e inimizade.

Quando os salvos acolhem uns aos outros como irmãos e irmãs,

estão rejeitando a discriminação aceita pela sociedade que predomina

no mundo. Por dedução, Paulo está exortando os cristãos a avaliar

todos os costumes e hábitos e a rejeitar o que é contrário aos padrões

de Deus para o seu povo (Rm 12.1-2). Isso também caracteriza uma

igreja autêntica.

A escravatura é basicamente um ser hum ano dom inar o

outro. E opressão. A liberdade de escolha é excluída. Problemas

desse tipo são abundantes hoje em dia. Paulo falou nos termos de

uma injustiça social destrutiva manifesta em seus dias. A escravidão

não é o único tipo de servidão. Temos de ir além do ensino expresso

em situações culturais específicas e aplicar sua mensagem às várias

formas de domínio que existem hoje em dia. Esse é um princípio

básico de interpretação da Bíblia.

Medo, hábitos, circunstâncias, maus tratos físicos e psicológicos,

opressão econômica subjugam muitas pessoas, para mencionar

apenas alguns. O Novo Testamento chama todos os homens

e mulheres à verdadeira libertação e dignidade humana. Existem

circunstâncias e obrigações das quais não se pode fugir. Paulo não

pediu a Deus que o libertasse da prisão (Ef 6.19-20); ele a aceitou

conscientem ente como vindo do Senhor e a transform ou em

oportunidade de servi-lo. (Além do caso de Paulo, algumas das

maiores realizações humanas se deram na prisão, como a tradução

da Bíblia para o inglês feita por William Tyndale e O peregrino, de

John Bunyan.) Assim, ele incentivou os escravos que não conse­

- 316 -


A EPÍSTOLA, SEMPRE RELEVANTE, DE P A U L O A F iLE M O IV I

guiam obter liberdade a trabalhar com disposição, como para o

Senhor. Desse modo, eles viveríam acima das circunstâncias e

encontrariam liberdade (IC o 7.20-24; 9.15-19). A liberdade

espiritual em Cristo possibilita à pessoa ser livre, mesmo estando

sob domínio.

O Novo Testamento ensina que o mal continuará a existir

até o fim desta era, quando então Deus estabelecerá seu reino

eterno de justiça, paz e retidão. Enquanto isso, Cristo deu aos

seus seguidores a responsabilidade de viver como “sal e luz” neste

mundo injusto (Mt 5.13-16). Eles transmitem a mensagem de que,

com sua vida e proclamação, os oprimidos podem encontrar em

Cristo a liberdade espiritual que os liberta para se tornarem

“úteis”, à semelhança de Onésimo. Aqueles que foram prejudicados

como Filemom aprendem a perdoar e a acolher os outros,

sem discriminação, na comunhão (koinonia) em uma sociedade

alternativa. Ao refletirem Cristo em sua vida e ministério diários,

a ponto de abrir mão de seus direitos como Paulo fez, todos os

salvos trazem esperança e alívio para os que sofrem. Os cristãos

muitas vezes não têm o poder de mudar estruturas sociais. Todavia,

por meio deles Deus continua causando impacto na sociedade,

transformando indivíduos e formando com eles comunidades que

dividem o amor de Cristo enquanto esperam o reino de Deus em

toda a sua glória.

0 que aconteceu a Onésimo depois da epístola de Paulo?

Meio século depois de Paulo escrever a epístola, o bispo Inácio da

Síria foi preso e levado para Roma. Antes de ser morto, ele escreveu

a várias igrejas que o tinham ajudado durante sua viagem. Uma

das epístolas foi dirigida ao “bispo Onésimo de Efeso”. Alguns estudiosos

duvidam de que esse bispo tenha sido o Onésimo da epístola

de Paulo a Filemom, pois o nome não era raro. Todavia, é bastante

possível que Onésimo, libertado por Filemom, tenha se tornado

bispo na igreja antiga. Ele devia ter perto de 70 anos de idade quando

Inácio escreveu. Éfeso fica perto de Colossos, onde Filemom

morava. A linguagem que Inácio usou em suas diversas referências

ao bispo Onésimo é muito semelhante à que Paulo usou em sua

epístola a Filemom. Inácio muito provavelmente conhecia a epístola

de Paulo e usou um vocabulário que pode ter refletido a identidade

do antigo escravo. Também é possível que a condição de bispo de

- 317-


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

Onésimo tenha sido um fator importante para a inclusão da epístola

de Paulo no cânon do Novo Testamento.

