12.04.2013 Views

os direitos de padroado durante o reinado de d. afonso iii

os direitos de padroado durante o reinado de d. afonso iii

os direitos de padroado durante o reinado de d. afonso iii

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

OS DIREITOS DE PADROADO DURANTE O REINADO DE D.<br />

AFONSO III: CONFLITOS COM O CLERO<br />

NEOFITI, Marina Cavalcanti e Silva 1<br />

Ao iniciar o seu <strong>reinado</strong>, em 1245, Afonso III tem o apoio da maior parte do clero<br />

português, que percebe na ascensão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bolonha uma p<strong>os</strong>sível solução para a<br />

crise aberta no final do <strong>reinado</strong> <strong>de</strong> Sancho II. Tal apoio é concretizado após um juramento<br />

feito pelo futuro monarca, em setembro do citado ano na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris, no qual afirma<br />

que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rá as liberda<strong>de</strong>s eclesiásticas (VILAR, 2000, p. 318).<br />

Porém, as relações conflitu<strong>os</strong>as entre po<strong>de</strong>r régio e clero acabam se acentuando no<br />

novo <strong>reinado</strong>, o que po<strong>de</strong> ser percebido pelas contínuas reclamações d<strong>os</strong> bisp<strong>os</strong> e pela<br />

continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contendas como, por exemplo, a que opunha <strong>os</strong> monarcas e bisp<strong>os</strong> do<br />

Porto a respeito da jurisdição <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>.<br />

Outr<strong>os</strong> indíci<strong>os</strong> do aumento das tensões nas relações entre <strong>os</strong> po<strong>de</strong>res régio e<br />

eclesiástico são as constantes idas d<strong>os</strong> bisp<strong>os</strong> portugueses junto à cúria papal para fazerem<br />

suas queixas sobre as atitu<strong>de</strong>s do rei e <strong>de</strong> seus funcionári<strong>os</strong>, <strong>os</strong> quais atentavam contra as<br />

pessoas d<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> clérig<strong>os</strong> e suas igrejas, abadias ou m<strong>os</strong>teir<strong>os</strong>, enfim, contra o po<strong>de</strong>r<br />

eclesiástico e sua autonomia.<br />

Entre 1267 e 1268, <strong>os</strong> bisp<strong>os</strong> redigiram um documento com 44 artig<strong>os</strong> que<br />

continham as principais queixas do clero português. Tal documento, publicado na tese <strong>de</strong><br />

doutoramento <strong>de</strong> Maria Alegria Fernan<strong>de</strong>s Marques (MARQUES, 1990, p. 499-521),<br />

contém variadas reclamações e <strong>de</strong>núncias referentes às ações <strong>de</strong> Afonso III e <strong>de</strong> seus<br />

funcionári<strong>os</strong>, que são consi<strong>de</strong>radas ofensivas perante <strong>os</strong> direit<strong>os</strong>, imunida<strong>de</strong>s e liberda<strong>de</strong>s<br />

do clero e da igreja, como por exemplo, a violência empregada por estes funcionári<strong>os</strong> em<br />

inquirições, o <strong>de</strong>srespeito ao asilo nas igrejas e também a<strong>os</strong> for<strong>os</strong> <strong>de</strong> justiça própri<strong>os</strong> a<strong>os</strong><br />

eclesiástic<strong>os</strong>, as questões relativas ao dízimo e a<strong>os</strong> bens clericais etc (MARQUES, 1990, p.<br />

392-393).<br />

1 GEMPO - USP<br />

Neste artigo analisarem<strong>os</strong> somente <strong>os</strong> artig<strong>os</strong> diretamente ligad<strong>os</strong> ao tema d<strong>os</strong><br />

1


direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>, pois através <strong>de</strong>sse enfoque acreditam<strong>os</strong> ser p<strong>os</strong>sível enten<strong>de</strong>r <strong>os</strong><br />

principais aspect<strong>os</strong> das relações entre Afonso III e o clero, em suas tensões, conflit<strong>os</strong> e<br />

também negociações. Portanto, faz-se necessário trazerm<strong>os</strong> uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sse direito.<br />

Segundo Fortunato <strong>de</strong> Almeida, o <strong>padroado</strong> se <strong>de</strong>fine da seguinte forma:<br />

