Livro de uma Sogra, de Aluísio de Azevedo Fonte ... - Universia Brasil
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agradar o genro, fazer-lhe as vonta<strong>de</strong>s, não contrariá-lo, adulá-lo até, levar-lhe a papinha à cama; mas não por ele<br />
próprio, e sim porque tudo isso se traduz em benefício da filha.<br />
Leandro, pois, ao meu ver, nada por si só representava; valia muito, porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu o julgasse como<br />
auxiliar indispensável à felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Palmira. Por conseguinte, sob o ponto <strong>de</strong> vista do meu egoístico e extremoso amor<br />
materno, meu genro, quanto menos individualida<strong>de</strong> intelectual tivesse, tanto melhor para mim, porque tanto mais seria<br />
ele absorvido pela esposa.<br />
A um genro basta a inteligência apenas necessária para não ser ridículo e para não fazer malda<strong>de</strong>s conjugais<br />
por estupi<strong>de</strong>z. Na família, em que ele entra, e à qual fica adido, nunca po<strong>de</strong>rá atingir no amor dos pais o primeiro plano,<br />
que esse pertence aos filhos. É um auxiliar do amor, como certos artistas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m subalterna são os auxiliares dos<br />
artistas criadores, ou <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m. Um genro é para nossa filho o que o gravador é para o pinto original, <strong>de</strong> cujo<br />
quadro ele tira o seu <strong>de</strong>senho; o que o cantor é para o compositor musical; o que o ator é para o autor; o que o executor<br />
<strong>de</strong> estátuas é para o estatuário que as concebeu; o que o mestre-<strong>de</strong>-obras é para o arquiteto, e o que o tradutor ou o<br />
compositor tipográfico é para o escritor. Do mesmo modo que o artista criador não po<strong>de</strong> dispensar o artista auxiliar,<br />
porque precisa <strong>de</strong>le para o <strong>de</strong>sempenho da sua produção, assim, nós sogras, não po<strong>de</strong>mos dispensar o genro. Não o<br />
<strong>de</strong>sprezamos, ao contrário — tratamo-lo com todo o carinho; mas o seu papel em nosso amor e em nosso interesse,<br />
nunca será o primeiro e sim o segundo, porque o primeiro pertence à sua mulher, que é nossa filha.<br />
O que <strong>uma</strong> boa sogra tem a pedir ao genro não é estima, nem carinhos para ela; não é tampouco que tenha<br />
talento ou seja um gran<strong>de</strong> homem, é pura e simplesmente que lhe faça a filha feliz. Se o genro fizer isto, a sogra nada<br />
mais tem a exigir <strong>de</strong>le, e há <strong>de</strong> ser boa por força <strong>de</strong> regra.<br />
A sogra só é má quando a filha é infeliz com o marido, ou quando, o que é anormal, não sinta amor <strong>de</strong> mãe.<br />
Não! para esposo <strong>de</strong> minha filha não quereria nunca um gênio, nem algum herói glorioso, fosse ele lá <strong>de</strong> que<br />
espécie fosse; para meu genro queria simplesmente um homem — um bom marido.<br />
Pois bem: o negociante, segundo o meu novo modo <strong>de</strong> julgar, é quem melhor preenche esse i<strong>de</strong>al.<br />
Vejamos por quê:<br />
O negociante, na comunhão do trabalho e da luta pela vida, representa apenas o cômodo papel <strong>de</strong> <strong>uma</strong> máquina<br />
<strong>de</strong> especulação movendo-se tão-somente pela avi<strong>de</strong>z do lucro pecuniário. Para abraçar e exercer a sua carreira, ele não<br />
precisou pôr em contribuição as suas forças nervosas, estudando um curso difícil e fatigante; precisou nada mais do que<br />
exercitar-se materialmente na prática do comércio. O indivíduo, sem técnica, ou habilitação para produzir qualquer<br />
trabalho, o indivíduo intelectualmente nulo, po<strong>de</strong> abraçar, <strong>de</strong> um dia para outro, a carreira comercial, e po<strong>de</strong> ser feliz.<br />
