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LUGARES DE PARTIDA 16<br />

N.5 OUTONO INVERNO 2006 2007<br />

Em Nova Iorque fiz da Broadway o meu<br />

centro, de começo sempre a olhar para<br />

cima, apesar da neve, para fixar bem os<br />

arranha-céus. Convivi com escritores e jornalistas<br />

e com alguns subi ao topo do<br />

Empire State Building, percorri Central Park e os<br />

museus, as galerias; ousei entrar em Harlem<br />

à hora do maior movimento, reconheci a<br />

China Town do cinema; e em Greenwich Village<br />

vieram até mim as sombras dos grandes<br />

escritores que ali moraram.<br />

Lisboa era a alegria da chegada, o retomar<br />

do trabalho, que aumentara com a<br />

ausência, e a serena reflexão não só sobre<br />

as terras desvendadas, mas, e talvez sobretudo,<br />

sobre a real dimensão das nossas<br />

cidades, o carácter um pouco bisonho do<br />

povo, sob o salazarismo. E o repensar dos<br />

nossos mitos, que com o tempo vêm<br />

mudando, neles permanecendo sempre,<br />

todavia, o sentimento da grandeza perdida,<br />

que desde D. João III e depois de Alcácer<br />

Quibir faz tocar as nossas guitarras de alma<br />

e nos leva a incessantemente partir, emigrar,<br />

ou maldizer da pequena Pátria que<br />

não torna a achar o segredo das vitórias,<br />

nem o resplendor da Índia, o ouro do<br />

Brasil. Por algum tempo, pouco, houve o<br />

sonho transformador de Abril, a curta epopeia<br />

da fraternidade, a euforia da mudança<br />

que trouxe até nós, no local onde a história<br />

avançava, gente de todo o mundo,<br />

coleccionadores de esperança.<br />

Lisboa. Fotografia de Paulo Barata<br />

17<br />

O entusiasmo da partida, a vontade do<br />

novo esmoreceram um pouco em mim<br />

com o abrandar da curiosidade e da<br />

inquietação.<br />

Foi, no entanto, com renovada surpresa<br />

e enlevo, e por vezes desgostos e outras vezes<br />

exaltação, que visitei, como escritor e conferencista,<br />

a China e a Índia (1999 e 2002).<br />

Enquanto puder, continuarei regularmente<br />

a percorrer, de preferência acompanhado,<br />

os bairros ribeirinhos, de Alcântara<br />

e Alfama, Lisboa cidade-cais, e a prender<br />

mais uma vez o olhar nas velhas casas de<br />

azulejos, nos palacetes meio arruinados, a<br />

pedirem restauro, nas estreitas ruas onde o<br />

rio ressoa, da Lapa ou Santa Catarina às<br />

Janelas Verdes, ao Adamastor, à sardinha<br />

assada, à brisa picante onde o sol marinho<br />

e sobretudo a pimenta evocam as especiarias;<br />

e as mulheres continuam a balançar-se<br />

como no Sentimento de um Ocidental. Até me<br />

acontece relembrar poemas do Cancioneiro de<br />

Resende ou a Ode Triunfal de Pessoa.<br />

Lisboa, lugar de partida, às vezes definitiva,<br />

mas também lugar de chegada,<br />

ainda hoje orienta para o Tejo, de envolta<br />

com frustrações, mau passadio, direitos<br />

sociais a desaparecer, o sopro brando da<br />

viagem redentora. E por vezes há vozes que<br />

sussurram: com esta fuga dos jovens cérebros<br />

para o estrangeiro, também os meus<br />

filhos partirão. Eles que são tão dotados. Lá<br />

é que os portugueses se afirmam.

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