O fundamento do <strong>padroado</strong> era terem sido a igreja ou m<strong>os</strong>teiro fundad<strong>os</strong><br />

ou dotad<strong>os</strong> por certa pessoa, que transmitia a<strong>os</strong> seus her<strong>de</strong>ir<strong>os</strong> a fundação<br />

como proprieda<strong>de</strong> da família. Pela antiga disciplina, <strong>os</strong> fundadores<br />

tinham apenas o direito <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>, isto é, o direito <strong>de</strong> apresentar ao<br />

bispo pessoa idónea para ser provida na igreja ou no governo do<br />

m<strong>os</strong>teiro, e a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> vigiar a exacta aplicação das rendas segundo o<br />

espírito do fundador (ALMEIDA, 1970, p. 106).<br />

Cabe adicionar à essa <strong>de</strong>finição o que escreveu Gama Barr<strong>os</strong>:<br />

Os padroeir<strong>os</strong> e <strong>os</strong> seus naturais ou her<strong>de</strong>ir<strong>os</strong>, sendo legítim<strong>os</strong>, tinham<br />

direito a ap<strong>os</strong>entar-se (pousadias) nas igrejas e m<strong>os</strong>teir<strong>os</strong> do seu<br />

<strong>padroado</strong>, e a receber ali alimento (comedoria, comedura, colheita,<br />

jantar) (…) Padroádigo era, segundo crem<strong>os</strong>, a <strong>de</strong>nominação que se dava<br />

à reunião <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> inerentes ao <strong>padroado</strong> (apud OLIVEIRA,<br />

1950, p. 141-142. Grif<strong>os</strong> do autor).<br />

Devido a essa ampla <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>, vigente no século XIII, que envolve<br />

aspect<strong>os</strong> polític<strong>os</strong>, sociais e também econômic<strong>os</strong>, <strong>os</strong> <strong>de</strong>sdobrament<strong>os</strong> do exercício d<strong>os</strong><br />

direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong> são complex<strong>os</strong> e variad<strong>os</strong>. Aqui optam<strong>os</strong> por n<strong>os</strong> concentrar na<br />

questão d<strong>os</strong> conflit<strong>os</strong> originad<strong>os</strong> a partir <strong>de</strong>sses direit<strong>os</strong> e nas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Afonso III (tanto<br />

especificamente como padroeiro, quanto como monarca) e do clero no sentido <strong>de</strong><br />

solucionar essas situações.<br />

Uma das principais origens <strong>de</strong>ssas contendas advindas d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong> está<br />

na existência <strong>de</strong> duas tendências op<strong>os</strong>tas: o clero procura tirar o máximo p<strong>os</strong>sível <strong>de</strong><br />

padroad<strong>os</strong> das mã<strong>os</strong> <strong>de</strong> leig<strong>os</strong> (OLIVEIRA, 1950, p. 146-147) e <strong>os</strong> monarcas buscam<br />

aumentar cada vez mais o rol das igrejas sob o <strong>padroado</strong> régio (MARQUES, 1990, p. 439,<br />

nota 214).<br />

Os motiv<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> quais o clero percebe <strong>de</strong> forma negativa o <strong>padroado</strong> leigo são<br />

variad<strong>os</strong>, mas <strong>os</strong> mais frequentemente citad<strong>os</strong> são <strong>os</strong> abus<strong>os</strong> d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> ap<strong>os</strong>entadoria e<br />

comedoria, <strong>os</strong> quais causam, segundo <strong>os</strong> mesm<strong>os</strong>, gran<strong>de</strong>s dan<strong>os</strong> às igrejas paroquiais e<br />