Não são raros os exemplos <strong>de</strong> negociantes ricos, consi<strong>de</strong>rados e po<strong>de</strong>rosos, absolutamente analfabetos e rasos <strong>de</strong><br />
inteligência.<br />
A ignorância e a vulgarida<strong>de</strong> intelectual são até requisitos indispensáveis ao bom êxito <strong>de</strong>ssa carreira, tanto<br />
quanto a ilustração e o talento são qualida<strong>de</strong>s negativas, porque os escrúpulos, as suscetibilida<strong>de</strong>s, a fidalga e generosa<br />
linha moral <strong>de</strong> um espírito superior e cultivado, representam sérios impedimentos para o pronto alcance <strong>de</strong> sucesso na<br />
vida comercial.<br />
E, se <strong>de</strong>scermos à análise do mercador <strong>de</strong> baixa escala, esse que por aí se chama “negociante a retalho”, então<br />
po<strong>de</strong>remos dizer que o homem <strong>de</strong> negócio é o que menos se gasta nervosamente no atrito do esforço comum, o único<br />
que nada produz absolutamente, o único por conseguinte que não trabalha, e no entanto o que mais ganha e acumula<br />
dinheiro. Esses formam <strong>uma</strong> classe especial, e especial é o prisma por que tudo vêem. Até a sua suposta honra<strong>de</strong>z é<br />
singular: Não pagar, por exemplo, <strong>uma</strong> conta ao dia e à hora certa, é para um negociante o ato mais <strong>de</strong>sonesto que se<br />
po<strong>de</strong> cometer, mas furtar no custo <strong>de</strong> qualquer objeto vendido, ou enganar o comprador, impingindo gato por lebre, isso<br />
é simplesmente fazer bom negócio.<br />
E tanto assim é que, esse mesmo traficante, que leva a iludir ao próximo todos os dias, a toda a hora, a todo o<br />
instante, quando encontra um mais velhaco, caso raro, que por sua vez consiga enganá-lo, comprando-lhe qualquer<br />
objeto a crédito e não pagando no prazo ajustado, revolta-se furioso e quer brigar, em vez <strong>de</strong>, por coerência e por honra<br />
aos seus princípios, atirar-se-lhe nos braços, exclamando: “Ora até que afinal, entre tantos tolos, encontro um esperto<br />
dos meus! Sejamos amigos!”<br />
A honra do negociante é diferente da honra dos outros homens. O militar, por exemplo, que não solver <strong>uma</strong><br />
letra no dia do vencimento, não fica por isso <strong>de</strong>sonrado, como não fica <strong>de</strong>sonrado o negociante que levar um par <strong>de</strong><br />
bofetadas; mas, se invertermos os casos, tão <strong>de</strong>sonrado fica um como o outro. Isto quer dizer que a chamada honra do<br />
negociante não resi<strong>de</strong>, como a <strong>de</strong> toda a gente honesta, na consciência do respeito a si mesmo e na imputabilida<strong>de</strong><br />
pessoal, mas no crédito abstrato da sua firma ou da sua casa <strong>de</strong> comércio; por isso que ele, mesmo sem levar bofetadas,<br />
mas cometendo toda a sorte <strong>de</strong> baixezas, enganando, mentindo, adulando o freguês para lesá-lo, continuará a ser um<br />
“homem honrado”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que pague em dia as suas contas.<br />
O mais interessante, porém, é que a socieda<strong>de</strong> brasileira, nem só lhe dá acesso, como ainda o coloca no<br />
primeiro plano da sua primeira camada, emprestando-lhe, como para justificar-se <strong>de</strong>sse erro, aos olhos dos que não são<br />
traficantes comerciais, o título das duas qualida<strong>de</strong>s que ele menos possui: — trabalhador e honrado.<br />
Honrado trabalhador! Mas trabalho quer dizer técnica e quer dizer produção; e o negociante não produz e só<br />
tem <strong>uma</strong> ciência — a <strong>de</strong> enganar o incauto consumidor, para apanhar-lhe, como as cocotes, o dinheiro que pu<strong>de</strong>r. E eu,<br />
cá por mim, nesta questão <strong>de</strong> exploração e gatunagem, prefiro, com franqueza, e acho menos nocivo e mais sincero, o