Como a igreja se posicionou diante da escravatura,

depois da epístola de Paulo?

A medida que a semente do evangelho se espalhou e os cristãos

aplicaram sua mensagem de amor, perdão e liberdade a todas as

áreas da vida, muitos crentes começaram a levar a sério as obrigações

morais em relação aos seus semelhantes. Alguns líderes de igrejas

incentivaram os senhores de escravos a libertá-los. Congregações

proporcionaram refúgio a escravos fugitivos.

Depois de séculos de opressão pelo Estado, no ano 313 d.C.,

o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano.

Muitas tensões continuaram existindo, mas Igreja e Estado gradualmente

se tornaram aliados em atividades cada vez mais seculares.

O conceito de comunidade cristã como sociedade alternativa perdeu

terreno. A proporção que a mensagem distinta do evangelho

retrocedia, os avanços feitos pela igreja no seu início, quanto à

redução da escravatura, corriam o risco de se perder.

' - 318-


Bibliografia

Comentários sobre Filemom

Carson, Herbert M. The Epistles ofPaul to the Colossians andPhilemon.

London: Tyndale Press, 1960.

Com blin, José. Epístola aos Colossenses e Epístola a Filêmon.

Petrópolis: Editora Vozes, 1986.

Lucas, R. C. Fullness and Freedom: the Message of Colossians and

Philemon (The Bible speaks today). D ow ners Grove:

InterVarsity Press, 1980

Martin, Ralph P. Colossenses e Filemom (Série Cultura Bíblica). São

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Wright, N.T. The Epistles of Paul to the Colossians and to Philemon.

Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans, 1986

Estudos Sobre Questões Sociais, Políticas e Históricas

O Novo Dicionário da Bíblia, Vol I. São Paulo: Edições Vida Nova,

1966. “Escravos, Escravidão”, p. 516-522.


EPÍSTOLAS DA PRISÃO

SCOTT, Ernest F. Man and Society. New York: Chas. Scribners’ Sons,

1947.

SWARTLEY, Willard M. Slavery, Sabbath, War and Women: Case

IssuesinBiblicallnterpretation. Scottdale, PA: Herald Press, 1983.

YODER, John H .A Política de Jesus. São Leopoldo: Editora Sinodal,

1988.

- 320 -



RUSSELL P. SHEDD, Ph.D., é fundador de

Edições Vida Nova, conferencista internacional

e pastor, intensamente preocupado com a

educação teológjca e a formação de líderes

para a igreja brasileira e dos países de língua

portuguesa, foi durante mais de 40 anos

professor de Novo Testamento nas melhores

escolas teológicas de São Paulo e escreveu

inúmeras obras publicadas por Edições Vida

Nova e pela Shedd Publicações.

DEWEY M. MULHOLLAND é norte-americano

residente na Califórnia. É formado em Teologia,

Educação Religiosa e Psicologia. Foi missionário

durante mais de 40 anos no Brasil, durante os

quais esteve intensamente envolvido com

educação teológica. Foi fundador da Faculdade

Teológica Batista de Brasília, onde atuou como

diretor e professor. É autor de Marcos, introdução

e comentário, da Série Cultura Bíblica, publicado

por Edições Vida Nova, e de Teologia da igreja:

uma igreja segundo os propósitos de Deus,

publicado pela Shedd Publicações.


'

Epístolas da Prisão é uma exposição das quatro cartas

tradicionalmente associadas ao período em que Paulo esteve

preso em Roma em meados do primeiro século: Efésios,

Filipenses, Colossenses e Filemom.

Cada trecho deste livro singular é uma fonte de inspiração.

Paulo, o maior e mais prolífico autor do Novo Testamento,

escreveu numa época da vida em que seu pensamento e seu

coração pastoral haviam atingido os mais altos níveis de

maturidade. O fato de estar preso no fim da carreira poderia

gerar um sentimento de derrota e de tristeza no grande apóstolo.

Todavia, o que se vê nessas quatro epístolas é a sublime

expressão de alegria, vitória e gratidão manifestadas por alguém

que chegou ao clímax da carreira, tendo combatido o bom

combate sem perder a fé.

VIDA NOVA

www.vidanova.com.br

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