2


suas rendas; e <strong>os</strong> conflit<strong>os</strong> na apresentação <strong>de</strong> pároc<strong>os</strong>, pois divers<strong>os</strong> padroeir<strong>os</strong> indicavam<br />

candidat<strong>os</strong> pouco dign<strong>os</strong> do cargo e, em algumas situações, <strong>os</strong> bisp<strong>os</strong> são forçad<strong>os</strong> a<br />

nomeá-l<strong>os</strong>, o que era consi<strong>de</strong>rado uma grave intervenção do po<strong>de</strong>r laico no po<strong>de</strong>r<br />

eclesiástico, que assim via ameaçada sua autonomia.<br />

Quanto à tendência d<strong>os</strong> reis em aumentar o número <strong>de</strong> igrejas <strong>de</strong> <strong>padroado</strong> régio,<br />

esta po<strong>de</strong> ser atestada pela importância dada à questão nas inquirições realizadas <strong>durante</strong> o<br />

século XIII. Nas inquirições empreendidas por Afonso II, em 1220, já percebem<strong>os</strong><br />

claramente o peso do assunto, uma vez que há um esforço <strong>de</strong> se listar <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>padroado</strong> e tais listas foram conservadas e copiadas ao longo do tempo, sendo a maior<br />

parte d<strong>os</strong> text<strong>os</strong> <strong>de</strong>ssas inquirições que n<strong>os</strong> chegaram atualmente <strong>os</strong> referentes a<strong>os</strong><br />

padroad<strong>os</strong> e bens da igreja.<br />

Nas já citadas queixas <strong>de</strong> 1267/1268 existem três artig<strong>os</strong> (I, X e XXV) que m<strong>os</strong>tram<br />

<strong>de</strong> forma clara e bastante direta essas tensões.<br />

No primeiro artigo <strong>os</strong> bisp<strong>os</strong> reclamam que o rei, quando se consi<strong>de</strong>ra padroeiro <strong>de</strong><br />

uma <strong>de</strong>terminada igreja, constrange <strong>os</strong> clérig<strong>os</strong> a renunciarem a seus priorad<strong>os</strong>, abadias ou<br />

igrejas, e para comprovarem o fato, citam alguns exempl<strong>os</strong>.<br />

Assim, o monarca aparece como um laico que ameaça as liberda<strong>de</strong>s do clero,<br />

ferindo a organização eclesiástica. Note-se que essa queixa, assim como outras ao longo do<br />

século XIII, não recaem sobre o exercício legítimo do direito <strong>de</strong> <strong>padroado</strong> pelo respectivo<br />

padroeiro, mas sim nas intervenções que vão além do simples exercício daqueles direit<strong>os</strong>.<br />

A crítica, por parte da clerezia, está em utilizar o <strong>padroado</strong> como justificativa para uma<br />

maior participação n<strong>os</strong> process<strong>os</strong> <strong>de</strong> apresentação e principalmente na nomeação, a qual é<br />

<strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r d<strong>os</strong> bisp<strong>os</strong>, <strong>os</strong> autores <strong>de</strong>ssas queixas.<br />

O artigo X diz que o rei, ao ser padroeiro, passa a extorquir rendas às igrejas e que<br />

isso traz dan<strong>os</strong> às paróquias. Aqui, mais uma vez, as atitu<strong>de</strong> do monarca e <strong>de</strong> seus<br />

funcionári<strong>os</strong> são consi<strong>de</strong>radas abusivas.<br />

Por fim, no artigo XXV é tratado o tema das inquirições que, para Maria Alegria F.<br />

Marques (MARQUES, 1990, p. 397), são uma das principais motivações para a<br />

concretização das queixas e do envio <strong>de</strong> legad<strong>os</strong> para o papado. As violências e abus<strong>os</strong><br />

cometid<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> funcionári<strong>os</strong> régi<strong>os</strong> nas inquirições <strong>de</strong> 1258 são relatad<strong>os</strong> e<br />

exemplificad<strong>os</strong>, sendo o <strong>padroado</strong> citado, <strong>de</strong>vido à truculência d<strong>os</strong> inquisidores nas igrejas<br />

3


<strong>de</strong> <strong>padroado</strong> real.<br />

Tais queixas são a expressão <strong>de</strong> tensões e conflit<strong>os</strong> frequentes a respeito <strong>de</strong>sses<br />

direit<strong>os</strong>. Como exempl<strong>os</strong>, citarem<strong>os</strong> dois cas<strong>os</strong> ocorrid<strong>os</strong> <strong>durante</strong> o <strong>reinado</strong> <strong>de</strong> Afonso III,<br />

na Terra <strong>de</strong> Santa Maria, <strong>os</strong> quais envolvem o bispo do Porto.<br />

