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Livro de uma Sogra, de Aluísio de Azevedo Fonte ... - Universia Brasil

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— Um rapagão, Olímpia! O que se po<strong>de</strong> chamar um rapagão! Equilíbrio perfeito entre o sistema nervoso e o<br />

sistema muscular! Órgãos em belo estado <strong>de</strong> pureza! Uma autópsia seria a mais esplêndida vitória para as suas vísceras!<br />

Devia <strong>de</strong>ixar-se dissecar, por orgulho!<br />

— Então, César!... Fale a sério, meu amigo!<br />

— Não lhe <strong>de</strong>scobri o menor vício no organismo. Os pulmões são os <strong>de</strong> um ferreiro; o coração funciona como<br />

um Patek Philippe; o fígado não parece fígado nacional. Os rins fariam inveja aos <strong>de</strong> um atleta! Tórax soberbo; bíceps<br />

<strong>de</strong> gladiador! Em minha presença manejou, com a maior facilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>streza, halteres <strong>de</strong> trinta quilos cada um!<br />

— Sim?...<br />

— É o que lhe digo! E a conformação geral do corpo, esteticamente falando, é simplesmente maravilhosa!<br />

Quando o vi nu, pensei ter <strong>de</strong>fronte dos olhos <strong>uma</strong> estátua grega. Marte e Apolo fundidos, formando um homem. Que<br />

belo conjunto <strong>de</strong> força e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za anatômica! Nem sei como, com a <strong>de</strong>generação da raça latina e com a crescente<br />

<strong>de</strong>pravação <strong>de</strong> costumes, ainda possa haver — no <strong>Brasil</strong>! Um moço em semelhantes condições físicas! Verda<strong>de</strong> é que<br />

ele é <strong>de</strong> raça catalã!<br />

— Que entusiasmo, meu amigo!<br />

— Entusiasmou-me com efeito, o <strong>de</strong>mônio do rapaz! Nunca vi, na minha clínica, um espécime tão puro! É<br />

verda<strong>de</strong>iramente um belo animal!<br />

— Acha-o então, César, quanto ao físico... no caso <strong>de</strong> preencher cabalmente o nosso i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>... <strong>de</strong> marido <strong>de</strong><br />

Palmira?<br />

— Oh! Por esse lado não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>sejar melhor!<br />

— E, pelo outro! Que tal será ele? Diga-me, achou-o simpático!...<br />

— Ora! Um homem naquelas condições é o orgulho <strong>de</strong> sua espécie e há <strong>de</strong> ser fatalmente simpático. O que<br />

mais é a simpatia senão o reflexo da bonda<strong>de</strong>? e a bonda<strong>de</strong> é um produto lógico da saú<strong>de</strong> perfeita e da força, como são a<br />

coragem e a alegria. Fiquei gostando <strong>de</strong>le infinitamente. Ah! se aquele ladrão fosse meu filho?<br />

— Ainda bem, meu amigo...<br />

— Oh! Po<strong>de</strong> estar amplamente satisfeita com ele, Olímpia, e dá-lo, quanto antes, para noivo da nossa formosa<br />

Palmira. Aquele, se não for vítima <strong>de</strong> algum aci<strong>de</strong>nte, ou não apanha algum diabólico micróbio que o estrague, morrerá<br />

<strong>de</strong> velho!<br />

Agra<strong>de</strong>ci penhoradíssima os bons serviços do meu querido amigo e pedi-lhe que me ajudasse a colher, logo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia seguinte, informações sobre o passado e sobre o caráter do preten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> minha filha.<br />

* * *<br />

Des<strong>de</strong> o dia seguinte, com efeito, pusemo-nos em campo. E foram quatro meses <strong>de</strong> ininterrompidas pesquisas,<br />

em que eu <strong>de</strong>spendi um gran<strong>de</strong> capital <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação, <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> paciência, cujo segredo só mesmo um coração <strong>de</strong><br />

mãe po<strong>de</strong>ria achar. Mas não lamento tais canseiras, porque cheguei ao completo resultado do que eu queria.<br />

