O círculo da paz - AMB
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S é r i e<br />
Uma chance à <strong>paz</strong><br />
Por Warner Bento Filho<br />
A expressão “viver em <strong>paz</strong>” não é só um clichê para quem vive em comuni<strong>da</strong>des<br />
intencionais como as ecovilas ao redor do mundo. Fazer a <strong>paz</strong> e vivê-la é como uma<br />
obsessão entre as pessoas destes lugares. O que não quer dizer que elas não conheçam<br />
conflitos e disputas. Eles existem. Mas estas comuni<strong>da</strong>des desenvolveram diferentes maneiras<br />
de encara-los, onde o diálogo e o entendimento desempenham papel fun<strong>da</strong>mental.<br />
Comuni<strong>da</strong>des intencionais acompanham praticamente to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de,<br />
com os mais diversos propósitos. Em território brasileiro, as primeiras experiências talvez<br />
tenham sido as dos jesuítas nos Sete Povos <strong>da</strong>s Missões, no Rio Grande do Sul, ain<strong>da</strong> no<br />
século XVII. Este tipo de assentamento ganhou importância no mundo a partir <strong>da</strong> revolução<br />
industrial, no século XVIII, que em pouco tempo transformou ci<strong>da</strong>des como Londres em<br />
lugares inabitáveis. O fechamento <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des rurais na Europa, na transição do<br />
feu<strong>da</strong>lismo para o capitalismo, expulsou <strong>da</strong> terra milhares de camponeses, que se refugiaram<br />
nas ci<strong>da</strong>des, conformando o enorme exército que alimentou o grande salto <strong>da</strong> produção<br />
industrial. Não havia moradias nem escolas nem salários nem saneamento nem hospitais<br />
para atender a to<strong>da</strong> a população que procurou abrigo nas ci<strong>da</strong>des. Pensadores que depois<br />
ficaram conhecidos como os socialistas utópicos buscavam então alternativas sustentáveis<br />
Na terceira reportagem <strong>da</strong> série sobre justiça não<br />
estatal, o Jornal do Magistrado mostra como se<br />
resolvem conflitos em comuni<strong>da</strong>des intencionais.<br />
Elas experimentam modelos de vi<strong>da</strong> mais libertários e<br />
Comuni<strong>da</strong>de de Tamera: laboratório para a criação de uma cultura de <strong>paz</strong> no mundo<br />
MARÇO A ABRIL DE 2004 JORNAL DO MAGISTRADO<br />
resolvem suas questões na base do diálogo<br />
para os assentamentos urbanos. Caso do britânico Ebenezer Howard, autor <strong>da</strong>s “Ci<strong>da</strong>des-<br />
Jardins do Futuro”, um projeto de assentamento que reunia vantagens <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no campo<br />
com as facili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, conceito que depois foi assimilado pelo mercado imobiliário<br />
inclusive no Brasil - em São Paulo são famosos os bairros-jardins, inspirados em Howard.<br />
A própria Brasília incorpora em seu projeto a idéia <strong>da</strong> “ci<strong>da</strong>de-parque”, como reconhece o<br />
próprio autor do projeto urbano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, o arquiteto Lúcio Costa.<br />
A mesma geração contestatária dos anos 60, do movimento hippie, do maio de 68<br />
e de woodstock, deu novo impulso às comuni<strong>da</strong>des “alternativas”. Hoje, as comuni<strong>da</strong>des<br />
intencionais têm essa cultura entre suas referências. Algumas <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des cria<strong>da</strong>s naquela<br />
época persistem até hoje. Mas novos valores foram incluídos nas comuni<strong>da</strong>des intencionais,<br />
entre eles o conceito de sustentabili<strong>da</strong>de não apenas ambiental, mas também econômica,<br />
social, espiritual. Enfim, nas diversas dimensões do ser humano e <strong>da</strong> sua relação a Natureza e<br />
o mundo. Estas comuni<strong>da</strong>des, mais comuns nos Estados Unidos e na Europa, começam a se<br />
firmar também no Brasil. Levantamento <strong>da</strong> organização “Intentional Communities” registra<br />
431 comuni<strong>da</strong>des pelo mundo afora, a maior parte nos Estados Unidos.<br />
Algumas delas especializaram-se em mediação de conflitos, como a comuni<strong>da</strong>de<br />
de Lebensgarten, na Alemanha. A comuni<strong>da</strong>de foi construí<strong>da</strong> sobre uma antiga fábrica de<br />
munição que serviu à ditadura de Hitler. Era um lugar para onde ninguém queria ir, e por<br />
isso as terras valiam pouquíssimo. Hoje é uma comuni<strong>da</strong>de que desenvolve tecnologias<br />
sustentáveis e exporta metodologias para mediação de conflitos. Eles desenvolveram também<br />
um caminhão movido a energia solar, que circula dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Um dos principais<br />
problemas que enfrentam é o silêncio. O motor elétrico do caminhão não faz barulho e, por<br />
esse motivo, passaram a acontecer pequenos atropelamentos (o caminhão an<strong>da</strong> devagar).<br />
Agora, eles consideram a possibili<strong>da</strong>de de equipar o caminhão com um sino.<br />
Uma <strong>da</strong>s mais tradicionais comuni<strong>da</strong>des deste tipo no mundo está na Escócia,<br />
a Findhorn. A comuni<strong>da</strong>de tem mais de 40 anos e conta com população entre 500 e<br />
600 pessoas. Nasceu em 1962, num antigo lixão. Com muito trabalho, a comuni<strong>da</strong>de<br />
mudou a cara do lugar. O solo foi praticamente construído de novo, com o uso intenso de<br />
compostagem. Uma terra que não tinha na<strong>da</strong> além de substâncias tóxicas, hoje produz seis<br />
vezes mais do que a comuni<strong>da</strong>de é ca<strong>paz</strong> de consumir. O lugar ficou famoso por produzir<br />
repolhos de até 20 quilos.<br />
May East é uma brasileira que mora há anos em Findhorn. A casa dela é um antigo<br />
barril de uísque descartado por uma fábrica. Ela conta que qualquer decisão na comuni<strong>da</strong>de