Em 1261, D. Afonso III realiza um escambo com o referido bispo, no qual troca o<br />

<strong>padroado</strong> da igreja <strong>de</strong> São Cristóvão <strong>de</strong> Cabanões pelo <strong>padroado</strong> da igreja <strong>de</strong> Santa Maria<br />

do Lamegal e a quinta <strong>de</strong> Co<strong>de</strong>sseiro (CENTRO, doc. no.: 31).<br />

Porém, o bispo D. Vicente p<strong>os</strong>teriormente questiona a troca, um conflito se inicia e<br />

D. Afonso III não entra em acordo com o bispo sobre essa questão. Somente em 1282 D.<br />

Dinis começará a resolver a contenda, inclusive <strong>de</strong>pois que D. Vicente pe<strong>de</strong> a intervenção<br />

papal. Então D. Dinis reconhece que a troca não foi justa, pois se misturaram o espiritual e<br />

o temporal, <strong>de</strong>volvendo o <strong>padroado</strong> da igreja <strong>de</strong> Lamegal, a quinta, reconfirmando <strong>os</strong><br />

direit<strong>os</strong> do bispo sobre Cabanões e ainda pagando uma in<strong>de</strong>nização a este (CENTRO, doc.<br />

no.: 45).<br />

Mesmo assim, não tem<strong>os</strong> certeza da efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste acordo, porque <strong>de</strong>z an<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>pois D. Dinis volta a confirmar o direito <strong>de</strong> D. Vicente e seus sucessores sobre a igreja<br />

<strong>de</strong> Cabanões (CENTRO, docs. n<strong>os</strong>.: 103 e 106).<br />

Dessa maneira, o rei também era um d<strong>os</strong> protagonistas em um outro tipo <strong>de</strong><br />

contenda envolvendo <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>: o da legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um padroeiro em uma<br />

<strong>de</strong>terminada paróquia, já que o bispo questiona a valida<strong>de</strong> do escambo efetuado entre as<br />

duas partes.<br />

Neste tipo <strong>de</strong> conflito o monarca também é chamado a intervir, n<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> n<strong>os</strong> quais<br />

um padroeiro abusivo e ilegítimo ameaça <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma igreja ou m<strong>os</strong>teiro. Em uma<br />

carta régia, datada <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1254, Afonso III respon<strong>de</strong> a um pedido do bispo do<br />

Porto pela intervenção régia a respeito d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> da igreja <strong>de</strong> Pereira (c. <strong>de</strong> Ovar), que<br />

estavam sendo ameaçad<strong>os</strong> por um laico. Nesta carta o monarca or<strong>de</strong>na ao meirinho<br />

Martinho Anes que faça com que esses direit<strong>os</strong> sejam rep<strong>os</strong>t<strong>os</strong> ao bispo do Porto e<br />

assegurad<strong>os</strong>, estabelecendo punição para quem f<strong>os</strong>se contrário a essa <strong>de</strong>cisão régia<br />

(CENTRO, doc. no.: 14).<br />

Esse caso da igreja <strong>de</strong> Pereira <strong>de</strong>monstra outro tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> frequente por parte<br />

do rei, que é a <strong>de</strong> servir como árbitro e mediador das relações e conflit<strong>os</strong> resultantes do<br />

4


exercício do direito <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>. Portanto falarem<strong>os</strong> da lei <strong>de</strong> 1261 elaborada por Afonso<br />

III para coibir abus<strong>os</strong> e moralizar a prática do <strong>padroado</strong>.<br />

Essa lei trata em sua maior parte d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> ap<strong>os</strong>entadoria e comedoria,<br />

proibindo que algumas pessoas pousem em igrejas e m<strong>os</strong>teir<strong>os</strong>, como infanções ou filh<strong>os</strong><br />

ilegítim<strong>os</strong> e estabelece <strong>de</strong> foma específica regras e limitações para tais pousadias. Assim,<br />

tem<strong>os</strong> por exemplo que: “Defen<strong>de</strong> el Rej que caualeir<strong>os</strong> nem Jnfançoões nom uaão a<strong>os</strong><br />

moesteir<strong>os</strong> nem aas Jgreias mais <strong>de</strong> tres uezes no anno” (ORDENAÇÕES, 1988, p. 63).<br />

