Nota da Segunda Edição - Rosenvaldo Simões de Souza
Nota da Segunda Edição - Rosenvaldo Simões de Souza
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Por fim, o mesmo subconsciente que lhe falava era o subconsciente que começou a<br />
ar<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproveitar o máximo possível <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> antes <strong>de</strong> ver tudo acabado. E<br />
Marta passou, mesmo contra sua própria vonta<strong>de</strong>, a sentir uma estranha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir até a<br />
sua própria gela<strong>de</strong>ira e comer tudo que fosse gostoso e que engor<strong>da</strong>sse.<br />
“Vai fazer mal... vai engor<strong>da</strong>r...”, pensou, mas confortou-se, pensando: “...mas,<br />
<strong>da</strong>ne-se a indigestão e a gordurinha a mais! Vai acabar tudo mesmo...!”<br />
E a gela<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sua casa foi esvazia<strong>da</strong> <strong>de</strong> seu conteúdo com veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> tal que ela<br />
mal pô<strong>de</strong> perceber. Chegara ao absurdo <strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar todos os duzentos gramas <strong>de</strong> morta<strong>de</strong>la<br />
apenas num dos intervalos <strong>de</strong> um minuto <strong>da</strong> novela <strong>da</strong>s oito horas.<br />
“Mas, e agora, o que posso fazer, se até os capítulos <strong>da</strong> minha novela preferi<strong>da</strong> já<br />
não tem mais a mesma graça <strong>de</strong> antes?”, pensou Marta, <strong>de</strong>siludi<strong>da</strong> <strong>de</strong> seus mais queridos<br />
prazeres <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>. “Por que assistir as cenas dos próximos capítulos, sabendo que os<br />
próximos capítulos não existirão?”, pensava, entristeci<strong>da</strong>.<br />
Mu<strong>da</strong>va <strong>de</strong> canal. Comia coisas diferentes. Ia e vinha, <strong>de</strong>sconsola<strong>da</strong> <strong>de</strong> viver. Por<br />
fim, estacou frente à televisão, disposta a ver pela última vez algum telejornal, buscando<br />
assim ao menos esclarecer o porquê <strong>de</strong> estar o mundo terminando assim, sem mais nem<br />
menos. Ouviu então quando um repórter dizia: “será a última vez que veremos Mag<strong>da</strong> e<br />
César, amantes, lutando por um amor impossível <strong>de</strong> ser alcançado neste mundo. Não<br />
percam! Nesta sexta-feira, o último capítulo <strong>da</strong> novela O Mundo!”<br />
“Que coincidência!”, pensou Marta, “... quer dizer que a novela vai acabar no<br />
mesmo dia que o mundo...”<br />
Depois, pensou mais um pouco sobre o assunto. “acho que o pessoal <strong>da</strong> televisão já<br />
estava sabendo que o mundo acabaria na sexta-feira e por isso aproveitaram para acabar<br />
com a novela no mesmo dia e assim aumentar a audiência <strong>da</strong> emissora...”, concluiu,<br />
pensativa.<br />
Achou estranho o fato <strong>de</strong> que era aquele dia a tal sexta-feira. Não conseguia<br />
enten<strong>de</strong>r como haveria <strong>de</strong> acabar o mundo, mas também não entendia como não havia<br />
acabado ain<strong>da</strong>, já que seu relógio já marcava cinco minutos para a meia-noite, <strong>de</strong> modo que<br />
se passasse <strong>da</strong> meia-noite não seria mais sexta-feira, e sim sábado, <strong>de</strong> modo que era então<br />
tudo uma gran<strong>de</strong> mentira <strong>da</strong> imprensa.