12.04.2013 Views

Livro de uma Sogra, de Aluísio de Azevedo Fonte ... - Universia Brasil

Livro de uma Sogra, de Aluísio de Azevedo Fonte ... - Universia Brasil

Livro de uma Sogra, de Aluísio de Azevedo Fonte ... - Universia Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

da Europa ele apenas mal conhecia Londres, através <strong>de</strong> um colégio. Precisava agora vê-la e estudá-la como homem.<br />

Que melhor ocasião para fazer esse passeio?... Iria <strong>de</strong>scansar um pouco, espairecer, instruir-se, ganhar novas idéias e<br />

novos pontos <strong>de</strong> vista, cujos bons frutos seriam aproveitados em favor da sua profissão comercial e em favor da<br />

educação <strong>de</strong> seu filho.<br />

— Sim, replicou Leandro, <strong>de</strong>sejo ir à Europa, e muito, mas em companhia <strong>de</strong> minha mulher!<br />

— Irá <strong>de</strong>pois com ela... correspondi — e eu mesma os acompanharei, e mais o nosso her<strong>de</strong>irozinho... É até<br />

muito mais conveniente que o senhor primeiro realiza sozinho essa viagem, para po<strong>de</strong>r ensinar <strong>de</strong>pois sua mulher a ver<br />

e apreciar aquilo que o senhor já tenha visto. É mais correto! Num casal bem constituído, o chefe <strong>de</strong>ve sempre levar<br />

vantagens sobre a esposa, tanto no seu grau <strong>de</strong> cultura intelectual, como no seu conhecimento prático da vida e do<br />

mundo...<br />

— Mas abandonar minha mulher quando a vejo naquele estado?!<br />

— O senhor não a abandona, meu genro; o senhor a <strong>de</strong>ixa entregue aos meus <strong>de</strong>svelos e ao meu amor <strong>de</strong> mãe.<br />

Quanto ao estado <strong>de</strong>la — não queira também exagerar as coisas! a gravi<strong>de</strong>z e o parto, em boa normalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

circunstâncias, são funções naturais e quase tão simples como o próprio amor que os produziu.<br />

— Mas é o primeiro parto!<br />

— O que lhe não impedirá <strong>de</strong> ser muito benigno, porque o filho foi concebido nas melhores condições que é<br />

possível <strong>de</strong>sejar. Fique certo, meu genro, que em geral — os filhos gerados com todo o amor e com todo o <strong>de</strong>sejo, nem<br />

só são os únicos perfeitos, como ainda são os que nascem com a maior e mais lisonjeira facilida<strong>de</strong>. É preciso <strong>de</strong>sconfiar<br />

sempre da harmonia e boa ventura doméstica <strong>de</strong> um casal, cujos filhos encontrem dificulda<strong>de</strong> em entrar na vida, a não<br />

ser que haja vício orgânico por parte da mulher ou vício <strong>de</strong> sangue por parte do homem. Entre os dois instintos<br />

garantidores da vida — o amor e a fome, existem as mais estreitas analogias: Da mesma forma que — comer sem<br />

apetite produz má digestão, conceber sem amor — produz má gravi<strong>de</strong>z e mau parto; quando não produz o aborto, que é<br />

a legítima indigestão do amor. Meu neto há <strong>de</strong> ter um nascimento feliz, sou eu quem lho assegura! E imagine agora o<br />

prazer que lhe está reservado para a sua volta, meu amigo! Prefigure-se tornando à casa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns meses <strong>de</strong><br />

ausência e vindo encontrar o seu filhinho nos braços da nossa Palmira! Hein? não lhe parece que o prazer da volta<br />

compensa um pouco os sacrifícios da ausência?<br />

— Ausência <strong>de</strong> quase um ano!...<br />

— Qual! Ela está grávida <strong>de</strong> três meses, creio. Ponhamos um para a viagem — quatro! Ao senhor basta<br />

