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Livro de uma Sogra, de Aluísio de Azevedo Fonte ... - Universia Brasil

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* * *<br />

A natureza é boa amiga! Como sabe ela dar a todas as estações da existência novos interesses <strong>de</strong> vida! novas<br />

dores e novos prazeres! Nunca pensei que fosse tão intensa a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser avó!...<br />

À proporção todavia que se aproximava o gran<strong>de</strong> acontecimento, comecei a palpitar <strong>de</strong> impaciência e<br />

sobressalto. Desfazia-me em pequenos cuidados com a enferma; afigurava-se-me que era eu a única responsável pelo<br />

que viesse a suce<strong>de</strong>r; sentia-me tão <strong>de</strong>ntro daquela situação, que era como se eu fosse o pai e tivesse <strong>de</strong> ser a mãe<br />

daquele filho! Talvez não acreditem, mas juro que me impressionei ainda mais do que quando eu própria estive para dar<br />

à luz pela primeira vez!<br />

E agora, inesperadas apreensões vinham perturbar a confiança que eu até aí <strong>de</strong>positava cegamente nas ótimas<br />

circunstâncias em que fora aquele filho concebido. Não <strong>de</strong>scansava um instante, não me <strong>de</strong>scuidava um momento da<br />

minha Palmira. De madrugada era eu a primeira a levantar-me e vencer-lhe a indolência, e obrigá-la a vestir-se e a sair<br />

comigo, para os passeios matutinos. Arrependia-me agora <strong>de</strong> lhe ter falado tão abertamente do parto, porque ia<br />

começando a <strong>de</strong>scobrir nela também receios e sobressaltos. Mas animava-a com tanto carinho e habilida<strong>de</strong>, que a boa<br />

criança nunca se atreveu a fazer-me a mais leve queixa, mesmo indireta, contra a ausência do marido.<br />

Minha gaveta da secretária estava cheia <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> medicina, concernentes ao assunto que inteiro me possuía.<br />

Sempre que eu pilhava alg<strong>uma</strong> folga, ou quando podia roubar alg<strong>uma</strong>s horas ao sono, <strong>de</strong>vorava o Traité <strong>de</strong> l’art <strong>de</strong>s<br />

accouchements <strong>de</strong> Gazeaux, e tomava notas para discutir <strong>de</strong>pois com o Dr. César, que nesses últimos tempos não nos<br />

<strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> visitar todos os dias. Devia já parecer ridícula aos olhos do bom médico com as f<strong>uma</strong>ças <strong>de</strong> doutora que eu<br />

agora me dava na conversa.<br />

E a crise aproximava-se.<br />

Eu já me não pertencia; não tinha a cabeça no lugar; comia sem apetite; passava noites <strong>de</strong> insônia. Estava tão<br />

abatida, ou mais, que minha própria filha, e juro que <strong>de</strong>ntro do meu coração palpitava o feto que ela trazia no ventre.<br />

Mas afinal chegou o dia supremo. A casa revolucionou-se. César estava conosco, felizmente. Não posso<br />

afiançar que sofresse eu as dores puerperais, mas sei que sofri muito e que não abandonei minha filha um só instante,<br />

até receber nos meus braços um belo menino, perfeito, forte, com o crânio coberto já <strong>de</strong> cabelo preto.<br />

Oh! Vitória! Vitória completa!<br />

Saltaram-me as lágrimas dos olhos. Tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> misturar meus cansados soluços <strong>de</strong> avó com aquele<br />

angelical vagido, que meu netinho me trazia do mistério da antevida, alg<strong>uma</strong> coisa <strong>de</strong> um balbuciar divino, que ainda<br />

não é voz h<strong>uma</strong>na e também já não é simples eco <strong>de</strong> puro cântico <strong>de</strong> anjos! Minha filha, quase morta <strong>de</strong> prostração,<br />

branca e fria, como se todo o sangue e toda a vida lhe tivessem escorrido pelo ventre aberto, gemia ainda, <strong>de</strong>vagarinho,<br />

e seus gemidos cortavam a alma.<br />

Entreguei a criança ao médico e a <strong>uma</strong> parteira que nos acompanhava, e <strong>de</strong>i-me toda aos cuidados da puérpera.<br />

Não me <strong>de</strong>speguei mais do seu lado, até que ela serenou <strong>de</strong> todo.<br />

Ah! correu tudo muito bem: confirmou-se a minha convicção <strong>de</strong> que o bom parto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das boas<br />

circunstâncias <strong>de</strong> amor em que o filho é concebido. Transbordava-me agora o coração <strong>de</strong> alegria. Quando vi minha filha<br />

fora <strong>de</strong> perigo e prestados a meu neto os primeiros cuidados, corri ao quarto do oratório, ajoelhei-me <strong>de</strong>fronte da<br />

Virgem-Mãe, e aí, com a alma também parturiente e aliviada das ânsias e sobressaltos que a pejavam, agra<strong>de</strong>ci aos céus,<br />

entre lágrimas consoladoras, a ventura que eles nos enviavam.<br />

Mas tornei logo para junto da enferma. Tomei-lhe a cabeça no regaço, e foi assim que Palmira adormeceu,<br />

como nos outros tempos, quando eu era moça e ela pequenina.<br />

Mês e meio <strong>de</strong>pois do nascimento <strong>de</strong> meu lindo netinho, recebia Leandro na Europa <strong>uma</strong> carta que o chamava<br />

para junto da esposa.<br />

Fomos buscá-lo a bordo e César foi conosco.<br />

A mulher que restituí aos braços e aos lábios sequiosos <strong>de</strong> meu genro era <strong>de</strong> novo a formosa criatura que ele<br />

<strong>de</strong>ixara oito meses antes; se não é que, com cumprir o seu mais alto <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> mulher, ganhara em graça e sedução,<br />

como certas plantas que só são verda<strong>de</strong>iramente belas e viçosas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> darem o seu primeiro fruto.<br />

Ele também vinha mais forte e bem disposto. Notei, no seu primeiro olhar trocado comigo, <strong>de</strong>pois que cobriu<br />

<strong>de</strong> beijos sôfregos as faces, as mãozinhas e os pezinhos <strong>de</strong> seu filho, que Leandro me não guardava rancor, e estive<br />

quase a acreditar que ele já tivesse afinal chegado a compreen<strong>de</strong>r-me. Mas percebi logo o meu engano: ainda era muito<br />

cedo para tanto. Um homem vulgar não compreen<strong>de</strong> assim tão facilmente as complicadas <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>zas <strong>de</strong> um coração <strong>de</strong><br />

mãe.<br />

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