Quanto à questão d<strong>os</strong> filh<strong>os</strong> ilegítim<strong>os</strong>, no caso <strong>os</strong> filh<strong>os</strong> <strong>de</strong> barregãs, D. Afonso III<br />

restringe a ap<strong>os</strong>entadoria, mas reconhece uma exceção: “Manda el Rey que filh<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

barregaans nom uaão a moesteir<strong>os</strong> nem aas Jgreias nem a<strong>os</strong> testament<strong>os</strong> se nom forem<br />

Recebid<strong>os</strong> a<strong>os</strong> beens pa<strong>de</strong>rnaaes asi como filh<strong>os</strong> lijdim<strong>os</strong>” (ORDENAÇÕES, 1988, p. 62).<br />

Portanto, o filho <strong>de</strong> barregã não estava proibido <strong>de</strong> pousar nas igrejas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tivesse<br />

herdado <strong>os</strong> bens da mesma forma que um filho legítimo.<br />

O rei, além <strong>de</strong> limitar o número <strong>de</strong> vezes das pousadias e <strong>de</strong>finir quem po<strong>de</strong> ou não<br />

exercer o direito, também estabelece quantas pessoas <strong>de</strong> uma mesma família po<strong>de</strong> se<br />

ap<strong>os</strong>entar, quant<strong>os</strong> animais po<strong>de</strong> levar, o quanto po<strong>de</strong> usufruir da h<strong>os</strong>pedagem etc.<br />

O direito <strong>de</strong> apresentação, outro importante foco <strong>de</strong> tensão entre eclesiástic<strong>os</strong> e<br />

laic<strong>os</strong> no que se refere a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>, também é tratado na lei, embora que com<br />

men<strong>os</strong> frequência e <strong>de</strong>talhes do que <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> ap<strong>os</strong>entadoria e comedoria.<br />

O monarca diz primeiramente sobre o assunto:<br />

Manda el Rej que <strong>de</strong>s que a Jgreia for abadada per o arçebispo ou per<br />

bispo ou per seus viguair<strong>os</strong> . aa presentaçom d<strong>os</strong> padroeir<strong>os</strong> <strong>de</strong>llas ou per<br />

a mayor parte daquelles que hi som E querem ou po<strong>de</strong>m seer per hu o<br />

<strong>de</strong>reito manda ./ nehuum caualeiro nem outro homem nom <strong>de</strong>fenda aa<br />

Jgreia nem a herda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sa meesma Jgreia nem o testamento <strong>de</strong>lla /<br />

(ORDENAÇÕES, 1988, p. 61).<br />

Após essa recomendação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mais geral, Afonso III regula mais<br />

<strong>de</strong>talhadamente a apresentação, <strong>de</strong>cidindo o que acontece se o padroeiro não indicar um<br />

candidato em tempo hábil: a apresentação passa para o bispo ou arcebispo:<br />

Se <strong>os</strong> padroeir<strong>os</strong> nem <strong>os</strong> her<strong>de</strong>ir<strong>os</strong> nom presentam aa Jgreia uagada per sa<br />

<strong>de</strong>saueença ou per sa negrigençia ataa o tempo que o <strong>de</strong>reito manda ./ Se<br />

o arçebispo ou bispo p<strong>os</strong>er aba<strong>de</strong> em sua Jgreia per hu o <strong>de</strong>reito manda .<br />

5


nehuum nom <strong>de</strong>fenda esa Jgreia a esse apresentado que o arçebispo ou<br />

bispo p<strong>os</strong>er em esa Jgreia. (ORDENAÇÕES, 1988, p. 61).<br />

Esta parte da lei é <strong>de</strong> suma importância, pois nela o rei reconhece o po<strong>de</strong>r do clero,<br />

o qual em última instância é o responsável por <strong>de</strong>cidir sobre a melhor forma <strong>de</strong> se ocupar<br />

um cargo eclesiástico vago, inclusive quando <strong>os</strong> padroeir<strong>os</strong> negligenciam seu próprio<br />

direito.<br />

Dessa forma, neste caso da legislação <strong>de</strong> 1261 percebem<strong>os</strong> um esforço conjunto do<br />