Eis o que colhemos:<br />

O rapaz chamava-se José Leandro <strong>de</strong> Oviedo. (Isso já eu sabia). Nasceu na província do Rio <strong>de</strong> Janeiro, n<strong>uma</strong><br />

fazenda <strong>de</strong> Teresópolis. Era filho <strong>de</strong> Manoel Oviedo, pinto espanhol, que o teve <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tal Margarida Porto, senhora<br />

brasileira por ele tomada do marido, um rico fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> café, e com a qual viveu o pintor <strong>de</strong>z anos.<br />

Leandro foi o primeiro filho <strong>de</strong> Oviedo, (Esta circunstância animou-me a seu favor) e o único que sobreviveu<br />

aos pais. Criou-se na fazenda, mas aos cinco anos fez com a família <strong>uma</strong> viagem à Europa, don<strong>de</strong> voltou com <strong>de</strong>z, já<br />

órfão <strong>de</strong> mãe. O pai <strong>de</strong>stinava-o ao comércio e quis, ao tornar aqui, pô-lo <strong>de</strong> caixeiro em <strong>uma</strong> loja <strong>de</strong> ferragens, mas o<br />

padrinho, um tal Gonçalves, com quem o rapaz fora habitar <strong>de</strong> volta ao <strong>Brasil</strong>, remeteu-o, três anos <strong>de</strong>pois, para um<br />

colégio na Inglaterra, don<strong>de</strong> Leandro voltou aos <strong>de</strong>zoito <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, por morte do seu protetor. Não consegui saber se<br />

<strong>de</strong>ste herdou então alg<strong>uma</strong> coisa; soube, sim, que nesse tempo fez ele <strong>uma</strong> excursão pelas províncias do sul do <strong>Brasil</strong>,<br />

dando com pouco sucesso concertos <strong>de</strong> piano e bandolim. Dois anos <strong>de</strong>pois morreu-lhe o pai, em completa miséria.<br />

Alguns quadros, e outros objetos que <strong>de</strong>ixou, foram vendidos para pagar o enterro e o último mês <strong>de</strong><br />

tratamento em <strong>uma</strong> casa <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Aos vinte anos entrou Leandro, como amanuense, para a secretaria, on<strong>de</strong> era segundo<br />

oficial quando preten<strong>de</strong>u minha filha.<br />

Não me souberam informar se foi bom filho, não <strong>de</strong>scobri quem era ao certo o tal padrinho, que o mandou a<br />

educar em Londres, nem tampouco a razão por que este, homem rico naturalmente, o protegeu tanto em vida, sem <strong>de</strong>le<br />

se lembrar <strong>de</strong>pois no testamento; afiançaram-me, porém, que Leandro era moço <strong>de</strong> bom caráter, regularmente estimado,<br />

e que havia rejeitado casamento com a filha <strong>de</strong> um negociante forte, mas rapariga feia e pretensiosa. Não me constou<br />

também que se <strong>de</strong>sse ao jogo, tampouco ao álcool, nem fizesse loucuras por mulheres <strong>de</strong> má vida. Descobri que<br />

ultimamente morava ele, havia um ano, n<strong>uma</strong> casa <strong>de</strong> família honesta, que lhe alugava um quarto; e soube que tinha um<br />

amigo íntimo, com quem era visto sempre aos domingos no clube ginástico a que ambos pertenciam, um Leão da<br />

Cunha, rapaz rico e viajado, sócio comanditário <strong>de</strong> <strong>uma</strong> casa <strong>de</strong> comissões no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

E tudo isto <strong>de</strong>scobrimos, César e eu; tudo <strong>de</strong>senterramos, por amor <strong>de</strong> minha filha; e foi obtido e foi tudo feito<br />

com a máxima reserva e discrição. Leandro, ao que suponho, não <strong>de</strong>sconfiou <strong>de</strong> coisa nenh<strong>uma</strong>.

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