<strong>de</strong>morar-se lá seis ou sete, quando muito... Ora, seis meses passam <strong>de</strong>pressa, principalmente em passeio pelo Europa,<br />

vendo coisas bonitas!...<br />

— Bonitas! Bonito será se, daqui em diante, mal perceba que minha mulher está grávida, tenha <strong>de</strong> entrouxar as<br />

malas a toda a pressa e fugir para a Europa!<br />

— Ora <strong>de</strong>ixe lá o futuro, que a Deus pertence, meu filho, e cui<strong>de</strong>mos do presente, que é a nossa obrigação. E já<br />

não fazemos pouco!<br />

* * *<br />

Quando nos separamos essa noite, <strong>de</strong>pois do chá, meu genro estava resignado a fazer a viagem. Faltava-me,<br />

porém, a outra, que me parecia mais difícil <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r, sem ficar prostrada pelo sacrifício.<br />

E, com efeito, maior resistência encontrei em Palmira do que em Leandro. Mas com prazer <strong>de</strong>scobri logo que<br />

semelhante reação não vinha tanto dos seus terrores do parto, como dos seus mal disfarçados ciúmes pelo marido, que<br />

se ia ausentar assim por tanto tempo.<br />

Des<strong>de</strong> que percebi isto, tinha por ganha a vitória.<br />

Fiz ver-lhe logo que aquela ausência <strong>de</strong> Leandro, longe <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sfavorável à esposa, era <strong>uma</strong> nova garantia<br />

para o amor e para a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos. Deixando-o ir agora, surpreendido assim violentamente no auge do seu<br />

enlevo amoroso, ela podia ficar segura <strong>de</strong> que o marido iria resguardado pela sauda<strong>de</strong> e nada cometeria que pu<strong>de</strong>sse ser<br />

lesivo ao ente estremecido que ele <strong>de</strong>ixava tão distante. Leandro honraria o seu voto sagrado e guardaria fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>,<br />

justamente por se achar então a contragosto separado da sua “pobre e querida mulherzinha”.<br />

— Ficando aqui, disse-lhe eu, vendo-te ele todos os dias, sem aliás po<strong>de</strong>r aproximar-se <strong>de</strong> ti para o matrimônio,<br />

haveria <strong>de</strong> trair-te, fatalmente, durante os resguardos da prenhez e do parto, porque a consciência lhe <strong>de</strong>scobriria<br />

absolvição para tal <strong>de</strong>lito nas supostas necessida<strong>de</strong>s do seu organismo <strong>de</strong> homem e na tua aci<strong>de</strong>ntal inutilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mulher. Ser-te-ia infiel, convencido <strong>de</strong> que com isso não cometeria baixeza, nem malda<strong>de</strong>, porque havia <strong>de</strong> resgatar a<br />

sua culpa junto à tua cama <strong>de</strong> doente, à força <strong>de</strong> constante <strong>de</strong>dicação, à força <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelos <strong>de</strong> enfermeiro e pequeninos<br />

cuidados <strong>de</strong> bom amigo. Ao passo que, por mim arrancado barbaramente dos teus braços e repelido para longe, hão <strong>de</strong> a<br />

ausência e a sauda<strong>de</strong> envolver-te, à proporção que os dias se passarem, num prestigioso véu <strong>de</strong> poesia e <strong>de</strong>sgraça; há <strong>de</strong><br />

dar-te irresistível e fascinante auréola <strong>de</strong> vítima resignada, a quem seria baixa perfídia enganar traiçoeiramente.<br />

A tua ausência será pois a garantia do seu amor e da sua fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>. Ele terá medo <strong>de</strong> pecar, porque já saberá <strong>de</strong><br />

antemão que a sua consciência lhe não perdoará semelhante injustiça. Aquilo mesmo que aqui, ao teu lado, seria por ele<br />

admitido como fatal conseqüência do resguardo da crise puerperal, lá atingirá no seu foro íntimo às negras proporções

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!