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9 Virginia Vidal, Oro,<br />

Veneno, Puñal, Brosquil<br />

Ediciones, Valência, 2002.<br />

SABORES PRINCIPAIS 98<br />

N.5 OUTONO INVERNO 2006 2007<br />

como o rocoto; largos, estreitos, chatos, sempre<br />

saborosos, mais ou menos picantes.<br />

Existem chireles, pasillas, cachos de cabra, nomes<br />

que nunca mais acabam.<br />

Com o tempo, veio a constatar-se que<br />

os habitantes das diversas regiões americanas<br />

conferiam poderes afrodisíacos tanto às<br />

formigas culonas, apanhadas com um palito<br />

untado com mel e fritas, como à cobra-<br />

-cega macerada em rum.<br />

É claro que também se recorre a elementos<br />

menos drásticos e se atribui grande<br />

poder à sopa dourada, à pisca andina, às aboborinhas<br />

italianas com cebola, às bananasmacho<br />

fritas ou assadas, à salada de agriões<br />

e cebolas. São indiscutíveis os méritos do<br />

propoleo ou borra de favos de abelhas, ingerido<br />

em jejum.<br />

BRUXARIA<br />

99<br />

Em questões de bruxaria, era sábia a<br />

Quintrala, uma cruel personagem feminina<br />

exaltada pela sua imagem de erotismo<br />

superlativo: «A Quintrala transformava<br />

todas as suas comezainas no cúmulo do<br />

conduto erótico: desde as pantrucas servidas<br />

em alguidar de barro preto aos famosos<br />

feijões em travessa de prata das monjas<br />

dominicanas, passando pelos testículos<br />

rebuçados e por umas olorosas costeletas<br />

de cordeiro polvilhadas com salsa, menta,<br />

tomillo, alecrim e uma infinidade de ervas<br />

de cheiro, acompanhadas com batatas douradas<br />

e saladas de alface, Feijão verde, favas<br />

descascadas, aipos com abacate e nozes e<br />

outras frutas e outra guarnição de rodelas<br />

de tomate e corações de alcachofra envolvimos<br />

em folhas de agrião. 9 »<br />

Quando a Quintrala, a cruel feudatária<br />

colonial que entre os seus mortos conta<br />

uns quantos amantes, encostava ao seu<br />

peito de pele cor de canela a tortilha de rescoldo<br />

e começava a cortá-la em fatias e a oferecê-las<br />

a cada um dos seus admiradores,<br />

estes quase desmaiavam. Enquanto comia,<br />

«todos a olhavam deleitando-se com a<br />

visão dessa mão delicada no movimento de<br />

três dedos para pegar em cada pedaço de<br />

alimento e levá-lo à boca sem pressa. Ela,<br />

de vez em quando, deslumbrava-o com um<br />

cintilar dos seus olhos faladores e continuava<br />

muito comedida, preocupada em dar<br />

atenção a todos os seus hóspedes. Depois<br />

de saborearem uns deliciosos peixes-rei, a<br />

criada oferecia a cada um, para lavarem os<br />

dedos, uma tigela de barro preto cheia de<br />

água onde flutuavam rosas».<br />

A sacerdotisa crioula de Eros e Thanatos<br />

era fanática do afrodisíaco ají, grande<br />

consumidora de mistelas confeccionadas<br />

pelas freiras, às quais fornecia a sua própria<br />

aguardente, e não se coibia à hora das<br />

sobremesas, pois oferecia aos seus admiradores<br />

anonas que encobriam a sua alva<br />

polpa com um inquietante veludo verde,<br />

manjar dos deuses cujo nome índio quer<br />

dizer teta de mulher.<br />

Se de poderes revitalizantes se trata, por<br />

estas terras americanas também se enaltecem<br />

os poderes dos ovos crus de coruja, tão<br />

bons para manter um homem como para<br />

conservar a pureza da cútis, da tortilha de<br />

ovos de pomba, dos órgãos genitais de<br />

raposa, das iguanas e da pata de veado.<br />

Para conquistar e manter o ser amado,<br />

não se hesita em utilizar o coração da<br />

andorinha e o fígado de coelho, o sangue<br />

de novilho, diluído em aguardente, os testículos<br />

assados e a sopa de rabo de boi<br />

negro, os miolos e os testículos, o olho-de-boi<br />

cru cujo cristalino se dissolve em suco de<br />

frutas, em rum ou em vinho, o leite de ají,<br />

as tartarugas de mar e rio guisadas com<br />

alho, ají e cebola.<br />

CRUELDADE?<br />

E isto não é nada, pois se de paixão se<br />

trata, não há limites e não se sabe se por<br />

magia simpatética, aplica-se ao ser comestível<br />

o tratamento que se quereria dar ao objecto<br />

do desejo. Não se poderá afirmar que é<br />

mera crueldade, mas nisto das artes culinárias<br />

dá-se a transmutação da morte para a<br />

vida a fim de fortalecer debilidades, reparar<br />

energias, saciar a fome, tal como é indispensável<br />

sacrificar a rês, degolar o cordeiro,<br />

torcer o pescoço à galinha ou embebedar<br />

o peru ou guajolote (considerado por Brillat<br />

Savarin «um dos mais bonitos presentes

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