clero e <strong>de</strong> Afonso III, enquanto monarca e responsável por manter a or<strong>de</strong>m e a justiça do<br />

reino, em barrar as práticas abusivas d<strong>os</strong> padroeir<strong>os</strong> em relação a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

apresentação, ap<strong>os</strong>entadoria e comedoria. No entanto, tais leis parecem não ter surtido<br />

efeito prático, pois as mesmas retomam leis mais antigas, como as <strong>de</strong> Afonso II sobre a<br />

mesma matéria, datadas <strong>de</strong> 1211 e também serão reforçadas por uma lei <strong>de</strong> D. Dinis datada<br />

<strong>de</strong> finais do século XIII. Além <strong>de</strong>ssa repetição das leis, tem<strong>os</strong> as <strong>de</strong>núncias contra abus<strong>os</strong><br />

cometid<strong>os</strong> pelo próprio rei, nas já citada queixas <strong>de</strong> 1267/1268 e que tornam a aparecer na<br />

concordata celebrada entre D. Dinis e o clero em 1289.<br />

Assim, a partir da análise d<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>, po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> perceber e rastrear<br />

algumas motivações para as tensas relações entre Afonso III e o clero. Mas também<br />

po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> apontar características do exercício do po<strong>de</strong>r régio na segunda meta<strong>de</strong> do século<br />

XIII: o monarca ao mesmo tempo em que p<strong>os</strong>sui interesse em expandir seu po<strong>de</strong>r<br />

(expresso na busca pela expansão do rol das igrejas sob seu <strong>padroado</strong> e na intervenção na<br />

esfera eclesiástica através do direito <strong>de</strong> apresentação) e nesse processo entra em conflit<strong>os</strong><br />

com o clero, é chamado a mediar e arbitrar <strong>os</strong> cas<strong>os</strong> <strong>de</strong> abus<strong>os</strong>. Como no caso da igreja <strong>de</strong><br />

Pereira, o rei tem seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> árbitro reconhecido e solicitado, além <strong>de</strong> também ter <strong>de</strong><br />

mediar as relações entre nobres e clérig<strong>os</strong>, no caso que analisam<strong>os</strong>, elaborando leis que<br />

tanto coíbam situações abusivas quanto o garantam o exercício, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que correto, d<strong>os</strong><br />

direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>.<br />

Portanto, o estudo sobre <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>padroado</strong>, <strong>de</strong>vido à complexida<strong>de</strong> d<strong>os</strong><br />

mesm<strong>os</strong>, n<strong>os</strong> permite perceber as diversas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Afonso III em relação ao clero em<br />

seu <strong>reinado</strong>, diversida<strong>de</strong> essa que é reflexo das funções inerentes ao po<strong>de</strong>r régio no século<br />

XIII.<br />

6


REFERÊNCIAS:<br />

ALMEIDA, Fortunato <strong>de</strong>. História da Igreja em Portugal. Portucalense Editora, Porto,<br />

1970. Volume I.<br />

CENTRO <strong>de</strong> Documentação da Terra <strong>de</strong> Santa Maria.<br />

Document<strong>os</strong> númer<strong>os</strong>: 14, 31, 32, 33, 45, 103, 106.<br />

www.castelodafeira.pt<br />

MARQUES, Maria Alegria Fernan<strong>de</strong>s. O papado e Portugal no tempo <strong>de</strong> D. Afonso III<br />

(1245-1279). Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, Coimbra, 1990 (tese).<br />

OLIVEIRA, Miguel <strong>de</strong>. As paróquias rurais portuguesas: sua origem e formação. União<br />

Gráfica, Lisboa, 1950.<br />

ORDENAÇÕES <strong>de</strong>l-Rei D. Duarte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.<br />

VILAR, Hermínia Vasconcel<strong>os</strong>. O rei e a Igreja: o estabelecimento das concórdias (1245-<br />

1383). In: JORGE, Ana Maria C. M.; RODRIGUES, Ana Maria S. A. (coord.). História<br />

religi<strong>os</strong>a <strong>de</strong> Portugal. Lisboa: Círculo <strong>de</strong> Leitores, 2000. Volume I.<br />

7

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!